Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3456/22.7T8VFX.L1-4
Relator: CELINA NÓBREGA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
CCT ANTRAM
INCAPACIDADE TEMPORÁRIA
INDEMNIZAÇÃO
FACTOR DE BONIFICAÇÃO 1.5
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/24/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1-A cláusula 82.ª do Contrato Coletivo entre a Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias - ANTRAM e outra e a Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações - FECTRANS e outros - Revisão global, publicado no BTE n.º 45, de 08.12.2019, prevê o pagamento pela empregadora de um subsídio a ser pago no caso de se verificarem determinadas condições e que não exclui, de modo nenhum, a sua responsabilidade pelo pagamento dos valores devidos a título de indemnização por incapacidades temporárias cujo cálculo é feito tendo em conta o que dispõe o artigo 71.º da LAT.
2- O factor de bonificação previsto na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais pode ser aplicado oficiosa e automaticamente pois depende apenas do preenchimento dos pressupostos: o sinistrado ter 50 anos de idade, “quer já tenha essa idade no momento do acidente, quer só depois venha a atingir essa idade”; e não ter anteriormente beneficiado da aplicação desse factor.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

Relatório
Tendo-se frustrado a tentativa de conciliação, veio AA, com o patrocínio do Ministério Público, instaurar a presente acção especial emergente de acidente de trabalho contra Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A. e Torres & CIA, Lda., peticionando que a acção seja julgada procedente e, consequentemente, seja decidido que:
- o Autor auferia a retribuição anual de € 21.563,46, devendo as Rés seguradora e empregadora ser condenadas na reparação do acidente, de acordo com as respectivas quotas-partes de responsabilidade a apurar;
- a data da consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo Autor ocorreu no dia 18 de Outubro de 2023;
- sendo as Rés condenadas, em função das respectivas quotas-partes de responsabilidade, a pagar ao Autor a indemnização pelos períodos de incapacidades temporárias, bem como a pensão anual devida desde a data da consolidação médico legal e em função da IPP a atribuir, a calcular com base na retribuição anual referida;
- sendo ainda a Ré seguradora condenada no pagamento das despesas de transporte tidas pelo Autor por força do presente processo;
- sendo todas as quantias acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos desde a data do seu vencimento e até efectivo e integral pagamento.
Para tanto invocou, em síntese, que:
-No dia 25 de Janeiro de 2021, pelas 9 horas e 16 minutos, quando prestava o seu trabalho de motorista de veículos pesados para a sua entidade empregadora Torres & CIA, Lda. (doravante Ré empregadora), no seu estabelecimento situado em Loures, sofreu um acidente que se traduziu em ter caído do camião por si conduzido na sequência do que sofreu contusões do ombro e cotovelo esquerdos, com as lesões que descreve;
-O Autor recebia a retribuição mensal base de € 733,07, € 53,49 por mês, referente a diuturnidades, € 384,54 por mês a título de remuneração especial de motorista, € 14,66 relativo ao complemento mensal de motorista, € 48,33 (média mensal) referente a subsídios de operações e a título de ajudas de custo (média mensal), a importância de € 440,83, auferindo, assim, a retribuição anual, para efeitos de reparação de acidente de trabalho, no montante de € 21.563,46;
-A Ré empregadora tinha a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho parcialmente transferida para a Ré seguradora através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º AT23739568, em função da retribuição anual € 15.151,88, com os seguintes componentes retributivos: retribuição base: € 700 x 14; outras remunerações: € 65 x 12; outras remunerações: € 376,74 x 12; e outras remunerações: € 51 x 1;
-De acordo com as condições particulares da apólice de seguro, a Ré seguradora «garante o pagamento de 100% do salário líquido nas incapacidades temporárias.»;
-Na tentativa de conciliação não foi alcançada a conciliação das partes, porquanto o Autor, a Ré seguradora e a Ré empregadora não aceitaram a proposta apresentada, mostrando-se controvertidos qual o valor total da retribuição anual do sinistrado, quais os seus componentes e qual o montante dessa retribuição anual não coberta pelo contrato de seguro, pelo qual é responsável a Ré empregadora, os períodos de incapacidades temporárias sofridos pelo Autor; a data da consolidação médico-legal das lesões; e a avaliação da incapacidade permanente parcial do Autor; e
-O cálculo das prestações é efectuado nos termos do artigo 71.º da LAT, tomando-se por referência a retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado à data do acidente, incluindo-se no cálculo daquela as ajudas de custo.
Citadas as Rés e o Instituto de Segurança Social, IP, vieram aquelas contestar invocando em resumo, o seguinte:
A Ré seguradora:
-No dia 25 de Janeiro de 2021, a responsabilidade infortunística e traumatológica dos trabalhadores da Torres e CIA. Lda, encontrava-se transferida para a Ré por contrato de seguro do ramo “Acidentes de Trabalho”, titulado pela apólice n.º AT…;
-O Autor estava incluído na apólice, mediante a retribuição base de € 700,00 x 14, acrescida de outros subsídios nos montantes de € 65 x 12, € 376,74 x 12, € 51 x 1, num total anual de retribuição de € 15.151,88;
-A Ré aceita a ocorrência e caracterização do acidente como de trabalho, mas não aceita as conclusões do exame singular no que toca aos períodos de incapacidade temporária e à incapacidade permanente fixada.
Finalizou pedindo que a acção fosse julgada de acordo com a prova que viesse a ser produzida.
Mais requereu a realização de junta médica e formulou quesitos.
A Ré empregadora:
A remuneração discriminada pelo Autor não foi aceite pela Ré, não correspondendo à verdade que o Autor auferisse, a título remuneratório efectivo, os valores descritos nos pontos 7 a 13. da petição inicial;
-A responsabilidade reportada a acidentes de trabalho encontrava-se integralmente transferida para a Ré seguradora, por força do contrato de seguro celebrado entre ambas;
- Em Janeiro de 2021 o Autor auferia a remuneração base mensal de € 733,07 acrescida da quantia mensal de € 53,40 a título de diuturnidades, quantias estas pagas quatorze meses e as demais rubricas retributivas taxativamente discriminadas nos vários recibos de remuneração juntos aos autos, eram liquidadas ao Autor em consonância com as estipulações do instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável;
-Ao contrário do que decorre da petição inicial e das declarações da Ré seguradora em sede de tentativa de conciliação, encontravam-se, à data, transferidos para esta Ré os componentes retributivos que identifica no total ilíquido de € 16.717,21; e
-O valores recebidos pelo Autor a título de ajudas de custo destinam-se a fazer face às despesas de alimentação em que os motoristas em serviço incorrem – verificando-se a possibilidade de recurso a tal prerrogativa por força do CCT aplicável ao setor – tais valores são reembolsados aos trabalhadores mediante o pagamento de um valor de ajuda de custo, valor esse fixo por equivalente de refeição, variando, naturalmente, o valor a receber mensalmente por cada trabalhador consoante as eventuais refeições que o horário previsto possa vir a implicar; dias de falta em que incorra, etc, tratando-se de meros reembolsos de despesas efectuadas, pelo que não revestem carácter remuneratório, não devendo integrar o cálculo da sua remuneração anual ilíquida.
Terminou pedindo que a acção seja julgada improcedente com a absolvição da Ré do pedido.
Foi fixado o valor da causa e proferido despacho saneador onde se fixaram os factos assentes por acordo nos termos do artigo 131.º al.c) do CPT.
Foi determinado o desdobramento do processo nos termos do artigo 131.º al.e) e fixou-se a incapacidade do sinistrado em IPP de 6%
Foi identificado o objecto do litígio (determinação da medida de responsabilidade das rés na reparação do evento de 25-01-2021, em que o autor esteve envolvido) e enunciados os temas da prova (1. Valor da remuneração anual do autor e parcelas que a integram; 2. Valor dessa remuneração transferido para a seguradora através do contrato de seguro com a apólice AT…; 3. Ajudas de custo pagas pela empregadora, seu valor e sua imputação a despesas com alimentação do autor quando em serviço efectivo de condução; 4. Sequelas da lesão descrita em B; 5. Data de consolidação das sequelas/data de alta clínica; 6. Incapacidades temporárias e sua medida; 7. Incapacidade permanente resultante das sequelas da lesão descrita em B.
Realizou-se a audiência de julgamento tendo a Ré seguradora aceitado encontrar-se transferido o valor anual bruto de €16.717,21.
Foi proferida a sentença que finalizou com o seguinte dispositivo:
“Termos em que, com a fundamentação de facto e de direito supra exposta, se decide julgar ambas as rés responsáveis pela reparação do acidente de trabalho sofrido pelo autor em 25-01-2021 do qual resultou uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 6,00% desde 17-09-2022, bonificada e revista para 9,00% desde 20- 01-2025 e em consequência:
a) Condenar Fidelidade Companhia de Seguros, SA a pagar ao autor:
i. O valor de 77,58% do capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de 905,08€ (novecentos e cicno euros e oito cêntimos), correspondente a 702,16€ (setecentos e dois euros e dezasseis cêntimos) acrescido de juros de mora, à taxa anual de 4,00%, vencidos e vincendos, contabilizados sobre o valor de capital de remição desde 18-09-2022 e até efectivo e integral pagamento;
ii. O valor de 77,58% do capital de remição de uma pensão anual residual de 452,54€ (quatrocentos e cinquenta e dois euros e cinquenta e quatro cêntimos), correspondente a 351,08€ (trezentos e cinquenta e um euros e oito cêntimos) acrescido de juros de mora, à taxa anual de 4,00%, vencidos e vincendos, contabilizados sobre o valor de capital de remição desde 20-01-2025 e até efectivo e integral pagamento;
iii. A quantia de 2 987,40€ (dois mil, novecentos e oitenta e sete euros e quarenta cêntimos) a título de diferenças de indemnização por incapacidade temporária absoluta (ITA) entre 26-01-2021 e 17-09- 2022, acrescida de juros de mora, à taxa anual de 4,00%, vencidos e vincendos, contabilizados sobre o valor do montante em dívida de cada prestação de indemnização por incapacidade temporária, desde o respectivo vencimento e até efectivo e integral pagamento.
iv. A quantia de 40,00€ (quarenta euros) de despesas de transportes efectuadas acrescida de juros de mora, à taxa anual de 4,00%, vencidos e vincendos, contabilizados desde 17-10-2023 e até efectivo e integral pagamento;
b) Condenar Torres & CA, Lda. a pagar ao autor:
i. O valor de 22,42% do capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de 905,08€ (novecentos e cinco euros e oito cêntimos), correspondente a 202,92€ (duzentos e dois euros e noventa e dois cêntimos) acrescido de juros de mora, à taxa anual de 4,00%, vencidos e vincendos, contabilizados sobre o valor de capital de remição desde 18-09-2022 e até efectivo e integral pagamento;
ii. O valor de 22,42% do capital de remição de uma pensão anual residual de 452,54€ (quatrocentos e cinquenta e dois euros e cinquenta e quatro cêntimos), correspondente a 101,46€ (cento e um euros e quarenta e seis cêntimos) acrescido de juros de mora, à taxa anual de 4,00%, vencidos e vincendos, contabilizados sobre o valor de capital de remição desde 20-01-2025 e até efectivo e integral pagamento;
iii. A quantia de 5 707,17€ (cinco mil, oitocentos e trinta e três euros e trinta e cinco cêntimos) a título de indemnização por incapacidade temporária entre 26- 01-2021 e 17-09-2022, acrescida de juros de mora, à taxa anual de 4,00%, vencidos e vincendos, contabilizados sobre o valor do montante em dívida de cada prestação de indemnização por incapacidade temporária, desde o respectivo vencimento e até efectivo e integral pagamento.
c) Condenar, nos termos do art.º 527º do Código de Processo Civil, seguradora e empregadora nas custas da acção na proporção de, respectivamente 77,58% e 22,42%.
d) Alterar, nos termos dos artºs. 306º nº 1 do Código de Processo Civil e 120º nº 1 a 3 do Código de Processo do Trabalho, o valor da acção para 27 633,55€.
Oportunamente proceda ao cálculo dos capitais de remição, apresentando os autos ao Ministério Público para verificação dos mesmos e, posteriormente, da sua entrega – artºs 148º nº 3 e 4, 149º e 150º do Código de Processo do Trabalho.”
