Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | JOSÉ CAPACETE | ||
| Descritores: | REQUERIMENTO PROBATÓRIO INDEFERIMENTO RECURSO PROCESSO DE ACOMPANHAMENTO DE MAIOR RELATÓRIO PERICIAL CRITÉRIO DA CONVENIÊNCIA | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 04/08/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | Sumário[1]: (Elaborado pelo relator e da sua inteira responsabilidade – art.º 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil[2]) 1. A ausência de despacho sobre um requerimento probatório não acarreta a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte, do CPC, pois que o mesmo não constitui, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do mesmo código. 2. A decisão sobre as diligências probatórias a realizar no âmbito de um processo especial de acompanhamento de maior deve obedecer ao singelo critério da sua conveniência para a justa decisão da causa, à luz de todos os princípios substantivos e processuais orientadores daquele tipo de processo, para o que é indispensável uma ponderação casuística. 3. A conjugação do previsto no n.º 1 do artigo 899.º, com o previsto no n.º 1 do artigo 897.º, e ainda do n.º 2 do artigo 898.º, todos do CPC, faz com que seja possível dispensar a presença do perito no processo ou a elaboração do respetivo relatório pericial, o que vale por dizer que o exame pericial é, presentemente, no processo especial de acompanhamento de maior, não obrigatório. 4. O despacho que indefere a realização de uma perícia médica por a considerar desnecessária à luz do referido critério da conveniência, apenas pode ser impugnado no recurso interposto da sentença final (art.º 644.º, n.º 3, do CPC), pois não se trata de um despacho de rejeição de um meio de prova, nos termos e para os efeitos da parte final da al. d) do n.º 2 do mesmo artigo. _______________________________________________________ [1] Neste acórdão utilizar-se-á a grafia decorrente do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, no entanto, em caso de transcrição, a grafia do texto original. [2] Diploma a que pertencem todos os preceitos legais citados sem indicação da respetiva fonte. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – RELATÓRIO: O Ministério Público instaurou ação especial de acompanhamento de maior a favor de VJ, alegando que a beneficiária, nascida a 7 de junho de 1989, é solteira, sofre de debilidade mental ligeira, com limitações na capacidade funcional e adaptativa, dependendo de terceiros para as atividades básicas da sua vida diária, nomeadamente, alimentação, organização e limpeza da casa, atividades bancárias e de gestão do dinheiro. A beneficiária encontra-se impossibilitada de exercer plena, pessoal e conscientemente os seus direitos, e de cumprir os seus deveres, sendo necessário nomear alguém que a acompanhe e que legalmente a represente e supra a sua incapacidade para reger a sua pessoa e bens. Conclui assim: «Nestes termos, e nos mais de Direito, deve a presente acção ser julgada provada e procedente e, consequentemente: a) Ser decretado o acompanhamento, por razões de saúde, do(a) beneficiário(a) VJ, requerendo-se a aplicação das seguintes medidas de acompanhamento: i. Representação especial, prevista no artigo 145.º, n.º 2, alínea b) do Código Civil, na modalidade aconselhamento e auxílio na tomada de decisão sobre todos os actos (da vida corrente ou não), sejam ela de cariz pessoal (organização e limpeza da casa, alimentação, deslocações, entre outras) ou patrimonial (contactos constituições bancárias, gestão do dinheiro e património) devendo sempre respeitar a decisão da acompanhada. ii. Dispensar a constituição do conselho de família b) Mais se requer a V. Exa. que ordene o competente averbamento no assento de nascimento e publicação de anúncios em sítio oficial nos termos dos artigos 153.º do Código Civil, 892.º e 893.º do Código de Processo Civil, e 1.º, alínea h), 69.º, n.º 1, alínea g) e 78.