Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
515/09.5TJLSB.L1-6
Relator: TERESA PARDAL
Descritores: ARRENDAMENTO
HABITAÇÃO
NÃO USO DO ARRENDADO
RESOLUÇÃO
FORÇA MAIOR
OBRAS
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/20/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1. O locador tem a obrigação de proporcionar o gozo da coisa locada ao locatário e de realizar as obras de conservação necessárias.
2.Encontrando-se o locado em condições de grande degradação resultantes da omissão de realização de obras de conservação e que impossibilitem a sua utilização pelo locatário, verifica-se a licitude do não uso pelo locatário, por se tratar de caso de força maior a que se refere o artigo 1072º nº2 a) do CC, deixando de haver fundamento para a resolução do contrato pelo locador.
3. Deixando os locatários de habitar o locado por essa razão e depois de terem efectuado diversas diligências infrutíferas para a realização de obras, não existe abuso de direito da sua parte se continuarem a residir noutros locais alternativos durante anos sem que voltem a efectuar diligências para que o senhorio realize as obras, sob pena de estar encontrado o meio de o locador beneficiar da ilegalidade da sua própria conduta de omitir a realização das obras da sua responsabilidade.
( Da responsabilidade da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO.

A intentou a presente acção declarativa com processo sumário contra B e esposa C alegando, em síntese, que é dona de uma fracção autónoma que identifica, a qual em 1967 foi dada de arrendamento ao réu marido por anterior proprietário, para habitação do inquilino, encontrando-se porém a casa abandonada pelos réus há mais de 20 anos, que, ininterruptamente, aí deixaram de dormir, de tomar as refeições e de receber familiares e amigos, apenas se deslocando ao andar para levantar correspondência e encontrando-se a residir noutro local, razão pela qual a casa se mostra cada vez mais degradada, em perigo de derrocada e sem condição de habitabilidade.
Concluiu pedindo que seja decretada a resolução do contrato de arrendamento e a condenação dos réus a entregar-lhe a fracção e, subsidiariamente, que seja declarada a caducidade do contrato pela perda e/ou inutilização da coisa locada.
Os réus contestaram alegando, em síntese, que deixaram de habitar o locado devido à falta de condições de habitabilidade do mesmo que, por falta de obras de manutenção no telhado, sofreu diversas infiltrações ao longo dos anos, do que resultou a total impossibilidade de o utilizar, o que é imputável à omissão dos senhorios em realizar as obras necessárias, nomeadamente a autora, que, tendo comprado a fracção por um preço que teve em conta o estado de degradação do prédio, actua assim com manifesto abuso de direito.
Concluíram pedindo a improcedência da acção e a absolvição do pedido e, em reconvenção, pediram a condenação da autora a realizar as obras necessárias à habitabilidade do locado e a indemnizá-los pelas despesas e perturbações sofridas, a liquidar em execução de sentença.
A autora replicou impugnando os factos alegados na contestação e alegando que o telhado do edifício está em bom estado, como resulta do facto de outras fracções não sofrerem infiltrações, pelo que as que se verificam no locado são provenientes do abandono a que os réus o votaram, sendo certo que estando o prédio em propriedade horizontal e pertencendo as fracções a diversos proprietários, qualquer obra no telhado seria da responsabilidade do condomínio; mais alegou que, desde que a autora adquiriu a fracção em 2004, nunca os réus lhe solicitaram a realização de obras, nem permitiram a sua entrada no locado, sendo os réus quem actua com abuso de direito, ao abandonarem o locado por razões pessoais e pretendendo obter indemnização com fundamento numa situação que eles próprios provocaram.
Concluiu pedindo a improcedência da reconvenção e a procedência da acção.
Frustrada uma tentativa de conciliação, admitida a reconvenção e saneados os autos, procedeu-se a julgamento, findo o qual foi proferida sentença que julgando improcedente a reconvenção, julgou procedente a acção com a consequente resolução do contrato de arrendamento e entrega do imóvel.
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Inconformados, os réus interpuseram recurso e alegaram, pedindo a improcedência da acção e a procedência do pedido reconvencional, formulando as seguintes conclusões:
(1ª) A não realização de obras no locado por parte do senhorio que impediu os recorrentes de residirem no mesmo integra o conceito de força maior, para efeitos de considerar o seu não uso, nos termos e para os efeitos do art. 1072º, nº2.