A Ré, Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A., inconformada com a sentença dela vem recorrer e formula as seguintes conclusões:
“A. Sendo certo que, como bem contempla a douta sentença, o contrato de seguro em apreço garante, para as incapacidade temporárias, o pagamento de 100% da remuneração líquida, a tal resultado não se chega mediante o calculo de 80% da retribuição ilíquida, mas antes pelo valor liquido efetivamente auferido pelo sinistrado, conforme recibos de vencimento e que corresponde a € 1028,90 x 12, sendo esse aliás, o valor indicado pela entidade patronal para o efeito, cfr. participação de sinistro junta aos autos a fls.
B. Também o próprio sinistrado aceitou em sede de tentativa de conciliação ser aquele o vencimento liquido a ter em conta para calculo das indemnizações por incapacidade temporária a pagar pela seguradora;
C. Ainda que duvidas houvesse quanto à assertividade dos valor indicados pela entidade patronal e constantes dos recibos do sinistrado, não poderia o douto tribunal ter deixado de o considerar dado que tal, ainda que tacitamente, foi objeto de acordo em sede conciliatória;
D. À quantia de € 20.262,28, (€1028,90x12:365x599 dias), correspondente ao total da indemnizações devidas pela seguradora a titulo de incapacidades temporárias, a que há a deduzir a quantia já adiantada a esse titulo, € 18 959,96€ (cfr, facto provado 8), tendo o sinistrado a receber de diferença de Its apenas a quantia de € 1.302,32 e não a quantia a que foi condenada cfr. ponto iii. Do dipositivo da douta decisão
E. Ao decidir de forma diferente, a douta sentença recorrida fez uma incorreta subsunção dos factos provados à lei aplicável e ao contrato de seguro em causa, desconsiderando a prova documental não impugnada junta aos autos, nomeadamente a participação de sinistro, e bem assim desconsiderou o disposto nos termos conjugadas dos art.ºs 112º, n.º 1, 117º, n.º 1 e 126º, n.º 1 do CPT, dos quais decorre ter ficado assente na fase conciliatória, por não ter sido reclamado, o salario liquido de € 1028,90 x 12, a ter em conta para cálculo a incapacidades temporárias.
F. Deverá assim ser julgada procedente a presente apelação a alterado o ponto iii. do dipositivo da douta sentença, e a recorrente condenada a pagar a titulo de diferença de ITs o montante de € 1302,32.
G. O fator bonificação 1,5 em razão da idade, apenas pode ser atribuída quando o sinistrado já a tenha completado à data da alta e da respetiva fixação e incapacidade ou de futuro, apenas em caso de revisão por agravamento, conclusão que além do mais se retira da sua integração sistemática, no seio das instruções da Tabela Nacional de incapacidades, cfr. nº 5 alínea a);
H. Acresce que nos termos do artº 21º da Lei nº 98/2009 e dos 6 e 7 das Instruções Gerais da Tabela Nacional das Incapacidades, no momento da avaliação e graduação da incapacidade, é sempre ponderada a idade, o que, mediante a aplicação incriteriosa e cega do fator 1,5 pela mera ocorrência do 50ª aniversario do sinistrado, poderá levar a uma situação desigualdade e de enriquecimento sem causa do trabalhador/lesado, o que vai manifestamente ao arrepio dos mais elementares princípios em matéria de obrigação de indemnizar, violando além do mais, o principio do indemnizatório consagrado no Artº 128º da lei do Contrato de Seguro, aprovado pelo DL 72/2008 de 16 de abril e o artº 562º Código Civil.;
I. Sublinhando que a uniformização de jurisprudência, configurando uma orientação na interpretação normativa, não tem força de lei, também não é despiciendo ponderar que, quisesse o legislador prever a aplicação automática do fator de 1,5 em razão da idade a todo e qualquer sinistrado, a todo o momento, sendo condição única a celebração do 50º aniversário, não teria deixado tal prerrogativa “escondida” nas instrução da TNI, teria certamente consagrado tal direito da LAT, aprovada pela Lei 98/2009 de 4/9;
J. Por outro lado, a aplicação discricionária e oficiosa do fator de bonificação 1,5, pela mera ocorrência do 50º aniversario do trabalhador sinistrado, mostra-se inconstitucional, por violação do principio da igualdade e da proporcionalidade, previstos, respetivamente, nos Artºs 13º e 59º f) da CRP, oferecendo os mesmos direitos a sinistrados cuja capacidade para o trabalho esteja efetivamente agravada em razão da idade ou àqueles que não sejam reconvertíveis para o seu posto de trabalho e bem assim aos que, como se disse, mediante a mera ocorrência do 50º aniversario gozam no mesmo direito por mera presunção, não obstante porventura até tenham apresentado significativas melhoria nas suas limitações;
K. Por isso mesmo, o próprio douto acórdão de uniformização de jurisprudência de 22 de maio de 2024, no qual o tribunal a quo sustentou a sua decisão, embora preconiza a bonificação mesmo em casos em que se não verifique agravamento, restringe a oportunidade da sua ponderação ao incidente de revisão. Termos em que, salvo melhor entendimento, em caso algum se admite a concessão oficiosa e fora do âmbito de tal incidente;
L. Ao determinar a aplicação do fator de bonificação 1,5 ao sinistrado, por ter, na pendência dos autos e já após consolidação das lesões, completado 50 anos, a douta sentença viola o sentido dos Artºs 21º, 70º da LAT aprovada pelo DL 72/2008 de 16 de abril, os Artºs 5 a), 6 e 7 das Instruções Gerais da Tabela Nacional das Incapacidades, o Artº 128º da lei do Contrato de Seguro e o Artº artº 562º Código Civil, e bem assim os Artºs 13º e 59º f) da CRP, devendo a apelação ser julgada procedente e a douta sentença recorrida substituída por douto acórdão que revogue a aplicação do fator de bonificação 1,5 ao sinistrado e consequentemente revogue a alínea ii. do dispositivo, absolvendo a recorrente do pagamento da pensão residual de € 351,08, fixada de acordo com a percentagem de responsabilidade a seu cargo.
M. Assim e com o douto suprimento de V, Exªs se fazendo a costumada,
JUSTIÇA!
O Autor contra-alegou e formulou as seguintes conclusões:
“1. Estando uma seguradora vinculada contratualmente à obrigação de indemnizar o sinistrado pelos períodos de incapacidades temporárias por este sofridos no montante de 100% da retribuição líquida por este auferida, mostra-se correcto o procedimento de fazer equivaler àquela retribuição líquida 80% da retribuição bruta.
2. Tal prática, habitualmente seguida na jurisdição do trabalho e aceite por todos os intervenientes, é adoptada especialmente nos casos em que o apuramento da retribuição líquida se mostra complexo.
3. A aplicação do factor de bonificação de 1,5 previsto na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais depende de dois pressupostos: idade igual ou superior a 50 anos e que o sinistrado não tenha anteriormente beneficiado da bonificação.
4. Tal como explanado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 16/2024, 22 de Maio, a bonificação é aplicável a qualquer sinistrado que tenha 50 ou mais anos de idade, quer já tenha essa idade no momento do acidente, quer só depois venha a atingir essa idade, desde que não tenha anteriormente beneficiado da aplicação desse factor.
5. Como reconhecido no Acórdão Uniformizador referido, o objectivo do preceito é precisamente reconhecer e compensar o envelhecimento do sinistrado como causa de uma maior penosidade no seu desempenho profissional, o que ocorre natural e directamente da idade, esclarecendo que a atribuição do factor de bonificação “é automática, ou seja, não tem como requisito que os 50 anos tenham contribuído para o agravamento das sequelas do sinistrado”.
6. Ao aplicar oficiosamente o factor de bonificação pelo sinistrado ter completado 50 anos de idade, o Tribunal a quo não violou qualquer dispositivo legal ou constitucional.
7. Não se verifica qualquer violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade (cfr. artigos 13.º, 18.º, e 59.º, alínea f) da Constituição de República Portuguesa) porquanto as posições relativas dos trabalhadores são distintas: o trabalhador sinistrado com 50 ou mais anos de idade não é idêntico ao trabalhador que tenha uma idade inferior a 50 anos, tendo pois que serem reconhecidos os efeitos negativos da passagem do tempo e da progressão da idade (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 526/2016, de 4.10).
8. Entende-se que a partir dos 50 anos as condições físicas e psíquicas de qualquer trabalhador se agravam de modo natural, existindo assim razão suficiente, razoável, objetiva e racional, para a diferenciação de trabalhadores com idades iguais ou superiores a 50 anos.
9. A aplicação da bonificação é automática e decorrente da mera constatação da idade do sinistrato, não sendo, por isso, necessária qualquer avaliação médica.
10. Deste modo, nada obsta à atribuição oficiosa do factor de bonificação de 1,5 prevista na instrução 5 da Tabela Nacional de Incapacidades, devido ao facto de o sinistrado ter 50 anos de idade (vide a título exemplificativo o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 26.10.2023, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10.07.2020, e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 20.09.2021).
11. Não se verifica um enriquecimento sem causa por parte do sinistrado dado que a causa é o contrato de seguro válido, que não foi impugnado pela Recorrente.
12. Destarte, por não procederem as conclusões da motivação da recorrente, deverá ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a douta sentença recorrida na sua totalidade.
No entanto, V. Exas. decidirão como for de Justiça!”
A Ré Torres & Ca, Lda, também recorreu e apresentou as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso é interposto, nos termos combinados dos artigos 629º do Código de Processo Civil e 79º e seguintes do Código de Processo do Trabalho, da douta sentença proferida nos presentes autos, na concreta parte em que condenou a aqui Recorrente na responsabilidade pelo pagamento das prestações atribuídas ao Sinistrado na proporção de 22,42% sendo que, tivesse a a prova testemunhal sido devidamente valorada, nunca poderia ter ocorrido,
2. sendo forte convicção da Recorrente que se impõe, a par da reapreciação de matéria de facto considerada não provada, a consequente alteração da aplicação da matéria de Direito e da decisão proferida, no que à Recorrente concerne, devendo improceder os pedidos contra esta deduzidos.
3. Com o devido respeito que nos é devido ao douto Tribunal a quo, mal andou o mesmo ao enquadrar no elenco de factos não provados o ponto 1, considerando que não se terá demonstrado que “as quantias pagas sob a designação de ajudas de custo visavam compensar o auto com os custos de alimentação quando no exercício das suas funções se encontrava deslocado da sua residência em exercício de funções”, facto esse que deveria, atento a prova testemunhal produzida, ter sido considerado provado.
4. De facto, toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento – vulgo, declarações do sinistrado e das duas únicas testemunhas inquiridas – froam unânimes no sentido de afirmar que os valores pagos mensalmente a título de ajudas de custo ao sinistrado se destinavam a fazer face, entre o demais, a despesas com alimentação.
5. Tal foi perentoriamente admitido pelo próprio sinistrado, ao minuto 18:41 da sua inquirição –“ O que me disseram a mim é que aquele valor era para o subsídio de alimentação e para as deslocações que a gente fazia”,
6. bem assim como igualmente confirmado pela demais prova testemunhal produzida, concretamente através do testemunho de BB, na qualidade de Diretora dos Recursos Humanos da Recorrida – nos trechos supra transcritos, concretamente aos minutos 4:46, 7:13, 18:23 e 10:59, nos quais logrou identificar perentoriamente, no caso deste último, quando inquirida em instâncias do Ilustre Magistrado do Ministério Público “se quer o subsídio de refeição, quer a ajuda de custo, ambos se destinam a suportar, a custear, a subsidiar as próprias refeições”, tendo evidenciado expressamente que sim.
7. A par com a testemunha CC, que confirmou o que havia sido perentoriamente afirmado pelos depoimentos anteriores, depoimento esse ao qual não foi conferido o mínimo enfase em sentença, ao contrário do que deveria ter sucedido - veja-se o minuto 07:01: no qual o douto Magistrado do Ministério Público questiona a testemunha no sentido de saber se a finalidade da ajuda de custo se destina a subsidiar ou custear as despesas ou ajudar a pagar as refeições que os motoristas realizem, ao que a mesma afirma “Exatamente”, evidenciando que, a par da finalidade idêntica à do subsídio de alimentação, faz igualmente face a outras situações, como sendo, a título de exemplo, “banhos que tenham que tomar na estrada”.
