Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | TOMÉ ALMEIDA RAMIÃO | ||
Descritores: | FRAUDE À LEI CONCORRÊNCIA DESLEAL DIREITO DE SUPERFÍCIE CESSÃO DE EXPLORAÇÃO ABUSO DE DIREITO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/31/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | N | ||
Texto Parcial: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1. A fraude à lei pode ser vista de um modo subjetivo ou de um modo objetivo, e tem o mesmo valor negativo da direta violação de lei imperativa . 2. No modo subjetivo, o juízo da fraude não prescinde da imputação ao agente de uma intenção pessoal de modo a defraudar a lei. No modo objetivo, prescinde-se dessa intencionalidade, sendo suficiente, para o juízo da fraude, que a atuação do agente produza o resultado que a lei quer evitar ou evite o resultado que a lei quer produzir 3. Não constitui fraude à lei, nem viola o direito da concorrência, porque permitido pelo art.º 81.º/3 do Tratado da Comunidade Europeia, e do então vigente n.º2 do art.º 12.º Regulamento (CE) N.º 1984/83 da Comissão, de 22 de junho de 1982, o contrato promessa de transmissão do direito real de superfície e contrato de cedência de exploração de Bomba de Abastecimento de combustível, celebrados em simultâneo, entre Autora e Ré, ambos pelo prazo de 20 anos, no âmbito dos quais esta promete ceder aquela o direito real de superfície sobre parcela do seu terreno, com a finalidade daquela aí construir e instalar uma Bomba de Abastecimento de combustível, suportar os respetivos custos e posteriormente ceder a sua utilização e exploração à ré, mediante a concessão de uma comissão, com a obrigação desta, durante esse período, lhe adquirir, em exclusivo, o respetivo combustível. 4. Não se verifica a figura do abuso de direito, por banda da Autora, por exigir o pagamento de parte dos custos se suportou com a construção, instalação e manutenção das Bombas de Abastecimento, em consequência do incumprimento definitivo dos contratos, por banda da Ré, visto não configurar violação dos limites impostos pela boa-fé, dos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito – art.º 334.º do C. Civil. 5. No contrato de comodato o comodante apenas tem direito a exigir a restituição dos bens findo o contrato, não o pagamento do seu valor – art.º 1135.º, al. h), do C. Civil. (sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório. A… , com os sinais dos autos, intentou a presente ação, sob a forma ordinária, contra B…, com sede na Avenida X…, pedindo a condenação desta na quantia total de 780.737,69 euros, acrescida de juros de mora sobre 162.410,58 euros desde a data da propositura da ação e sobre 569.502,90 euros desde a citação até integral pagamento. Alegou, resumidamente, ter celebrado com a ré dois contratos promessa de constituição de direito de superfície (relativos à construção, equipamento e manutenção de dois postos de abastecimento de combustíveis pela autora, em terreno integrante de prédios pertencentes à ré, e dois contratos de fornecimento de combustíveis e outros produtos conexos para revenda e utilização nos respetivos postos, com a obrigação da parte da ré da sua exploração e aquisição de tais produtos à autora em regime de exclusividade. No pressuposto de manter a exploração dos estabelecimentos ou o respetivo abastecimento pelos períodos acordados a autora, genericamente, suportou os custos com obras, montagem e fornecimento das redes mecânicas de combustíveis, emprestou à ré diversos equipamentos. A ré não celebrou os contratos prometidos, apesar de interpelada para o fazer. Porém, a ré mas manteve relações comerciais com a autora, abastecendo-se junto desta, utilizando as construções efetuadas pela autora nos terrenos identificados, tendo a autora inclusive realizado obras de conservação e adaptação dos mesmos às novas exigências da lei. A ré adquiria produtos junto da autora, tendo a partir de certa altura deixado de cumprir os prazos acordados e depois deixou de pagar os fornecimentos e, finalmente, deixou de se abastecer junto da autora. Pretendeu levantar o material que emprestara à ré, no que foi impedida. Pede, por isso, que sejam pagos os fornecimentos, as comparticipações e o valor dos equipamentos que não conseguiu levantar e de que a ré se apropriou. Citada a ré, contestou, invocando que o esquema contratual supra referido imposto à ré apenas teve em vista contornar o disposto no Regulamento (CEE) nº 1984/83, tratando-se de fraude à lei, daí a não constituição do direito de superfície. E quanto aos contratos de fornecimento, que subsistiram, viram o seu prazo terminar antes do prazo acordado, por imposição legal. Mais refere que as margens de comercialização que não foram respeitadas pela autora, pedindo, em reconvenção, a condenação da autora no pagamento respetivo, ou seja, €56.645,33, correspondente à diferença entre o valor a que tem direito a receber ( €217.705,60) e o montante que reconhece dever à autora ( €161,060,30), compensação que invoca. Mais considera que o pedido da autora de pagamento das quantias relativas a custos de construção, manutenção e equipamento está inegavelmente atingido pela exceção de abuso de direito. Replicou a autora, afastando as invocadas exceções e impugnando os factos que consubstanciam o pedido reconvencional. Proferido o saneador, com fixação da matéria de facto assente e concretização dos factos da base instrutória, realizou-se o julgamento, após o que foi proferida a competente sentença, decidindo ( parte dispositiva): “a) julgar a ação procedente, por provada, e, em consequência, condenar a ré, B…, no pedido; b) julgar improcedentes as invocadas exceções e o pedido reconvencional e, consequentemente, absolver a autora de todos os pedidos contra si formulados.” Desta sentença veio a ré interpor o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões: 1. A recorrente impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos da qual foram dados como não provados os pontos 20.º e 21.º da B.I. 2. Igualmente, impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos da qual foram dados como provados os pontos 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º e 10.º da B.I.; 3. Os contratos dos autos foram celebrados em fraude à lei; 4. Constitui abuso de direito o pedido de condenação, feito pela recorrida contra a recorrente, ao pagamento das quantias correspondentes ao somatório de parte dos custos que alegou ter suportado na construção e equipamento (cfr. artigos 10.º e 23.º p.i.) e em obras de conservação e adaptação (cfr. artigos 56.º-a e 56.º-b p.i.) dos dois postos de abastecimento de combustíveis tratados nos autos e das importâncias entregues à recorrente para a mesma construção e equipamento (cfr. artigos 11.º e 24.º p.i.) e para a sua exploração (cfr. artigos 12.º e 25.º p.i.), procedendo por isso a exceção invocada pela recorrente com base na matéria dos artigos 1.º a 34.º da contestação; 5. A douta sentença incorreu em erro, ao deixar de conhecer as questões da compensação e o pedido reconvencional por as julgar prejudicadas pela conclusão de que os contratos não foram celebrados em fraude à lei; 6. A douta sentença incorreu em erro, ainda, ao julgar procedente o pedido de condenação da recorrente no pagamento do valor dos bens objeto dos comodatos; 7. A douta sentença incorreu também em erro, ao julgar procedente o pedido fundado na a proporção entre a duração efetiva do contrato e a duração clausulada no n.º 1 da clausula 13.º de cada um dos contratos que constituem os documentos 4 e 8 da petição inicial, nos termos estabelecidos nos n.ºs 2 das clausulas 12.º dos referidos contratos; 8. Por tudo, deve a douta sentença ser revogada, como é de JUSTIÇA. *** A Autora contra-alegou, defendendo a bondade da decisão. O recurso foi admitido como sendo de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo (fls. 1024). Colhidos os vistos, e nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir. *** II – Âmbito do Recurso. Perante o teor das conclusões formuladas pela recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 660º, nº2, 661º, 672º, 684º, nº3, 685º-A, nº1, todos do C. P. Civil, constata-se que o thema decidendum consiste em saber: a) Se deve ou não ser alterada a matéria de facto. b) Se os contratos foram celebrados em fraude à lei; c) Existe ilegitimidade do exercício do direito por banda da autora/abuso de direito. d) Direito de compensação e pedido reconvencional. e) Condenação da ré no pagamento do valor dos bens objeto do comodato. f) Condenação da ré em parte dos custos dispendidos pela autora na construção/instalação das Bombas de Abastecimento. *** III – Fundamentação fáctico-jurídica. 