Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
625/23.6PXLSB.L1-5
Relator: ANA CRISTINA CARDOSO
Descritores: RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
REJEIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/07/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEIÇÃO
Sumário: I - O objeto legal da reclamação é a decisão reclamada e não a questão por ela julgada, pelo que o reclamante tem o ónus de suscitar os respetivos vícios em sede de reclamação.
II – Limitando-se o reclamante a apresentar requerimento em que diz querer reclamar para a conferência, nada mais alegando, sem concretizar qualquer razão de discordância, a sua pretensão é inepta e, por conseguinte, manifestamente improcedente, sendo caso de rejeição.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes na 5ª Secção Criminal da Relação de Lisboa:

I. Relatório:
No processo abreviado nº 625/23.6PXLSB do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa, Juiz 1, o arguido AA, não se conformando com o juízo de condenação, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Após resposta do Ministério Público junto da 1ª instância e elaboração de parecer pelo Ministério Público junto deste Tribunal de recurso, foi proferida decisão sumária, em 3 de setembro de 2025, que rejeitou o recurso
nos termos dos artigos 417º, nº 6, alínea b) e 420º, nº 1, alínea a), todos do Código do Processo Penal, i.e. por manifestamente improcedente.
Da referida decisão, vem o arguido reclamar para a conferência [por requerimento de 18.09.2025], nos seguintes termos (transcrição):
«AA, recorrente, devidamente identificado, nos autos em referencia, notificado que foi, pelo juízo local de pequena criminalidade de Lisboa, juiz 1, da decisão sumária proferida por este TRL, no âmbito do recurso, vem reclamar desta decisão sumária e requer, nos termos do disposto no artº 417º, nº 8 do CPP, seja o recurso interposto julgado em conferencia.
Termos em que
Deve a reclamação admitida nos termos e para os efeitos legais.»
Notificada a reclamação, no exercício do contraditório, o Ministério Público sustentou que (transcrição):
«1.
O recorrente reclama para a conferência da Decisão Sumária, de 03/09/2025, deste Tribunal e Secção que, ao abrigo do disposto nos arts. 417.º, n.º 6, al. b), e 420.º, n.º 1, al. a), ambos do Código do Processo Penal, rejeitou o recurso por manifestamente improcedente.
2.
O recorrente no seu requerimento “vem reclamar desta decisão sumária e requer, nos termos do disposto no artº 417º, nº 8 do CPP, seja o recurso interpostojulgado em conferencia.
3.
No entanto, o recorrente não fundamenta a razão de ser da reclamação, ou seja, qual o fundamento da sua discordância relativamente à decisão sumária de rejeição do recurso e que motiva o conhecimento do recurso em conferência.
4.
Tal circunstância, s.m.o., impede o contraditório e o conhecimento da reclamação.
5.
Em todo o caso, sempre diremos que o recurso é manifestamente improcedente nos termos sustentadas na decisão sumária, com os quais concordamos e que, de resto, antevíramos no parecer oportunamente emitido.
Pelo exposto, a reclamação não deverá ser admitida e a sê-lo não se mostra
procedente.»
*
II. Teor da decisão sumária reclamada:
Sobre o recurso interposto pelo arguido, ora reclamante, recaiu a seguinte decisão, que se transcreve:
« RELATÓRIO
I. No processo abreviado nº 625/23.6PXLSB do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa, Juiz 1, foi proferida sentença, em 12.11.2024, na qual se decidiu, na parte relevante, condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e puído pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal:
«a) numa pena de 7 (sete) meses de prisão a cumprir em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, sendo o arguido especialmente autorizado a ausentar-se da sua residência para o exercício da sua atividade profissional, nos termos do artigo 43.º, n.º 3 do Código Penal;
b) numa pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria por um período de 20 (vinte) meses, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 69.º do Código Penal, sob pena de incorrer em responsabilidade criminal se violar tal proibição».
II. Inconformado, recorreu o arguido AA, formulando as seguintes conclusões (transcrição):
1. Vem o presente recurso interposto da sentença que condenou o arguido, como autor material dos crimes constantes do douto acórdão recorrido, 7 (sete) meses de prisão a cumprir em regime de permanência na habitação, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por período de 20 meses e ainda no pagamento das custas e de taxa de justiça.
2. Tendo ficado demonstrado da sentença recorrida que “nenhum facto constante da acusação se reporta à concreta intenção que norteou a vontade do arguido, …, sendo que, “agir voluntariamente” não significa “agir com intenção”, pelo que não se pode considerar que o arguido agiu com dolo directo e de forma culposa. É verdade que o arguido confessou ter ingerido álcool, mas nada foi provado de que ele conhecia que estaria a conduzir com uma taxa de álcool superior à permitida por lei, que tinha consciência que estaria a praticar um acto criminalmente punível, sendo mesmo a acusação omisso quanto à verificação do elemento subjectivo do crime.
3. Assim, andou mal o Tribunal a quo quando diz que foi produzida prova suficiente de que o arguido cometeu o crime (condução em estado de embriaguez), agindo com dolo directo e de forma culposa; Até porque disse em audiência que so conduziu para socorrer uma familiar doente.
4. Com o devido respeito, tal consideração é de repudiar em absoluto, quando in casu, se impunha a absolvição, por insuficiência para a decisão sobre a matéria de facto dada como provada, por falta do elemento subjectivo do tipo. Com efeito, este elemento emocional é dado “através da consciência da ilicitude” e “ é um elemento integrante da forma de aparecimento mais perfeita do delito doloso”
5. Daí que só se possa afirmar que o agente actuou dolosamente quando, nomeadamente, esteja assente que o mesmo actuou com conhecimento ou consciência do caracter ilícito e criminalmente punível da sua conduta. Em suma; o dolo só existirá quando o agente actue com conhecimento e vontade de realização do tipo-de-ilícito e com conhecimento ou consciência da ilicitude da sua actuação, ou seja, “sempre que o ilícito típico seja fundamentado por uma censurável posição da consciência-ética do agente perante o desvalor do facto, pressuposto que aquele se encontrava correcta e suficientemente orientada para esta”, cfr. Figueiredo Dias, ob. Cit., pp. 199 a 204, e Pressupostos da Punição e Causas que Excluem a ilicitude e a Culpa, in “ Jornadas de Direito Criminal”, Ed. Do Centro de Estudos Judiciários, pp. 72 e 73.
6. Resultou ainda provado que o arguido/ora recorrente exerce a actividade construção civil e de motorista profissional, sendo que é indispensável para o exercício da sua actividade profissional, a condução de veículos automóveis, pois efectua diariamente transporte para a mesma actividade, para transportes de materiais.
7. O que significa que a carta de condução representa uma necessidade incontornável, quer a nível pessoal como profissional. Aplicar ao arguido, ora recorrente, a pena acessória de inibição de conduzir, por um período de 20 meses, será colocar em risco a sua actividade profissional, bem como a manutenção do seu posto de trabalho e, consequentemente a sua estabilidade económica e do seu agregado familiar, tendo um filho menor a seu cargo.
8. Ademais, não ficou demonstrado nos autos que a conduta do recorrente é dolosa, não se verificando quer o dolo específico, quer o dolo eventual, inexistindo qualquer intenção deliberada de infligir regras rodoviárias. O arguido, ora recorrente considera a pena de prisão por 7 meses e a pena acessória de inibição de conduzir por 20 meses, não é de forma alguma proporcional à culpa, por exagerada, considerando-se que as necessidades de prevenção geral e especiais exigidas, não justificam a pena aplicada.
9. Da mesma forma que a suspensão pode ser aplicada quando dela não poderá resultar perigo para a confiança da comunidade, que é o caso, também da inibição de conduzir não pode resultar consequências gravosas e/ou
10.De relevar que a última condenação do recorrente data há mais de 7 anos, pelo que, citando alguma da nossa jurisprudência onde se refere que ” as necessidades de prevenção especial relativamente a este tipo de crime concretamente cometido pelo recorrente não são de sobremaneira elevadas dado que este se absteve de tal conduta por cerca de 4 anos até à situação dos presentes autos.
11. Temos presente a necessidade geral de prevenção deste tipo de crimes e a necessidade de revalidar a norma violada para que os cidadãos interiorizem os malefícios de tal comportamento, no entanto e apesar dessa consciência parece-nos que a concreta pena acessória de proibição de conduzir viaturas automóveis fixada pelo Tribunal a quo se revela exagerada relativamente à perigosidade detetada na conduta do recorrente tendo em conta inclusive a taxa de álcool no sangue demonstrada de 1,78 g/l de que era portador.