8. Tivessem os referidos trechos supra evidenciados da prova produzida em audiência de julgamento sido devidamente valorados, não poderia, em momento algum, ter sido enquadrado sob o elenco de factos NÃO PROVADOS que “os valores pagos a título de ajuda se destinavam compensar o auto com os custos de alimentação quando no exercício das suas funções se encontrava deslocado da sua residência em exercício de funções”,
9. pois que o que decorre dos sobreditos elementos de prova é, precisamente, o contrário,
10. pelo que se impõem que o referido facto, enquadrado na sentença como ponto 1 de factos não provados, seja reenquadrado e considerado como provado, encaixando-se, como se impõe, no elenco de factos provados, acrescendo à sua formalização que “as quantias pagas sob a designação de ajudas de custo visavam compensar o auto com os custos de alimentação e demais despesas quando no exercício das suas funções se encontrava deslocado da sua residência em exercício de funções”
11. Mediante tal reenquadramento factual, deve, igualmente, ver-se revogada a decisão final no que concerne à condenação da Recorrente, pois que o valor anualmente recebido pelo sinistrado sob a rubrica ajudas de custos não poderá ver-se contemplado no cômputo do valor da retribuição anual do sinistrado, para efeitos do conceito de retribuição nos termos do regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais.
12. A errada deliberação do enquadramento da matéria factual no binómio provado/ não provado, bem como a desconsideração da prova produzida em audiência no sentido de demonstrar que tal rubrica se destinava a liquidar não só a alimentação do Autor, como igualmente, outras despesas a que o mesmo poderia ter que fazer face no desenvolver da sua atividade, levou o douto Tribunal a quo a incorrer em manifesto lapso de análise no que concerne à ratio subjacente ao pagamento da rubrica de ajudas de custo,
13. pois que procedeu o – incorreto – entendimento que apenas poderia considerar-se como verdadeira ajuda de custo o valor que fosse pago mediante apresentação de fatura ou comprovativo da despesa, tendo sido entendido que, assim não ocorrendo in casu os valores pagos como ajuda de custo, apesar de enquadrados no valor diário previsto no IRCT aplicável e de liquidado nos termos nele previsto, não poderá enquadrar-se no conceito de despesa aleatória para efeitos do art. 71º, nº 2, parte final da Lei nº 98/2009 – o que não se pode aceitar.
14. Pelo contrário, o IRCT aplicável à relação contratual entre as partes logra, precisamente, isentar as entidades empregadoras de solicitarem todos os comprovativos de despesa efetuados pelos motoristas ao seu serviço para efeitos de reembolso de despesa, substituindo tal processamento pela atribuição de um valor mínimo diário aos mesmos para o mesmo exato fim – configurando-se as situações em apreço como alternativas e não como mutuamente exclusivas, como assim decorre do raciocínio subjacente à sentença em crise.
15. O artigo 58º do CCT aplicável é, aliás, por demais explícito, elucidando que “quando deslocados ao serviço da entidade empregadora, os trabalhadores móveis têm direito, para fazer face às despesas com alimentação, dormidas e outras, a uma ajuda de custo, cujo valor será acordado com a empresa”, sendo que “o valor das ajudas de custo em cada mês, não pode ser inferior à soma dos valores mínimos das ajudas de custo diárias fixa dos no anexo III do CCTV”, mais decorrendo do nº 8 da cláusula supra referida “o pagamento regular e reiterado de ajudas de custo não é considerado retribuição”.
16. Significa isto que o CCT aplicável à relação laboral sob escrutínio é perentório no que concerne à desnecessidade de os motoristas terem que comprovar as exatas e minuciosas despesas efetuadas nos seus trajetos, substituindo tal exigência pela atribuição de um valor mínimo a liquidar por dia em que se encontrem deslocados.
17. Veja-se que a exigência de fatura e /ou qualquer outro comprovativo de despesas traduzir-se-ia num total esvaziamento de conteúdo funcional a cláusula citada, a qual, de acordo com as necessidades concretas de determinada atividade, como assim se exige que opere um qualquer IRCT, determinou uma forma específica – e perfeitamente enquadrável nos desígnios de normas imperativas – de reembolso de despesas expectáveis.
18. Decorre, assim, para além da prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, que não só possível como o é legitimo que a rubrica “ajuda de custo” seja liquidada aos motoristas para fazer face, entre o demais, com despesas alimentícias, sendo esse o seu exato fim.
19. Dúvidas não podem sobrar, assim, a que título eram mensalmente liquidadas ajudas de custo ao sinistrado, decorrendo claro que as mesmas logravam fazer face, entre o demais, a despesas com alimentação.
20. Esclarecido que título eram liquidadas e com que respaldo normativo, outra querela distinta passa por decifrar se deve tal rubrica, liquidada nos termos supra explanados, enquadrar-se ou não no conceito de aleatoriedade previsto na parte final do referido artigo 71º, nº 2.
21. Sobre este conspecto, veja-se o já referido depoimento prestado pelas testemunhas BB – minutos 07:18 - e CC – minuto 07:25 – os quais evidenciam que o valor diário de ajuda de custo apenas é liquidado ao motorista quando o mesmo se encontra sujeito às aleatoriedades e arbitrariedades que podem condicionar a sua jornada de trabalho, resultando expressamente do depoimento de ambos que a mesma não é liquidada nos dias em que, a título de exemplo, o motorista tenha que ficar em armazém e, como tal, não se encontre sujeito a variações de horário, trânsito, imprevistos, etc…
22. E assim nunca o poderá ser, porquanto o pagamento da referida ajuda de custo é efetuado tendo em consideração a inevitável aleatoriedade do circunspecto que é a atividade do motorista.
23. De facto, considerar tais montantes como efetiva retribuição, tornaria obsoleta a letra de um IRCT que foi pensado e elaborado precisamente para um género específico de atividade, contemplado, com a seriedade que se exige, o interesse dos trabalhadores e a forma mais adequada de reembolso de despesas em que os mesmos incorrem diariamente,
24. não podendo as mesmas verem-se enquadradas no conceito de retribuição – nem mesmo no amplo conceito do regime de reparação de acidentes de trabalho – mesmo que mantenham um valor fixo por dia de trabalho, pois que tal não esmorece a aleatoriedade que se lhe encontra subjacente, de reembolso das diversas despesas com que um motorista se depara ao longo de uma jornada de trabalho – em nada equiparada à de um administrativo, veja- se.
25. Mais não será disicipiendo evidenciar que o valor diário liquidado ao Autor se enquadrava dentro dos valores previstos como valores mínimos no IRCT aplicável, não logrando a Recorrente atribuir valores desproporcionais que pudessem desvirtuar a finalidade com que as sobreditas ajudas de custo eram atribuídas.
26. Acautelando precisamente o evidenciado, não pode deixar de se citar a perspicaz e astuta posição assumida pelo Tribunal de Relação de Évora, no âmbito do processo nº 184/11.2TTSTR.E1, de 12-07-2018, que “o montante pago de forma regular pelo empregador ao trabalhador sinistrado a título de ajudas de custo no estrangeiro não integra o conceito de retribuição, para o efeito de calcular o valor das indemnizações e pensões a atribuir, se aquelas ajudas de custo se destinam a pagar as despesas suportadas pelo trabalhador com as refeições. […] Assim, a quantia paga ao trabalhador a título de ajudas de custo no estrangeiro destinou-se a reembolsá-lo das despesas que este efetuava com a alimentação quando estava deslocado no estrangeiro, daí que não possa ser integrada na retribuição para efeitos de cálculo das pensões devidas aos beneficiários legais. Embora o montante fosse pago em quantia certa relativamente a cada dia de trabalho no estrangeiro, a sua aleatoriedade mantém-se, dada a imprevisibilidade do preço das refeições, os quais podem variar conforme o país, localidade e tipo de estabelecimento prestador do serviço.”
27. Posição igualmente adotada pelo Tribunal da Relação do Porto, no processo nº 2177/20.0T8PNE.P1, de 28.11.2022, de onde se retira que “pagando o empregador ao trabalhador, motorista internacional, em cumprimento de CCT aplicável, o valor neste fixado como mínimo diário por cada dia de trabalho para fazer face exclusivamente às suas despesas em serviço com alimentação, dormidas e outras, acrescido da diferença se essas despesas fossem superiores, é de considerar que esse pagamento se destina a compensar o último por “custos aleatórios”, daí decorrendo que as correspondentes quantias não devem ser consideradas para efeitos de cálculo das indemnizações ou pensões devidas por acidente de trabalho.[…] o que não poderemos deixar de sinalizar, é precisamente com tal designação que constam do CCT aplicável, aí se afirmando, assim na mesma cláusula em que estão previstas as aludidas ajudas de custo, seus n.ºs 8 e 9, que “O pagamento regular e reiterado de ajudas de custo, em caso de constantes deslocações, não é considerado retribuição” e que “A presente norma tem natureza interpretativa sobre a legislação que regule a matéria das ajudas de custo” – e, portanto, não se podendo sequer dizer que excedam o montante efetivamente gasto para o pagamento de tais despesas, muito embora se possa tratar em parte significativa de montante pago em quantia certa relativamente a cada dia de trabalho efetivo (valor mínimo da diária previsto no CCT), a aleatoriedade da sua causa mantém-se, por essa ter a ver, de acordo com a lei, não com o que é pago pela entidade patronal e sim, noutros termos, com o tratar-se ou não de prestações que se destinam a “compensar o sinistrado por custos aleatórios”, ou seja, é a natureza dos custos, assim o serem ou não imprevisíveis/aleatórios, que determina a aplicação da norma”.
28. Atento o exposto, não poderá deixar de considerar-se que foi pelo douto Tribunal a quo, incorretamente julgada a matéria de facto supra evidenciada, bem assim como incorretamente desenquadrado do nº 2 do art. 71º da Lei nº 98/2009 o valor pago a título de ajuda de custo, com a consequente condenação da Recorrente nos termos em que seguiu evidenciado na douta sentença, cuja revogação se pretende.
29. Ainda para mais quando considerado, como o foi em sede de sentença recorrida, que “a Ré empregadora procedia ao pagamento de ajudas de custo em conformidade com o CCT do setor de atividade”.
30. Por conseguinte, deve ver-se alterado o enquadramento do ponto 1 da matéria não provada, devendo o mesmo ver-se enquadrado no elenco de factos provados, com a seguinte descrição: “as quantias pagas sob a designação de ajudas de custo visavam compensar o auto com os custos de alimentação e demais despesas quando no exercício das suas funções se encontrava deslocado da sua residência em exercício de funções”,
31. mais devendo, em consequência e porque claro que a regularidade do pagamento de ajudas de custo não inibe, no presente caso, a aleatoriedade subjacente às mesmas, enquadrar-se o valor anualmente recebido a tal título na parte final do nº 2 do art. 71º da Lei nº 98/2009.
32. Consequentemente, não poderá a quantia de € 4.832,33 – média do valor anual de ajudas de custo - ver-se considerado como retribuição para efeitos de determinação da reparação por acidentes de trabalho e, por esse motivo, não poderá enquadrar-se no valor de retribuição anual para efeitos de apuração dos valores a liquidar a título de incapacidade.
33. Assim, deverá fixar-se como valor de retribuição anual do sinistrado a quantia de € 16.717,21 e não, como sucedeu, de € 21.549,54.
34. Por conseguinte, verificado e assumido que foi se encontra totalmente transferido para a Seguradora a responsabilidade por infortunístico acidentes de trabalho até ao valor de retribuição anual de € 16.717,21, deverá a decisão do douto Tribunal a quo ver-se revertida no que concerne à condenação da aqui Recorrente, o que se requer.
A título subsidiário,
35. Ainda que se viesse a pugnar pela improcedência do presente Recurso – cenário que não se concede nem se concede, apenas se equacionando por mera cautela de patrocínio – sempre caberá evidenciar que, ainda assim, nunca poderia ter-se visto a Recorrente condenada no que concerne aos valores reportados aos períodos de incapacidade temporária,
36. pois que decorre da própria convenção coletiva que, no que concerne aos períodos de incapacidade, concretamente por força da cláusula 82º, que a retribuição líquida compreenderá a retribuição base (cláusula 44º), diuturnidades (cláusula 46º), complemento salarial ( cláusula 59º) e as outras prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho, a saber, a retribuição do regime específico de trabalho dos motoristas (cláusula 61º), subsídio de trabalho noturno (cláusula 62º número 1 e 63º número 1), ajuda de custo TIR (cláusula 64º) e subsídio de operações (cláusula 67º), excluindo-se desde já os valores que são pagos a título de subsídio de refeição e de ajudas de custo.
37. Assim, ainda que se equacione – o que não se aceita – um cenário de improcedência de tudo o que supra seguiu alegado, sempre terá, de todo o modo, que ver-se revogada, pelo exposto, a decisão que condenou a Recorrente a liquidar ao Sinistrado a quantia de € 5.707,17 a título de incapacidades temporárias,
38. porquanto tal condenação não mantém respaldo nos instrumentos aplicáveis.