º, do Código do Registo Civil. Por despacho datado de 03.06.2024, determinou-se a publicidade da ação. Ordenada a citação da beneficiária mediante contacto pessoal de funcionário judicial, a mesma não se revelou possível por incapacidade daquela em recebê-la. Foi nomeado defensor oficioso à beneficiária, nos termos do art.º 21.º, n.º 2, após o que foi apresentada resposta, onde se conclui assim: «Nestes termos, e nos melhores de Direito, deverá Va. Exa., julgar a presente Ação improcedente, por não provada, e, em consequência, não aplicar, em benefício de VJ, qualquer medida de acompanhamento, nos exatos termos expostos na presente Resposta. Ou, caso assim não se entenda, notificar: - Da citação de notificação, ou não notificação da Beneficiária; - E, bem assim, o Sr. RJ e a Sra. AJ, familiares da Beneficiária, para aferir qual deles exercerá o cargo de Acompanhante da Beneficiária, ou se pretendem exercer em conjunto, atendendo aos fundamentos insertos na presente Resposta; E bem assim, nomear: - Um Médico Perito/Psiquiatra, para os devidos efeitos suprarreferidos, sob pena de a presente ação ser improcedente, por não provada, atendendo aos fundamentos insertos na presente Resposta». * Após audição da beneficiária foi proferida sentença de cuja parte dispositiva consta o seguinte: «Por tudo o que fica exposto, julgo a presente acção procedente e, em consequência, decido: A. Decretar o acompanhamento de maior em benefício de VJ, solteira, nascida a 07.06.1989, filha de RJ e de AJ, natural de ... – Funchal, residente na Rua …, Funchal. B. Aplicar em benefício da acompanhada a medida de representação - O regime da representação especial, sujeito ao regime da tutela (artigos 145.º, n.ºs 2, alínea b) e 4, 1935.º a 1938.º, todos do Código Civil), relativamente ao plano pessoal e à administração de bens nos seguintes termos: i. - no plano pessoal, o acompanhamento visará: a) - a adequada assistência / supervisão quanto às actividades da vida pessoal quotidiana da beneficiária, sem prejuízo da sua esfera de autonomia compatível com as suas capacidades; b) - o tratamento clínico da beneficiária, nomeadamente marcação de consultas, transporte, comparência nas mesmas, aquisição de medicamentos, tratamentos e cumprimento das terapêuticas prescritas, incluindo a decisão sobre a aceitação e recusa de intervenções diagnósticas e terapêutica que lhe venham a ser indicadas ou propostas; ii. - no plano patrimonial, o acompanhamento visará assistir a beneficiária: a) - nos actos de disposição de bens e actos negociais para contrair obrigações e na celebração de contratos que impliquem concessão de crédito ou contrair de dívidas e, bem assim, na administração do seu património, em tudo o que ultrapasse os actos correntes do seu quotidiano; b) - a efectuar a movimentação das contas bancárias e na gestão de aplicações financeiras, ficando a beneficiária inibida de ter acesso a cheques, cartão de crédito e débito, MBWay, homebanking e caderneta; c) - a promover a atribuição de dinheiro de bolso à beneficiária, em medida adequada às circunstâncias, em termos similares ao que já é actualmente praticado; d) - no tratamento de assuntos burocráticos, designadamente em repartições ou entidades públicas (Serviços de Finanças, Segurança Social, Conservatórias ou outras) e entidades bancárias, na medida do necessário para eventual auxílio da compreensão de documentos; iii. - Relativamente aos direitos pessoais previstos no artigo 147.º, n.º 2 do Código Civil, determina-se a impossibilidade de a beneficiária testar. iv- Para os efeitos do artigo 85.º, n.º 4 do Código Civil, fixa-se o domicílio da beneficiária na Rua …, Funchal. (cfr. artigo 85.º, n.º 4 do Código Civil). C. Nomear acompanhante RJ, progenitor da beneficiária, residente com esta, a quem caberá, além do mais, proporcionar o apoio e supervisão necessários ao governo da vida pessoal da beneficiária bem como providenciar relativamente a todas as questões que se prendam com a saúde desta; D. Dispensar a constituição de Conselho de Família; . Fixar o dia 05.05.2023 como sendo a data a partir da qual as medidas decretadas se tornaram convenientes. ** Adverte-se o acompanhante de que deve privilegiar o bem-estar e a recuperação da acompanhada, actuando sempre com a diligência de um “bom pai de família” e mantendo com ela um contacto permanente – artigo 146.