(2ª) Se assim não se entender, deverá tal omissão constituir fundamento para a invocação da excepção de não cumprimento do contrato, nos termos e para os efeitos do art. 428º do Código Civil.
(3ª) Por qualquer uma destas razões, não há fundamento para a resolução do contrato de arrendamento, nos termos e para os efeitos do art. 1083º, nº2, al. d), do Código Civil.
(4ª) O comportamento dos recorrentes não constitui abuso de direito, nos termos do art. 334º do Código Civil, na medida em que não existe clamorosa violação de justiça e do sentido ético-jurídico.
(5ª) Sendo que, a haver algum abuso de direito, é por parte da recorrida, na medida em que, e para o caso de se considerar não aplicável a excepção prevista no art. 1072º, nº2 do CC, e sem conceder, a falta de residência permanente dos recorrentes teve como causa o seu comportamento omissivo e o dos proprietários anteriores.
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Não foram apresentadas contra-alegações e o recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos autos e efeito suspensivo.
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As questões a decidir são:
I) Caso de força maior e excepção de não cumprimento do contrato.
II) Abuso de direito.
III) Pedido reconvencional.
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FACTOS.
Os factos considerados provados pela sentença recorrida são os seguintes:
1. A autora adquiriu, no ano de 2004, por compra, a propriedade da fracção autónoma, destinada a habitação, designada pela letra “F”, correspondente ao 2º andar direito do prédio sito na Rua ……., em Lisboa.
2. A referida fracção foi dada de arrendamento, por documento escrito, datado de 29 de Abril de 1967, ao ora réu, com destino à sua habitação exclusiva, pelo prazo de seis meses, mediante a contrapartida mensal de 1 200$00.
3. Por força dos coeficientes legais de actualização, o valor actual da renda mensal é de 39,44 euros.
4. Há mais de quinze anos que os réus deixaram de pernoitar, confeccionar e tomar as refeições, receber amigos e familiares e ter os seus bens no locado.
5. A ré apenas se desloca ao locado para levantar a respectiva correspondência.
6. O locado foi-se degradando ao longo dos anos, tendo vidros das janelas partidos, tectos caídos, chão apodrecido e desnivelado, fendas pronunciadas nas paredes, tintas empoladas, rebocos caídos, azulejos soltos, manchas de humidade, canalização com indícios de roturas.
7. Em 1994 correu termos, pela 3ª Secção do 11º Juízo Cível de Lisboa, uma acção de despejo contra os ora réus, com fundamento na falta de habitação do locado, a qual foi julgada improcedente.
8. No ano de 2000 foi intentada nova acção e despejo contra os ora réus, a qual correu termos pela 3ª Secção do 6º Juízo Cível de Lisboa, que terminou por sentença homologatória da desistência do pedido.
9. Os ora réus e o anterior senhorio negociaram a compra e venda do locado, a qual, contudo, não se chegou a concretizar, pelo facto de o senhorio não ter aceite o valor oferecido pelos réus.
10. A falta de manutenção do telhado do prédio provocou graves infiltrações no locado, sobretudo na cozinha, casa de banho e marquise.
11. O prédio foi construído nos anos 30.
12. O locado nunca recebeu obras de conservação.
13. Em 03/08/1990, a ré subscreveu uma carta, juntamente com as vizinhas do 1º andar, enviada à então senhoria, solicitando a reparação da escada de salvação.
14. Em 12/09/1990, a ré subscreveu, juntamente com as referidas vizinhas, nova carta, enviada ao Presidente da Junta de Freguesia de …, solicitando a sua intervenção para conseguirem a realização de obras no prédio, nomeadamente na escada de salvação e no telhado.
15. Em 23/10/1990, a ré subscreveu, juntamente com as referidas vizinhas, uma carta enviada ao Comandante do Regimento de Sapadores Bombeiros, solicitando uma vistoria ao prédio.
16. A EDP dirigiu ao réu uma carta datada de 14 de Dezembro de 1990 informando que, por razões de segurança, seria necessária a modificação da coluna montante do prédio, de acordo com as normas de segurança em vigor, sob pena de ser desligada a alimentação de energia eléctrica, à qual o réu respondeu, indicando o nome e morada do senhorio.
17. Procedeu-se à mudança da coluna de instalação eléctrica do prédio, não tendo sido feita a respectiva ligação ao locado, o qual ficou sem corrente eléctrica.