TERMOS EM QUE,
- Deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, e, em consequência, revogada a douta sentença no que concerne à condenação da Recorrente;
- Subsidiariamente, caso assim não se venha a entender, deverá ser revogada a douta sentença no que concerne à condenação no pagamento a título de incapacidades temporárias.
FAZENDO-SE ASSIM A COSTUMADA JUSTIÇA.”
O Autor contra-alegou e, sem formular conclusões, pugnou pela improcedência do recurso.
Foi proferido despacho que admitiu os recursos.
Recebidos os autos neste Tribunal, foram colhidos os vistos.
Cumpre, agora, apreciar e decidir.
Objecto do recurso
O âmbito do recurso é delimitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635.º n.º 4 e 639.º do CPC, ex vi do n.º 1 do artigo 87.º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608.º nº 2 do CPC).
Assim, foram submetidos à apreciação deste Tribunal da Relação dois recursos nos quais se suscitam as seguintes questões:
Recurso da Ré Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.:
1.ª-Se o pagamento de 100% da remuneração líquida garantida pelo contrato de seguro relativamente à indemnização por incapacidades temporárias, não corresponde a 80% da retribuição ilíquida do sinistrado mas ao valor líquido efectivamente auferido pelo mesmo conforme recibos de vencimento e que corresponde a € 1.028,90 x 12.
2.ª- Se o factor de bonificação 1,5 em razão da idade previsto na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais apenas pode ser atribuído quando o sinistrado já a tenha completado à data da alta e da respetiva fixação de incapacidade ou, de futuro, apenas em caso de revisão por agravamento.
Recurso da entidade empregadora, Torres & CA, Lda:
1.ª-Da impugnação da matéria de facto.
2.ª-Se a sentença recorrida errou ao integrar no cálculo da retribuição anual do sinistrado as denominadas “ajudas de custo”
3.ª- A título subsidiário, se a sentença recorrida errou ao condenar a Recorrente a liquidar ao Sinistrado a quantia de € 5.707,17 a título de incapacidades temporárias,
Fundamentação de facto
A sentença considerou provados os seguintes factos:
1. Em 25-01-2021 o autor trabalhava para Torres & CA, Lda., como motorista de pesados.
2. Encontrando-se no estabelecimento da sua empregadora o autor caiu do camião que conduzia, sofrendo fractura trabecular proximal do úmero esquerdo (lesão da Hill-Sachs).
3. Lesão cuja consolidação demandou um período de incapacidade temporária absoluta (ITA) de 26-01-2021 até 17-09-2022.
4. Consolidando em 17-09-2022 com sequelas de limitação da mobilidade da cintura escapular esquerda (120° da flexão da abdução que permite levar a mão ao ombro oposto e à nuca com dificuldade) enquadráveis no Cap. I 3.2.7.3 b) da TNI e determinantes de uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 6,00%.
5. A empregadora do autor celebrara com a ré seguradora contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho na modalidade de prémio variável, titulado pela apólice AT… o qual compreendia o autor e no qual é garantido, nas incapacidades temporárias, o pagamento de 100% da remuneração anual líquida.
6. Em 17-10-2023 a seguradora reconheceu ser devedora de 40,00€ de despesas efectuadas pelo autor com deslocações obrigatórias a tribunal e a exame médico.
7. Na mesma data reconheceu ser devedora de 1 048,82€ de indemnização por incapacidade temporária.
8. A seguradora pagou ao autor a quantia de 18 959,96€ a título de indemnização por incapacidade temporária entre 26-01-2021 e 16-09- 2022.
9. O autor nasceu em 20-01-1975.
10. Em Janeiro de 2021 o autor auferiu mensalmente 733,07€ de remuneração base. 53,40€ de diuturnidades, 14,66€ de complemento salarial (cláusula 59ª do CCTV) e 384,54€ de remuneração especial de motorista (cláusula 61ª do CCTV), prestações que, com os montantes então em vigor, igualmente auferiu nos doze meses anteriores.
11. Auferia ainda subsídio de férias compreendendo o valor da remuneração base, diuturnidades, cláusula 59ª e cláusula 61ª do CCTV, bem como subsídio de Natal compreendendo a remuneração base, diuturnidades e cláusula 59ª.
12. O autor recebia ainda mensalmente uma prestação de subsídio de operações (cláusula 60ª do CCTV) de montante variável e que nos doze meses anteriores foi de
‒ 45,00€ em Janeiro
‒ 45,00€ em Fevereiro
‒ 45,00€ em Março
‒ 52,50€ em Abril
‒ 45,00€ em Maio
‒ 30,00€ em Junho
‒ 17,50€ em Julho
‒ 35,00€ em Agosto
‒ 10,00€ em Setembro
‒ 45,00€ em Outubro
‒ 42,50€ em Novembro e
‒ 47,50€ em Dezembro
13. O autor auferia mensalmente, sempre que deslocado em exercício de funções, uma prestação denominada de ajuda de custo diária prevista no CCTV com montante mensal variável e que, nos doze meses anteriores a Janeiro de 2021, teve seguintes montantes:
‒ 546,00€ em Janeiro
‒ 390,00€ em Fevereiro
‒ 390,00€ em Março
‒ 522,99€ em Abril
‒ 454,00€ em Maio
‒ 442,00€ em Junho
‒ 00,00€ em Julho
‒ 546,00€ em Agosto
‒ 206,00€ em Setembro
‒ 468,00€ em Outubro
‒ 520,00€ em Novembro e
‒ 390,00€ em Dezembro
14. Em execução do contrato de seguro celebrado entre as rés a ré empregadora comunicou à ré seguradora os valores pagos ao autor referidos em 10 a 12 enviando-lhe mensalmente mapa individual para seguro de acidente de trabalho com os valores que pagava ao autor.
15. Entre 27-09-2022 e 18-10-2023 o autor esteve em situação de baixa médica com apresentação de Certificados de Incapacidade Temporária para o Trabalho.
16. Em sede de audiência de julgamento a ré seguradora confessou estar transferida, através do contrato de seguro, um valor de remuneração anual de 16 717,21€.
*
Na sentença foi considerado não provado que:
1. As quantias pagas sob a designação de ajudas de custo visavam compensar o autor com os custos de alimentação quando no exercício das suas funções se encontrava deslocado da sua residência em exercício de funções.
2. As diuturnidades tinham, à data do acidente, o valor mensal de 53,49€.
3. A consolidação da lesão sofrida no dia 25-01-2021 ocorreu a 18-10-2023.
4. O autor esteve com incapacidade temporária parcial (ITP) de 10,00% durante 35 dias.
Fundamentação de direito
Por uma questão de precedência lógico-jurídica comecemos por apreciar a impugnação da matéria de facto (recurso da Ré empregadora), sendo certo que esta observou os ónus a que alude o artigo 640.º do CPC.
Nesta sede sustenta a Recorrente que o facto não provado sob 1 deve ser considerado provado com a seguinte redacção: “as quantias pagas sob a designação de ajudas de custo visavam compensar o autor com os custos de alimentação e demais despesas quando no exercício das suas funções se encontrava deslocado da sua residência em exercício de funções”
Para tanto indicou como meios de prova as declarações do sinistrado e das testemunhas BB e CC.
Vejamos:
O facto não provado sob 1 tem a seguinte redacção:
“1. As quantias pagas sob a designação de ajudas de custo visavam compensar o autor com os custos de alimentação quando no exercício das suas funções se encontrava deslocado da sua residência em exercício de funções.”
O facto em causa foi motivado nos seguintes termos:
“Que a ré empregadora procedia ao pagamento de ajudas de custo em conformidade com o CCTV do sector de actividade o tribunal considerou os depoimentos das testemunhas BB e CC, respectivamente directora de recursos humanos e director de operações da ré.
Dos seus depoimentos resulta que a ré procede a tais pagamentos em cumprimento do CCTV atribuindo um valor fixo diário aos seus motoristas quando os mesmos se encontram deslocados.
A testemunha BB esclareceu que quando os motoristas ficam em armazém não lhes pagam ajuda de custo diária, mas sim subsídio de alimentação – os recibos de vencimento de Junho e Dezembro de 2020 revelam o pagamento de subsídio de alimentação.
Referiu o autor que nunca lhe foi solicitada comprovação de despesas e o valor de ajuda de custo era-lhe pago independentemente de ter ou não despesas, tendo a testemunha BB confirmado que não era solicitada qualquer factura aos motoristas para receberem as ajudas de custo.
Não foi demonstrada, ou alegada, qualquer extensão ou locais das deslocações do autor em serviço e consequentes concretas despesas suportadas com refeições que permita sustentar que os valores pagos -- valores com um montante médio mensal de 406,00€ -- correspondiam ao montante pelo mesmo despendido em alimentação nas suas deslocações.
Perante tal prova entende o tribunal que não foi feita prova que os valores de ajudas de custo fossem contrapartida de despesas de alimentação realizadas pelo autor quando ao serviço da ré.”
Antes de mais, importa frisar que a Recorrente não impugnou o facto provado sob 13.
De qualquer modo, auditada a prova da mesma extraímos o que extraiu o Tribunal a quo.
A testemunha BB, Directora de Recursos Humanos da Ré, afirmou, em síntese, que, em 2018, a ANTRAM definiu que os motoristas teriam um valor de ajudas de custo quando deslocados, que a Ré paga ajudas de custo de acordo com o CCT aplicável, que as ajudas de custo são pagas quando há deslocação do motorista, que se trata de um valor fixo diário e que, caso o motorista fique no armazém, recebe um subsídio de alimentação em vez de ajudas de custo. Mais afirmou que o pagamento das ajudas de custo não depende da apresentação de facturas por parte do motorista e é pago independentemente de o motorista fazer refeições ou do respectivo valor.
A testemunha CC, Director de Operações da Ré, declarou, em resumo, que as ajudas de custo são pagas só quando o motorista está deslocado e visam cobrir as situações que podem ocorrer durante a execução do trabalho como banhos que tenham que tomar na estrada, acrescentando que se trata de um valor diário fixo.
Por fim, como também constatou o Tribunal a quo das declarações do Sinistrado resulta que recebia ajudas de custo quando fazia deslocações, que se tratava de um valor fixo diário, que esse valor era pago independentemente de ter, ou não, realizado despesas e que não lhe era exigida a apresentação de facturas para que lhe fossem pagas as ajudas de custo.
Ora, da conjugação da prova resulta que não há erro de julgamento quando se considerou não provado que as quantias pagas sob designação de ajudas de custo visavam compensar o Sinistrado com os custos de alimentação quando no exercício das suas funções se encontrava deslocado da sua residência em exercício de funções. Com efeito, trata-se de um valor fixo diário, pago quando há deslocação do motorista e que é pago independentemente de ter havido despesas por parte deste; não se trata pois, de um reembolso das refeições ou de outras despesas que até podiam não ter ocorrido.
Em consequência, não se impõe a alteração do facto não provado 1 para provado.
Improcede, pois, a impugnação da matéria de facto.
Tendo improcedido a impugnação da matéria de facto, em consequência, não pode proceder o pedido da Recorrente no sentido de não ser integrado no cálculo da retribuição anual do sinistrado as denominadas “ajudas de custo” e de esta ser fixada em € 16.717,21, valor transferido integralmente para a Ré. Bem andou o Tribunal a quo ao considerar no cálculo da retribuição anual do sinistrado, para efeitos de reparação do acidente de trabalho, o valor das ajudas de custo auferidas pelo Autor.
Assim, é negativa a resposta à segunda questão suscitada no recurso da Recorrente empregadora.
*
A título subsidiário, defende a Recorrente empregadora que a sentença recorrida errou ao condená-la a liquidar ao Sinistrado a quantia de € 5.707,17 a título de incapacidades temporárias.
Fundamenta a sua pretensão alegando que a convenção colectiva aplicável, no que concerne aos períodos de incapacidade, concretamente por força da cláusula 82º, dispõe que a retribuição líquida compreenderá a retribuição base (cláusula 44º), diuturnidades (cláusula 46º), complemento salarial (cláusula 59º) e as outras prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho, a saber, a retribuição do regime específico de trabalho dos motoristas (cláusula 61º), subsídio de trabalho noturno (cláusula 62º número 1 e 63º número 1), ajuda de custo TIR (cláusula 64º) e subsídio de operações (cláusula 67º), excluindo-se desde já os valores que são pagos a título de subsídio de refeição e de ajudas de custo, donde não deve ser condenada a pagar a quantia de € 5.707,17 a título de incapacidades temporárias.