12. Aqui chegados concluímos que, em parte, assiste razão ao recorrente, e afigura-se-nos que será suficiente e adequado para acautelar as necessidades de prevenção especial e geral que o caso requer, uma pena acessória de proibição de conduzir viaturas automóveis na via pública correspondente ao período de um ano, - idêntico ao que foi fixado como período de suspensão da execução da pena de prisão -, relevando também para esta conclusão a circunstância de o Tribunal a quo ter formulado relativamente ao recorrente um prognóstico de conduta favorável relativamente a atos futuros que permitiu aplicar o instituto de suspensão da execução da pena de prisão enquanto pena de substituição da prisão. Efetivamente somos de opinião, já expressa em anteriores acórdãos relatados pela relatora, que o período pelo qual o arguido fica sujeito a regime de prova para efeitos de reinserção social, deve corresponder ao período pelo qual a sua perigosidade na condução estradal, também deve ser acautelada, dado que, em concreto, não vislumbramos razões justificativas para aplicar uma pena acessória por período superior ao da suspensão da execução da pena principal. Neste sentido citamos os Acórdãos desta Relação com os números 32/18.2GTAVR.P1 e 409/19.6DFR.P1subscritos pela relatora e pelo primeiro adjunto, doutrina que aplicável ao caso concreto justifica/justificaria a aplicação ao recorrente uma pena, ainda que de prisão, suspensa por 5 meses e o mesmo para o tempo da sanção acessória para a proibição de conduzir, o que desde já se requer. O facto de ter passado criminal, por condução sob influência de álcool não devia relevar como circunstância agravante na medida da pena aplicada, sendo que deve ser reduzido o tempo de suspensão da pena, pelo quantitativo da pena principal, e igualmente para a pena acessória. Nos termos do art.º 71º/1 do Cp a determinação da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. E ainda: Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele (art.º 71/2 CP). E também: Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena art.º 71º/3CP. Por outro lado considera o arguido que os fundamentos apresentados como justificação da medida da pena, são vagas e imprecisas, não sendo indicados factos atinentes à culpa, essenciais para aplicação de uma pena. Pois o tribunal se encontra obrigado, por lei a fundamentar devidamente as suas decisões concretizando-as (art.º 374º/2 CPP e art.º 615º/b CPC). Acresce que a douta sentença recorrida não explica porque razão entende que a conduta do arguido é grave, nada referindo, de todo, quanto a exigência de prevenção, geral e especial, ficando por meras considerações gerais”. Em direito e por força da lei, as inferências não chegam- não basta concluir, há que dizer, e dizer fundadamente, porque razão se decide de uma maneira e não doutra. O que não sucede, na douta sentença recorrida. Logo, violou a decisão recorrida o disposto nos artigos, 18º e 32º da CRP, 40º, 47º, 50º e 71º, todos do CP, assim como o disposto no artigo 375º, nº 1 e 2, do CPP e da nulidade prevista no artigo 379º, nº 1, alínea c) do CPP, a qual desde já se invoca com as legais consequências, aplicando penas claramente desproporcionais.
Nestes termos,
deve o presente recurso ser considerado procedente, sendo o arguido recorrente absolvido dos crimes de pelo quais foi condenado.
Porém, sem conceder,
Caso V. Exas, doutamente, assim não entender, deve a pena de prisão aplicada ao recorrente ser suspensa na sua execução nos termos do artº 50 do CP, fazendo assim a costumada Justiça!....»
III. Admitido o recurso, foi determinada a sua subida imediata, nos autos, e com efeito suspensivo.
IV. Notificado para tanto, respondeu o Ministério Público, concluindo pela improcedência do recurso, sem apresentar conclusões.
V. Neste Tribunal da Relação de Lisboa foram os autos ao Ministério Público, que emitiu parecer concluindo pela improcedência do recurso.
Depois de acompanhar a posição expressa pelo Ministério Público junto da primeira instância, a Exma. Procuradora Geral Adjunta acrescentou que transcrição):
«No entanto, quanto à nulidade da sentença por falta ou insuficiente fundamentação, sempre diremos que a sua leitura permite perceber o percurso lógico dedutivo que o Tribunal a quo seguiu para formular a sua decisão quanto aos factos provados e bem assim quanto à interpretação e aplicação do direito aos factos.
Por outro lado, a confissão do arguido/recorrente prejudica necessariamente a pretensão de a sentença padecer do vicio de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, por não se provar o dolo, não só porque o dolo consta da matéria de facto provada, como a sua prova resultou da confissão, reconhecendo e confirmando que conduziu sob o efeito do álcool, o que não pode deixar de querer dizer que sabia estar sob o efeito do álcool e assim quis conduzir. Ademais, o arguido/recorrente foi condenado por diversas e bastas vezes pelo mesmo crime, pelo que necessariamente sabia o que estava a dizer quando prestou declarações confessórias».
VI – No exercício do contraditório, nada foi acrescentado.
OBJECTO DO RECURSO
O âmbito do recurso, que circunscreve os poderes de cognição deste tribunal, delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º/2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995).
São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respetiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar.
Desta forma, tendo presentes tais conclusões, são as seguintes as questões a decidir:
1. Da nulidade da sentença por insuficiência da fundamentação.
2. Da insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito / erro de julgamento.
3. Da correção da pena e da sanção acessória.
DA SENTENÇA RECORRIDA
Da sentença recorrida consta a seguinte fundamentação (transcrição):
«A) Factos Provados:
Na audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:
Da Acusação
1. No dia ... de ... de 2023, pelas 2:20 horas, AA conduzia o veículo automóvel de matrícula ..-..-VB, na ..., em …, com uma taxa de álcool no sangue de 1,69 g/l, a que corresponde, pelo menos, após dedução do erro máximo admissível a taxa de 1,55 g/l.
2. AA sabia que a qualidade e a quantidade de bebidas alcoólicas que ingeriu momentos antes de iniciar a condução lhe determinariam, necessariamente, uma T.A.S. superior a 1,20g/l, o que não o impediu de conduzir o veículo na via pública, de forma livre, voluntária e consciente.
3. Mais sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
*
Mais se Provou que
4. AA confessou integralmente e sem reservas os factos de que vinha acusado.
5. A Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais emitiu parecer favorável ao cumprimento de uma eventual pena de prisão em regime de permanência na habitação, para o qual o arguido prestou consentimento.
*
Das Condições Pessoais, Sociais e Económicas do Arguido
6. AA reside num bairro social no centro de Lisboa numa habitação atribuída à companheira, com quem tem uma relação afetiva há mais de vinte anos, e com dois filhos, de vinte e catorze anos de idade, sendo o seu núcleo familiar descrito como coeso.
7. Até à maioridade, o processo de socialização de AA decorreu no seio de um agregado familiar pouco estruturado e com défices na capacidade das figuras parentais em acompanhar adequadamente o seu desenvolvimento educativo, crescendo sob o cuidado direto dos irmãos mais velhos.
8. AA concluiu, com fraco investimento, o 4.º ano de escolaridade.
9. AA veio para Portugal com dezoito anos de idade.
10. AA desempenha atividade laboral, em nome próprio, na área da ..., auferindo mensalmente a quantia média de € 1.600,00 (mil e seiscentos euros) sendo que a companheira explora um estabelecimento comercial conjuntamente com outros familiares.
11. AA tem quatro filhos.
12. AA aparente ser uma pessoa com fraco controlo dos impulsos e diminuta capacidade de reflexão, sendo, no entanto, caraterizado pela companheira como responsável e trabalhador.
13. AA cumpriu pena de prisão em estabelecimento prisional tendo sido restituído à liberdade, pela última vez, no mês de ... de 2018.
14. AA justifica os anteriores contactos com o sistema de justiça com a sociabilidade estabelecida nos espaços de restauração, não considerando sofrer de adição etílica.
*
Dos Antecedentes Criminais do Arguido
15. AA foi já condenado (conforme consta do teor do seu Certificado de Registo Criminal, junto aos autos a fls. 100 e seguintes e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais):
15.1 Numa pena de noventa dias de multa à taxa diária de setecentos escudos e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pela prática, no dia ... de ... de 1999, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por decisão datada de 7 de dezembro de 1999, transitada em julgado em 17 de dezembro de 1999.
15.2 Numa pena de cento e vinte dias de multa à taxa diária de sete euros e quarenta e oito cêntimos e numa pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de quatro meses pela prática, no dia ... de ... de 2000, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por decisão datada de 4 de agosto de 2000, transitada em julgado em 2 de outubro de 200.
15.3 Numa pena de noventa dias de multa à taxa diária de quinhentos escudos pela prática, no dia ... de ... de 2000, de um crime de detenção de arma proibida, por decisão datada de 2 de março de 2001, transitada em julgado em 19 de março de 2001.
15.4 Numa pena de cento e oitenta dias de multa à taxa diária de quatro euros pela prática, no dia ... de ... de 2002, de um crime de condução sem habilitação legal, por decisão datada de 28 de abril de 2003, transitada em julgado em 18 de maio de 2003.
15.5 Numa pena única de onze meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos, pela prática, no dia ... de ... de 2001, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal e de um crime de falsificação de documentos, por decisão datada de 10 de outubro de 2003, transitada em julgado em 5 de novembro de 2003.
15.6 Numa pena única de dois anos e quatro meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de quatro anos, pela prática, no dia ... de ... de 2005, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal e de um crime de falsificação de documentos, por decisão datada de 15 de maio de 2006, transitada em julgado em 30 de maio de 2006.
15.7 Numa pena de sete meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de quatro anos, e numa pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de um ano e nove meses, pela prática, no dia ... de ... de 2006, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por decisão datada de 8 de novembro de 2006, transitada em julgado em 23 de julho de 2007.
15.8 Numa pena única de três anos de prisão pela prática, no dia ... de ... de 2002, de um crime de coação e de um crime de sequestro, por decisão datada de 4 de julho de 2011, transitada em julgado em 9 de setembro de 2011, que cumpriu efetivamente até ao dia 23 de março de 2013.
15.9 Numa pena de sete meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, condicionada a regime de prova, e numa pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de um ano e seis meses, pela prática, no dia ... de ... de 2013, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por decisão datada de 11 de julho de 2013, transitada em julgado em 10 de setembro de 2013.
15.10 Numa pena de nove meses de prisão e numa pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de vinte e quatro meses, pela prática no dia ... de ... de 2015, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por decisão datada de 23 de maio de 2016, transitada em julgado em 30 de janeiro de 2017, que cumpriu efetivamente e se encontra extinta desde o dia 29 de dezembro de 2017.
15.11 Numa pena de doze meses de prisão a cumprir por dias livres e numa pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de doze meses, pela prática, no dia ... de ... de 2016, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por decisão datada de 9 de março de 2016, transitada em julgado em 12 de maio de 2017.
15.12 Numa pena de oito meses de prisão e numa pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de vinte meses pela prática, no dia ... de ... de 2017, de um crime de desobediência, por decisão datada de 6 de abril de 2017, transitada em julgado em 17 de maio de 2017, que cumpriu efetivamente e se encontra extinta desde o dia 28 de agosto de 2018.
15.13 Numa pena de seis meses de prisão e numa pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de um ano e seis meses pela prática, no dia ... de ... de 2015, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por decisão datada de 21 de dezembro de 2015, transitada em julgado em 6 de julho de 2017.