1. Matéria de facto. Na decisão recorrida foi considerada a seguinte factualidade: A) A autora é uma sociedade comercial que se dedica, entre outras atividades, ao comércio por grosso de combustíveis e lubrificantes e à respetiva distribuição. B) A ré é uma sociedade comercial que se dedica, entre outras atividades, à venda a retalho de combustíveis e lubrificantes. C) No ano de 1993 a ré era proprietária de um prédio rústico sito em Y…, com a área de 6.600 m2, inscrito na correspondente matriz dessa freguesia sob o art. 519º e descrito na Conservatória do Registo Predial do sobredito concelho sob o nº 00167 da mesma freguesia. D) No dia 2 de setembro de 1993 autora e ré celebraram “Contrato Promessa de Constituição de Direito de Superfície”, junto a fls. 31 a 34, nos termos do qual: “ Pelo presente contrato, o Promitente Cedente promete constituir a favor da Promitente Superficiária, pelo preço de 100.000$00 (cem mil escudos) e esta aceita, livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades, o direito de superfície sobre aquela parcela de terreno, com a área de 2.500m2, …”. D1) Nos termos da cláusula 5.ª deste contrato o direito de superfície é constituído pelo prazo de 20 anos. D2) Consta da cláusula 6.ª do referido contrato promessa, o seguinte: “É pressuposto e base essencial do negócio a verificação do seguinte facto: a concessão, em definitivo, pelas entidades competentes, de todas as licenças e autorizações administrativas necessárias à construção e funcionamento do referido Posto de abastecimento”. D3) Mais ficou acordado que o contrato definitivo da constituição do direito de superfície prometido seria celebrado logo que ocorresse o facto enunciado na cláusula 6.ª. ( doc. fls. 31 a 34). E) E consta da Cláusula 3.ª: “A Promitente Superficiária tem a faculdade de construir e manter, no terreno objeto do contrato aqui prometido e durante a vigência deste, o edifício e instalações para um Posto de Abastecimento de combustíveis, obrigando-se a dar ao referido Posto, por si diretamente, ou por outrem, a utilização que lhe é adequada, de comercialização e abastecimento de combustíveis e outros produtos do seu comércio.” F) Na mesma data autora e ré celebraram o contrato junto a fls. 37 a 48, mediante o qual - A ré “… obriga-se, durante a vigência deste contrato, a vender e a comercializar, em exclusivo, no Posto de Abastecimento a construir no terreno localizado em Y…, os combustíveis petrolíferos para veículos a motor que lhe foram fornecidos pela A…, ou por quem esta indicar, mais se obrigando, consequentemente, a não vender e a não comercializar, no mencionado Posto de Abastecimento, combustíveis petrolíferos para os mesmos fins ou outros combustíveis à base de produtos petrolíferos, fornecidos por terceiros. - A ré “obriga-se também a utilizar, aplicar e consumir no Posto de Abastecimento … os lubrificantes “G…” e os produtos petrolíferos similares e conexos fornecidos pela A…, ou por quem esta indicar, comprometendo-se a promover a venda dos mesmos produtos e a recomendar o seu uso.” F1) E consta da cláusula 6.ª desse contrato: “Pelas vendas das gasolinas e do gasóleo fornecidos em regime de conta firme, no Posto de Abastecimento indicado na cláusula 1.ª, B… terás direito a receber uma comissão equivalente à comissão oficial de revenda que estiver fixada para tais produtos ou, na falta de fixação oficial, à que for estabelecida por acordo das partes e, na falta de acordo, à que resultar das tabelas da A……” G) Mais acordaram que “O presente contrato, que entra imediatamente em vigor, terá a duração de 20 anos, contados a partir da data do primeiro abastecimento de combustíveis …” H) A autora suportou os custos de montagem e fornecimento da rede mecânica de combustíveis líquidos (tanques, tubagens, bombas eletrónicas, etc.), do compressor e da rede de ar e água, do quadro elétrico e da rede elétrica, de candeeiros e sinalizadores. I) A autora entregou à ré a quantia de cento e setenta e quatro mil quinhentos e setenta e nove euros e vinte e seis cêntimos (trinta e cinco milhões de escudos) a título de comparticipação nas obras de construção civil que a ré tomou a seu encargo. J) A autora entregou ainda à ré dezanove mil novecentos e cinquenta e um euros e noventa e dois cêntimos (quatro milhões de escudos), nos termos do nº 2 da cláusula 4ª do contrato referido em F). L) A autora emprestou à ré diversos equipamentos. M) O primeiro abastecimento de combustíveis da autora à ré ao abrigo do contrato referido em F) deu-se a 23.2.1994. N) Tendo-se iniciado nessa data a vigência desse contrato. O) No ano de 1995 a Ré era proprietária de um prédio rústico sito em Z…, com a área de 13.100 m2, inscrito na correspondente matriz dessa freguesia sob o art. 532º e descrito na Conservatória do Registo Predial do sobredito concelho sob o nº 00203 da mesma freguesia. P) No dia 25 de setembro de 1995 autora e ré celebraram “Contrato Promessa de Constituição de Direito de Superfície”, junto a fls. 51 a 55 dos autos, nos termos do qual: “ Pelo presente contrato, o Promitente Cedente promete constituir a favor da Promitente Superficiária, pelo preço de 100.000$00 (cem mil escudos ) e esta aceita, livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades, o direito de superfície sobre aquela parcela de terreno, com a área de 3.000 m2, …”. P1) Nos termos da cláusula 5.ª deste contrato o direito de superfície é constituído pelo prazo de 20 anos. P2) Consta da cláusula 6.ª do referido contrato promessa, o seguinte: “É pressuposto e base essencial do negócio a verificação do seguinte facto: a concessão, em definitivo, pelas entidades competentes, de todas as licenças e autorizações administrativas necessárias à construção e funcionamento do referido Posto de abastecimento”. P3) Mais ficou acordado que o contrato definitivo da constituição do direito de superfície prometido seria celebrado logo que ocorresse o facto enunciado na cláusula 6.ª. ( doc. fls. 51 a 54). Q) E consta da Cláusula 3.ª: “A Promitente Superficiária tem a faculdade de construir e manter, no terreno objeto do contrato aqui prometido e durante a vigência deste, o edifício e instalações para um Posto de Abastecimento de combustíveis, obrigando-se a dar ao referido Posto, por si diretamente, ou por outrem, a utilização que lhe é adequada, de comercialização e abastecimento de combustíveis e outros produtos do seu comércio.” R) Na mesma data autora e ré celebraram o contrato junto a fls. 58 a 70, mediante o qual: - A ré “… obriga-se, durante a vigência deste contrato, a vender e a comercializar, em exclusivo, no Posto de Abastecimento a construir no terreno localizado em Z…, os combustíveis petrolíferos para veículos a motor que lhe foram fornecidos pela A…, ou por quem esta indicar, mais se obrigando, consequentemente, a não vender e a não comercializar, no mencionado Posto de Abastecimento, combustíveis petrolíferos para os mesmos fins ou outros combustíveis à base de produtos petrolíferos, fornecidos por terceiros. - A ré “obriga-se também a utilizar, aplicar e consumir no Posto de Abastecimento … os lubrificantes “G…” e os produtos petrolíferos similares e conexos fornecidos pela A…, ou por quem esta indicar, comprometendo-se a promover a venda dos mesmos produtos e a recomendar o seu uso.” R1) E consta da cláusula 6.ª desse contrato: “Pelas vendas das gasolinas e do gasóleo fornecidos em regime de conta firme, no Posto de Abastecimento indicado na cláusula 1.ª, B… terás direito a receber uma comissão equivalente à comissão oficial de revenda que estiver fixada para tais produtos ou, na falta de fixação oficial, à que for estabelecida por acordo das partes e, na falta de acordo, à que resultar das tabelas da A…” S) Mais acordaram que “O presente contrato, que entra imediatamente em vigor, terá a duração de 20 anos, contados a partir da data do primeiro abastecimento de combustíveis …” T) A autora suportou os custos de projetos, construção civil do posto de abastecimento (incluindo construção do edifício de apoio, arruamentos e pavimentos, na zona de intervenção), montagem e fornecimento da rede mecânica de combustíveis líquidos (incluindo tanques, tubagens, bombas eletrónicas), construção e montagem da cobertura da zona de abastecimento, montagem e fornecimento do compressor e da rede de ar e água, do quadro elétrico e da rede elétrica no que respeita ao equipamento do posto de abastecimento, de candeeiros e sinalizadores. U) A autora entregou à ré a quantia de vinte e nove mil novecentos e vinte e sete euros e oitenta e sete cêntimos (seis milhões de escudos) a título de comparticipação nas obras de terraplanagem que a Ré tomou a seu encargo. V) A autora entregou ainda à ré quarenta e nove mil oitocentos e setenta e nove euros e setenta e nove cêntimos (dez milhões de escudos), nos termos cláusula 4ª, nº 2 do contrato referido em R). X) A autora emprestou à ré diversos equipamentos. Z) O primeiro abastecimento de combustíveis da autora à ré ao abrigo do contrato referido em R) deu-se a 14 de