º do Código Civil. Sem prejuízo do disposto pelo artigo 904.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, a medida aplicada será obrigatoriamente revista no prazo de dois anos – artigo 155.º do Código Civil». * Inconformada, a beneficiária interpôs o presente recurso, concluindo assim, com relevo para a decisão do presente recurso, as respetivas alegações, «7. A função dos Tribunais não é apenas a de dirimirem conflitos de interesses, mas também, a de convencerem as partes de que as suas decisões são justas, e que tiveram em conta todos os elementos trazidos aos autos, nomeadamente, no caso concreto a Resposta da ora Recorrente. 8. Assim, quanto à fundamentação de facto e de direito, considera-se gravemente insuficiente, aliás, no modesto entender da Recorrente, omissa, sendo em termos tais que não permite ao respetivo destinatário a perceção das razões de facto e de direito da Decisão judicial, pelo que, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do ato decisório, que desde já se invoca. 9. Assim, além de ser totalmente omissa a fundamentação, nomeadamente quanto à situação clínica do foro mental, ou seja, quanto aos factos, tal consubstancia uma nulidade, nos termos dos art.º (s) 607º, nº 4, e 615º, nº 1, als. c) e d) do C.P.C., que deverá ser tida em conta para os devidos efeitos legais. 10. Sendo esse o motivo (doença do foro mental, situação clínica), que aparenta motivar a presente Ação. 13. É de considerar a referente Decisão com deficiente ou obscura alusão aos factos provados ou não provados comprometendo o direito ao Recurso da matéria de facto e, nessa perspetiva, contender com o acesso à Justiça e à tutela efetiva, consagrada como direito fundamental no art.º 20º da C.R.P. 23. Dessa forma, e salvo o devido respeito, muito mal esteve o douto Tribunal, quando omitiu qual a fundamentação clínica no presente caso, indeferindo a Perícia requerida pela Recorrente, em momento posterior às Alegações Orais, denegando justiça e a defesa nos presentes autos. 25. Assim, verificou-se uma omissão censurável por parte do douto Tribunal, que deixou, sem qualquer tipo de fundamentação clínica o regime do maior acompanhado. 26. Ora, a omissão por parte do Douto Tribunal, acarreta, dessa forma, nulidade da sentença, tal como decorre do art.º 615.º n.º 1 al. d) do C.P.C., que desde já, se invoca para os devidos efeitos legais. 27. Não podendo o Tribunal deixar de se pronunciar quanto ao mesmo, tal como referido supra. 28. É ainda de salientar que, o direito à jurisdição não implica apenas o direito de aceder aos tribunais, propondo ações e contraditando ações alheias, mas também o direito efetivo, a uma jurisdição, que a todos seja acessível em termos equitativos e conduza a resultados individual e socialmente justos, salvaguardando a aceção ampla que levou à consagração expressa, no nº 4 do artigo 20º da Constituição da República (aquando da revisão de 1997), do direito a um processo equitativo, anteriormente derivado do artigo 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem. 30. Ora, a omissão por parte do Douto Tribunal, acarreta, dessa forma, nulidade da sentença, tal como decorre do art.615.º n.º 1 al. d) do C.P.C., que desde já, se invoca para os devidos efeitos legais. 31. Requer-se assim, a Vas. Exas., que seja tido em conta tudo o exposto em sede de Resposta, do presente Recurso e Conclusões, declarando-se a sentença como nula por falta de fundamentação, e por se fundamentar em relatório elaborado por entidade não idónea e sem competência para diagnosticar nos precisos termos em que o fez, sob pena de, a assim se manter, por dever de patrocínio, ser necessário dar conhecimento à ordem dos Médicos para que junto da ordem dos Psicólogos se afiram das suas comissões disciplinares e averiguadoras as possíveis infrações graves que aqui se encontram patentes. 