15.14 Numa pena única de vinte e quatro meses de prisão e numa pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de vinte e quatro meses, por decisão cumulatória datada de 1 de março de 2018, transitada em julgado em 18 de outubro de 2018, que cumpriu efetivamente tendo sido colocado em liberdade no dia 3 de janeiro de 2020.
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B) Matéria de Facto Não Provada:
Não se provaram todos os demais factos que se não compaginam com a factualidade apurada, sendo certo que aqui não interessa considerar as alegações conclusivas, de direito ou meramente probatórias, as quais deverão ser analisadas e ponderadas em sede própria desta decisão, nem as alegações manifestamente irrelevantes para a decisão.
*
C) Fundamentação da Matéria de Facto:
O Tribunal formou a sua convicção positiva com base na análise crítica e conjugada da prova produzida e examinada em audiência de julgamento globalmente considerada, atendendo nos dados objectivos fornecidos pelos documentos juntos aos autos e fazendo uma análise das declarações e depoimentos prestados. Toda a prova produzida foi apreciada segundo as regras da experiência comum e lógica do homem médio, suposto pelo ordenamento jurídico, fazendo o Tribunal, no uso da sua liberdade de apreciação, uma análise crítica dos meios de prova, nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.
Ora, para apurar a factualidade assente não basta enumerar os meios de prova de que se socorreu o Tribunal, antes se impondo a “explicitação do processo de formação da convicção do tribunal” (Acórdão da Relação de Coimbra n.º 680/98 de 2 de Dezembro, disponível em www.dgsi.pt), por forma a permitir uma compreensão “do porquê da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo decisório” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 406/99 3AS de 12 de Maio, disponível in www.dgsi.pt.).
Esse processo de convicção formar-se-á, não só com os “dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, mas também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, (…) "linguagem silenciosa e do comportamento", coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, por ventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos” (Acórdão da Relação de Coimbra de 10 de Janeiro de 2005, também disponível in www.dgsi.pt.).
No entanto, e mesmo antes de nos abalançarmos na motivação da factualidade provada e não provada, importa sinalizar que a audiência de julgamento decorreu com o registo da prova (depoimentos das testemunhas) em sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática do tribunal. Tal circunstância, permitindo uma ulterior reprodução desses meios de prova e um efetivo controlo do modo como o Tribunal formou a sua convicção, deve, nesta fase do processo, revestir-se de alguma utilidade, nomeadamente dispensando o relato detalhado das declarações e depoimentos prestados.
Especificando.
Presente em audiência de julgamento AA optou por prestar declarações e, através delas, de modo sério, espontâneo, sincero, humilde e credível, confessar integralmente e sem reservas os factos por que vinha acusado, descrevendo e contextualizando as concretas circunstâncias em que os mesmos ocorreram, designadamente de tempo e lugar. Confirmou, nessa sequência, que ingeriu bebidas alcoólicas e que, sob a sua influência, exerceu a condução do veículo em causa na via pública.
A corroborar e concretizar as declarações prestadas pelo arguido valoramos ainda o teor dos vários documentos juntos aos autos, destacando-se o auto de notícia de fls. 1 a 3 (relativamente às circunstâncias de tempo e lugar em que os factos ocorreram, e bem assim à identificação do veículo conduzido pelo arguido), a notificação de fls. 9, o certificado de verificação de qualidade de fls. 11 e, finalmente, o talão contendo o resultado do teste de pesquisa de álcool no sangue de fls. 10 (quanto à concreta taxa de álcool apresentada pelo arguido, mormente após dedução do erro máximo admissível). Ora, o conteúdo dos documentos que agora elencamos não foi posto em causa ou infirmado por qualquer outro elemento de prova carreado para os autos, não nos suscitando, por isso, quaisquer dúvidas.
No que respeita à intenção subjetiva do arguido, vertida nos pontos 2. e 3. dos factos provados, atendemos, também aqui, às suas declarações confessórias. No entanto, tal factualidade sai também comprovada através do funcionamento daquelas que são as mais elementares regras da experiência comum e da verosimilhança as quais, quando confrontadas com os elementos objetivos dados como provados (designadamente com a já elevada taxa de álcool no sangue que o arguido apresentava), nos permitem inferir a intenção subjetiva do arguido, na medida em que se trata de uma presunção natural de quem conduz após ter ingerido uma quantidade indeterminada de bebidas alcoólicas (considerando a taxa de álcool no sangue que apresentava) saber que está a praticar e ter vontade de praticar tal facto, e que esse comportamento é proibido e punido por lei. Efetivamente, “o dolo não é suscetível de apreensão direta por pertencer ao foro íntimo de cada um, pelo que só poderá ser captado através de presunções legais, em conexão com o princípio da normalidade e as regras da experiência comum que permitem inferi-lo a partir dos factos materiais comuns, entre os quais avulta o preenchimento da materialidade da infracção” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4 de maio de 1994, disponível em www.dgsi.pt). Qualquer cidadão médio sabe que é crime conduzir sob a influência de bebidas alcoólicas.
As condições económicas e pessoais do arguido resultam apuradas com recurso às suas próprias declarações as quais, também nesta parte, não levantaram quaisquer reservas ao Tribunal, nada existindo nos autos que infirme a sua versão a qual se nos apresentou, por esse motivo, verosímil e credível. Para além do mais, consideramos o teor do relatório elaborado pela Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, junto aos autos a fls. 90 e seguintes, no qual é descrito o percurso profissionais e vivência pessoal e social do arguido através do contacto direto estabelecido com o próprio e seus familiares (pontos 5., e 6. a 14. dos factos provados).
Por último, no que se refere aos antecedentes criminais do arguido ancoramos a nossa convicção no teor do seu Certificado de Registo Criminal junto aos autos a fls. 101 e seguintes (ponto 15. dos factos provados)».
FUNDAMENTAÇÃO
Da rejeição do recurso
1. Da nulidade da sentença por insuficiência da fundamentação
O recorrente, misturando considerações sobre o caso com acórdãos de uma Relação, tornando de difícil inteligibilidade a conclusão 12ª, alega a insuficiência da fundamentação e a nulidade da sentença:
os fundamentos apresentados como justificação da medida da pena, são vagas e imprecisas, não sendo indicados factos atinentes à culpa, essenciais para aplicação de uma pena.
(…)
Acresce que a douta sentença recorrida não explica porque razão entende que a conduta do arguido é grave, nada referindo, de todo, quanto a exigência de prevenção, geral e especial, ficando por meras considerações gerais”.
Por imperativo constitucional, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei – cfr. artigo 205º da CRP.
Tal exigência constitucional permite, por um lado, possibilitar a sindicância das decisões judiciais e, por outro, convencer os destinatários e cidadãos em geral da sua correção e justiça e foi acolhido no artº 374º, nº 2, do CPP.
Nos termos do artº 374º do CPP, sobre os requisitos da sentença, ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
E diz-nos o artº 379º, nº 1, al. a), do CPP, que é nula a sentença que não contiver as menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do artigo 374º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do nº 1 do artigo 389º-A e 391º-F.
Tendencialmente, qualquer ato decisório deve bastar-se a si mesmo, de modo a que aos seus destinatários não seja necessário consultar qualquer outra peça processual ou documento, sendo o grau de exigência de fundamentação mais elevado no caso da sentença, o que se compreende por ser o ato decisório por excelência, razão pela qual a falta de fundamentação fere de nulidade a mesma, conforme já se aludiu supra.
Em sede de exame crítico das provas, o artigo 374º nº 2 do Código de Processo Penal impõe, a propósito do requisito da fundamentação, que a sentença mesma contenha a «exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».
A apreciação da prova é livre, mas não pode ser arbitrária, tem de alicerçar-se num processo lógico-racional, de que resultem objetivados, à luz das máximas de experiência, do senso comum, de razoabilidade e dos conhecimentos técnicos e científicos, os motivos pelos quais o Tribunal valorou as provas naquele sentido e lhes atribuiu aquele significado global e não outro qualquer.
A sentença recorrida está fundamentada, na medida em que elenca os factos provados e não provados e motiva a sua convicção de um modo tal que pode ser sindicada pelos seus destinatários e também por este Tribunal.
Quanto à escolha e medida da pena, aí se lê, abstraindo das considerações legais, doutrinárias e jurisprudenciais, i.e., especificamente sobre o caso dos autos, que:
«Importa, pois, não esquecer e ponderar que as exigências de prevenção geral deste tipo de crime são muito elevadas, uma vez que se trata de ilícito praticados com muita frequência na sociedade atual, principalmente na área desta Instância Local, dando origem muitas vezes a graves acidentes de viação, ao que acrescem os elevados índices de sinistralidade e mortalidade nas estradas portuguesas, provocados muitas das vezes pela condução sob a influência do álcool. De facto, o álcool tem tido um papel relevante como potenciador de outros ilícitos criminais de maior gravidade, pelo que se sente, efetivamente, necessidade de reafirmação da confiança da comunidade em geral na validade da norma que foi violada, no objetivo de pacificação e tranquilização social.
No caso em apreço, o arguido foi já alvo de treze condenações, sete delas pela prática de crimes de condução de veículo em estado de embriaguez, três pela prática de crimes de condução de veículo sem habilitação legal (e falsificação de documento) e uma pela prática de crime de desobediência (também de natureza estradal), o que não o impediu de voltar a conduzir naquelas circunstâncias, ou seja, sob a influência do álcool. Mais, o arguido, pela prática de ilícito criminal, foi condenado não só em penas de multa, mas também em penas de prisão, substituídas por outras e efetivas, não tendo tais advertências sido suficientes para o afastar da prática de novos factos ilícitos da mesma natureza. O arguido já cumpriu penas de prisão efetiva pela prática de crimes de condução em estado de embriaguez e outros, não tendo tais períodos de reclusão sido suficientes para o fazer refletir sobre o seu comportamento criminosos e infletir o seu percurso de vida.