março de 1996. AA) Tendo-se iniciado nessa data a vigência desse contrato. BB) A 26.4.1996 recebeu a autora a carta da Ré datada de 19.4.1996 a qual dá conta da aquisição por C… e seus filhos das quotas dos primitivos sócios da ré. CC) Em tal carta a nova gerência da ré manifesta que assegurará à autora “a plena execução dos contratos em vigor e estabelecidos oportunamente entre ambas as empresas”. DD) Nessa sequência, a 15 de maio de 1996, a autora enviou à ré a carta, que se junta a fls. 74 e 75, solicitando-lhe informação sobre o destaque das parcelas de terreno objeto dos prometidos direitos de superfície, com vista à marcação das competentes escrituras. EE) A ré não respondeu à carta referida na alínea anterior. FF) Cerca de três meses depois a ré constituiu direito de superfície no terreno referido na alínea C) a favor da sociedade D…. GG) A sociedade D… pertencia grosso modo aos mesmos sócios da ré. HH) Com a data de 5 de agosto de 1998 a autora enviou à ré a carta junta a fls. 89, cujo teor se dá por reproduzido. II) Atendendo a que a nova superficiária do terreno referido em C) tinha a mesma gerência da ré, a autora em 31 de dezembro de 1998, através de notificação judicial avulsa, interpelou esta para que, no prazo de trinta dias a contar dessa notificação, indicasse data para a marcação das escrituras, bem como fizesse a entrega dos documentos necessários à sua realização. JJ) Dentro desse prazo a ré enviou à Autora por carta registada com aviso de receção dois cheques visados, no valor de noventa e nove euros e setenta e seis cêntimos (vinte mil escudos) cada, datados de 22 de janeiro de 1999, emitidos à ordem da autora, tendo escrito no rosto dos mesmos a seguinte menção “duplicado do sinal”. LL) Porque a aludida carta apenas continha os dois cheques, não tendo a acompanhá-los qualquer justificação para aqueles pagamentos, a autora entendeu tal gesto como um reconhecimento por parte da ré do seu incumprimento dos contratos-promessa aludidos em D) e P). MM) A autora devolveu os cheques à ré pela carta registada com aviso de receção. NN) Carta que não foi recebida pela ré. OO) A autora devolveu então os mencionados cheques à ré por cartas simples. PP) Carta que foi por esta recebida. QQ) A ré em 4 de março de 1999 depositou, sem aviso e sem conhecimento da autora, na conta bancária daquela os cheques referido nas alíneas anteriores. RR) Não reconhecendo a autora a resolução dos contratos nem serem aqueles os valores a si devidos, emitiu uma nota de crédito a favor da ré pelos valores em causa. SS) E a 28 de maio de 1999, através de notificação judicial avulsa a autora notificou a ré: “da entrega dessa nota de crédito no valor de quarenta mil escudos”. TT) E “de que se mais alguma situação destas se vier a repetir, assim que seja detetada pelos serviços da notificante [Autora], será creditada a favor da notificada [Ré] ou levada em conta como pagamento de fornecimentos efetuados ou a efetuar à mesma”. UU) A ré não celebrou com a autora as prometidas escrituras públicas. VV) A ré manteve relações comerciais com a autora, abastecendo-se junto desta. XX) E utilizou na sua atividade todas as construções efetuadas pela autora nos terrenos referidos em C) e O) e todo o equipamento que esta lhe entregou em comodato ZZ) A autora executou nos dois postos de abastecimento obras de conservação e adaptação daqueles às novas exigências legais. AAA) Inspecionou, reparou e substituiu quando necessário os respetivos equipamentos. BBB) A ré deixou de pagar os fornecimentos efetuados pela autora e recusou pagar juros de mora. CCC) A ré deixou de se abastecer junto da autora desde 19 de outubro de 2007 exclusive. DDD) Recusa-se desde então, e apesar de interpelada, a pagar à autora os valores que se encontram em dívida. EEE) Desde que cessou de se abastecer junto da autora, a ré vedou a entrada de colaboradores desta nos postos de abastecimento instalados nos terrenos referidos supra em C) e O). FFF) Mormente por ocasião da projetada intervenção da Autora nesses postos em sede de renovação da imagem da sua rede, a qual anunciou por carta datada de 21 de maio de 2008. GGG) Não obtendo qualquer resposta da ré, a autora contactou-a na pessoa do seu atual gerente, Senhor E…, visando o agendamento da mencionada intervenção. HHH) Tendo-lhe o referido gerente retorquido que os postos eram da ré e que não autorizava nenhuma intervenção por parte desta. III) Por carta datada de 10 de julho de 2008, a autora interpelou a ré para que lhe fosse restituído o material e equipamento que fora emprestado a esta, o qual se encontra melhor discriminado nas duas relações cujas cópias anexou à carta. JJJ) Tal carta veio devolvida, pelo que foi reenviada capeada por nova carta de 21.7.2008, também remetida nesta data por telecópia. LLL) A 30 de julho de 2008 os técnicos da autora apresentaram-se nos postos de abastecimento instalados nos terrenos referidos supra em C) e O) para proceder ao levantamento e transporte do referido equipamento. MMM) Aí foram impedidos de levantar qualquer equipamento, exceto os pórticos com as insígnias da autora. NNN) A ré não pagou à autora a quantia de 161.060,30 euros. MMM1) A autora agiu pela forma descrita nas alíneas H) a L) no pressuposto de manter a exploração do estabelecimento ou o respetivo abastecimento até 22 de fevereiro de 2014. OOO) A autora agiu pela forma descrita nas alíneas T) a X) no pressuposto de manter a exploração do estabelecimento ou o respetivo abastecimento até 13 de março de 2016. PPP) Os equipamentos referidos em L) tinham o valor de 125.447,67 euros. QQQ) E constam da relação junta a fls. 50 – doc. 6. RRR) Os custos referidos em H) ascenderam a 45.769,09 euros. SSS) Os custos referidos em T) ascenderam a 342.412,94 euros. TTT) Os equipamentos referidos em X) tinham o valor de 174.581,75 euros. UUU) As obras referidas em ZZ) importaram em: a) Quatro mil seiscentos e trinta e quatro euros e quarenta cêntimos no posto instalado no terreno referido em C) e b) Mil quinhentos e setenta e dois euros e noventa e dois cêntimos no posto instalado no terreno referido em O). VVV) A ré deixou de cumprir dentro dos prazos acordados a obrigação de pagamento dos produtos fornecidos pela autora. XXX) A ré não pagou à autora a quantia de 853,32 € relativa ao fornecimento de diversas peças de uniforme. ZZZ) Antes dos pagamentos efetuados a divida por fornecimentos de combustíveis ascendia a 220.590,25 euros. AAAA) Os pórticos referidos em MMM) valiam 3.491,59 euros, cada um. BBBB) A ré que, desde há anos, se dedicava à revenda de combustíveis na P… e nas suas imediações, pretendendo expandir essa sua atividade, decidiu estabelecer dois novos postos de abastecimento nas referidas localidades, de Y… e Z…, daquele concelho. CCCC) Nesse sentido, para além de ter adquirido por compra os terrenos onde eles haveriam de ser implantados e de ter desenvolvido as necessárias diligências de natureza administrativa que a habilitassem a construir e explorar tais postos, a ré, pretendendo “abandeirar” esses postos com marca de combustíveis notória no mercado, contactou e manteve conversações com a F…, que era a maior empresa petrolífera nacional. DDDD) A F… encaminhou a ré para a ora autora, sociedade sua participada (em 51% do capital, cabendo os restantes 49% à angolana H…), com quem a ré passou a tratar. EEEE) Discutidas e assentes as condições comerciais em que poderia estabelecer-se acordo para aqueles dois postos, entre ambas as empresas, a autora apresentou então à ré a solução contratual que acabou por ser consagrada, para cada posto, com a celebração dos contratos em causa: um de promessa de constituição de direito de superfície (com a finalidade de construção, equipamento e manutenção do respetivo posto de abastecimento, pela autora, em terreno integrante de prédio pertencente à ré) e o outro de fornecimento, pela autora à ré, de combustíveis e outros produtos petrolíferos conexos para revenda e utilização no posto, por parte da ré, com as obrigações, por parte desta, da sua exploração e de aquisição de tais produtos à autora (ou a quem por esta fosse indicado), em regime de exclusividade. FFFF) Contudo, a cobertura metálica atualmente instalada no exterior do posto do Y… não é aquela que foi emprestada e colocada pela autora, mas outra que ali foi entretanto instalada pela ré e por seu encargo. GGGG) A cobertura emprestada pela autora ficou inutilizada aquando de um temporal (e teve de ser substituída por aquela ali instalada atualmente), encontrando-se em instalações da ré tal como foi retirada do exterior do posto. HHHH) A ré já procedeu ao pagamento das quantias tituladas pelas faturas juntas a fls. 111 e 114 a 116. IIII) As comissões praticadas na faturação relativa aos fornecimentos da autora à ré no mesmo período mantiveram-se em €0,04/litro. *** 1.1 Reapreciação da matéria de facto. Afirma a recorrente, nas suas conclusões, impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos da qual foram dados como não provados os pontos 20.