18. Em Fevereiro e Abril de 1992, a ré compareceu em duas sessões da Assembleia Municipal onde deu conta da situação em que se encontrava o locado, nomeadamente de chover em quase todas as assoalhadas, e de que o senhorio não parecia disposto a fazer obras.
19. A Assembleia Municipal de Lisboa enviou à ré uma carta, datada de 27/04/1992, informando-a que havia solicitado ao Presidente de da CML uma informação acerca do assunto por ela exposto.
20. A Assembleia Municipal de Lisboa enviou à ré uma carta, datada de 05/05/1992, informando-a da resposta do Vereador do Pelouro, no sentido de não ter o município disponibilidades financeiras para realizar as obras intimadas aos senhorios e de poder a inquilina substituir-se ao proprietário ou, então, demandá-lo judicialmente.
21. Em 08/09/1993, a ré subscreveu, juntamente com a vizinha do 1º andar esquerdo, uma cata enviada ao Presidente da CML, solicitando que intercedesse no sentido de “desbloquear” o assunto das obras no prédio.
22. O Vereador respondeu, informando que o assunto estava a ser estudado no sentido de serem efectuadas obras financiadas pelo RECRIA, financiamento que seria mais rapidamente concedido se solicitado pelo proprietário ou inquilinos.
23. Os réus começaram por pernoitar no escritório de contabilidade da ré, situado perto do locado, onde passaram depois também a fazer a sua higiene diária.
24. Posteriormente, tendo-se separado de facto, a ré arrendou uma casa para viver e o réu passou a viver em casa de familiares.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO.
I) Caso de força maior e excepção de não cumprimento do contrato.
Vigorando entre a autora e o réu marido um contrato de arrendamento previsto no artigo 1022º do CC, destinado à habitação dos réus, pretende a locadora, a ora autora, que o mesmo seja resolvido, com fundamento no não uso do mesmo pelos locatários, ou então que seja declarada a sua caducidade, por perda da coisa locada.
Ficou provado que o contrato foi celebrado em 1967, tendo a autora adquirido a casa em 2004, assim sucedendo nos direitos e obrigações dos anteriores locadores, nos termos do artigo 1057º do CC.
Provou-se também que há mais de 15 anos que os réus deixaram de pernoitar no locado e de aí tomar refeições, receber amigos e familiares, aí deixando de ter os seus bens.
Estabelece o artigo 1072º nº1 do CC que “o arrendatário deve usar efectivamente a coisa para o fim contratado, não a deixando de utilizar por mais de um ano”.
Por seu lado o artigo 1083º nº2 d) do mesmo código consagra, como fundamento de resolução do contrato por parte do senhorio, o não uso do locado por mais de um ano, salvo nos casos previstos no nº2 do artigo 1072º.
Ao não pernoitarem, não tomarem refeições, não guardarem os seus bens, nem receberem pessoas no locado, os réus, por mais de um ano, deixaram de o usar para o fim a que se destina – habitação – incorrendo na situação contemplada no artigo 1083º nº2 d), que facultaria ao senhorio a possibilidade de resolver o contrato com esse fundamento.
Contudo, constitui obrigação do senhorio, consagrada na alínea b) do artigo 1031º do CC, assegurar ao locatário o gozo da coisa locada, para os fins a que esta se destina, obrigação esta corroborada pelo disposto no artigo 1074º nº1 do mesmo código, que atribui ao senhorio a obrigação de executar todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias e sendo certo que tais obrigações já se verificavam no regime anterior ao Novo Regime do Arrendamento Urbano, introduzido pela Lei nº6/2006 de 27/2 (contempladas no mesmo artigo 1031º do CC e no artigo 11º do DL 321-B/90 de 15/10 – RAU).
Alegam, então, os réus que deixaram de habitar o locado devido ao estado de degradação da casa, resultante da omissão dos senhorios em cumprir a sua obrigação de proporcionar o gozo do locado ao não realizar as necessárias obras e invocando, em consequência, a excepção de caso de força maior para não uso do locado, a que se refere o artigo 1072º nº2 a) do CC, e, subsidiariamente, a excepção de não cumprimento do contrato, prevista no artigo 428º nº1 do mesmo código.
Desde logo se dirá que não tem cabimento falar em excepção de não cumprimento do contrato.