Sobre a indemnização por incapacidades temporárias a cargo da empregadora, considerou a sentença recorrida que “Relativamente à reparação por incapacidade temporária a cargo da empregadora, com referência ao montante de remuneração anual de 4 832,33€ é pela mesma devida a importância de 5 707,17€ [(4 832,33€/365)x0,70)x365dias] [(4 832,33€/365)x0,75)x234dias.”
Vejamos:
O cálculo das prestações devidas a título de reparação de acidente de trabalho está previsto no artigo 71.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro.
Assim, determina o artigo 71.º n.º 1 da mencionada Lei que “A indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente.”
E de acordo com os n.º s 2 e 3 da mesma norma, entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios e entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.
Ora, como é sabido, o conceito de retribuição para efeitos de reparação decorrente de acidente de trabalho é mais amplo que o previsto no artigo 258.º do Código do Trabalho.
Como esclarece o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03.10.2022, Proc. 1253/20.3T8VLG.P1, consultável em www.dgsi.pt: “I - O conceito de retribuição para efeitos do cálculo das prestações devidas ao sinistrado ou beneficiários no âmbito da reparação devida por acidente de trabalho não coincide e é mais amplo que o consagrado no Código do Trabalho.
II - Na noção da n.º2, do art.º 71.º, da Lei 98/09, assume preponderância a regularidade no pagamento. Não pressupõe necessariamente a existência de correspectividade entre as prestações do empregador e a disponibilidade do trabalhador, antes abrangendo também quaisquer outras prestações que tenham causa específica e individualizável diversa da remuneração do trabalho, desde que recebidas com carácter de regularidade e não destinadas a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
III - São custos aleatórios os que tenham subjacente um acontecimento incerto, sujeito às incertezas do acaso, casual, fortuito, imprevisível. O que vale por dizer que não só o montante deve ser susceptível de variar, como também a causa que lhe está subjacente deve ter alguma incerteza ou imprevisibilidade.
(…).”
A cláusula 82.ª do Contrato coletivo entre a Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias - ANTRAM e outra e a Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações - FECTRANS e outros - Revisão global, publicado no BTE nº 45, de 08.12.2019 estatui o seguinte:
“1- No caso de incapacidade temporária absoluta, resultante de acidente de trabalho ou doença profissional, a empresa pagará, enquanto durar essa incapacidade, um subsídio igual à diferença entre a retribuição liquida à data da baixa e a indemnização legal a que o trabalhador tenha direito, caso esta não esteja a ser suportada pela companhia de seguros. 2- A retribuição liquida à data da baixa compreenderá a retribuição base (cláusula 44.ª), diuturnidades (cláusula 46.ª), complemento salarial (cláusula 59.ª) e as outras prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho, a saber, a retribuição do regime específico de trabalho dos motoristas (cláusula 61.ª), subsídio de trabalho noturno (cláusula 62.ª número 1 e 63.ª número 1), ajuda de custo TIR (cláusula 64.ª) e subsídio de operações (cláusula 67.ª), excluindo-se desde já os valores que são pagos a título de subsídio de refeição e de ajudas de custo. 3- Exclui-se do âmbito da presente cláusula, as situações de incapacidade para o trabalho resultantes de acidente de trabalho ou doença profissional que tenham ocorrido durante outra relação laboral anterior.”
A cláusula em causa prevê o pagamento de um subsídio pelo empregador, no caso de incapacidade absoluta temporária do trabalhador, calculado nos moldes que enuncia (igual à diferença entre a retribuição liquida à data da baixa e a indemnização legal a que o trabalhador tenha direito) e no caso de a indemnização legal não estar a ser suportada pela companhia de seguros. E do cálculo desse subsídio a cláusula exclui os valores que são pagos a título de subsídio de refeição e de ajudas de custo. Porém, trata-se de um subsídio a ser pago em determinadas condições e que não exclui, de modo nenhum, a responsabilidade da empregadora pelo pagamento dos valores devidos a título de indemnização por incapacidades temporárias cujo cálculo é feito tendo em conta o que dispõe o artigo 71.º da LAT.
Em consequência, improcede esta pretensão da Recorrente empregadora e o seu recurso na totalidade.
*
Recurso da Ré seguradora.
A primeira questão que suscita a Recorrente é a de saber se o pagamento de 100% da remuneração líquida relativamente à indemnização por incapacidades temporárias, garantida pelo contrato de seguro, não corresponde a 80% da retribuição ilíquida do Sinistrado mas ao valor líquido efectivamente auferido pelo mesmo, conforme recibos de vencimento e que corresponde a € 1.028,90 x 12.
Vejamos:
Sobre a indemnização por incapacidades temporárias pronuncia-se a sentença recorrida nos seguintes termos:
“Determinados os responsáveis, conhecidos e assentes os danos, importa determinar a medida da reparação devida ao autor.
Na indemnização em dinheiro prevista no art.º 23º da Lei 98/2009, de 4-9, compreende-se a indemnização por incapacidade temporária absoluta ou parcial para o trabalho, indemnização em capital ou pensão vitalícia correspondente a redução na capacidade de trabalho ou de ganho em caso de incapacidade permanente, e em indemnizações pelo valor despendido em prestações de natureza medica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e outras, designadamente em transportes – art.º 25º da citada Lei.
Apurou-se que o autor esteve em situação de incapacidade temporária absoluta (ITA) entre 26-01-2021 e 17-09-2022 (599 dias).
As prestações por incapacidade temporária são pagas mensalmente em conformidade com o art.º 72º nº 3 da Lei 98/2009, de 04-09.
De acordo com o seu art.º 48º nº 1 “1 - A indemnização por incapacidade temporária para o trabalho destina-se a compensar o sinistrado, durante um período de tempo limitado, pela perda ou redução da capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho”, estabelecendo o seu nº 3 que o sinistrado tem direito a “d) Por incapacidade temporária absoluta - indemnização diária igual a 70 % da retribuição nos primeiros 12 meses e de 75 % no período subsequente;”.
No caso dos autos e por via do contrato de seguro celebrado entre as rés a seguradora garante o pagamento, nas incapacidades temporárias, o pagamento de 100% da remuneração anual líquida.
Uma tal modalidade de seguro com “cobertura de salário integral (líquido) é uma cobertura facultativa que possibilita estabelecer uma forma de cálculo das indemnizações de uma forma mais favorável para os sinistrados, com base no salário líquido ou numa percentagem do salário ilíquido, até ao máximo de 80%” – Ac RC de 15-03-2024 em www.dgsi.pt/jtrc com o nº de processo 831/19.8T9FIG.C1.
Assim, considerando que a responsabilidade pela reparação por incapacidade temporária a carga da seguradora, ou seja, com referência a uma remuneração anual de 16 717,21€, se encontra contratualmente estabelecida em termos mais favoráveis, por conduzirem a um valor superior, que o estabelecido no art.º 48º citado impõe-se proceder ao cálculo dos valores de incapacidade temporária separadamente, ou seja, a 80,00% da remuneração anual ilíquida transferida para a seguradora e a 70,00% , nos primeiros 365 dias, e a 75,00%, nos restantes 234 dias, da remuneração anual ilíquida não transferida para a seguradora.
Assim, a cargo da seguradora temos que é devida uma reparação de 21 947,36€ [(16 717,21€/365)x0,80)x599dias)], da qual a mesma já pagou 18 959,96€, pelo que é por ela devido o remanescente de 2 987,40€.
(…)”.
Discordando do entendimento do Tribunal a quo defende a Recorrente, em suma, que o contrato de seguro em apreço garante, para as incapacidades temporárias, o pagamento de 100% da remuneração líquida, mas que a tal resultado não se chega mediante o cálculo de 80% da retribuição ilíquida, como fez a sentença recorrida, antes pelo valor efectivamente líquido auferido pelo sinistrado, conforme recibos de vencimento, pelo que, o valor a considerar é o fornecido pela entidade patronal na participação de sinistro que reflecte o vencimento liquido de € 1028,90 x 12, num total anual líquido de € 12.346,80. Mais alega que este valor (€ 1028,90 x 12), ainda que tacitamente, foi objecto de acordo na fase conciliatória dado que face a todos os pressupostos de conciliação o Sinistrado apenas não concordou com a data da alta proposta.
Conclui, assim, que o ponto iii. do dispositivo deveria ter condenado a Recorrente no pagamento da diferença de apenas € 1302,32 a título de indemnização por incapacidades temporárias.
Vejamos:
Os presentes autos iniciaram-se em 28.10.2022 com a participação de acidente de trabalho efectuada pela ora Recorrente ao Ministério Público de Vila Franca de Xira.
Da participação do sinistro efectuada pela Ré empregadora à Ré seguradora consta, além do mais:
“ Remuneração base: € 700,00 x 14 meses
Outros:€ 65,00 x 12
Outros: € 376,74 x 12
Outros € 51,00 x 1
Valor total: € 15 151,88.”
Sob a “Identificação do Sinistrado” consta no ponto 50 “ Retribuição líquida” 1028,9€
Em 02.12.2022, a empregadora juntou aos autos os recibos de vencimento do sinistrado relativos aos meses de Janeiro de 2020 a Janeiro de 2021.
Destes não consta que o sinistrado, nos 12 meses que antecederam o acidente auferiu a remuneração líquida de 1028,90 x 12.
Com efeito, dos recibos juntos consta que a retribuição líquida no mencionado período foi a seguinte:
Janeiro: € 1195,71
Fevereiro:€ 1 455,71
Março:€ 1 299,71
Abril: €1 467,39
Maio: € 1406,55
Junho: € 1430,66
Julho:€ 884,66 e 2,23
Agosto: € 1428,64
Setembro de 2020: € 1149,62
Outubro de 2020: € 1 294,95
Novembro de 2020: € 1 433,16
Dezembro de 2020: € 654,85 e € 1 255,03
Janeiro de 2021: € 1.290,47
Do auto de tentativa de conciliação de 17 de Outubro de 2023, consta, além do mais, o seguinte:
“(…).
Tendo em conta as declarações das partes e o que consta dos autos, entendemos que:
Apura-se dos autos que o sinistrado, no dia 25/01/2021, pelas 09:16 horas, em Loures, sofreu um acidente de trabalho quando prestava o seu trabalho de motorista de veículos pesados para a Torres & Ca, Lda., em execução de contrato de trabalho com esta celebrado.---
O acidente ocorreu quando o sinistrado sofreu uma queda do camião, que provocou contusão do ombro e cotovelo esquerdo, resultando em consequência as lesões e sequelas constantes nos autos, nomeadamente a fls. 16, 37 e 70 a 73, ou seja, fractura trabecular do terço proximal do úmero esquerdo.---
À data do acidente o sinistrado auferia a seguinte retribuição:
- € 733,07/mês x 14 meses - salário base;
- € 53,49/mês x 12 meses – diuturnidades;
- € 384,54/mês x 12 meses – remuneração especial motorista;
- € 14,66/mês x 12 meses – complemento motorista;
- € 48,33 (média mensal) x 12 meses – subsídio operações;
- € 440,83 (média mensal) x 12 meses – ajudas de custo,
Retribuição total anual: € 21.563,46.----
A entidade empregadora tinha a responsabilidade emergente de acidente de trabalho parcialmente transferida para a companhia de seguros supra referida, pela apólice nº AT23739568 e em função da retribuição total de: € 15.151,88, com os seguintes componentes:
- € 700,00/mês x 14 meses - salário base;
- € 65,00/mês x 12 meses – outras remunerações;
- € 376,74/mês x 12 meses – outras remunerações;
- € 51,00 x 1 – outras remunerações.
Assim, a parte da retribuição anual não transferida, da responsabilidade da empregadora, é de € 6.411,58.