º e 21.º da B.I, bem como impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos da qual foram dados como provados os pontos 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º e 10.º da B.I No caso do recurso envolver a impugnação da matéria de facto, o recorrente, sob pena de rejeição, deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, enunciá-los na motivação de recurso e sintetizá-los nas conclusões, bem como os concretos meios probatórios que, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, impunham decisão diversa da adotada quanto aos factos impugnados, indicando as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição – Art.º 685.º- B/1 e 2 do C. P. C. (Cfr. Abrantes Geraldes, in “Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3.ª Ed., Almedina, pág.153 e Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, dos Recursos, Quid Júris, Pág. 253 e segs). Na verdade, como sublinham Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, ob. cit. Pág. 253 e 254, “(…) o recorrente que impugne a matéria de facto deve procurar demonstrar o erro de julgamento dessa matéria, demonstração que implica a produção de razões ou fundamentos que, no seu modo de ver, tornam patente tal erro “(…). “(…) não parece excessivo exigir ao apelante que, no curso da alegação, exponha, explique e desenvolva os fundamentos que mostram que o decisor de 1.ª instância errou quanto ao julgamento da matéria de facto, exposição e explicação que deve consistir na apreciação do meio de prova que justifica a decisão diversa da impugnada, o que pressupõe, naturalmente, a indicação do conteúdo desse meio de prova, a determinação da sua relevância e a sua valoração. Este especial ónus de alegação, a cargo do recorrente …, deve ser cumprido com particular escrúpulo ou rigor, caso contrário, a impugnação da matéria de facto banaliza-se numa mera manifestação inconsequente de inconformismo.” – No mesmo sentido, Abrantes Geraldes, ob. cit. e Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 2008, pág. 80. O mesmo entendimento tem sido seguido pelo STJ, nomeadamente nos seus Acs de 4/5/2010 , Proc. 1712/07.3TJLSB.L1.S1 e de 23/02/2010 (ambos em www.dgsi.pt/jstj), este último, cujo sumário, no que ora importa, é o seguinte: “ Não se exige ao recorrente, no recurso de apelação, quando impugna o julgamento da matéria de facto, que reproduza nas conclusões tudo o que alegou no corpo alegatório e preenche os requisitos enunciados no art.º 690.º-A, n.º1, alíneas a), b) e n.º2, do C. P. Civil, o que tornaria as conclusões, as mais das vezes, não numa síntese, mas numa complexa e prolixa enunciação repetida do que afirmara. Esta consideração não dispensa, todavia, o recorrente de nas conclusões fazer alusão àquela pretensão sobre o objeto do recurso, mais não seja, pela resumida indicação dos pontos concretos que pretende ver reapreciados, de modo a que delas resulte, inequivocamente, que pretende impugnar o julgamento da matéria de facto”. Não procedendo a estas obrigatórias especificações o recurso sobre a matéria de facto será rejeitado, nos termos do art.º 685.º-B/1, do C. P. C. Ora, no caso concreto, como facilmente se constata, a recorrente cumpriu com as enunciadas especificações legais nas respetivas alegações e conclusões, indicando nestas os concretos pontos de facto que discorda, por referência à base instrutória, e no corpo alegatório o concreto meio de prova que justifica decisão oposta, mais concretamente no depoimento da testemunha Augusto César Reis, cujo depoimento transcreveu em anexo. Resulta, pois, inequivocamente que a recorrente pretende impugnar os identificados pontos da matéria de facto, impondo-se, por isso, a reapreciação da prova.(…) *** 2. O direito. 2.1.1. Fraude à lei. Sustenta a recorrente que dos contratos dos autos decorre que foram celebrados em fraude à lei, “porquanto da factualidade apurada resulta que o acordo de fornecimento estabelecido entre as partes para cada um daqueles postos de abastecimento constitui elemento integrante de um esquema contratual, esquema contratual esse composto por um contrato promessa de constituição de direito de superfície e outro contrato, celebrado em simultâneo, de fornecimento, pela autora à ré de combustíveis e outros produtos petrolíferos conexos para revenda e utilização no posto, por parte da ré, e que esse esquema contratual foi apresentado pela autora à ré e após terem sido discutidas e assentes entre as partes as condições comerciais em que poderia estabelecer-se acordo para aqueles dois postos”. E, com base nesse raciocínio, conclui que “resulta que esse acordo de fornecimento estabelecido entre as partes para cada um daqueles postos de abastecimento como elemento integrante do esquema contratual apresentado pela autora à ré se encaixou na situação prevista no n.º 2 do artigo 12.º do Regulamento (CEE) n.º 1984/83 da Comissão, de acordo com o qual, “em derrogação do disposto na alínea c) do nº 1, quando o acordo diz respeito a uma estação de serviço que o fornecedor deu em locação ao revendedor ou de que lhe permitiu a fruição de direito ou de facto, as obrigações de compra exclusiva e as proibições de concorrência referidas no presente título podem ser impostas ao revendedor durante todo o período em que ele efetivamente explore a estação de serviço, nanja pelo período mínimo de dez anos - cfr. al. c) n.º 1 do mesmo artigo 12.º e, portanto, que em resultado desse esquema negocial, puderam tais acordos de exclusividade ser estabelecidos por mais de dez anos sem que, por isso, deixasse de lhes ser aplicável a isenção por categoria declarada naquele Regulamento e, por conseguinte, tais acordos não ficassem sujeitos a proibição estabelecida no artigo 85.º do Tratado CEE”. Vejamos, pois, se lhe assiste razão. Fazendo uso das palavras de Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral de Direito Civil, 2005, 3.ª Edição, pág. 431, “dadas as deficiências da legislação, flutuação das circunstâncias e o engenho humano, é possível por vezes frustrar a intenção legal através da adoção de comportamentos que, não colidindo formalmente com a lei e não sendo, portanto, diretamente ilegais, permitem ao seu autor obter o resultado indesejado pela lei ou evitar o resultado por ele almejado”. A fraude à lei pode ser vista de um modo subjetivo ou de um modo objetivo. “No modo subjetivo”, esclarece o Autor, “o juízo da fraude não prescinde da imputação ao agente de uma intenção pessoal de iludir o mecanismo criado com a providência legislativa de modo a defraudar a lei. No modo objetivo, não é exigida a imputação subjetiva nem a prova de intenção, de tal modo que, para o juízo da fraude, é suficiente que a atuação do agente produza o resultado que a lei quer evitar ou evite o resultado que a lei quer produzir” E adianta, “na fraude à lei, o conteúdo negocial não agride diretamente a lei defraudada, mas antes colide com a intencionalidade normativa que lhe está subjacente e que justifica a sua imperatividade. Essa intencionalidade normativa subjacente à imperatividade da lei é a Ordem Pública”. Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, III, pág. 339, considera que "haverá fraude relevante caso se mostre que o intuito da lei foi proibir não apenas os negócios que especialmente visou, mas quaisquer outros tendentes a produzir o mesmo resultado, só não os mencionando por não ter previsto a sua possibilidade, ou ter tido deliberadamente mero propósito exemplificativo". E acrescenta, “não haverá fraude relevante caso se averigue que a lei especificou uns tantos negócios por só ter querido combater certos meios (esses mesmos negócios) de atingir um dado fim ou resultado, em vez de os julgar particularmente graves ou perigosos" E, “em caso de dúvida, e dado que as normas proibitivas constituem exceções ao principio da liberdade negocial, parece aconselhável preferir-se a segunda solução, a de concluir pela não existência de fraude à lei”. Sobre esta concreta questão, escreveu-se no Acórdão do S. T. J., de 20/10/2009, proferido no Processo n.º 115/09.0TBPTL.S1, disponível em www.dgsi.pt: “ O legislador não delineou genericamente a figura da fraude à lei, que apenas tratou em sede de direito internacional privado e no âmbito da aplicação das normas de conflitos (cf. o artigo 21.