32. No que diz respeito à douta Sentença, é totalmente inerte quanto ao ora exposto em sede de fundamentação no referente aos factos clínicos, tal consubstancia uma nulidade, nos termos dos art.º (s) 607º, nº 4, e 615º, nº 1, als. c) e d) do C.P.C., que deverá ser tida em conta para os devidos efeitos legais, e que desde já se invoca para todos os efeitos legais. 33. Sendo clara, expressa e exacerbada a denegação de justiça no presente caso, bem como, a violação de todos os princípios anteriormente expostos, nomeadamente, o direito a um processo equitativo, o princípio do processo justo e equitativo, o princípio do contraditório e o princípio da igualdade de armas ínsito no direito à prova, e, a ora Recorrente, por não se conformar e não compreender o alcance e medidas tidas pelo Tribunal a quo, que em tudo são infundadas e infundamentadas, requer a Vas. Exas., que se dignem revogar a douta Sentença, com todas as legais consequências, uma vez, que in casu, subsiste uma Decisão surpresa por parte do douto Tribunal, adstrita a todas as nulidades invocadas em sede do presente recurso». Remata assim: «Termos em que deverá ser julgado procedente e por provado o disposto no presente Recurso, com todas as demais consequências legais, e consequentemente ser declarada nula a douta Sentença, sob pena de denegação de justiça. Assim, se fará a tão acostumada JUSTIÇA». * O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência e, consequentemente, pela manutenção da sentença recorrida. * II – ÂMBITO DO RECURSO: Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do CPC, é pelas conclusões do recorrente que se define o objeto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso. Assim, perante as conclusões da alegação do apelante, neste recurso importa apenas e só decidir se a sentença recorrida é nula: - por falta de fundamentação; ou, - por omissão de pronúncia. * III – FUNDAMENTOS 3.1 – Fundamentação de facto: 3.1.1 - A sentença recorrida considerou provado que: «1. A beneficiária VJ, nasceu a 07.06.1989 e é filha de RJ e de AJ. 2. A requerida padece de debilidade metal ligeira, com limitações na capacidade funcional e adaptativa. 3. A requerida depende da supervisão de terceiros para as actividades instrumentais da vida diária, alimentação, organização e limpeza da casa, actividades bancárias e de gestão do dinheiro. 4. Necessita do impulso, orientação e de supervisão para tomar a medicação sozinha. 5. Não consegue efectuar os pagamentos relativos à renda de casa, aos serviços de abastecimento de água, energia eléctrica ou outras despesas correntes. 6. Apesar de compreender que tais serviços têm custos e ter uma noção básico dos mesmos e do modo de liquidação. 7. Receia deslocar-se sozinha para procurar um médico. 8. Tem dificuldade em comprar bens sozinha, como por exemplo alimentos e roupa. 9. Por vezes, não consegue fazer contas simples. 10. Não consegue gerir, sem supervisão e orientação de terceiros, os seus bens, nem as suas contas bancárias, levantamentos, depósitos e outras operações bancária. 11. Tem dificuldade em reter factos recentes ou ocorridos num passado mais distante. 12. A requerida não celebrou testamento vital nem outorgou mandato para a gestão dos seus interesses. 13. Foi consumidora de produto estupefaciente durante cerca de uma década; 14. Procede à toma de metadona, auxiliada pelo progenitor; 15. já esteve internada na Casa de Saúde; 16. Reside com o pai e com uma tia; 17. Refere ter quatro filhos, três deles menores de idade, sendo que dois se encontram institucionalizados e outro, filho de pai distinto, reside com este; 17. A filha maior de idade residia em França e encontra-se em Portugal há pouco tempo, não trabalha nem estuda». 3.1.2 - A sentença recorrida considerou que: «Com relevo para a decisão a proferir, não se verificaram factos não provados». *** 3.2 – Fundamentação de direito: 3.2.1 – Da nulidade da sentença por falta de fundamentação: A recorrente argui ao longo do recurso, quer em sede de motivação, quer em sede de conclusões, a nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação de facto, invocando para o efeito, certamente por lapso, a al. c) do n.