Tais circunstâncias demonstram-nos de forma inequívoca que as várias penas não privativas da liberdade em que foi condenado não surtiram, de forma alguma, os efeitos preventivos/dissuasores desejados.
Parece-nos evidente que o extenso e impressivo passado criminógeno do arguido demonstra claramente a fraca sensibilidade que apresenta face às regras de Direito a que se encontra sujeito e que, repetida e conscientemente, opta por violar, maioritariamente relacionadas com o comportamento estradal/rodoviário. As penas não detentivas e detentivas em que foi condenado revelaram-se inúteis para prevenir a prática de novos ilícitos, colocando em crise as razões de prevenção geral e especial que estão na base da sua aplicação.
Torna-se patente que o arguido tem uma personalidade avessa ao dever ser jurídico e ao cumprimento da lei, reiterando a prática do mesmo ilícito criminal, mesmo após ter sido confrontado com a aplicação de diversas penas de prisão, que cumpriu, o que revela, da sua parte, uma postura de fraca interiorização da ilicitude e gravidade dos atos praticados, o que indicia uma forte propensão para voltar a delinquir.
O arguido não apresenta qualquer sensibilidade à punição ínsita nas anteriores condenações a que foi sujeito, revelando total desrespeito pelo poder estadual e interiorização quase nula do alcance das decisões jurisdicionais que lhe impuseram o cumprimento das diversas penas em que foi já condenado. Com efeito, a pena de multa revelou-se, claramente, inidónea para advertir solenemente o arguido para a desconformidade da sua conduta para com as regras da vivência social, especialmente de natureza rodoviária.
Pelo exposto, o Tribunal irá optar pela pena de prisão.
(…)
No caso concreto há então que ponderar:
- O grau de ilicitude do facto que se afigura acima da média, atendendo à concreta taxa de álcool com que exercia a condução do veículo em causa na via pública e a concreta perigosidade que a condução naquele estado representou para o próprio e demais utentes das vias por onde circulou.
- A intensidade do dolo, que no caso é direto, a forma mais gravosa.
- A circunstância de se encontrar social, familiar e profissionalmente inserido.
- A confissão integral e sem reservas dos factos.
- A conduta anterior ao crime.
Neste último ponto há que destacar, e conforme supra já sublinhamos, que, pese embora a sua idade, o arguido apresenta um extenso passado criminal maioritariamente pela prática de crimes de natureza rodoviária, tendo sofrido já cinco sete condenações anteriores pela prática de crimes de condução de veículo em estado de embriaguez. Para além dos crimes de natureza rodoviária, o arguido apresenta ainda condenações pela prática de crimes graves como sejam crimes de detenção de arma proibida, coação, sequestro e falsificação de documentos.
São assim muito elevadas as necessidades de prevenção especial considerando a circunstância do arguido ter repetido a prática do mesmo ilícito ao longo de vários anos (entre 1999 e 2015 – sendo que, posteriormente, esteve privado da liberdade em cumprimento de penas de prisão durante vários anos), demonstrando de forma inequívoca que as condenações anteriores não lhe serviram de advertência para evitar a prática de factos da mesma e idêntica natureza (relacionados com o comportamento estradal), com claro desrespeito pelos valores penais e bens jurídicos protegidos pelas incriminações em análise.
(…)
Na situação em causa nos autos, e tendo em conta tudo quanto se expôs aquando da escolha da pena principal (para cujas considerações se remete por manterem, aqui, inteira validade), decide-se não substituir a pena de prisão aplicada por pena de multa. Isto porque, entendemos que a personalidade do arguido, revelada no cometimento dos variados crimes constantes do seu certificado de registo criminal, sendo sete deles por condução em estado de embriaguez e um por recusa à realização dos testes de pesquisa de álcool no sangue, já tendo sido condenado em pena de multa e, inclusivamente, penas de prisão efetiva (que cumpriu) e que não o dissuadiram da prática de novos crimes, não permite fazer um juízo favorável no sentido da suficiência da pena de multa para o afastar da prática de novas infrações.
Pelo exposto, não se substitui a pena de prisão aplicada ao arguido por pena de multa.
(…)
No caso em análise, decide-se não suspender a execução da pena de prisão, por se entender que a personalidade do arguido, revelada no cometimento dos vários crimes de condução em estado de embriaguez por que já foi condenado, conforme resulta dos factos provados, não permite fazer um juízo favorável no sentido de que a suspensão da execução da pena realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição de molde a prevenir a prática de novas infrações, satisfazendo-se, assim, as necessidades de reprovação e prevenção do crime.
De facto, o arguido foi já condenado em várias penas de prisão suspensas na sua execução não tendo a ameaça do cumprimento das mesmas surtido qualquer efeito porquanto o arguido volta a delinquir. Note-se, inclusivamente, que o arguido foi condenado em penas de prisão cuja suspensão se condicionou a regime de prova ou seja, com acompanhamento por parte de técnicos especializados, não tendo aproveitado a oportunidade de ressocialização que tal acompanhamento e apoio encerrou.
Não ignora o tribunal a circunstância da última condenação do arguido pela prática de crime de condução de veículo em estado de embriaguez dizer respeito a factos ocorridos no ano de 2015. No entanto, não é menos verdade que o arguido, nesse interregno, chegou a cumprir penas de prisão efetivas, encontrando-se, assim, durante vários anos, privado da sua liberdade.
A isto acresce que o arguido já cumpriu penas de prisão efetivas pela prática de crimes de condução de veículo em estado de embriaguez, as quais não se revelaram suficientemente dissuasoras da prática de novos ilícitos, não tendo os períodos de reclusão sofridos sido de molde a convencer o arguido a adequar o seu comportamento aos preceitos legais vigentes. Daqui ressalta, pois, que o arguido não consegue manter um comportamento ajustado e consistente, revelando-se incapaz de se autodeterminar de acordo com as normas jurídicas vigentes, o que não permite fundar nenhuma confiança na sua capacidade em resistir à prática de futuros crimes, designadamente, de condução em estado de embriaguez.
Demonstra o arguido um comportamento displicente e desrespeitoso para com a autoridade estadual, não reconhecendo o carácter ilícito e perigoso da sua conduta, apesar das sucessivas advertências que lhe foram dirigidas, através das várias penas aplicadas. Na verdade, mesmo após ter sofrido períodos de reclusão, e de lhe terem sido concedidas oportunidades de ressocialização em liberdade (através das várias penas substitutivas, designadamente suspensas na sua execução com regime de prova), o arguido voltou a prevaricar, concluindo-se que não apresenta qualquer interiorização do carácter ilícito da sua conduta ou da necessidade de adequar o seu comportamento às regras vigentes e que regulam a convivência social.
Ora, atendendo a tais circunstâncias, entendemos que não é possível concluir pela viabilidade da ressocialização do arguido em liberdade, pois crê-se que a condenação numa pena de prisão suspensa já não irá funcionar como advertência para evitar a prática de futuros crimes da mesma natureza, como já havia feito no passado.
Sublinha-se ainda, neste conspecto, a elevada taxa de álcool com que o mesmo conduzia o veículo em causa na via pública e a perigosidade e risco que um tal comportamento representou não só para o próprio como para os demais utentes da via.
Tais fatores, conjugados entre si, não permitem ao tribunal acreditar que a simples censura e ameaça de pena serão suficientes para afastar o arguido da prática de novos crimes, e porque o processo de ressocialização deve ser o adequado e proporcional a uma inflexão de comportamentos, entende o Tribunal que as “exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico”, só ficarão asseguradas execução de pena efetiva, razão pela qual não se suspende a pena de prisão aplicada.
Em face do exposto, entendemos que uma suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido, após lhe terem sido aplicadas diversas penas de prisão suspensa na sua execução, não permite, de modo algum, impedir que volte a praticar novos crimes.
A personalidade do arguido, manifestada na sua conduta anterior e posterior ao crime, não permite efetuar um juízo de prognose no sentido da probabilidade segura do seu afastamento futuro da prática de novos crimes (prevenção da reincidência).
Ademais, a reiteração e gravidade dos factos, por um lado, e a manifesta incapacidade para se manter abstémio, por outro, adensam as necessidades de prevenção e demandam uma resposta eficaz por parte dos Tribunais.
Tais fatores, conjugados entre si, não permitem ao Tribunal acreditar que a simples censura e ameaça de pena serão suficientes para afastar o arguido da prática de novos crimes, e porque o processo de ressocialização deve ser o adequado e proporcional a uma inflexão de comportamentos, entende o Tribunal que as “exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico”, só ficarão asseguradas execução de pena efetiva, razão pela qual não se suspende a pena de prisão aplicada.
Concluindo, entendemos que uma suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido, após lhe terem sido aplicadas várias penas de prisão suspensas na sua execução pela prática do mesmo tipo de crime e três penas de prisão efetivas, que cumpriu, não permite, de modo algum, impedir que volte a incorrer em novos ilícitos criminais.
A suspensão funcionaria, em vez disso e como ocorreu já em momentos anteriores, como um livre passe para manter a sua atividade ilícita, criando-lhe uma sensação de impunibilidade.
(…)
Conforme temos vindo a sublinhar, o arguido foi já condenado por sete vezes pela prática do mesmo tipo de crime, inclusivamente em penas de prisão efetiva, sem que tenha demonstrado seguro e consistente juízo crítico sobre a ilicitude e desvalor das suas condutas, não tendo tais condenações impedido que voltasse a cometer crime de igual natureza.