º do Código Civil ao dispor que “na aplicação das normas de conflito são irrelevantes as situações de facto ou de direito criadas com o intuito fraudulento de evitar a aplicabilidade da lei que, noutras circunstâncias, seria competente.”) - cf., Prof. Rui de Alarcão – “Breve motivação do anteprojeto sobre o negócio jurídico na parte relativa ao erro, dolo, coação, representação, condição e objeto negocial.” – BMJ – 138-120. Certo, porém, que esta figura pode – e deve – estender-se para além do direito internacional privado. Assim, existirá fraude à lei quando se lança mão de uma norma de cobertura para lograr ultrapassar – ou incumprir – a norma defraudada, ou seja a que seria a aplicável à relação jurídica. Trata-se de, por via indireta, por através da prática de um ou vários atos lícitos (já com propósito de defraudar, numa conceção subjetivista; ou mesmo sem tal propósito, se aderindo a uma conceção objetiva) obter um resultado que a lei proíbe. “Nesta perspetiva”, continua o Acórdão, “a fraude mais não é do que uma insidiosa violação da lei, a aferir, casuisticamente, aquando da interpretação do negócio jurídico, tal como acontece com a má fé ou com o abuso de direito”. E sublinha aderir à doutrina do Prof. Castro Mendes (in “Teoria Geral do Direito Civil”, II, 1979, 334 ss, “ao explicar lapidarmente que para haver fraude à lei é necessário um nexo entre o ato ou atos em si lícitos e o resultado proibido. E o nexo pode ser subjetivo (intenção dos agentes) ou objetivo (criação de uma situação jurídica tal que, pelo seu desenvolvimento normal, leve ao resultado proibido). Conclui, o citado aresto, ser de aceitar “esta conceptualização mas pondo a tónica da prescindibilidade do elemento subjetivo – “animus fraudandi” – por valer um conceito ético e objetivo de boa fé, como o que, quanto ao abuso de direito, enuncia o artigo 334.º do Código Civil, conceção acolhida para este instituto no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de maio de 2007 – 07 A1180 – desta Conferência, onde, além do mais se disse que “não se exige que o titular do direito tenha consciência de que o seu procedimento é abusivo, não sendo necessário que tenha a consciência de que, ao exercer o direito está a exceder os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo seu fim social ou económico, basta que na realidade (objetivamente) esses limites tenham sido excedidos de forma nítida e clara assim se acolhendo conceção objetiva do abuso de direito (cf., por todos, Profs. Pires de Lima e Antunes Varela – “Código Civil Anotado”, vol. I, 1967, p. 217).” Também nas palavras do Professor Inocêncio Galvão Teles, Manual dos Contratos em Geral, 4.ª Edição, Pág. 301 a 303, “ a fraude à lei tem o mesmo valor negativo da direta violação da lei”, e “ não se viola a letra da lei mas o seu espírito”. E evidencia, “ se a lei não quer o resultado, proíbe todos os meios a ela conducentes, tanto os que visou por serem os meios normais de o atingir, como todos os outros, não contemplados de forma expressa”. “Mas deve proceder-se com prudência”, realça o distinto Professor, “ cumpre fazer a rigorosa determinação ou conteúdo ou alcance da proibição legal, a fim de saber o que é vedado – se o resultado, qualquer que seja o modo de o atingir, se apenas aquele determinado pacto ou negócio jurídico, na fisionomia peculiar com que o descreve o legislador”. 2.1.2. Ora, o atual art.º 81.º/1 do Tratado da Comunidade Europeia, pretendendo salvaguardar a livre concorrência no mercado comum, veio proibir “todos os acordos entre empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas que sejam suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados-Membros e que tenham por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado comum”. Porém, o seu n.º3, permite a sua não aplicação a determinados acordos, ou categorias de acordos, entre empresas, que contribuam para melhorar a produção ou a distribuição dos produtos ou para promover o progresso técnico ou económico, contanto que aos utilizadores se reserve uma parte equitativa do lucro daí resultante, desde que verificadas certas condições. É neste contexto que surgiu o Regulamento (CEE) N.º 1984/83 Da Comissão, de 22 de junho de 1982 ( publicado no J. O. C. E., n.º L 173, de 30 de junho de 1983), em vigor desde 1 de julho de 1983 a 31 de dezembro de 1997 (seu art.º 19.º) , relativo à aplicação do n.º3 do art.º 85.º, do referido Tratado, atualmente art.º 81.º/3, a certas categorias de acordos de compra exclusiva, começando por referir no seu art.º 1.º que o art.º 85.º/3 é inaplicável “aos acordos em que participam apenas duas empresas e nos quais uma, o revendedor, se obriga perante a outra, o fornecedor, a comprar, para fins de revenda, certos produtos especificados no acordo apenas a este, a uma empresa a ele ligada ou a uma terceira empresa que ele haja encarregado da distribuição dos seus produtos”. E no seu Título III, sob a epigrafe “ disposições específicas aplicáveis a acordos de estações de serviços”, reafirma aquele princípio, declarando “ inaplicável aos acordos em que participam apenas duas empresas e nos quais uma, o revendedor, se compromete perante a outra, o fornecedor, em contrapartida da concessão de vantagens económicas ou financeiras especiais, a comprar só a este, a uma empresa a ele ligada ou a uma terceira empresa que ele haja encarregado da distribuição dos seus produtos, para fins de revenda numa estação de serviço designada no acordo, certos combustíveis para veículos a motor à base de produtos petrolíferos ou certos combustíveis para veículos a motor e combustíveis à base de produtos petrolíferos especificados no acordo”. Mas no seu art.º 12.º, n.º1, alínea c), fica excluída do regime previsto no art.º 10.º, quando “o acordo é celebrado por tempo indeterminado ou por mais de 10 anos”, o que significa que, em regra, esses acordos apenas seriam válidos quando celebrados por um período máximo de 10 anos. Todavia, essa limitação temporal inexiste, de acordo com a previsão do n.º2 do seu art.º 12.º, “quando o acordo diz respeito a uma estação de serviço que o fornecedor deu em locação ao revendedor ou de que lhe permitiu a fruição de direito ou de facto, as obrigações de compra exclusiva e as proibições de concorrência referidas no presente título podem ser impostas ao revendedor durante todo o período em que ele efetivamente explore a estação de serviço”. Justificando a celebração destes acordos, realça-se no considerando 8) do Regulamento, “… que as restrições de concorrência que, além da obrigação de compra exclusiva, são assim admitidas conduzem a uma repartição clara das tarefas entre as partes e obrigam o revendedor a concentrar os seus esforços de venda sobre os produtos referidos no contrato; que, na medida em que sejam acordadas apenas para o período de vigência do acordo, estas restrições são, em geral, necessárias para obter a melhoria da distribuição pretendida pela exclusividade de compra”. O regime de exceção estabelecido para os contratos de estação de serviços, “tal como outros acordos de compra exclusiva” é justificado por se entender que “provocam em geral uma melhoria notável da distribuição de produtos, reservando aos utilizadores uma parte equitativa do lucro daí resultante” – Considerando 14). E “considerando que este tipo de acordos”, adianta-se no considerando 13), “são em geral caracterizados pelo facto de, por um lado, o fornecedor conceder ao revendedor vantagens económicas e financeiras particularmente importantes, atribuindo-lhe quantias em dinheiro a fundo perdido, concedendo-lhe ou conseguindo-lhe empréstimos em condições vantajosas, concedendo-lhe um terreno ou locais para a exploração da loja de bebidas ou da estação de serviço, pondo à sua disposição instalações técnicas ou outros equipamentos ou efetuando outros investimentos em benefício do revendedor e de, por outro lado, o revendedor contrair para com o fornecedor uma obrigação de compra exclusiva de longa duração, geralmente acompanhada duma proibição de concorrência”; Decorrentemente, o resultado proibido pela legislação comunitária citada traduz-se em não falsear, limitar ou restringir a concorrência nos Estados – Membros, através de acordos entre empresas. Mas nem todos os acordos entre empresas são proibidos e em certos casos é admitida essa restrição da concorrência, ou seja, admite-se, em certos casos, que seja alcançado esse resultado, tendo em conta a proteção de outros interesses, em particular provocar “em geral uma melhoria notável da distribuição de produtos”. Assim, nem todos os acordos entre empresas que limitem a concorrência são proibidos, antes são expressamente admitidos, desde que não ultrapassem o período de 10 anos, os “acordos em que participam apenas duas empresas e nos quais uma, o revendedor, se obriga perante a outra, o fornecedor, a comprar, para fins de revenda, certos produtos especificados no acordo apenas a este, a uma empresa a ele ligada ou a uma terceira empresa que ele haja encarregado da distribuição dos seus produtos”. Mas esse limite temporal ( 10 anos) é inaplicável ao acordo que diga respeito a uma “estação de serviço” em que o fornecedor deu em locação ao revendedor ou de que lhe permitiu a fruição de direito ou de facto, dele resultando, para o revendedor, a obrigação de compra exclusiva, com a proibição de concorrência, durante todo o período em que ele efetivamente explore a estação de serviço. O que significa que a proibição legal não respeita ao resultado ( limitação da concorrência) mas a determinados acordos que atinjam esse resultado. Também no n.