º 1 do art.º 615.º. É a al. b) do n.º 1 do art.º 615.º que prevê a nulidade da sentença por falta de justificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Os pressupostos em que assenta uma tal nulidade da sentença têm sido abordados até à exaustão, tanto pela doutrina, como pela jurisprudência dos tribunais superiores, sempre no mesmo sentido. No entanto, continua a ser invocada a cada passo, quase sempre sem o mínimo fundamento, tal como sucede no presente caso. Como é por demais sabido, não pode confundir-se a falta absoluta de fundamentação com a fundamentação insuficiente, errada ou medíocre, sendo que, tal como salientam Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora[3], só a falta absoluta de motivação constitui a causa de nulidade a que agora nos reportamos. Afirmam estes Autores, obviamente com referência ao CPC/61[4], que «para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito». Neste sentido escreve Tomé Gomes, que «(...) a falta de fundamentação de facto ocorre quando, na sentença, se omite ou se mostre de todo ininteligível o quadro factual em que era suposto assentar. Situação diferente é aquela em que os factos especificados são insuficientes para suportar a solução jurídica adotada, ou seja, quando a fundamentação de facto se mostra medíocre e, portanto, passível de um juízo de mérito negativo. A falta de fundamentação de direito existe quando, não obstante a indicação do universo factual, na sentença, não se revela qualquer enquadramento jurídico ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, ininteligível os fundamentos da decisão»[5]. Ainda a este propósito já Alberto dos Reis afirmava que «há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto»[6]. Em suma, só a total omissão dos fundamentos, a completa ausência de motivação da decisão pode conduzir à nulidade suscitada; já a simples insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afetar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. De igual modo não é a eventual falta de exame crítico da prova produzida (art.º 607º, nº 4, do CPC) que preenche a nulidade da sentença a que se reporta a 1ª parte da al. b) do nº 1 do art.º 615º do CPC. No caso concreto, na sentença recorrida, após a afirmação de que «dos autos, designadamente do teor das certidões de nascimento (da beneficiária e do acompanhante, bem como do certificado de registo criminal deste último), dos relatórios clínicos datados de 05.05.2023 e de 27.11.2023, da informação prestada pelo SESARAM quanto à existência de testamento vital e de procuração para cuidados de saúde, juntos com a petição inicial, da certidão negativa da citação, bem como do resultado da audição da beneficiária e do acompanhante, com interesse para a decisão da causa resultaram demonstrados os seguintes factos:»: - são elencados factos considerados provados; - afirma-se que «com relevo para a decisão a proferir, não se verificaram factos não provados»; - procede-se ao respetivo enquadramento jurídico. É indiscutível que a sentença recorrida não padece do vício a que alude a 1ª parte da al. b) do nº 1 do art.º 615º do CPC. Termos em que, relativamente a esta nulidade, o recurso improcede. 3.2.2 – Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia: A recorrente considera que a sentença recorrida é nula, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. d), por o tribunal a quo só ter emitido pronuncia sobre o seguinte requerimento probatório formulado no articulado de oposição após as alegações orais produzidas na diligência realizada no dia 5 de dezembro de 2024 e a que se reporta o intitulado «auto de audição» com a Ref.ª 56314992. Tem o seguinte teor, o requerimento probatório em causa: «- Desde já se requer, nos termos do art.º 467 C.P.C. a realização de uma perícia médico-legal, realizada pelo Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P. (através das suas delegações), cabendo a indicação do perito à própria instituição». É, uma vez mais, manifesto o equívoco em que a recorrente labora! Dispõe o art.º 608.º, n.º 2, 1.