Na perícia médica realizada no Gabinete Médico Legal de Vila Franca de Xira, o Senhor Perito Médico reconheceu ao sinistrado a incapacidade permanente parcial de 8,0000%, com dependência de ajudas medicamentosas, a partir do dia seguinte à da data da alta, ou seja desde 17/09/2022.---
O sinistrado esteve com ITA por 599 dias e ITP de 10% por 35 dias, ocorrendo a consolidação médico-legal das lesões em 16/9/2022.----
O sinistrado não está integralmente pago das indemnizações temporárias devidas até 16/09/2022, data da alta (que totalizam € 25.607,34), havendo a referir que a seguradora garante o pagamento das indemnizações com referência a 100% da retribuição anual líquida (€ 1.028,90 x 12 meses), até ao limite da responsabilidade transferida. Assim, encontra-se em dívida, a este título, a quantia de € 1.420,71, a suportar pela seguradora e a quantia de € 5.226,67, a suportar pela entidade empregadora.---
O sinistrado despendeu a quantia de € 40,00, referente a despesas com transportes nas deslocações obrigatórias a este Tribunal e para realização de perícia médica, que reclama.---
Com base nestes pressupostos de facto e no disposto na legislação em vigor, o Procurador da República, propôs às partes o seguinte:
O sinistrado tem direito a receber o capital de remição resultante da pensão anual no valor total de € 1.207,55.---
A seguradora pagará ao sinistrado:
1) A quota-parte da pensão anual, obrigatoriamente remível, no valor de € 848,50 devida desde 17/09/2022 e calculada em função da retribuição transferida no montante anual de € 15.151,88, acrescida de juros legais contados a partir da data do vencimento e até integral pagamento;
2) A quantia de € 1.048,82 a título de diferença pela indemnização das incapacidades temporárias sofridas, acrescida de juros legais contados a partir da data do vencimento e até integral pagamento;
3) A quantia de € 40 referente a despesas de transportes com as deslocações obrigatórias a este Tribunal e para realização de perícia médica, assim como as que venha a efectuar a este título, acrescida de juros legais contados a partir da data do vencimento e até integral pagamento.---
A Entidade Empregadora pagará ao sinistrado:
1) A quota-parte do capital de remição resultante da pensão anual no valor de € 359,05, devida desde 17-9-2022 e calculada em função da retribuição não transferida para a Companhia de seguros, no montante anual de € 6.411,58, acrescido de juros legais contados a partir da data do vencimento e até integral pagamento.-----
2) A quantia de € 5.598,56, a título de diferença pela indemnização das incapacidades temporárias sofridas, acrescido de juros legais contados a partir da data do vencimento e até integral pagamento.----
Dada a palavra ao sinistrado, por ele foi dito que está de acordo com os pressupostos da proposta apresentada, bem como com a avaliação da incapacidade permanente feita pelo perito médico. No entanto, não concorda com a data da consolidação médico legal das lesões ocorrida em 16-9-2022. Na verdade, refere que permaneceu numa situação de baixa atribuída pela Segurança Social até ao dia 18-10-2023, estando incapacitado para o trabalho durante todo esse período. No entanto, nada recebeu da Segurança Social, uma vez que estando em causa um acidente de trabalho, tais valores deviam ser suportados pela seguradora e pela empregadora, pelo que não aceita a conciliação nos termos do acordo proposto pelo Ministério Público.---
O sinistrado requer que os pagamentos sejam efectuados para o seguinte IBAN: ...---
Pela ilustre representante da Seguradora foi, então, dito que reconhece o acidente dos autos como de trabalho, o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões consideradas pelo Senhor Perito Médico do Tribunal no seu exame, bem como a sua responsabilidade emergente do acidente de trabalho em função da retribuição transferida.---
Disse ainda não estar de acordo com a avaliação da incapacidade feita pelo perito médico do Tribunal, nem com os períodos de incapacidades temporárias atribuídos, pelo que não aceita a conciliação nos termos do proposto pelo Ministério Público, não aceitando o pagamento da quantia de € 1.048,82 a título de diferença pela indemnização pelas incapacidades temporárias sofridas, aceitando, no entanto pagar a quantia de € 40 referente a despesas de transportes.---
Pela mandatária da entidade empregadora foi, então, dito que reconhece o acidente dos autos como de trabalho, o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões consideradas pelo Senhor Perito Médico do Tribunal no seu exame.
Quanto à retribuição, a empregadora não considera que o valor apurado a título de ajudas de custo deva integrar o cálculo da retribuição anual a considerar, por se tratar de um reembolso de despesas conforme é considerado na CCT aplicável, a qual não a considera retribuição. Quanto ao demais, considera que se encontra totalmente transferido para a seguradora.
Pelo que não aceita a conciliação nos termos do proposto pelo Ministério Público.”
Posteriormente, na audiência de julgamento, a Ré seguradora declarou aceitar estar transferido o valor anual bruto de €16.717,21.
Ora, da análise do auto de tentativa de conciliação não resulta que tenha ficado assente por acordo das partes que o valor da retribuição líquida mensal auferida pelo Sinistrado é no montante de € 1 028,90, sendo certo que a Ré seguradora não aceitou o pagamento da quantia de € 1.048,82 a título de diferença pela indemnização pelas incapacidades temporárias sofridas. E como já dissemos supra aquele valor também não resulta dos recibos de vencimento juntos aos autos.
Acresce que do auto de tentativa de conciliação resulta que também não foi obtido acordo sobre a retribuição anual ilíquida, sendo matéria controvertida e que, por isso, transitou para a fase contenciosa com respaldo nos pontos 1 e 2 dos temas da prova enunciados no despacho saneador.
E como refere o Ministério Público nas suas alegações, “Ora, se o valor da retribuição anual (que é ilíquido) permaneceu controvertido, mostra-se evidente que o valor da retribuição líquida (já que é dependente do primeiro, visto tratar-se de uma parcela ou uma percentagem daquele) ficou igualmente por determinar.”
Sucede que, não obstante da participação do acidente de trabalho efectuada pela Ré empregadora à Ré seguradora constar a retribuição líquida de € 1 028,90 x 12, que é referida na tentativa de conciliação, o certo é que considerando os valores referidos relativamente à retribuição anual não se consegue extrair aquele valor. Isto, é, contrariamente ao que refere a Recorrente, o valor de € 1 028,90 x 12, valor indicado pela empregadora na participação, não reflecte o vencimento líquido naquele montante, num total de €12.346,80.
Acresce que, do documento denominado “Resumo do Sinistro”, junto aos autos pela Seguradora resulta que esta pagou ao Sinistrado, pelo período de incapacidade temporária absoluta, de 26.01.2021 a 16.09.2022 indemnização no valor de €18.959,95 (cfr. também facto provado 8) com referência ao salário médio de €1 262,66 e considerando a percentagem de 100%, conforme garantido pelo contrato de seguro (cfr.facto provado 5). Ou seja, no pagamento da indemnização por incapacidades temporárias a Ré seguradora também não considerou o valor de um salário mensal líquido de € 1 028,90.
Em suma, face aos elementos constantes dos autos, não se pode afirmar que o Sinistrado auferia a retribuição mensal líquida de €1 028,90.
Perante tal circunstância, o Tribunal a quo, estribando-se no entendimento preconizado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-03-2024, proferido no Proc. n.º 831/19.8T9FIG, consultável em www.dgsi.pt, considerou que 100% da retribuição anual líquida do Sinistrado correspondia a 80% da sua retribuição anual ilíquida.
De acordo com o referido aresto, “A cobertura de salário integral (líquido) é uma cobertura facultativa que possibilita estabelecer uma forma de cálculo das indemnizações de uma forma mais favorável[1] para os sinistrados, com base no salário líquido ou numa percentagem do salário ilíquido, até ao máximo de 80%.”
Com efeito, o artigo 48.º, n.º 3, al.d) da LAT determina que, “3-Se do acidente resultar redução na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, este tem direito às seguintes prestações:
d) Por incapacidade temporária absoluta - indemnização diária igual a 70 % da retribuição nos primeiros 12 meses e de 75 % no período subsequente;”
Assim, tendo a Ré seguradora garantido, nos termos das condições particulares do contrato de seguro, a cobertura de 100% do salário integral (líquido) do Sinistrado nas incapacidades temporárias, cujo valor não ficou apurado, restava ao Tribunal a quo apurar o valor da indemnização por incapacidades temporárias com base numa percentagem da retribuição ilíquida até ao montante de 80%. E sendo certo que o artigo 48.º n.º 3, al.d) prevê percentagens inferiores (70% e 75%), não vemos que ao fixar a percentagem em causa no máximo de 80% se tenha violado qualquer disposição legal, pelo que não se impõe a alteração do ponto iii do dispositivo.
Improcede, pois, esta pretensão da Recorrente.
*
Por fim, apreciemos, se o factor de bonificação 1,5 em razão da idade previsto na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais apenas pode ser atribuído quando o sinistrado já a tenha completado à data da alta e da respetiva fixação de incapacidade ou, de futuro, apenas em caso de revisão por agravamento.
A sentença recorrida pronunciou-se sobre a questão nos seguintes termos:
“Considerando que o autor nasceu a 20-01-1975, não se pode deixar de constatar que o mesmo atingiu os 50 anos de idade em 20-01-2025 o que impõe a consideração do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 16/2024, 22 de Maio de 2024, publicado no DR -I de 17-12-2024, e no qual foi “jurisprudência no sentido de que: 1 - A bonificação do fator 1.5 prevista na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais aprovada em anexo ao Decreto-Lei n.º 352/2007 de 23 de outubro é aplicável a qualquer sinistrado que tenha 50 ou mais anos de idade, quer já tenha essa idade no momento do acidente, quer só depois venha a atingir essa idade, desde que não tenha anteriormente beneficiado da aplicação desse fator; 2 – O sinistrado pode recorrer ao incidente de revisão da incapacidade para invocar o agravamento por força da idade e a bonificação deverá ser concedida mesmo que não haja revisão da incapacidade e agravamento da mesma em razão de outro motivo.”.
Da leitura que se faz deste aresto e do entendimento nele fixado, o factor de bonificação 1,5, previsto na al a) do nº 5 das Instruções Gerais da TNI, é aplicável a todo o sinistrado ao qual tenha sido reconhecida uma incapacidade pelo facto de o mesmo ter atingido os 50 anos de idade e independentemente de qualquer agravamento.
Ou seja, a sua aplicação, com a consequente bonificação da medida da incapacidade, depende apenas da passagem do 50º aniversário do sinistrado.
Estando as prestações por incapacidade condicionadas à medida da incapacidade – art.º 48º da Lei 98/2009, de 04-09 -- a idade de 50 anos, com o seu reflexo na medida da incapacidade, configura-se como um pressuposto de revisão de prestação que tenha sido fixada anteriormente, sem carecer da demonstração de circunstâncias – “agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais ou ainda de reabilitação e reintegração profissional e readaptação ao trabalho” -- que, nos termos do art.º 70º da Lei 98/2009, de 04-09, justificam, quando demonstradas, a revisão da prestação.
Sendo a idade do autor um facto que nem a empregadora, que o contratou, nem a seguradora, que o tratou, podem desconhecer entende-se que nada obsta à consideração do estabelecido no referido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência tanto mais que a reparação por acidentes de trabalho se enquadra no domínio dos direitos indisponíveis – art.ºs 12º e 78º da Lei 98/2009, de 04-09.
Por tal, estando em causa um facto certo e documentado nos autos – data de nascimento do autor -- entende-se que a incapacidade permanente parcial (IPP) de 6,00% fixada a partir de 17-09-2022 não pode deixar de ser bonificada nos termos da citada Instrução Geral da TNI a partir de 20-01-2025, ou seja, a partir desta data a incapacidade permanente parcial (IPP) terá de ser de 9,00% (0,06x1,5).
Consequentemente a prestação por incapacidade permanente parcial (IPP) terá de, a partir de 20-01-2025, ser revista passando a ser 1 357,62€ [(21 549,54€x0,70)x0,09].
Esta pensão revista por via da aplicação da bonificação de 1,5 é devida desde o dia 20-01-2025 – cfr. art.º 50º nº 2 da Lei 98/2009, de 4-9, -- e é obrigatoriamente remível – art.º 75º nº 1 do mesmo diploma legal.
Considerando que, com referência a 17-09-2022 e a uma incapacidade permanente parcial (IPP) e 6,00% já foi determinado o montante da reparação devida ao autor com atribuição de um capital de remição, reparação esta que se mantém, a reparação por incapacidade permanente parcial (IPP) de 9,00% desde 20-01-2025 não pode deixar de ser reduzida à diferença entre a situação entre a prestação fixada a 17-09-2022 e a fixada a 20-01-2025, ou seja a uma pensão anual residual de 452,54€ (1 357,62€-905,08€)
Pela liquidação desta prestação de 452,54€ são responsáveis a seguradora e a empregadora na proporção de, respectivamente, 77,58% (correspondente a um valor de pensão anual residual de 351,08€) e 22,42% (correspondente a um valor de pensão anual residual de 101,46€).”