º3, do art.º 5.º, da anterior Lei da Concorrência, aprovada pela Lei n.º 18/2003 de 11 de junho, se previa serem “ consideradas justificadas as práticas proibidas pelo artigo 4.º que, embora não afetando o comércio entre os Estados membros, preencham os restantes requisitos de aplicação de um regulamento comunitário adotado ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 81.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia”. 2.1.3. O direito de superfície vem caracterizado no art.º 1524.º do C. Civil, consistindo na faculdade de construir ou manter, perpétua ou temporariamente, uma obra em terreno alheio ( ou de nele fazer ou manter plantações). Sobre a sua natureza jurídica, realçam Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, 2.ª edição, pág. 587, que “o superficiário é ou virá a ser, proprietário da obra”, tratando-se de um verdadeiro direito de propriedade. E acrescenta que “a propriedade superficiária não existir enquanto a obra se não constrói” Para Oliveira Ascensão, Direitos Reais, 4.ª Edição, pág. 459, “ a superfície pode ser simplesmente definida como o direito real de ter coisa própria incorporada em terreno alheio”. O uso e a fruição da superfície pertencem ao proprietário do solo enquanto não se iniciar a construção da obra – art.º 1532.º do C. Civil. Sendo o direito de superfície constituído por determinado período, extingue-se logo que decorrido esse prazo ( art.º1536.º/1, al. c), do C. Civil), adquirindo o proprietário do solo a propriedade da obra, tendo o superficiário, salvo acordo em contrário, direito a uma indemnização, calculada segundo as regras do enriquecimento sem causa ( art.º 1538.º/ 1 e 2 do C. Civil). 2.1.4. No caso dos autos, está demonstrado que dedicando-se a autora/recorrida ao comércio por grosso de combustíveis e lubrificantes e respetiva distribuição, e ré/recorrente à venda a retalho de combustíveis e lubrificantes, celebraram, em 2 de setembro de 1993, um “Contrato Promessa de Constituição de Direito de Superfície”, nos termos do qual, esta prometeu constituir, a favor daquela, pelo preço de 100.000$00, e por um período de 20 anos, o direito de superfície sobre a parcela de terreno, de sua propriedade, com a área de 2.500m2, tendo aquela a faculdade de construir e manter, no terreno objeto do contrato, e durante a vigência deste, o edifício e instalações para um Posto de Abastecimento de combustíveis, obrigando-se a dar ao referido Posto, por si diretamente, ou por outrem, a utilização que lhe é adequada, de comercialização e abastecimento de combustíveis e outros produtos do seu comércio. E, na mesma data, celebraram um outro contrato, com a duração de 20 anos, no âmbito do qual a ré/recorrente se obrigou, durante a vigência deste contrato, a vender e a comercializar, em exclusivo, no Posto de Abastecimento a construir no terreno localizado em Y…, os combustíveis petrolíferos para veículos a motor que lhe foram fornecidos pela A…, ora recorrida, ou por quem esta indicar, mais se obrigando, consequentemente a não vender e a não comercializar, no mencionado Posto de Abastecimento, combustíveis petrolíferos para os mesmos fins ou outros combustíveis à base de produtos petrolíferos, fornecidos por terceiros. E obrigou-se, ainda, a utilizar, aplicar e consumir no Posto de Abastecimento os lubrificantes “G…” e os produtos petrolíferos similares e conexos fornecidos pela A…, ou por quem esta indicar, comprometendo-se a promover a venda dos mesmos produtos e a recomendar o seu uso, auferindo pelas vendas das gasolinas e do gasóleo uma comissão equivalente à comissão oficial de revenda que estiver fixada para tais produtos ou, na falta de fixação oficial, à que for estabelecida por acordo das partes e, na falta de acordo, à que resultar das tabelas da A…. O primeiro abastecimento de combustíveis da autora à ré ao abrigo deste contrato ocorreu em 23/02/1994, pelo que iniciou a sua vigência nesta data. E, 25 de setembro de 1995, celebraram idênticos contratos, com o mesmo conteúdo ( Factos referidos nas alíneas P) a S). O primeiro abastecimento de combustíveis da autora à ré ao abrigo deste contrato e referido em R), deu-se a 14 de março de 1996, iniciando a sua vigência nesta data ( Alíneas Z e AA). E mais se demonstrou que, relativamente aos contratos celebrados em 2 de setembro de 1993, a autora/recorrida suportou os custos de montagem e fornecimento da rede mecânica de combustíveis líquidos (tanques, tubagens, bombas eletrónicas, etc.), do compressor e da rede de ar e água, do quadro elétrico e da rede elétrica, de candeeiros e sinalizadores, entregou à ré/recorrente a quantia de cento e setenta e quatro mil quinhentos e setenta e nove euros e vinte e seis cêntimos (trinta e cinco milhões de escudos) a título de comparticipação nas obras de construção civil que a ré tomou a seu encargo, entregou ainda dezanove mil novecentos e cinquenta e um euros e noventa e dois cêntimos (quatro milhões de escudos), nos termos do nº 2 da cláusula 4ª do contrato referido em F), e emprestou diversos equipamentos. Quanto aos contratos celebrados 25 de setembro de 1995 a autora/recorrida suportou os custos de projetos, construção civil do posto de abastecimento (incluindo construção do edifício de apoio, arruamentos e pavimentos, na zona de intervenção), montagem e fornecimento da rede mecânica de combustíveis líquidos (incluindo tanques, tubagens, bombas eletrónicas), construção e montagem da cobertura da zona de abastecimento, montagem e fornecimento do compressor e da rede de ar e água, do quadro elétrico e da rede elétrica no que respeita ao equipamento do posto de abastecimento, de candeeiros e sinalizadores. E entregou à ré/recorrente a quantia de vinte e nove mil novecentos e vinte e sete euros e oitenta e sete cêntimos (seis milhões de escudos) a título de comparticipação nas obras de terraplanagem que esta tomou a seu encargo, entregou ainda à ré quarenta e nove mil oitocentos e setenta e nove euros e setenta e nove cêntimos (dez milhões de escudos), nos termos cláusula 4ª, nº 2 do contrato referido em R), bem como emprestou à ré diversos equipamentos. E provado ficou que a ré manteve relações comerciais com a autora, abastecendo-se junto desta, utilizou na sua atividade todas as construções efetuadas pela autora nos terrenos referidos em C) e O) e todo o equipamento que esta lhe entregou em comodato, tendo a autora executado nos dois postos de abastecimento obras de conservação e adaptação daqueles às novas exigências legais, inspecionou, reparou e substituiu quando necessário os respetivos equipamentos. Porém, a ré deixou de pagar os fornecimentos efetuados pela autora e deixou de se abastecer junto da autora desde 19 de outubro de 2007, vedou a entrada de colaboradores desta nos postos de abastecimento instalados nos ditos terrenos. Mais, a ré, apesar de lhe ter sido solicitado pela autora, em 15 de maio de 1996, informação sobre o destaque das parcelas de terreno objeto dos prometidos direitos de superfície, com vista à marcação das competentes escrituras, não respondeu e, cerca de três meses depois, constituiu direito de superfície no terreno referido na alínea C) a favor da sociedade D…, que pertencia, grosso modo, aos mesmos sócios da ré. Perante a supra factualidade, dúvidas não restam quanto à existência de dois acordos de vontades vinculativo, estabelecido entre a Autora e a Ré, mediante a emissão de declarações de vontade recíprocas, visando a produção de determinado efeito jurídico, mais concretamente dois contratos-promessa e dois contratos de cessão de exploração dos postos de combustível. O contrato-promessa é uma convenção por via da qual alguém se obriga a celebrar certo contrato, à qual são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, excetuadas as relativas à forma, e as que, por sua razão de ser, se não devam considerar extensivas ao contrato-promessa (artigo 410º, nº 1, do C. Civil). Assim, decorre dos referidos contratos-promessa de cedência do direito de superfície sobre as referidas parcelas de terreno, objeto da construção e implantação dos Postos de Abastecimento, que a ré se vinculou às prestações de facto de outorgar os futuro contratos de transmissão do direito de superfície. Contratos que a ré se recusou definitivamente a cumprir, quer pela constituição do direito de superfície no terreno referido na alínea C) a favor da sociedade D…, quer pela carta registada, com aviso de receção, que enviou à autora, com dois cheques visados, no valor de noventa e nove euros e setenta e seis cêntimos (vinte mil escudos) cada, datados de 22 de janeiro de 1999, emitidos à ordem da autora, tendo escrito no rosto dos mesmos a seguinte menção “duplicado do sinal”. Como é sabido, o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado, sendo que no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé – art.