Com efeito, a situação do locado integra ou não o caso de força maior a que se refere o artigo 1072º nº2 a), não havendo que falar em excepção de não cumprimento do contrato em qualquer dos casos.
Permite o artigo 428º nº1 que cada um dos contraentes pode recusar a sua prestação, no caso de contratos bilaterais, se não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.
Com se vê desta disposição legal, a excepção de não cumprimento do contrato pressupõe que exista entre as duas prestações uma relação sinalagmática, ou seja, que entre ambas se verifique um nexo causal de forma que uma prestação seja a contrapartida da outra e vice versa.
Tal relação sinalagmática existe entre a obrigação de proporcionar o gozo do locado e a obrigação de pagar a renda, pelo que uma violação da primeira obrigação por parte do senhorio poderá justificar, observadas as condições previstas no artigo 1040º do CC, a redução da renda devida.
Mas já quanto ao dever de usar o locado, o mesmo só deixa de existir nos casos expressamente previstos no nº2 do artigo 1072º do CC, que, no caso que nos interessa, seria o caso de força maior previsto na sua alínea a).
Assim, no que respeita ao dever de usar o locado, poderá verificar-se uma de duas situações: uma situação de degradação da casa que impossibilite totalmente habitar o locado, o que integra o caso de força maior e permite ao arrendatário não usar o locado; ou uma mera falta de manutenção do locado que ainda permita a sua utilização, o que apenas faculta ao locatário a possibilidade de exigir a realização de obras ao senhorio, mas não justifica o não uso do mesmo, não havendo assim cabimento, em qualquer caso, para a excepção de não cumprimento do contrato (cfr neste sentido David Magalhães “A resolução do arrendamento urbano”, páginas 276 e 277).
Voltando ao caso dos autos, ficou provado que o prédio foi construído nos anos 30 e que nunca recebeu obras de conservação, tendo a falta de manutenção do telhado do prédio provocado graves infiltrações no locado, provando-se também que ao longo dos anos a casa passou a apresentar tectos caídos, chão apodrecido e desnivelado, fendas pronunciadas nas paredes, tintas empoladas, rebocos caídos, azulejos soltos, manchas de humidade e canalização com indícios de roturas.
Ora, embora não tenham ficado definidas nos factos provados todas as datas em que estes vários estragos foram aparecendo, parece ser de concluir que os mesmos se devem à falta de obras e conservação e ao facto de a falta de manutenção do telhado ter provocado graves infiltrações no locado, assim como se deverá concluir, face às diversas diligências realizadas pela ré no princípio dos anos 90, que, nessa altura, já se verificava a situação que levou os réus deixar de usar a casa.
Ora, toda esta situação – em que, para além de tectos caídos, chão apodrecido, rebocos e azulejos soltos, se inclui a falta de electricidade e a existência de roturas na canalização – não acarreta apenas um incómodo para os habitantes da casa, constituindo sim uma verdadeira impossibilidade de uso da mesma para habitação, integrando, assim, o caso de força maior previsto na alínea a) do nº2 do artigo 1072º do CC, que permite o não uso do locado pelos réus.
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II) Abuso de direito.
Apesar da situação apurada nos autos, a sentença recorrida entendeu que a manutenção do contrato de arrendamento constitui um abuso de direito por parte dos réus, em virtude de estes a partir de certa altura se terem conformado com a situação e terem arranjado outros locais para residir.
Os apelantes contrapõem que a haver abuso de direito será por parte da autora.
E parece que lhes assiste razão.
Como é sabido, o abuso de direito vem previsto no artigo 334º do CC e consiste no exercício de um direito fora do âmbito da sua finalidade e razão de ser.
Ora nada na actuação dos réus preenche este conceito, pois estes limitaram-se a resolver o seu problema de impossibilidade de habitar o locado, recorrendo a outros locais para pernoitar e organizar a sua vida, o que fizeram por causa que não lhes é imputável.
Nem se pode dizer que os réus nada fizeram para resolver a situação, pois dirigiram-se à senhoria anterior e a diversas outras entidades expondo o seu problema, não lhes sendo exigível que, não obtendo resultados, continuassem a fazê-lo indefinidamente.