Com efeito, esta é a oitava condenação do arguido pela prática do mesmo tipo de crime, sendo que conta com diversas outras condenações pela prática de ilícitos de natureza estradal (designadamente desobediência por recusa na realização dos testes de pesquisa de álcool no sangue) e outros, de elevada gravidade (detenção de arma proibida, falsificação de documentos, coação e sequestro). Ora, o crime de condução de veículo em estado de embriaguez é, como já se referiu, praticado com muita frequência no nosso país (e em especial em Lisboa), pelo que, sendo a condução uma atividade reconhecidamente perigosa e que oferece sério risco para a segurança e vida das pessoas, a substituição da pena de prisão por pena não privativa da liberdade apresenta-se, no caso concreto, manifestamente ineficaz à tutela do bem jurídico violado e às exigências de prevenção geral, colocando irremediavelmente em causa a crença da comunidade na validade da norma em causa. (…)
Pelo que fica exposto, não considera o Tribunal que a prestação de trabalho a favor da comunidade seja adequada e suficiente à satisfação das finalidades da punição, atendendo, desde logo, à personalidade do arguido manifestada nos factos por si praticados e à sua falta de preparação para se comportar licitamente, razão pela qual decide não substituir a pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade.
(…)
Desde logo o arguido prestou o seu consentimento para a execução desta pena em regime de permanência na habitação.
Ao abrigo do disposto no artigo 7.º, n.º 2 da Lei n.º 33/2010, de 2 de setembro, na redação introduzida pelo Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto, foi solicitada a elaboração de relatório social sobre a situação pessoal, familiar, laboral e social do arguido e da sua compatibilidade com as exigências da vigilância eletrónica e os sistemas tecnológicos a utilizar, o qual se encontra junto aos autos, mostrando-se o mesmo favorável a tal forma de execução.
Ora, no caso em análise, entende o tribunal ser de aplicar ao arguido uma pena de prisão a cumprir em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios de controlo à distância, por considerar que assim se realizam, ainda, de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Efetivamente, pese embora o arguido já tenha cumprido pena de prisão em ambiente prisional, a verdade é que atendendo à sua inserção social, familiar e profissional, por ora, entendemos ser ainda esta forma de cumprimento da pena de prisão adequada às finalidades de aplicação das penas.
Destarte, atendendo à sua inserção social, familiar e profissional, cremos ser ainda possível fazer um juízo de prognose de que a execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação será suficiente para dissuadir o arguido do cometimento de novos factos ilícitos típicos, designadamente da mesma natureza, contribuindo de forma decisiva para a sua educação e preparação para o direito e para se comportar licitamente.
Perante as circunstâncias expostas, e face também à natureza e gravidade dos crimes praticados pelo arguido, afigura-se-nos que a execução da pena em regime de permanência na habitação tem potencialidades para realizar a tutela do bem jurídico protegido pela norma que pune o crime em causa, sem deixar de satisfazer tanto as exigências de prevenção geral como auxiliando a sua ressocialização.
Esta forma de cumprimento é a única que evita os efeitos perversos da prisão continuada, não deixando de constituir um forte e pesado sinal de censura para o crime em causa.
Assim, determino a substituição da pena de sete meses de prisão aplicada a AA pela obrigação de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, por este tempo de duração da pena de prisão, autorizando-se a sua ausência para exercício da sua atividade profissional, nos termos do artigo 43.º, n.º 3 do Código Penal».
Isto é, a sentença está mais do que fundamentada. A alegação do recorrente é tão manifestamente desprovida de razão que, com o devido respeito, se duvida até que o mesmo tenha lido integralmente a sentença recorrida. Se o fez, a sua alegação só pode ser um expediente dilatório.
2. Da insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito / erro de julgamento
É sabido que em face do nosso quadro normativo, a decisão da primeira instância pode ser modificada (artigo 431.º/b) por duas vias diferentes:
Ou através da invocação dos vícios referenciados no artigo 410.º/2 do CPP (a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova, onde, consabidamente, se vem inserindo a violação do princípio in dubio pro reo), vícios, aliás, de conhecimento oficioso, no que se vem denominando de “revista alargada”.
Ou mediante o que se vem denominando de “impugnação ampla”, procedendo-se à invocação de erros de julgamento, de harmonia com o estatuído no artigo 412.º/3 e 4 do mesmo diploma.
No caso dos vícios do artigo 410.º/2 do CPP estamos perante vícios da decisão, sendo que qualquer das situações aí mencionadas se traduz em deficiências na construção e estruturação da decisão e ou dos seus fundamentos, maxime na sua perspetiva interna, não sendo por isso o domínio adequado para discutir os diversos sentidos a conferir à prova.
Qualquer um dos vícios previstos no n.º 2 do referido artigo 410.º do CPP, é inerente ao silogismo da decisão e apenas dela pode ser apurado em face da mesma - não sendo possível o recurso a outros elementos que não o texto da decisão, para sua afirmação - ainda que conjugado com as regras da experiência - sendo a consequência lógica e imediata, da sua existência, salvo o caso de ser possível conhecer da causa, o reenvio do processo, nos termos do estatuído no artigo 426.º CPP.
Na sequência lógica destes pressupostos, a sua emergência, como resulta expressamente referido no artigo 410.º/2 CPP, terá que ser detetada do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum.
Em sede de apreciação dos vícios do artigo 410.º do CPP, não está em causa a possibilidade de se discutir a bondade do que se considerou provado ou não provado, a maior ou menor abundância de prova para sustentar um facto.
Qualquer dos vícios do artigo 410.º/2 C P Penal, pressupõe uma outra evidência, não podendo ser confundidos com uma suposta insuficiência dos meios de prova para a decisão tomada em sede de matéria de facto, nem podem emergir da mera divergência entre a sua convicção pessoal sobre a prova produzida em julgamento e a convicção que o tribunal firmou sobre os factos, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova inserto no artigo 127.º do CPP.
O recorrente entende, neste particular, que “nenhum facto constante da acusação se reporta à concreta intenção que norteou a vontade do arguido, …, sendo que, “agir voluntariamente” não significa “agir com intenção”.
Para o recorrente, não está provado «o elemento subjectivo do tipo. Com efeito, este elemento emocional é dado “através da consciência da ilicitude” e “ é um elemento integrante da forma de aparecimento mais perfeita do delito doloso”. Daí que só se possa afirmar que o agente actuou dolosamente quando, nomeadamente, esteja assente que o mesmo actuou com conhecimento ou consciência do caracter ilícito e criminalmente punível da sua conduta”».
O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a que alude a alínea a) do nº 2 do art. 410º do CPP, ocorre quando, da factualidade elencada na decisão recorrida, resulta que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição e decorre da circunstância de o Tribunal não se ter pronunciado (dando como provados ou não provados) todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados pela acusação ou pela defesa, ou tenham resultado da discussão.
Trata-se de um vício que consiste em ser insuficiente a matéria de facto para a decisão de direito.
Verifica-se quando os factos dados como assentes na decisão são insuficientes para se poder formular um juízo seguro de condenação ou absolvição, isto é, quando os factos provados são insuficientes para poderem sustentar a decisão recorrida ou quando o tribunal recorrido, devendo e podendo fazê-lo, não investigou toda a matéria de facto com relevo para a decisão da causa, o que determina que a matéria dada como assente não permite, dada a sua insuficiência, a aplicação do direito ao caso.
Só há insuficiência para a decisão da matéria de facto quando existe uma lacuna no apuramento da matéria de facto, necessária para a decisão de direito, ou quando há uma lacuna por não se apurar o que é evidente que se podia apurar, ou quando o tribunal não investiga a totalidade da matéria de facto, podendo fazê-lo.
É, no fundo, uma lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito.
Este vício não se confunde com a errada subsunção dos factos (devida e totalmente apurados) ao direito, o que se traduz em erro de julgamento.
E, no caso dos autos, o que o recorrente nos diz é que aqueles factos provados deveriam conduzir à sua absolvição, o que consubstancia, assim, erro de julgamento.
Não tem razão.
Está provado, desde logo, atenta a confissão integral e sem reservas [e ainda, como se lê na sentença, através do funcionamento daquelas que são as mais elementares regras da experiência comum e da verosimilhança as quais, quando confrontadas com os elementos objetivos dados como provados (designadamente com a já elevada taxa de álcool no sangue que o arguido apresentava), nos permitem inferir a intenção subjetiva do arguido, na medida em que se trata de uma presunção natural de quem conduz após ter ingerido uma quantidade indeterminada de bebidas alcoólicas (considerando a taxa de álcool no sangue que apresentava) saber que está a praticar e ter vontade de praticar tal facto, e que esse comportamento é proibido e punido por lei], que:
1. No dia ... de ... de 2023, pelas 2:20 horas, AA conduzia o veículo automóvel de matrícula ..-..-VB, na ..., em Lisboa, com uma taxa de álcool no sangue de 1,69 g/l, a que corresponde, pelo menos, após dedução do erro máximo admissível a taxa de 1,55 g/l.
2. AA sabia que a qualidade e a quantidade de bebidas alcoólicas que ingeriu momentos antes de iniciar a condução lhe determinariam, necessariamente, uma T.A.S. superior a 1,20g/l, o que não o impediu de conduzir o veículo na via pública, de forma livre, voluntária e consciente.
3. Mais sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
Esta factualidade não foi impugnada nos termos prescritos no artigo 412.º do CPP.
É, assim, factualidade definitivamente fixada.
Perguntamos: Pode a mesma integrar a previsão do artº 292º do CP, que reza o seguinte, sob a epígrafe condução de veículo em estado de embriaguez:
«1 - Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2 - Na mesma pena incorre quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, não estando em condições de o fazer com segurança, por se encontrar sob influência de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo perturbadores da aptidão física, mental ou psicológica»?
Pode.
Seguimos de perto o acórdão desta secção do Tribunal da Relação de Lisboa de 06.05.2025, processo nº 323/23.0PBHRT.L1, relator Manuel Advínculo Sequeira, que se crê não estar publicado, cujo sumário é: «O arquétipo tradicionalmente utilizado quanto ao dolo directo, visa e tende a englobar todos os elementos subjectivos do crime, imputando ao agente o ter actuado de forma livre (podendo agir de modo diverso e em conformidade com o direito) voluntária ou deliberadamente (querendo a realização do facto) conscientemente (isto é, tendo representado todas as circunstâncias do facto) sabendo a sua conduta proibida e punida por lei (consciência da proibição como sinónimo de consciência da ilicitude) remetendo para toda a factualidade que consubstancia o tipo objectivo e tornando supérflua a repetição a esse propósito».