º 762º do C. Civil. O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor” – artigo 798º do C. Civil. E compete ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua, sendo que a culpa é apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil – art.º 799.º/1 do C. Civil. Conclui-se, pois, que a ré incumpriu os identificados contratos. 2.1.5. Estamos em presença de dois contratos-promessa e dois contratos de cessão de exploração dos postos de abastecimento de combustíveis identificados, celebrados em simultâneo, isto é, cada um dos contratos-promessa foi celebrado em simultâneo com o contrato de cessão de exploração do posto de combustível, objeto daqueles. Como ensina Inocêncio Galvão Teles, ob. cit. pág. 475, na união de contratos, também chamada de “coligação de contratos”, os contratos mantém-se diferenciados, conservando cada um a sua individualidade, sendo que na união com dependência ( porque há entre eles um laço de dependência, as partes quiseram os dois contratos como um conjunto económico, estabelecendo entre eles uma dependência, que pode ser unilateral ou bilateral), a validade e vigência de um contrato depende da validade e vigência do outro ( no mesmo sentido Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª Edição, pág. 378, realçando essa ligação por um nexo funcional). Ora, os factos provados permitem, sem sombra de dúvida, afirmar a existência dessa união de contratos, ligados por um nexo funcional ou com dependência unilateral. Com efeito, o contrato promessa de transmissão do direito de superfície, celebrado em 2 de setembro de 1993, tinha por finalidade a construção de edifício e instalações para um Posto de Abastecimento de combustíveis (localizado em Y…), por banda da autora, que posteriormente cederia, à ré, a sua utilização, comercialização e abastecimento de combustíveis e outros produtos do seu comércio. Por isso que no mesmo dia celebraram um outro contrato, também com a duração de 20 anos, no âmbito do qual a ré se obrigou a vender e a comercializar, em exclusivo, nesse Posto de Abastecimento a construir, mediante uma comissão de 0,04€/litro, os combustíveis petrolíferos para veículos a motor que lhe forem fornecidos pela A…, ora recorrida, ou por quem esta indicar, mais se obrigando, consequentemente, a não vender e a não comercializar, no mencionado Posto de Abastecimento, combustíveis petrolíferos para os mesmos fins ou outros combustíveis à base de produtos petrolíferos, fornecidos por terceiros. E com o mesmo propósito e finalidade celebraram os contratos em 25 de setembro de 1995 . Assim, os contratos de cessão da exploração estão dependentes dos contratos promessa e futura aquisição do direito de superfície, pela celebração do contrato definitivo, pelo período de 20 anos, período igual ao de duração daqueles, visto que a vigência daqueles dependeria da execução destes, isto é, da construção e instalação dos postos de combustível nessas parcelas de terreno, objeto dos contratos promessa. Face às circunstâncias e finalidades da celebração dos identificados contratos, é fácil concluir não ter havido qualquer fraude à lei, como pretende esforçadamente fazer crer a recorrente, nem violam as citadas regras da concorrência, sendo perfeitamente admissíveis à luz das regras comunitárias ( art.º 12.º, n.º2 do Regulamento citado), porquanto os acordos dos autos dizem respeito a estações de serviço em que o fornecedor (autora) permitiu a fruição (de direito ou de facto) dos postos de combustível à ré, que aquela construiu e instalou, com todo o equipamento necessário à sua adequada utilização e exploração, podendo, por isso, impor-lhe a obrigação de compra exclusiva do seu combustível durante todo o período de vigência do contrato, ou seja, durante 20 anos. E isto quer se defenda uma conceção subjetivista - necessária a existência do elemento subjetivo, o “animus fraudandi” -, quer uma posição objetivista, para a verificação da fraude à lei, que no caso manifestamente não se demonstrou. E, por isso, é abusiva a sua invocação. Na realidade, foi a autora quem construiu, instalou e suportou todos os custos, nas citadas parcelas de terreno da ré, dos Postos de Abastecimento de combustíveis, entregou à ré quantias como comparticipação de despesas que esta realizou, fez a sua manutenção, suportando os avultados custos, neles colocou algum equipamento necessário, em regime de comodato, ou seja, entregou à ré os Postos de Abastecimento prontos a funcionar, sem que esta haja suportado qualquer encargo, e auferindo uma comissão pela venda do combustível, fornecido pela autora. Se assim foi de facto, não se vê onde esteja a fraude à lei. E naturalmente que, face aos avultados investimentos feitos pela Autora, tais contratos teriam uma duração de 20 anos, prazo tido por adequado para o retorno desse investimento, pois de outro modo não o teria feito. E assim sendo, só podemos aderir ao que se escreveu na decisão recorrida: “A autora agiu no pressuposto de que os contratos se iriam manter pelo período acordado, o que se compreende e aceita, pois tratou-se de um investimento vultuoso, ao cabo e ao resto foi a autora que permitiu à ré a fruição das estações de serviço, as quais não existiriam sem o seu contributo. Não se retira da atuação das partes qualquer acordo no sentido de defraudar a lei, sendo que a existência deste acordo é essencial para se afirmar a celebração dos contratos em fraude à lei”. Pelo que improcede este argumento. 2.2. Argumenta a recorrente constituir abuso de direito o pedido de condenação das quantias correspondentes ao somatório de parte dos custos que a autora alegou ter suportado na construção e equipamento e em obras de conservação e adaptação dos dois postos de abastecimento de combustíveis, das importâncias entregues à recorrente para a mesma construção e equipamento. Porém, sem razão. A propósito do abuso de direito ensina Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, 2ª Edição, 2000, Almedina, pág. 249/251, “a conceção geral do abuso de direito postula a existência de limites indeterminados á atuação jurídica individual. Tais limites advêm de conceitos particulares como os de função, de bons costumes e da boa-fé”. E integra nessa categoria o venire contra factum propium, que exprime a reprovação social e moral que recai sobre aquele que assuma comportamentos contraditórios. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª Edição, pág. 300, acentuam que “a nota típica do abuso de direito reside na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que ele deve ser exercido.” E a verdade é não se vê, atenta a factualidade apurada, como imputar à Autora comportamento censurável, por violação dos limites impostos pela boa-fé, isto é, que ao exigir o direito parte dos valores entregues e dos custos suportados pela construção e instalação dos Postos de Abastecimento, correspondentes ao período em falta para o termo do prazo dos contratos, que tinham uma duração de 20 anos, exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito – art.º 334.º do C. Civil. A haver comportamento censurável será da parte da recorrente, por desrespeito do preceituado no art.º 762.º/2 do C. Civil, face ao incumprimento das obrigações assumidas nos contratos, que prescreve que no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé, princípio geral aplicável independentemente da fonte dessa obrigação ( Pires de Lima e Antunes Varela, C. C. Anotado, Vol. II, pág. 3). A Autora suportou esses elevados investimentos no convencimento de que a ré respeitaria o prazo fixado para duração dos contratos, que agiria de boa fé, cumprindo integralmente esses contratos, o que não sucedeu. Diga-se, aliás, que a posição processual da ré roça a litigância de má fé – art.º 456.º/2, al. a), do C. P. Civil. Improcede, por isso, este argumento. 