ª parte, que «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras», estatuindo, por sua vez, o art.º 615.º, n.º 1.º, al. d), 1.ª parte, que «é nula a sentença quando (…) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…).» A sentença comporta sempre um limite mínimo segundo o qual ao juiz compete resolver todas as questões submetidas pelas partes à sua apreciação, com exceção daquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, entendendo-se por «questão» o efeito pretendido pelo autor (pedido) e os respetivos fundamentos (causa de pedir), bem como as exceções, sejam dilatórias ou perentórias, e suas razões, invocadas pelas partes ou de que o juiz deva conhecer oficiosamente[7]. Ora, a omissão de pronúncia (vício a que alude o art.º 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte) pressupõe o silenciar absoluto de qualquer questão de cognição obrigatória, nos termos do art.º 608.º, n.º 2, 1.ª parte; ou seja, tal nulidade ocorre quando o juiz pura e simplesmente deixa de se pronunciar sobre determinada questão que devesse apreciar, sendo certo que questão a resolver para os efeitos dos mencionados normativos legais é coisa diferente de «questão jurídica» - determinação de qual a norma aplicável e sua correta interpretação – que, como fundamento ou argumento de direito possa (ou deva mesmo) ser analisada no âmbito da apreciação da questão a resolver. Assim, pois, a omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes e que constituem, de forma direta e imediata, dados integradores dos elementos constitutivos ou impeditivos, modificativos ou extintivos dos direitos cuja tutela é procurada pelas partes em juízo, na lógica e na perspetiva dos pedidos, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os argumentos, opiniões ou razões jurídicas. Tanto a jurisprudência como a doutrina vêm unanimemente distinguindo, por um lado, «questões» e, por outro, «razões» ou «argumentos», para concluírem no sentido de que só a falta de apreciação das primeiras, quer dizer, das «questões, integra a nulidade prevista na 1ª parte da al. d) do nº 1 do art.º 615º, mas já não a simples falta de discussão das «razões» ou «argumentos» invocados para concluir sobre as questões[8]. Daqui se retira de imediato que a sentença recorrida não enferma da referida nulidade! Ainda que o tribunal a quo não tivesse chegado sequer a emitir pronúncia sobre aquele requerimento probatório, e emitiu, indeferindo-o, tal omissão não tornaria a sentença nula nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte, pois que um requerimento probatório não constitui, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2. O tribunal a quo resolveu a única questão que lhe foi colocada: a determinação de medidas de acompanhamento a VJ. É também indiscutível que a sentença recorrida não padece do vício a que alude a 1ª parte da al. d) do nº 1 do art.º 615º. Termos em que, também relativamente a esta nulidade, o recurso não pode deixar de improceder. * Sempre se dirá, no entanto, que nos termos do art.º 897.º, n.º 1, «findos os articulados, o juiz analisa os elementos juntos pelas partes, pronuncia-se sobre a prova por elas requerida e ordena as diligências que considere convenientes, podendo, designadamente, nomear um ou vários peritos». Segundo Nuno Pissarra «a este preceito subjazem (...) os princípios da efetividade, do inquisitório e da gestão processual». (...) A decisão sobre as diligências probatórias obedece a um singelo critério: a sua conveniência. Conveniência para quê? Conveniência para a justa decisão da causa, à luz de todos os princípios substantivos e processuais orientadores do processo de acompanhamento. É, naturalmente, indispensável uma ponderação casuística. Entre todas as diligências probatórias que podem ser ordenadas pelo juiz, há duas que merecem autónoma regulação legal: a perícia à pessoa do beneficiário e a audição pessoal do mesmo. (...) Ao invés do ex-art.º 896.º, que obrigava à realização de exame pericial em todas as ações de interdição e nas de inabilitação não fundadas em mera prodigalidade, os atuais arts. 897.