Aí se expendeu que:
«Sobre o ponto, alega-se na acusação (e prova-se) que “o arguido agiu conscientemente”.
Consciente de quê?
A resposta é evidente, atendendo a que ali se descrevem acções (e apenas os factos em que se materializam são aptos a constituir objecto do processo): consciente da factualidade que antecede aquela afirmação, logo, esta, visa indubitavelmente a substanciação do elemento subjectivo respeitante ao crime imputado.
(…)
De resto, o AUJ em que se estriba a sentença revidenda clarifica bem esta questão, depois de a enquadrar no que se devem ter por factos para o efeito que também aqui nos ocupa:
“A outra coisa não conduz a muito concisa e muito técnica definição legal de crime contida no art. 1.º, alínea a) do CPP: «conjunto de pressupostos de que depende a aplicação de uma pena ou medida de segurança criminais» - pois nesse conjunto de pressupostos tanto se contam os de carácter objectivo, como os de natureza subjectiva descritos no respectivo tipo legal de crime e noutras disposições legais de carácter penal geral.
De forma mais concreta, o art. 283.º, n.º 3, alínea b) do CPP, impõe que a acusação contenha “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada.»
Todo o preceito está impregnado de referências aos elementos subjectivos, pois, ao falar dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, está a abarcar tanto os factos de carácter objectivo, como os de natureza subjectiva, e ao falar de motivação da prática dos factos, do grau de participação que o agente neles teve e de quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção, é da particular relação do agente perante o facto que está a falar, incluindo a modalidade de culpa, as circunstâncias que conferem ao facto, através da personalidade do agente, maior ou menor carga de censura ético-social e ético-jurídica e de reprovação da sua conduta actuante ou omitente. Na verdade, todas estas circunstâncias têm influência decisiva na determinação da sanção (...)
De entre os elementos do tipo subjectivo de ilícito estão os que se relacionam com o dolo ou a negligência. “Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência (art. 13.º do CP). Tratando-se, nos acórdãos em conflito, de crime essencialmente doloso, só a culpa na modalidade de dolo nos interessa.
O dolo vem legalmente definido nos vários elementos que o compõem no art. 14.º do CP.
Esses elementos costumam ser referidos, sinteticamente, como conhecimento e vontade de realização do tipo objectivo de ilícito.
Analiticamente, o dolo desdobra-se, portanto, num elemento intelectual e num elemento volitivo ou emocional (para a doutrina tradicional, representada entre nós, principalmente por Eduardo Correia), constituindo este elemento “emocional” um terceiro elemento (autónomo) para novas correntes da doutrina do crime, entre nós representadas por Figueiredo Dias (...)
Tudo isso, que tradicionalmente se engloba nos elementos subjectivos do crime, costuma ser expresso na acusação por uma fórmula em que se imputa ao agente o ter actuado de forma livre (isto é, podendo ele agir de modo diverso, em conformidade com o direito ou o dever-ser jurídico), voluntária ou deliberadamente (querendo a realização do facto), conscientemente (isto é, tendo representado na sua consciência todas as circunstâncias do facto) e sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei (consciência da proibição como sinónimo de consciência da ilicitude).”
Sublinhe-se, por ali tido como modelo, justamente o exemplo naquele mencionado: o elemento subjectivo em questão costuma ser expresso (sinteticamente, como muito bem imposto por lei) por fórmula imputando ao agente o ter actuado conscientemente, ou seja, representando na sua consciência todas as circunstâncias do facto» (sublinhado da ora relatora).
No mesmo sentido se decidiu nesta 5ª secção em decisão sumária datada de 22.05.2025, proferida no processo 117/22.0PFBRR.L1, de que foi relator João Grilo Amaral:
«Aliás, ao sustentar em abono da sua tese o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2015 (Acórdão de Fixação de Jurisprudência publicado na 1.ª Série do Diário da República de 27 de Janeiro de 2015), o qual não tem como objecto a questão que se discute neste recurso, poderia ter dali retirado que a propósito da descrição do dolo se afirma que tradicionalmente se engloba nos elementos subjectivos do crime, costuma ser expresso na acusação por uma fórmula em que se imputa ao agente o ter actuado de forma livre (isto é, podendo ele agir de modo diverso, em conformidade com o direito ou o dever-ser-jurídico), voluntária ou deliberadamente (querendo a realização do facto), conscientemente (isto é, tendo representado na sua consciência todas as circunstância do facto) e sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei (consciência da proibição como sinónimo de consciência da ilicitude)” (negrito e sublinhado nosso), entendendo assim que é suficiente para caracterizar o elemento volitivo do dolo a alegação feita na acusação e dada como provada na sentença recorrida, de que o arguido agiu de forma deliberada.
E isto tendo por base a assunção de um paradigma de enorme importância “pois que não háfórmulas sacramentais, sendo possível transmitir o «dolo de culpa» ou «tipo-de-culpa dolosa» de diferentes formas (Ac.STJ de 28/03/2019, proc.373/15.0JACBR.C1.S1):
Poderia, é certo, ter-se optado por diversa formulação no caso concreto, de onde resultasse o elemento volitivo de forma mais rigorosa, nomeadamente afirmando-se queo arguido quis conduzir o veículo, o que logrou fazer, mas é inequívoco que a expressão utilizada na acusação e dada como provada na sentença o arguido agiu de forma deliberadademonstra a mesma realidade e intencionalidade.
Com efeito, agir de forma deliberada, é sinónimo de intenção de praticar o facto, significando agir com vontade de querer aquilo que o agente se propôs realizar com a sua acção, isto é, o agente previu e quis o evento realizado, o que equivale a dizer que actuou com dolo directo (Ac.RE de 14/07/2015, proc.174/11.5GCSSB.E1).
Como é referido no Ac.RC de 30/09/2009, proc.nº910/08.TAVIS.C1, “1. São os elementos subjectivos do crime, com referência ao momento intelectual (conhecimento do carácter ilícito da conduta) e ao momento volitivo (vontade de realização do tipo objectivo de ilícito), que permitem estabelecer o tipo subjectivo de ilícito imputável ao agente através do enquadramento da respectiva conduta como dolosa ou negligente e dentro destas categorias, nas vertentes do dolo directo, necessário ou eventual e da negligência simples ou grosseira. 2. Num crime doloso da acusação ou da pronúncia há-de constar necessariamente, pela sua relevância para a possibilidade de imputação do crime ao agente, que o arguido agiu livre (afastamento das causas de exclusão da culpa - o arguido pôde determinar a sua acção), deliberada (elemento volitivo ou emocional do dolo - o agente quis o facto criminoso) e conscientemente (imputabilidade o arguido é imputável), bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei (elemento intelectual do dolo, traduzido no conhecimento dos elementos objectivos do tipo).”
Tal constitui jurisprudência pacífica, uniforme e reiterada (para além dos já citados, vd.Ac.RC de 01/06/2011, Ac.RE de 06/02/2018, proc. 54/16.8T9CBA.E1, Ac.RC de 23/08/2018, proc. 373/15.0JACBR.C1, proc. 150/10.5T3OVR.C1, Ac.RG de 19/12/2023, proc. 1227/21.7PBBRG.G1, AcRE de 21/05/2024, proc. 563/22.0GFSTB.E1, Ac.RL de 21/01/2025, proc. 700/22.4PSLSB.L1-5)».
Improcede, destarte, manifestamente, este segmento do recurso.
3. A correção da pena e da sanção acessória.
Por último, a discordância do recorrente dirige-se à pena e à sanção acessória aplicadas, que entende que foram fixadas em moldes excessivos.
Mais entende que a dever ser suspensa a execução da pena de prisão.
Atalhando caminho, liminarmente se consigna que o tribunal de recurso apenas deverá intervir alterando a medida das penas em casos de manifesta desproporcionalidade na sua fixação ou quando os critérios de determinação da pena concreta imponham a sua correção, atentos os parâmetros da culpa e da prevenção em face das circunstâncias do caso (neste sentido, vide Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 197 e, entre muitos, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 04.12.2024, processo n.º 2103/22.1T9LSB.S1, relator Jorge Raposo.
Na determinação da pena concreta, a sentença recorrida tem o seguinte teor, que, em parte de novo se transcreve:
«Qualificados juridicamente os factos e operada a sua subsunção legal, importa agora determinar qual a pena a aplicar à arguida e a sua concreta medida dentro da moldura abstratamente prevista para o crime em referência o qual é punível com pena de prisão de 1 mês a 1 ano ou com pena de multa de 10 a 120 dias (cfr. artigo 47.º, n.º 1 e 292.º, n.º 1, ambos do Código Penal).
O n.º 1 do artigo 40.º do Código Penal estabelece que a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
No que respeita à escolha da pena a aplicar, o artigo 70.º do Código Penal enuncia o critério que deve orientar o julgador considerando que “se ao crime forem aplicáveis em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
(…)
Importa, pois, não esquecer e ponderar que as exigências de prevenção geral deste tipo de crime são muito elevadas, uma vez que se trata de ilícito praticados com muita frequência na sociedade atual, principalmente na área desta Instância Local, dando origem muitas vezes a graves acidentes de viação, ao que acrescem os elevados índices de sinistralidade e mortalidade nas estradas portuguesas, provocados muitas das vezes pela condução sob a influência do álcool. De facto, o álcool tem tido um papel relevante como potenciador de outros ilícitos criminais de maior gravidade, pelo que se sente, efetivamente, necessidade de reafirmação da confiança da comunidade em geral na validade da norma que foi violada, no objetivo de pacificação e tranquilização social.