Por outro lado, se é certo que a lei lhes permite a realização de obras cuja compensação poderão reclamar do senhorio (possibilidade que, com a reforma introduzida pelo NRAU, ficou facilitada com o disposto no artigo 1036º do CC), tal faculdade não constitui uma obrigação, mesmo porque depende dos meios económicos de que o locatário poderá dispor em cada caso concreto.
Não se descortina, pois o abuso de direito na conduta dos réus, sendo certo que nada leva a concluir que, caso fossem agora realizadas as obras necessárias que os senhorios já deveriam ter realizado, os réus não voltariam a habitar o locado, ou, estando actualmente separados, não acordassem em atribuir a um deles a casa de morada de família.
Pelo contrário, o abuso de direito ocorreria sim se fosse operada a resolução do contrato nesta situação, sancionando-se uma situação ilegal (a omissão de realização de obras da responsabilidade da senhoria) e permitindo-se que, em consequência, essa violação da lei obtivesse como resultado a saída dos locatários do locado.
Conclui-se, portanto, que não existe abuso de direito por parte os réus.
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III) Pedido reconvencional.
Face ao acima exposto e ao facto e não se ter apurado factos suficientes de que possa concluir que o locado não pode ser recuperado, tem de se concluir também que a acção improcede e que, por isso, haverá que apreciar o pedido reconvencional.
Os réus formulam dois pedidos na reconvenção: a condenação da autora a realizar as obras que lhes permitam habitar a casa e a sua condenação a pagar-lhes uma indemnização pelos prejuízos que sofreram.
No que diz respeito ao pedido de condenação na realização de obras, tratando-se de uma obrigação da senhoria, que, como se expôs, lhe é imposta nos artigos 1031º e 1074º do CC e não tendo esta obrigação sido cumprida, com violação do disposto no artigo 406º nº1 do CC, deverá ser condenada a fazê-lo.
A esta conclusão não obsta o facto de o locado constituir uma fracção autónoma, logo integrada um prédio em propriedade horizontal, em que, por força do artigo 1424º do CC, as obras de reparação das partes comuns são da responsabilidade o condomínio.
Na verdade, nos termos do artigo 1427º do CC, qualquer condómino pode levar a efeito as reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do prédio, na falta ou impedimento do administrador, pelo que, não obtendo a autora a iniciativa do condomínio para a realização das obras em tempo útil, poderá efectuá-las, sem prejuízo de posteriormente discutir o seu custo com o condomínio e sendo certo que essa mera faculdade se transforma num dever para o condómino que, como a autora, é locador de uma das fracções e tem a obrigação de a manter em condições para o uso do locatário.
Procede, pois, a reconvenção nesta parte, devendo a autora ser condenada a realizar as obras que os factos provados demonstram ser necessárias, a liquidar em execução de sentença ao abrigo do artigo 661 nº1 do CPC, uma vez que se desconhece a sua extensão.
Já quanto ao pedido de indemnização, a sua procedência estaria dependente da prova dos factos que integrassem a responsabilidade civil da autora decorrente da falta de cumprimento contratual, nos termos do artigo 798º do CC.
E tais factos não ficaram suficientemente provados, pois não se provou que tivesse havido despesas acrescidas, não se apuraram as circunstâncias e as condições dos locais onde os réus passaram a pernoitar, ignorando-se também se, face à sua separação, os réus teriam sempre mudado ou não a sua residência.
Não poderá esta falta de factos ser colmatada na liquidação em execução de sentença, pois, de acordo com o artigo 661º do CPC, este instituto tem cabimento quando se ignora a quantidade ou objecto, mas pressupõe sempre a prova de existência dos danos em si, mesmo que não quantificáveis (como acontece no caso dos autos relativamente à existência de danos provocados pela omissão de obras).
Improcede, portanto, o pedido reconvencional nesta parte.
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DECISÃO.
Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação e, revogando a sentença recorrida, se decide:
a) julgar improcedente a acção e absolver os réus do pedido;
b) julgar parcialmente procedente a reconvenção e condenar a autora a realizar obras de reparação do telhado do prédio que impeçam as infiltrações no locado e as obras de reparação dos estragos causados pelas infiltrações já ocorridas, absolvendo-a do restante peticionado.
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Custas em ambas as instâncias pela apelada e pelos apelantes na proporção de ¾ para a primeira e ¼ para os segundos.
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Lisboa, 20 de Outubro de 2011

Maria Teresa Pardal
Tomé de Almeida Ramião
Jerónimo Joaquim Marques Freitas