º, n.º 1 e 898.º, n.º 2, fazem da perícia uma diligência facultativa. A nosso ver, a consagração da perícia como diligência probatória a ordenar pelo juiz apenas quando a “considere conveniente” (...) tem a sua razão de ser à luz dos princípios orientadores do processo especial de acompanhamento, máxime da celeridade, do inquisitório e da gestão processual»[9]. Ema Conde/Bruno Trancas/Vernando Vieira afirmam a este propósito o seguinte: «A conjugação do previsto no n.º 1 do artigo 899.º do CPC (“1 - Quando determinado pelo juiz, o perito ou os peritos elaboram um relatório...”) com o previsto no n.º 1 do artigo 897.º do CPC (“1 - Findos os articulados, o juiz analisa os elementos juntos pelas partes, pronuncia-se sobre a prova por elas requerida e ordena as diligências que considere convenientes, podendo, designadamente, nomear um ou vários peritos.”) e ainda do n.º 2 do artigo 898.º do CPC (“2 - As questões são colocadas pelo juiz, com a assistência do requerente, dos representantes do beneficiário e do perito ou peritos, quando nomeados, podendo qualquer dos presentes sugerir a formulação de perguntas.”) faz com que seja efectivamente possível dispensar a presença do perito no processo ou a elaboração do respectivo relatório pericial. Dito de outra forma, o exame pericial tornou-se não obrigatório»[10]. Marta Sofia Caldas Viana escreve que «para além da audição, o juiz pode ainda determinar a elaboração de um relatório pericial, que precise, sempre que possível, a afeção de que sofre o beneficiário, as suas consequências, a data provável do seu início e os meios de apoio e de tratamento aconselháveis» (art.º 899.º, n.º 1, do CPC). Todavia, ao contrário do acontecia no pretérito, este relatório é hoje facultativo. Como seria de esperar, isto acabou por gerar, inevitavelmente, algum dissenso, uma vez que não se pode olvidar a importância da perícia médico-legal na boa e justa decisão da causa, ainda que com isto se procure a simplificação e agilização do processo»[11]. Consta da ata de audição da requerida, realizada no dia 5 de dezembro de 2024 (Ref.ª 56314992), diligência na qual a beneficiária esteve presente, acompanhada pelo seu ilustre defensor oficioso, subscritor do articulado de resposta e da peça recursória ora em análise, além do mais o seguinte: «Assim, terminada assim a audição, a Mm.ª Juíza concedeu a palavra aos ilustres mandatários presentes para, em alegações orais, exporem as conclusões de facto e de direito que hajam extraído da prova produzida, o que ficou gravado no disponível na aplicação informática Citius em uso nos tribunais: - Alegações do Ministério Público: - Gravação H@bilus Média Stúdio, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 17:03 horas e términus às 17:07 horas.- Alegações do Defensor Oficioso: - Gravação H@bilus Média Stúdio, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 17:07 horas e o seu termo pelas 17:14 horas.- *** Após a Mma. Juíza proferiu despacho (EM SÚMULA: Indefere-se o pedido de realização de perícia. Oportunamente conclua para decisão.), que ficou gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal com início às 17:17 horas e seu termo às 17:20 horas. De imediato foram os presentes notificados.-». Ouvida, na íntegra, a gravação do despacho oralmente proferido naquela diligência, cuja súmula consta da respetiva ata, nos termos acabados de transcrever, é facilmente percetível a razão pela qual a senhora juíza a quo indeferiu a realização da perícia requerida pela beneficiária no articulado de resposta. A senhora juíza a quo justificou o indeferimento da realização da perícia requerida pela beneficiária no articulado de resposta, por entender que os elementos probatórios constantes do processo, conjugados com o resultado da audição a que acabara de proceder, face às medidas de acompanhamento propostas e à luz dos «princípios do que é hoje o regime do maior acompanhado», lhe permitiam, de imediato, sem necessidade de mais provas, proferir decisão determinativa das medidas de acompanhamento suscetíveis de suprirem «as necessidades» reveladas pela beneficiária. Se a senhora juíza decidiu bem ou mal, se incorreu em qualquer erro de julgamento, é coisa que não está em causa neste recurso, pois a beneficiária não recorreu do despacho que indeferiu a realização da perícia por si requerida no articulado de resposta. Tinha de o fazer no recurso da sentença final (art.