Defende a Recorrente que a bonificação em razão da idade de 50 anos, apenas pode ser atribuída quando o sinistrado já a tenha completado à data da alta ou de futuro, apenas em caso de agravamento, previsto no Artº 70º da LAT, e se à data a considerar para o agravamento já tiver atingido a referida idade, não podendo ser aplicada a qualquer momento pelo julgador. Mais alega que, nos termos do artº 21º da Lei nº 98/2009 e dos pontos 6 e 7 das Instruções Gerais da Tabela Nacional das Incapacidades, no momento da avaliação e graduação da incapacidade, é sempre ponderada a idade, o que, mediante a aplicação incriteriosa e cega do factor 1,5 em razão da idade, como defende a sentença, poderá levar a uma situação de enriquecimento sem causa do trabalhador/lesado à custa da seguradora, o que vai manifestamente ao arrepio dos mais elementares princípios em matéria de obrigação de indemnizar, violando além do mais, o principio do indemnizatório consagrado no Artº 128º da Lei do Contrato de Seguro, aprovado pelo DL 72/2008 de 16 de Abril e no art.º 562º Código Civil e que se o legislador pretendesse prever a aplicação automática do factor 1.5 em razão da idade a todo e qualquer sinistrado, a todo o momento, sendo condição única a celebração do 50.º aniversário, não teria deixado tal prerrogativa escondida nas instruções da TNI, mas antes teria consagrado tal direito na LAT. Não colhe a leitura de que por ilação se retira que a idade determina o agravamento da incapacidade para o trabalho, do que são reflexo os inúmeros casos de revisão por melhoria que ocorrem e o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência não é obrigatório, sendo que este prevê a forma própria de suscitar a aplicação da bonificação que é através do incidente de revisão e a aplicação discricionária e oficiosa do factor de bonificação de 1.5, pela mera ocorrência do 50.º aniversário do sinistrado é inconstitucional por violação do princípio da igualdade e da proporcionalidade e no caso dos autos, nem o agravamento/bónus foi suscitado pelo sinistrado, nem resulta da prova qualquer indício de que possa ter ocorrido qualquer condição para que dele beneficie e ao determinar a aplicação do factor de bonificação 1,5 ao sinistrado, por ter, na pendência dos autos e já após consolidação das lesões completado 50 anos, a sentença viola o sentido dos Artºs 21º, 70º da LAT aprovada pelo DL 72/2008 de 16 de abril, os artºs 5 a), 6 e 7 das Instruções Gerais da Tabela Nacional das Incapacidades, o artº 128º da Lei do Contrato de Seguro e o artº 562º Código Civil.
Apreciando:
O Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, aprova a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, revogando o Decreto-Lei n.º 341/93, de 30 de Setembro.
De acordo com o Anexo I, ponto 5 alínea a) das Instruções Gerais, “Na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número:
a)Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula:IG + (IG x 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor;”
Da referida instrução decorre que o factor 1.5 é aplicável nos casos em que:
- a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho:
ou
- A vítima tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor.
Sobre a aplicação do factor de bonificação 1.5, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 16/2024, de 17 de Dezembro, publicado no Diário da República n.º 244/2024, Série I de 2024-12-17, uniformizou a jurisprudência no sentido seguinte:
“1. A bonificação do fator 1.5 prevista na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais aprovada em anexo ao Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro, é aplicável a qualquer sinistrado que tenha 50 ou mais anos de idade, quer já tenha essa idade no momento do acidente, quer só depois venha a atingir essa idade, desde que não tenha anteriormente beneficiado da aplicação desse fator; 2. O sinistrado pode recorrer ao incidente de revisão da incapacidade para invocar o agravamento por força da idade e a bonificação deverá ser concedida mesmo que não haja revisão da incapacidade e agravamento da mesma em razão de outro motivo.”
E fundamentou-se o decidido nos termos seguintes:
“A questão que se coloca no presente recurso é a de saber se o fator de bonificação previsto no n.º 5 a) das Instruções gerais da TNI é automaticamente aplicável quando o sinistrado, que não tinha 50 anos à data da alta médica, tenha 50 anos ou mais à data da revisão da incapacidade.
Ora esta questão de grande sensibilidade social tem sido objeto de respostas contraditórias nos nossos Tribunais (1).
Assim, a favor de uma aplicação automática pronunciaram-se, por exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26-09-2019, proferido no processo 1029/16.2T8STR.E1 - “[...] 3. O fator de bonificação de 1,5 a que se refere a Instrução Geral n.º 5 al. a), segunda parte, da TNI, está apenas dependente de dois critérios objetivos: idade igual ou superior a 50 anos e não ter o sinistrado beneficiado da aplicação desse fator. 4. Não depende de qualquer agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão, e deve ser aplicado independentemente de pedido de revisão”) - o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 01-02-2016, processo n.º 975/08.1TTPNF.P1 (“1. A aplicação do fator 1.5 previsto no n.º 5 das Instruções gerais da TNI aprovada pelo DL n.º 352/2007 de 23.10 - com fundamento na idade do sinistrado - não está dependente de qualquer agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão [pressupostos do pedido de revisão] mas apenas e tão só de um elemento: a idade do sinistrado. 2. Por isso, a referida «bonificação» deve ser aplicada ao sinistrado, independente do pedido de revisão, na medida em que a aplicação do fator 1.5 depende apenas do fator idade”).
E contra, designadamente, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13-01-2016, processo n.º 1606/12.0TTLSB-L.1-4 (“o fator de bonificação resultante da idade de 50 anos só funciona ou na fixação inicial da incapacidade ou, em caso de revisão (em qualquer das situações tipificadas), desde que médico-legalmente seja verificada alteração da desvalorização anteriormente atribuída”), o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15-06-2021, processo n.º 141/11.9TTVNF.4.G1 (“A atribuição do fator de bonificação de 1.5 decorrente de o sinistrado ter atingido 50 anos de idade pode também ter lugar em incidente de revisão, desde que se verifique o agravamento das sequelas/disfunções objetivado por perícia médica através do seu diferente enquadramento na TNI ou, caso se mantenham as mesmas rubricas, por atribuição de coeficiente diferente”), o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-04-2023, processo n.º 35/03.1TTCVL.4.C1 (“No incidente de revisão da incapacidade para que possa ser aplicado o fator de bonificação 1,5 previsto no ponto 5, a), da TNI, impõe-se a verificação de uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva ou recaída da lesão e que origine a alteração da prestação fixada (artigo 70.º da LAT)”).
A Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007 de 23 de outubro, e que faz parte integrante daquele diploma, constando do seu anexo I, contém nas Instruções Gerais a Instrução 5 a) segundo a qual “[n]a determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número: a) os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula. IG + (IG x 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor”. Tratou-se neste ponto de uma evolução sensível quanto ao que dispunha a anterior Tabela Nacional de Incapacidades aprovada pelo Decreto-Lei n.º 341/93 de 30 de setembro, cuja Instrução 5 a), previa que “[n]a determinação do valor final da incapacidade devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número: a) sempre que se verifique perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho que ocupava com carácter permanente, os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados com uma multiplicação pelo factor 1.5, se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais” (2).
Face à nova Tabela de Incapacidades a bonificação é atribuída automaticamente desde que a vítima tenha 50 anos ou mais. A Instrução 5 a) prevê, com efeito, duas situações distintas que considera suficientemente graves para que a bonificação tenha lugar: a circunstância de a vítima não ser reconvertível ao seu posto de trabalho e a sua idade (ter 50 anos ou mais) (3). Sendo certo que de um acidente de trabalho resulta uma perda de capacidade de trabalho ou de ganho o legislador considera que essa perda é agravada pela idade do sinistrado. Não se trata de uma presunção (4) - seja ela absoluta ou relativa - mas sim do reconhecimento de uma “realidade incontornável” (5), como lhe chamou o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24-10-2016, que explica esta opção legislativa:
“O envelhecimento é um fenómeno universal, irreversível e inevitável em todos os seres vivos. É certo que envelhecer difere de indivíduo para individuo, uma vez que o processo de envelhecimento pode ser acentuado ou retardado em razão de vários factores, entre outros, desde logo os de natureza genética, mas também dos que respeitam às condições e hábitos de vida do indivíduo e dos seus comportamentos [...] Em termos gerais e abstractos, é do conhecimento da ciência médica e, nos dias que correm, com toda a informação disponível e divulgada e com os cuidados de saúde a que se tem acesso, também da generalidade das pessoas que, após os 50 anos há um acentuar desse processo natural, que se vai agravando progressivamente com o aumento da idade. A título de mero exemplo, é consabido que a partir dos 50 anos de idade, independentemente do estado de saúde do indivíduo, seja homem ou mulher, a medicina recomenda que se observem especiais cuidados preventivos de saúde, sendo aconselhável a realização de determinados exames de diagnóstico que normalmente não são prescritos antes de se atingir essa idade. É na consideração desta realidade incontornável que o legislador entendeu atribuir a bonificação do factor 1.5, reconhecendo que, em termos gerais e abstractos, a vítima de acidente de trabalho que fique com determinada incapacidade permanente terá uma dificuldade acrescida, como consequência natural do organismo, para o desempenho de uma actividade profissional”.
A este propósito importa, também, atender ao que o Tribunal Constitucional afirmou, em uma das várias ocasiões em que foi chamado a pronunciar-se sobre a constitucionalidade da atribuição desta bonificação em razão da idade do sinistrado e em que precisamente se pronunciou no sentido de “não julgar inconstitucional a norma que determina a aplicação do «fator de bonificação de 1,5, em harmonia com a alínea a) do n.º 5 do anexo I do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro, (Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais)» aos coeficientes de incapacidade previstos nesse diploma quando «a vítima [...] tiver 50 anos ou mais”.
Pode, com efeito, ler-se, no n.º 7 da fundamentação do Acórdão n.º 526/2016 proferido a 4 de outubro de 2016, no processo n.º 1059/15 (6):
“Assim, as soluções legais do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro, no que diz respeito à Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, são justificadas pela consagração de um regime autónomo, distinto do aplicável ao dano civil, especificamente desenhado para o dano laboral que atinge a capacidade de ganho do trabalhador e também a pessoa.
É neste contexto que surge um regime diferenciado dado a um grupo de trabalhadores face aos restantes trabalhadores, tendo como critério de aplicação a idade (igual ou superior a 50 anos, como se referiu). Pela inserção sistemática, pode concluir-se que o legislador traça uma aproximação entre esta situação e a dos trabalhadores que, embora tenham uma idade inferior a 50 anos, não são reconvertíveis em relação ao posto de trabalho, pois ambos os casos são colocados numa relação alternativa, dando origem (um ou o outro) à aplicação da bonificação. A aproximação destas duas situações também decorre do facto de o trabalhador vítima de acidente ou doença profissional apenas poder beneficiar da bonificação em causa (por um critério ou pelo outro) na ausência de outra bonificação equivalente Em ambos os casos, estamos perante situações de maior dificuldade de acesso ao mercado de trabalho relativamente àquela em que se encontra um trabalhador, também vítima de acidente de trabalho ou doença profissional, mas ainda reconvertível ou de idade mais jovem. Sendo distintas as posições relativas dos trabalhadores, não se configura qualquer violação do princípio da igualdade, pois este pressupõe que se esteja perante situações equivalentes.
Há que reconhecer que no plano normativo não há discriminação alguma: a situação dos trabalhadores vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional que tenham uma idade igual ou superior a 50 anos não é idêntica à dos trabalhadores que não são vítimas daquelas circunstâncias ou com idade inferior a 50 anos. A própria recorrente admite que «a passagem do tempo e a progressão da idade tenham efeitos (positivos e negativos) sobre a capacidade de ganho e a produtividade pessoal dos trabalhadores», e que «o envelhecimento, como o avançar da idade, quando produzam uma diminuição daquela capacidade de ganho, hão de naturalmente poder repercutir-se nos coeficientes de incapacidade» (cf. o ponto II., n.º 20 das alegações de recurso, fls. 131). O facto de o cálculo da incapacidade em ambos os casos comportar diferenças não justifica que se considere violado o princípio da igualdade, pois estamos perante situações diferenciadas.
Assim, a previsão de um regime mais favorável para os trabalhadores com idade igual ou superior a 50 anos, quando não tenham já beneficiado da aplicação do fator em causa, não é desrazoável ou arbitrária, por assente nas características do mercado de trabalho e da mais difícil inserção neste dos trabalhadores com idade superior a 50 anos. Existem, pois, fundamentos racionais, pois assentes em dados empíricos relacionados com as consequências do envelhecimento do trabalhador e com as características do mercado de trabalho, e objetivos, porque aplicáveis de forma genérica e não subjetiva, por o legislador ter em conta a idade do trabalhador ao estabelecer o regime aplicável ao cálculo das incapacidades dos sinistrados ou doentes no âmbito laboral. Cabe-lhe, assim, escolher os instrumentos através dos quais esta ponderação ocorre, tendo optado, neste caso, por consagrar uma repercussão nos coeficientes através da previsão de uma bonificação. O regime também prevê que a bonificação apenas opera uma vez, não ocorrendo se o fator em causa tiver já sido aplicado por outro motivo. Esta solução encontra-se dentro da margem de livre apreciação do legislador, não se apresentando como desrazoável.