No caso em apreço, o arguido foi já alvo de treze condenações, sete delas pela prática de crimes de condução de veículo em estado de embriaguez, três pela prática de crimes de condução de veículo sem habilitação legal (e falsificação de documento) e uma pela prática de crime de desobediência (também de natureza estradal), o que não o impediu de voltar a conduzir naquelas circunstâncias, ou seja, sob a influência do álcool. Mais, o arguido, pela prática de ilícito criminal, foi condenado não só em penas de multa, mas também em penas de prisão, substituídas por outras e efetivas, não tendo tais advertências sido suficientes para o afastar da prática de novos factos ilícitos da mesma natureza. O arguido já cumpriu penas de prisão efetiva pela prática de crimes de condução em estado de embriaguez e outros, não tendo tais períodos de reclusão sido suficientes para o fazer refletir sobre o seu comportamento criminosos e infletir o seu percurso de vida.
Tais circunstâncias demonstram-nos de forma inequívoca que as várias penas não privativas da liberdade em que foi condenado não surtiram, de forma alguma, os efeitos preventivos/dissuasores desejados.
Parece-nos evidente que o extenso e impressivo passado criminógeno do arguido demonstra claramente a fraca sensibilidade que apresenta face às regras de Direito a que se encontra sujeito e que, repetida e conscientemente, opta por violar, maioritariamente relacionadas com o comportamento estradal/rodoviário. As penas não detentivas e detentivas em que foi condenado revelaram-se inúteis para prevenir a prática de novos ilícitos, colocando em crise as razões de prevenção geral e especial que estão na base da sua aplicação.
Torna-se patente que o arguido tem uma personalidade avessa ao dever ser jurídico e ao cumprimento da lei, reiterando a prática do mesmo ilícito criminal, mesmo após ter sido confrontado com a aplicação de diversas penas de prisão, que cumpriu, o que revela, da sua parte, uma postura de fraca interiorização da ilicitude e gravidade dos atos praticados, o que indicia uma forte propensão para voltar a delinquir.
O arguido não apresenta qualquer sensibilidade à punição ínsita nas anteriores condenações a que foi sujeito, revelando total desrespeito pelo poder estadual e interiorização quase nula do alcance das decisões jurisdicionais que lhe impuseram o cumprimento das diversas penas em que foi já condenado. Com efeito, a pena de multa revelou-se, claramente, inidónea para advertir solenemente o arguido para a desconformidade da sua conduta para com as regras da vivência social, especialmente de natureza rodoviária.
Pelo exposto, o Tribunal irá optar pela pena de prisão.
(…)
Nos termos conjugados do disposto no n.º 2 do artigo 40.º e artigo 71.º do Código Penal, alcançam-se os critérios pelos quais se deve orientar o julgador, tendo sempre presente que em caso algum a pena poderá ultrapassar a medida da culpa.
(…)
Para decidir da pena concreta a aplicar há que ter em consideração o n.º 2 do artigo 71.º, o qual fornece os fatores que devem ser tidos em consideração na determinação da medida concreta da pena. É que, além das já citadas culpa e exigências de prevenção geral e especial, importa considerar todas as circunstâncias que não fazem parte do tipo, mas que são suscetíveis de depor a favor ou contra o arguido. Exemplificadamente, o normativo indica que são de considerar as seguintes circunstâncias: o grau da ilicitude do facto, o modo de execução deste, a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, os fins ou motivos que determinaram o crime e a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime, as condições pessoais do agente e a sua situação económica, bem como a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
No caso concreto há então que ponderar:
- O grau de ilicitude do facto que se afigura acima da média, atendendo à concreta taxa de álcool com que exercia a condução do veículo em causa na via pública e a concreta perigosidade que a condução naquele estado representou para o próprio e demais utentes das vias por onde circulou.
- A intensidade do dolo, que no caso é direto, a forma mais gravosa.
- A circunstância de se encontrar social, familiar e profissionalmente inserido.
- A confissão integral e sem reservas dos factos.
- A conduta anterior ao crime.
Neste último ponto há que destacar, e conforme supra já sublinhamos, que, pese embora a sua idade, o arguido apresenta um extenso passado criminal maioritariamente pela prática de crimes de natureza rodoviária, tendo sofrido já cinco sete condenações anteriores pela prática de crimes de condução de veículo em estado de embriaguez. Para além dos crimes de natureza rodoviária, o arguido apresenta ainda condenações pela prática de crimes graves como sejam crimes de detenção de arma proibida, coação, sequestro e falsificação de documentos.
São assim muito elevadas as necessidades de prevenção especial considerando a circunstância do arguido ter repetido a prática do mesmo ilícito ao longo de vários anos (entre 1999 e 2015 – sendo que, posteriormente, esteve privado da liberdade em cumprimento de penas de prisão durante vários anos), demonstrando de forma inequívoca que as condenações anteriores não lhe serviram de advertência para evitar a prática de factos da mesma e idêntica natureza (relacionados com o comportamento estradal), com claro desrespeito pelos valores penais e bens jurídicos protegidos pelas incriminações em análise.
(…)
A pena a aplicar tem que ter um efeito dissuasor sobre o comportamento do arguido, na tentativa de que não volte a cometer mais crimes, designadamente da mesma e idêntica natureza, pelo que, sopesados todos os fatores que supra elencamos, se entende adequado aplicar a AA uma pena de 7 (sete) meses de prisão».
Depois, a sentença recorrida afasta a substituição da pena de prisão por pena de multa, considerando que “a personalidade do arguido, revelada no cometimento dos variados crimes constantes do seu certificado de registo criminal, sendo sete deles por condução em estado de embriaguez e um por recusa à realização dos testes de pesquisa de álcool no sangue, já tendo sido condenado em pena de multa e, inclusivamente, penas de prisão efetiva (que cumpriu) e que não o dissuadiram da prática de novos crimes, não permite fazer um juízo favorável no sentido da suficiência da pena de multa para o afastar da prática de novas infrações”.
Sobre a (não) suspensão da execução da pena de prisão, justificou assim a sentença recorrida: “No caso em análise, decide-se não suspender a execução da pena de prisão, por se entender que a personalidade do arguido, revelada no cometimento dos vários crimes de condução em estado de embriaguez por que já foi condenado, conforme resulta dos factos provados, não permite fazer um juízo favorável no sentido de que a suspensão da execução da pena realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição de molde a prevenir a prática de novas infrações, satisfazendo-se, assim, as necessidades de reprovação e prevenção do crime.
De facto, o arguido foi já condenado em várias penas de prisão suspensas na sua execução não tendo a ameaça do cumprimento das mesmas surtido qualquer efeito porquanto o arguido volta a delinquir. Note-se, inclusivamente, que o arguido foi condenado em penas de prisão cuja suspensão se condicionou a regime de prova ou seja, com acompanhamento por parte de técnicos especializados, não tendo aproveitado a oportunidade de ressocialização que tal acompanhamento e apoio encerrou.
Não ignora o tribunal a circunstância da última condenação do arguido pela prática de crime de condução de veículo em estado de embriaguez dizer respeito a factos ocorridos no ano de 2015. No entanto, não é menos verdade que o arguido, nesse interregno, chegou a cumprir penas de prisão efetivas, encontrando-se, assim, durante vários anos, privado da sua liberdade.
A isto acresce que o arguido já cumpriu penas de prisão efetivas pela prática de crimes de condução de veículo em estado de embriaguez, as quais não se revelaram suficientemente dissuasoras da prática de novos ilícitos, não tendo os períodos de reclusão sofridos sido de molde a convencer o arguido a adequar o seu comportamento aos preceitos legais vigentes. Daqui ressalta, pois, que o arguido não consegue manter um comportamento ajustado e consistente, revelando-se incapaz de se autodeterminar de acordo com as normas jurídicas vigentes, o que não permite fundar nenhuma confiança na sua capacidade em resistir à prática de futuros crimes, designadamente, de condução em estado de embriaguez.
Demonstra o arguido um comportamento displicente e desrespeitoso para com a autoridade estadual, não reconhecendo o carácter ilícito e perigoso da sua conduta, apesar das sucessivas advertências que lhe foram dirigidas, através das várias penas aplicadas. Na verdade, mesmo após ter sofrido períodos de reclusão, e de lhe terem sido concedidas oportunidades de ressocialização em liberdade (através das várias penas substitutivas, designadamente suspensas na sua execução com regime de prova), o arguido voltou a prevaricar, concluindo-se que não apresenta qualquer interiorização do carácter ilícito da sua conduta ou da necessidade de adequar o seu comportamento às regras vigentes e que regulam a convivência social.
Ora, atendendo a tais circunstâncias, entendemos que não é possível concluir pela viabilidade da ressocialização do arguido em liberdade, pois crê-se que a condenação numa pena de prisão suspensa já não irá funcionar como advertência para evitar a prática de futuros crimes da mesma natureza, como já havia feito no passado.
Sublinha-se ainda, neste conspecto, a elevada taxa de álcool com que o mesmo conduzia o veículo em causa na via pública e a perigosidade e risco que um tal comportamento representou não só para o próprio como para os demais utentes da via.
Tais fatores, conjugados entre si, não permitem ao tribunal acreditar que a simples censura e ameaça de pena serão suficientes para afastar o arguido da prática de novos crimes, e porque o processo de ressocialização deve ser o adequado e proporcional a uma inflexão de comportamentos, entende o Tribunal que as “exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico”, só ficarão asseguradas execução de pena efetiva, razão pela qual não se suspende a pena de prisão aplicada.
Em face do exposto, entendemos que uma suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido, após lhe terem sido aplicadas diversas penas de prisão suspensa na sua execução, não permite, de modo algum, impedir que volte a praticar novos crimes.
A personalidade do arguido, manifestada na sua conduta anterior e posterior ao crime, não permite efetuar um juízo de prognose no sentido da probabilidade segura do seu afastamento futuro da prática de novos crimes (prevenção da reincidência).