2.3. Compensação e pedido reconvencional. Afirma a recorrente que a sentença incorreu em erro ao deixar de conhecer as questões da compensação e o pedido reconvencional por as julgar prejudicadas pela conclusão de que os contratos não foram celebrados em fraude à lei. Justificando o pedido reconvencional, alegou que “extintos que foram os contratos nas referidas datas de 22 de fevereiro de 2004 (o do Y…) e de 13 de março de 2006 (o do Z…), o certo é que, aliás como vem dito na petição inicial, até 19 de outubro de 2007 a autora continuou a fornecer os produtos petrolíferos revendidos nos postos. Esses fornecimentos foram feitos exatamente como todos os demais que foram feitos na vigência dos contratos, designadamente em regime de exclusividade. Justifica‐se, assim, que a margem de comercialização (comissão) a que a ré tem direito relativamente a todos os fornecimentos feitos pela autora, desde as referidas datas de 22 de fevereiro de 2004 (posto do Y…) e de 13 de março de 2006 (posto do Z…) até à referida data de 19 de outubro de 2007, seja de 0,11€/litro, enquanto que as comissões praticadas na faturação relativa a esse período se mantiveram em € 0,04 por litro. E porque “nesse período, a autora forneceu, em exclusividade, 2.036.229 litros de combustível para o posto do Y… (de 22 de fevereiro de 2004 a 19 de outubro de 2007) e 1.118.925 litros de combustível para o posto do Z… (de 13 de março de 2006 a 19 de outubro de 2007), tudo somando 3.155.154 litros de combustível, tendo assim a ré direito a receber da autora, pelo menos, €217.705,60 = 3.155.154 litros x(€0,11 ‐ €0,04), valor superior ao referido valor do crédito da autora sobre a ré, que é de €161.060,30”. E pede a respetiva compensação com o crédito da autora, condenando-se esta no pagamento do remanescente de €56,645,33. Ora, é igualmente manifesto que o pretendido carece de fundamento legal. Desde logo, porque não está demonstrada a invocada fraude à lei, nem a extinção dos contratos, mas o seu incumprimento definitivo por banda da ré. Depois, porque o valor da comissão, tal como resulta dos contratos, será idêntica à comissão oficial de revenda que estiver fixada para tais produtos ou, na falta de fixação oficial, à que for estabelecida por acordo das partes e, na falta de acordo, à que resultar das tabelas da A…”. E a Ré não alegou, nem demonstrou, que o valor da comissão oficial de revenda seja superior a €0,04/por litro, ou qualquer acordo em montante superior. Razão pela qual o seu pedido teria de improceder. 2.4. Da condenação da Ré nas quantias peticionadas. 2.4.1. Referente ao valor dos bens entregues na sequência dos contratos de comodato. Diz a recorrente que sentença incorreu em erro ao julgar procedente o pedido de condenação da recorrente no pagamento do valor dos bens objeto dos contratos de comodato. Vejamos, se lhe assiste razão. Demonstrado ficou que a autora emprestou à ré diverso equipamento, identificado a fls. 50, que tinham o valor de 125.447,67 euros, bem como os equipamentos identificado a fls. 72 ( doc. n.º10), que tinham o valor de 174.581,75 euros. È verdade que os bens dados em comodato foram entregues em vista de um determinado fim, isto é, para que a ré os utilizasse nos Postos de Abastecimento durante o período de vigência dos respetivos contratos. E, ao contrário do que a ré afirmou, os contratos não se extinguiram pelo decurso do prazo, mas por incumprimento definitivo da ré, em 19 de outubro de 2007 ( art.º s 798.º e 801.º do C. Civil). E a ré, tendo utilizado todo o equipamento que a autora lhe entregou em comodato, quando contactada para os restituir, como devia, recusou fazê-lo, não permitindo o acesso às instalações para que a autora os pudesse levantar. Ora, decorre do art.º 1129.º do C. Civil que o comodato é o contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa , móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir. E uma das obrigações do comodatário é a de restituir a coisa findo o contrato – art.º 1135.º, al. h), do C. Civil. Todavia, o comodatário deve restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, de acordo com os fins do contrato, como decorre do art.º 1043.º/1 do C. Civil, aplicável por força da remissão do art.º 1137.º/3. Decorrentemente, os bens dados em comodato, e supra identificados, possuíam esse valor à data em que foram entregues, ou seja, em 23/2/1994 e 14/3/1996, respetivamente, datas em que tiveram início os primeiros fornecimentos de combustível, pelo que à data de 19/10/2007 tinham um uso de cerca de 12 anos e 6 meses e 11 anos e 6 meses respetivamente, implicando uma natural desvalorização. Daí não poder a ré ser condenada nos valores pedidos, visto que esses bens, à data do incumprimento dos contratos, terão seguramente um valor de mercado bastante inferior em virtude da desvalorização sofrida e decorrente do seu normal uso. Acresce inexistir fundamento legal para a condenação da ré no pagamento do valor correspondente aos bens, já que não foi alegado, nem demonstrado, o seu desaparecimento ou destruição dolosa, e a lei conferir ao comodante o direito de exigir a restituição dos bens, não o seu valor. O comodante tem direito aos bens, não ao valor destes. Na realidade, caso a ré não restitua voluntariamente esses bens, sempre a autora poderá lançar mão da respetiva execução de sentença para entrega de coisa certa, nos termos do art.º 859.º e segs. do Novo C. P. Civil e, não sendo a coisa encontrada, pode liquidar o seu valor e o prejuízo da falta de entrega, nos precisos termos do seu art.º 867.º Decorrentemente, impõe-se alterar a decisão recorrida em conformidade, o mesmo é dizer que deverá ser excluída da condenação da ré a quantia de €293 068,69, correspondente ao valor dos bens, de modo a abranger apenas os prejuízos liquidados no art.º 81 da petição inicial ( € 276 434,21). 2.4.2. Condenação da ré em parte dos custos dispendidos pela autora na construção/instalação das Bombas de Abastecimento. Alega a ré ter havido erro de julgamento ao julgar procedente o pedido fundado na proporção entre a duração efetiva do contrato e a duração clausulada no n.º 1 da clausula 13.º de cada um dos contratos que constituem os documentos 4 e 8 da petição inicial, nos termos estabelecidos nos n.ºs 2 das clausulas 12.º dos referidos contratos. Mas sem razão. Com efeito, no que respeita ao pedido de condenação da ré no pagamento de parte das quantias entregues pela autora, a título de comparticipação, bem como dos valores dispendidos na construção e instalação das Bombas de Abastecimento, a verdade é que, como se deixou dito, a autora suportou/custeou efetivamente os custos de projetos de construção civil (incluindo a construção do edifício de apoio, arruamentos e pavimentos, na zona de intervenção), montagem e fornecimento da rede mecânica de combustíveis líquidos (incluindo tanques, tubagens, bombas eletrónicas), da construção e montagem da cobertura da zona de abastecimento, montagem e fornecimento do compressor e da rede de ar e água, do quadro elétrico e da rede elétrica, no que respeita ao equipamento do posto de abastecimento, de candeeiros e sinalizadores, efetuou a sua manutenção e entregou certas quais à ré para comparticipação de despesas por esta suportadas, no pressuposto de que a ré cumpriria os contratos integralmente e durante o prazo convencionado ( 20 anos), isto é, suportou e realizou todos esses elevados investimentos, necessários à instalação e funcionamento normal das Bombas de Abastecimento, no pressuposto de manter a sua exploração durante esse período, bem como a aquisição exclusiva dos combustíveis pela ré à autora até ao termo dos contratos - 13 de março de 2016. Ora, em consequência do incumprimento culposo, por banda da ré, dos contratos, a autora viu encurtado o prazo contratado, e previsto, para recuperar esses investimentos, ficando, por isso, impedida de recuperar a totalidade do capital investido, o que lhe acarretou prejuízos, sendo a medida destes, e por esta liquidados, correspondente aos montantes de 7/20 dos valores suportados referentes ao primeiro contrato e 9/20 dos valores dispendidos em relação ao segundo contrato ( alíneas I), J), U, V), RRR), SSS) e UUU) dos factos provados) – art.º 798.º do C. Civil. De outro modo, estaria a ré a enriquecer injusta e indevidamente à custa da autora, na medida em que utiliza e explora comercialmente as Bombas de Abastecimento, delas se apropriando, à custa do património da Autora, que as edificou, instalou, efetuou a respetiva manutenção e suportou todos os respetivos encargos, no pressuposto de que os contratos seriam cumpridos no prazo acordado de 20 anos. E, assim sendo, terá de fracassar este argumento. As custas do recurso serão suportadas pela apelante e apelada, na proporção do vencimento – 3/4 e 1/4, respetivamente - , art.º 446.º/1 e 2 do C. P. Civil. *** Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, alteram a decisão recorrida, condenando a ré a restituir à autora o equipamento comodatado e referido nos documentos de fls. 50 e 72, mantendo no mais o decidido, ou seja, a condenação da ré no pagamento da quantia de €162 410,58, acrescida de juros legais desde a propositura da ação, bem como na quantia de €276 434,21, correspondente à liquidação efetuada no artigo 81.º da petição inicial, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a sua citação. Custas pela apelante e apelada, na proporção do vencimento – 3/4 e 1/4, respetivamente. Lisboa, 2013/10/31 Tomé Almeida Ramião Vítor Amaral Fernanda Isabel Pereira | ||
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