º 644.º, n.º 3), pois aquele não é um despacho de rejeição de um meio de prova (art.º 644.º, n.º 2, al. d), parte final), mas um despacho de indeferimento de um meio de prova. Tinha de o fazer, mas não fez, pois que objeto desta apelação é, repete-se, apenas e só a questão da nulidade da sentença recorrida. Perante o exposto, o que a beneficiária não pode, pela pena do seu ilustre defensor oficioso, é vir agora invocar a violação do princípio do contraditório na vertente da proibição de prolação de decisões-surpresa (art.º 3.º, n.º 3), quando: - tendo estado presente na diligência onde foi proferido o despacho que indeferiu a realização da perícia por si requerida no articulado de resposta; - dele tendo sido imediatamente notificada, contra ela não reagiu, impugnando-o por via recursiva, nos termos que lhe eram legalmente permitidos e que acabam de ser indicados. Evidentemente, pelo que vem sendo exposto, não foi também violado qualquer preceito constitucional, mormente o art.º 20.º da CRP, preceito que, aliás, se tornou moda invocar “por tudo e por nada”, quase sempre sem o mínimo fundamento, como sucede no caso de que ora nos ocupamos. No caso concreto, a invocação, pela beneficiária, da violação do principio do contraditório na dita vertente, assim como de preceitos e princípios constitucionais, quando, notificada do despacho que indeferiu a realização da perícia, contra ele não reagiu, pisa o risco, pela pena do seu ilustre defensor oficioso, da litigância de má-fé (art.º 542.º, n.ºs 1 e 2, als. a) e b)). * Em conclusão: a apelação é manifestamente infundada, não merecendo provimento. *** IV – DECISÃO: Pelo exposto, acordam os juízes que integram a 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar a apelação improcedente, mantendo, em consequência, a sentença recorrida. Sem custas, por delas esta isenta a apelante (art.º 4.º, n.º 2, al. h), do RCP) Lisboa, 8 de abril de 2025 José Capacete Ana Rodrigues da Silva Edgar Taborda Lopes _______________________________________________________ [1] Neste acórdão utilizar-se-á a grafia decorrente do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, no entanto, em caso de transcrição, a grafia do texto original. [2] Diploma a que pertencem todos os preceitos legais citados sem indicação da respetiva fonte. [3] Manual cit., pp. 670-672. [4] A norma contida na 1ª parte da al. b) do nº 1 do art. 668º do CPC/61 é idêntica à contida na 1ª parte da al. b) do nº 1 do art. 615º do CPC/2013. [5] Da Sentença Cível, Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, janeiro de 2014, p. 39. [6] Código de Processo Civil Anotado, Volume V, p. 140. [7] Sobre a noção de «questões», nomeadamente para os efeitos dos arts. 608.º e 615.º, n.º 1, al. d), do CPC/2013, vide Alberto dos Reis, Ob. cit., 1981, pp. 51-58. [8] Cfr. por todos Alberto dos Reis, Ob. cit., pp. 53 a 56 e 142 ss; Antunes Varela et al., Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, p. 690. [9] Processo Especial de Acompanhamento de Maiores – Comentário aos artigos 891.º a 904.º do Código de Processo Civil, AAFDL Editora, Lisboa, 2023, p. 132-135. O destacado a negrito é da nossa autria. [10] O maior (des)acompanhado e as perícias médico-legais, in Julgar, n.º 41, Almedina, 2023, pp. 133-134. O destacado a negrito é da nossa autoria. [11] O regime jurídico do maior acompanhado: desafios, potencialidades e constrangimentos, Dissertação de Mestrado em Direito das Crianças, Família e Sucessões, Universidade do Minho – Escola de Direito, 2020, p. 99, acessível na internet em https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/74361/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20Marta%20Sofia%20Caldas%20Viana.pdf. O destacado a negrito é da nossa autoria. |