Ademais, a reiteração e gravidade dos factos, por um lado, e a manifesta incapacidade para se manter abstémio, por outro, adensam as necessidades de prevenção e demandam uma resposta eficaz por parte dos Tribunais.
Tais fatores, conjugados entre si, não permitem ao Tribunal acreditar que a simples censura e ameaça de pena serão suficientes para afastar o arguido da prática de novos crimes, e porque o processo de ressocialização deve ser o adequado e proporcional a uma inflexão de comportamentos, entende o Tribunal que as “exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico”, só ficarão asseguradas execução de pena efetiva, razão pela qual não se suspende a pena de prisão aplicada.
Concluindo, entendemos que uma suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido, após lhe terem sido aplicadas várias penas de prisão suspensas na sua execução pela prática do mesmo tipo de crime e três penas de prisão efetivas, que cumpriu, não permite, de modo algum, impedir que volte a incorrer em novos ilícitos criminais.
A suspensão funcionaria, em vez disso e como ocorreu já em momentos anteriores, como um livre passe para manter a sua atividade ilícita, criando-lhe uma sensação de impunibilidade”.
E, especificamente quanto à pena acessória, a sentença recorrida assim consignou:
«Dispõe o n.º 1, alínea a), do artigo 69.º do Código Penal, na redação introduzida pela Lei n.º 19/2013, de 21 de fevereiro que “é condenado na proibição de conduzir veículos por um período fixado entre três meses a três anos quem for punido (…) por crimes de homicídio ou de ofensa à integridade física cometidos no exercício da condução de veículos motorizados com violação das regras de trânsito rodoviário e por crimes previstos nos artigos 291.º ou 292.º (…)”.
Nos autos, concluindo-se pela prática pelo arguido de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez (cfr. artigo 292.º do Código Penal), deverá o mesmo ser condenado numa pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados.
Para a fixação do período de inibição, deve ter-se em linha de conta os fatores e as condições ponderados na determinação da medida concreta da pena principal, nos termos do artigo 71.º, n.º 2 do Código Penal, ou seja, deverá o mesmo ser fixado em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo certo que, como ensina Figueiredo Dias, a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados tem como pressuposto material a circunstância de, consideradas as circunstâncias do facto e da personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável, donde que então essa circunstância vai elevar o limite da culpa (in Direito Penal Português, As Consequência Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2009, página 165).
No caso concreto em análise deverá sublinhar-se o facto do arguido conduzir um veículo automóvel com uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 1,55 g/l, a qual se situa já bastante acima do limite mínimo a partir do qual a conduta é considerada crime e, nessa decorrência, a perigosidade/risco que uma condução nesse estado pode representar para a integridade física e para a vida de terceiros e do próprio arguido.
Sublinha-se ainda a circunstância do arguido já anteriormente ter sido condenado em oito penas acessórias de proibição de conduzir veículos motorizados por longos períodos, as quais não o impediram/dissuadiram de voltar a praticar o mesmo tipo de crime.
Atento o que fica exposto, em conformidade com o artigo 69.º, n.º 1 alínea a) do Código Penal, e tendo em consideração os critérios e circunstâncias ponderados na determinação da medida concreta da pena principal, reputa-se adequada a condenação da arguida na pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria pelo período de 20 (vinte) meses».
Concorda-se com a sentença recorrida, que se mostra bem alicerçada.
Não se vê qualquer mácula em prejuízo do recorrente na fixação da pena principal e na pena acessória, bem como na não suspensão da execução da pena de prisão.
O crime de condução sob o efeito do álcool é um crime de perigo abstrato, i.e., a ação é por si mesma perigosa.
A análise dos antecedentes criminais do recorrente (de que destacamos treze condenações, sete delas pela prática de crimes de condução de veículo em estado de embriaguez), por crimes de natureza estradal, as penas já aplicadas (algumas delas já em pena de prisão efetiva, que o recorrente cumpriu, destacando-se as já aplicadas penas de 9 meses de prisão e pena acessória de 24 meses; 8 meses de prisão e pena acessória de 24 meses; 6 meses de prisão e pena acessória de um ano e seis meses, i.e., 18 meses) e a insistência do recorrente em cometer crimes de condução sob o efeito do álcool evidenciam à saciedade que não se pode concluir ou sequer intuir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
A suspensão da execução da pena de prisão, no caso em apreço, traduz-se em premiar quem não aproveitou as (muitas) oportunidades antes concedidas.
O crime em causa é grave. Portugal tem uma forte percentagem de crimes de condução sob o efeito do álcool. De acordo com o RASI de 2024 representam 48,2% dos crimes contra a sociedade, como se extrai da página 60 dos anexos). São elevadas as razões de prevenção geral.
E este crime destrói as famílias daqueles que têm a infelicidade de se cruzar na estrada com quem conduz sobre o efeito do álcool, sendo frequentes acidentes de que resulta a morte ou a incapacidade de pessoas inocentes.
Os antecedentes criminais do recorrente são a prova de uma personalidade que insiste em não cumprir regras.
Permitir o sucesso do recurso transmitiria à sociedade uma imagem de impunidade que, de todo, deve ser combatida.
Não se vislumbram razões atendíveis que imponham a correção das penas nos moldes pretendidos pelo recorrente, ou seja, diminuindo o seu quantitativo e/ou suspendendo a execução da pena de prisão.
Dentro das molduras penais acima elencadas, a sentença recorrida, fixando a pena de prisão em 7 meses e a pena acessória em 20 meses, decidiu até com benevolência. Porém, o Ministério Público conformou-se com as penas e este Tribunal da Relação não pode alterá-la em função do princípio da reformatio in pejus constante do artº 409º do CPP.
Daqui resulta a manifesta improcedência deste segmento o recurso.
*
Significa isto que todo o recurso é manifestamente improcedente.
Seguindo de perto o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.11.2000 (proferido no processo 00P2693, Relator Simas Santos, disponível no site da dgsi), “2 - Deve considerar-se como manifestamente improcedente o recurso quando é clara a inviabilidade do recurso, como sucede, v.g., quando o recorrente pede a diminuição da pena "atendendo ao valor das atenuantes" e não vem provada nenhuma circunstância atenuante; quando é pedida a produção de um efeito não permitido pela lei; quando toda a argumentação deduzida assenta num patente erro de qualificação jurídica; ou quando se pugna no recurso por uma solução contra jurisprudência fixada ou pacífica e uniforme do STJ e o recorrente não adianta nenhum argumento novo. 3 - Pode dizer-se que o recurso é manifestamente improcedente quando no exame necessariamente perfunctório a que se procede no visto preliminar, se pode concluir, face à alegação do recorrente, à letra da lei e às posições da jurisprudenciais sobre as questões suscitadas, que aquele recurso está votado ao insucesso.
Destarte, impõe-se a denominada rejeição substantiva do recurso, por ser manifesta a falta de razão do recorrente (cf. artigo 420º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Penal).
DECISÃO
Nestes termos e com os fundamentos mencionados, decide-se sumariamente rejeitar o recurso, nos termos dos artigos 417º, nº 6, alínea b) e 420º, nº 1, alínea a), todos do Código do Processo Penal.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (artigo 420º, nº 3, do Código de Processo Penal)».
***
III. Apreciação da reclamação:
Como se lê no Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, vários autores, Tomo V, Coimbra, Almedina, 2024, pág. 244, «o objeto legal da reclamação é a decisão reclamada e não a questão por ela julgada, pelo que o reclamante tem o ónus de suscitar os respetivos vícios em sede de reclamação, não podendo limitar-se a pretender que a mesma seja revogada».
Neste sentido veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17/12/2014, Relator Luís Ramos, proferido no processo n.º453/10.9GBBFND.C1 (acessível em www.dgsi.pt), em cujo sumário se pode ler que não tem sustentação legal a forma de reclamar para a conferência quando o reclamante não aponta ou concretiza qualquer desacerto da decisão sumária, antes a desprezando enquanto decisão judicial fundamentada, limitando-se a requerer, única e simplesmente, que o recurso que interpôs seja apreciado em conferência.
Analisada a reclamação, a mesma é absolutamente inepta. Não se belisca minimamente a decisão sumária. Não se alega qualquer discordância concreta nem se aponta qualquer vício. Apenas se diz que se vem reclamar e requerer a intervenção da conferência.
Citando Sérgio Poças, in Recurso da matéria de facto, publicado na Revista Julgar, nº 10, 2010, página 23 : «De facto, só o recorrente sabe do que discorda e por que razão discorda. Ora se assim é e é, de forma clara e completa, está onerado a dizer a discordância, e das suas razões, de facto e de direito.
(…)
Sejamos claros: o Tribunal de recurso só pode apreciar a razão do recorrente se este for claro nas razões da sua razão.
Nada se decide no reino do mistério».
Também a reclamação deve ser rejeitada, conduzindo a ineptidão à evidente falta de fundamento legal.
Atento o decaimento na reclamação, o recorrente pagará 3 UC de taxa de justiça, nos termos do art.º 8.º, n.º 9, e da tabela III do Regulamento das Custas Processuais.

IV. Decisão:
Termos em que acordam os Juízes que integram a 5ª secção deste Tribunal da Relação de Lisboa em rejeitar, por ineptidão e consequente falta de fundamento legal, o requerimento em apreço, mantendo-se a decisão sumária de rejeição do recurso.
Condena-se o reclamante em 3 UC de taxa de Justiça.
Notifique.
O presente acórdão foi processado a computador e revisto pela signatária relatora, seguindo-se a nova ortografia excetuando na parte em que se transcreveu texto que não a acolheu, estando as assinaturas de todos os Juízes apostas eletronicamente – art. 94º, nº 2, do CPP.

Lisboa, 7 de outubro de 2025
Ana Cristina Cardoso
Alexandra Veiga
Paulo Barreto