Existindo fundamento material suficiente, razoável, objetivo e racional, para a diferenciação de trabalhadores com idades iguais ou superiores a 50 anos, nomeadamente relacionados com o efeito do envelhecimento na capacidade de ganho e tendo em conta as características do mercado de trabalho nacional, não é possível concluir que a solução tenha um caráter arbitrário ou que exista violação do princípio da igualdade”.
A solução encontrada pelo legislador com a aplicação automática da bonificação de 1.5 ao sinistrado com 50 anos ou mais à data da alta tem a vantagem de evitar a difícil determinação do impacto do envelhecimento sobre cada sinistrado em concreto, que variaria em razão de uma grande diversidade de fatores (o organismo de cada um, mas também, por exemplo, as especificidades da atividade laboral e do setor profissional). Admite-se que se possa falar aqui em uma ficção jurídica, como fez o Parecer do Ministério Público junto neste Tribunal e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 01-02-2016, no qual se pode ler que “o legislador “ficcionou” que, a partir daquela idade as lesões tendem a agravar-se com a consequente maior limitação da capacidade de trabalho do sinistrado/trabalhador”.
Sendo assim, e se o legislador entendeu que quando o sinistrado tem 50 anos de idade ou mais se justifica uma bonificação por força da dificuldade acrescida, da maior penosidade laboral, que resulta do envelhecimento, haverá algum motivo que justifique que o sinistrado que tinha menos de 50 anos de idade, mas, entretanto, atinja essa idade, não passe a beneficiar da mesma bonificação?
Uma parte da nossa jurisprudência, como vimos, responde afirmativamente.
Invoca-se, sobretudo, que o legislador não previu qualquer mecanismo processual para revisão automática da pensão em função da idade e que a revisão da pensão seria um meio processual inadequado ou mesmo “enviesado” (7). Tal “colidiria frontalmente com o princípio estabelecido no artigo 70.º n.º 1 da Lei n.º 98/2009, de onde decorre que no âmbito da revisão da incapacidade, a prestação pode ser alterada, mas desde que se verifique “uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado” (8). Acrescenta-se, ainda, que “a TNI tem natureza meramente instrumental em relação ao regime jurídico substantivo da reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho” e que “não são mais que um conjunto de regras elucidativas da aplicação prática da mesma, no que toca à determinação do coeficiente de incapacidade a atribuir em cada caso concreto, sem porém concorrerem com conteúdo jurídico relevante no regime da reparação dos acidentes, que é domínio da LAT e do seu regulamento” (9).
Importa, todavia, ter em conta que ao estabelecer em uma norma legal que um sinistrado com 50 anos (ou mais) tem direito a uma bonificação de 1.5 o legislador exprimiu uma opção, a de considerar que a idade representa um agravamento das consequências negativas da perda da capacidade de trabalho ou de ganho decorrente do acidente de trabalho.
“Em suma: para o legislador dos acidentes de trabalho a idade do sinistrado - no caso, 50 anos ou mais - é factor relevante, que “acresce” à sua IPP para efeitos de atribuição de incapacidade, factor assente no facto de que a partir dessa idade as condições físicas/psíquicas de qualquer trabalhador se agravam de modo natural” (10).
Pode, na realidade, afirmar-se que “[o] fator de bonificação 1,5, ao invés de violar os princípios da justa reparação e da igualdade, previstos, respetivamente, nos artigos 59.º, alínea f) e 13.º da CRP, foi criado no intuito específico de lhes dar integral cumprimento”, como se pode ler no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14-09-2023, Processo n.º 21789/22.0T8SNT.E1.
Tal opção legislativa deve ser interpretada à luz do disposto no artigo 9.º do Código Civil e tendo em conta designadamente, como bem destaca o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09-01-2020, processo n.º 587/06.4TUPRT.4.P1, a unidade do sistema jurídico (n.º 1 do artigo 9.º), por um lado, e, por outro, que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (n.º 3 do artigo 9.º). Seria arbitrária e conduziria a uma diferença de tratamento sem qualquer justificação uma interpretação que apenas atribuísse a bonificação a um sinistrado com 50 ou mais anos à data do acidente, ou melhor, à data em que fixada a incapacidade, mas já não a um sinistrado que tendo menos de 50 anos nesse momento, venha, no entanto, a atingir essa idade - com efeito, se e quando tiver 50 anos este último estará exatamente na mesma situação de agravamento das consequências negativas que justificou a bonificação de que beneficiou o sinistrado que já tinha 50 anos quando se procedeu à primeira avaliação da incapacidade.
Há, pois, que proceder a uma interpretação teleológica, de resto mais conforme com a tutela constitucional em matéria de acidentes de trabalho, e afirmar que o fator de bonificação deve ser atribuído ao sinistrado com 50 anos ou mais, quer tenha já 50 à data em que é avaliada inicialmente a incapacidade, quer tenha menos idade, mas venha a atingir 50 anos. Se, porventura, fosse exato que o legislador não tinha previsto um mecanismo processual para operar esta atualização e a aplicação da bonificação, tal implicaria a existência de uma lacuna a preencher pelo intérprete, já que o direito adjetivo não deve trair o direito material ou substantivo (11).
Mas, na realidade, a situação cabe na previsão do artigo 70.º da LAT se a mesma for objeto de uma interpretação teleológica. Com efeito, o legislador considerou que a idade do sinistrado - ter este 50 ou mais anos de idade - representa, ela própria, um fator que tem impacto na capacidade de trabalho ou de ganho e que representa um agravamento na situação do trabalhador, mormente no mercado de trabalho. Este agravamento pela idade, reconhecido pelo legislador, poderá ser objeto de um pedido de revisão das prestações (12).
E não se afigura inútil ou “enviesada” a aplicação do mecanismo da revisão das prestações, tanto mais que o sinistrado tanto pode atingir os 50 anos apenas alguns dias, semanas ou meses após a fixação inicial das prestações, como pode vir a perfazer aquela idade anos ou mesmo décadas após tal fixação inicial, sendo conveniente que a bonificação seja aplicada a uma avaliação e a uma prestação atualizadas. Aliás, até pode suceder, por exemplo, que o incidente de revisão de incapacidade seja requerido pela entidade responsável com fundamento da melhoria da situação clínica (cf. artigo 70.º, números 1 e 2 da LAT), melhoria essa que pode vir a ser confirmada pela perícia médico-legal singular ou plural, havendo então que multiplicar essa nova IPP, inferior à originária ou até à atribuída num anterior incidente de revisão, pelo fator de bonificação de 1,5, desde que o sinistrado entretanto tenha atingido os 50 anos de idade.”
Ora, embora o caso dos autos não seja idêntico ao que originou a questão sobre a qual se debruçou o AUJ citado, dúvidas não existem que o entendimento que ilustra é-lhe aplicável e merece a nossa concordância.
Por outro lado, não se retira do citado AUJ que o factor 1.5 apenas pode ser aplicado no âmbito de um incidente de revisão ou num quadro de agravamento. O que o aresto afirma é que o sinistrado pode recorrer ao incidente de revisão da incapacidade para invocar o agravamento por força da idade.
E muito menos se extrai que o factor de bonificação não pode ser aplicado oficiosa e automaticamente. Com efeito, a sua aplicação depende apenas do preenchimento dos pressupostos: o sinistrado ter 50 anos de idade, “quer já tenha essa idade no momento do acidente, quer só depois venha a atingir essa idade”; e não ter anteriormente beneficiado da aplicação desse factor, como sucede no caso dos autos.
Aliás, não faria sentido que, em incidente de revisão a bonificação fosse concedida mesmo que não houvesse revisão da incapacidade e agravamento da mesma em razão de outro motivo que não a idade e que se vedasse a aplicação oficiosa e automática desse factor, quando no âmbito dos autos de acidente de trabalho, ao proferir a sentença que fixa uma incapacidade ao sinistrado, o julgador se apercebesse que este, entretanto, completara 50 anos de idade, como sucede no caso presente.
Por último, como se escreve no Acórdão deste Tribunal e Secção de 28.05.2025, proferido no Processo n.º 3453/19.0T8LRSB.L1 relatado pelo Exmo. Desembargador 1.º Adjunto, “Recorde-se que tal como se consignou em acórdãos do STJ de : - de 12-05-2016, proferido no processo 982/10.4TBPTL.G1-A.S1, Nº Convencional:2ª Secção Conselheiro Abrantes Geraldes:
« 1. Os Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência, conquanto não tenham a força obrigatória geral que era atribuída aos Assentos pelo revogado art. 2º do CC, têm um valor reforçado que deriva não apenas do facto de emanarem do Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, como ainda de o seu não acatamento pelos tribunais de 1ª instância e Relação constituir motivo para a admissibilidade especial de recurso, nos termos do art. 629º, nº 2, al. c), do CPC.
2. Esse valor reforçado impõe-se ao próprio Supremo Tribunal de Justiça, sendo projectado, além do mais, pelo dever que recai sobre o relator ou os adjuntos de proporem ao Presidente o julgamento ampliado da revista sempre que se projecte o vencimento de solução diversa da uniformizada.
3. Em face do que foi decidido no AcUJ nº 10/15, não é de admitir recurso de revista interposto pelo Autor de acórdão da Relação que condenou o Réu no pagamento da quantia de € 8.426,64, depois de o Autor se ter conformado com a sentença de 1ª instância que condenou o Réu no pagamento da quantia € 21.343,57, uma vez que a diferença entre esses valores, que traduz a sucumbência do Autor em face do acórdão recorrido, é inferior a metade da alçada da Relação.
4. A dedução de reclamação contra o despacho que rejeitou o recurso com total desconsideração do que foi decidido em acórdão de uniformização de jurisprudência é susceptível de ser sancionada ao abrigo do art. 531º do CPC, com aplicação de taxa sancionatória excepcional.» - fim de transcrição.
- de 24-05-2022, proferido no processo nº 1562/17.9T8PVZ.P1.S1, Nº Convencional:6.ª Secção, Relatora Conselheira Graça Amaral
«I - A publicidade dos acórdãos uniformizadores de jurisprudência proferidos pelo STJ, consubstanciando uma exigência do princípio do Estado de direito democrático, tem a ver, fundamentalmente, com o direito de os cidadãos tomarem conhecimento do sentido interpretativo fixado relativamente às normas que os regem em situações de conflito de jurisprudência; não, com a obrigatoriedade do respectivo acatamento.
II - Não foi atribuída aos acórdãos uniformizadores força obrigatória geral, nem sequer vinculativa para a organização judiciária. Não obstante, a jurisprudência uniformizada deve ser respeitada pelos tribunais de instância e pelo próprio STJ, uma vez que a aplicação do direito não pode ser alheada dos valores da igualdade, da segurança e da certeza jurídicas, pressupostos da própria legitimação da decisão.
III - O valor persuasivo dos acórdãos uniformizadores encontra respaldo em normas processuais de admissibilidade dos recursos, como é o caso da al. b) do n.º 2 do art. 629.º do CPC.
IV - A linha interpretativa fixada nos acórdãos uniformizadores só deverá ser objecto de desvio, no âmbito do mesmo quadro legal, perante diferenças fácticas relevantes e/ou (novos) argumentos jurídicos que não encontrem base de ponderação nos fundamentos que sustentaram tais arestos.
V - Estando em causa nos autos determinar o momento a partir do qual se mostra precludido o direito de a parte requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, impõe-se ter presente e acatar o sentido interpretativo que foi fixado pelo AUJ n.º l/2022 ao art. 6.º, n.º 7, do RCJ.» - fim de transcrição.
E nem se venha esgrimir que a aplicação automática do coeficiente de correcção em causa decorrente da idade, quer no momento da avaliação inicial da incapacidade, quer em momento subsequente quando os trabalhadores/lesados atinjam os 50 anos de idade gera desigualdades.
A nosso ver, o contrário é o que faria.
A posição sustentada pela Seguradora acarretaria que um sinistrado que à data da alta tenha 49 anos e 364 dias de idade não tem nem nunca teria direito, nomeadamente em sede de incidente de revisão, direito à bonificação em causa ao invés de um outro que naquela data já tinha 50 anos de idade, sendo tal diferença de tratamento justificada por um mero período de 24 horas , embora quer em termos físicos quer de mercado de trabalho as suas condições até pudessem ser idênticas, sendo que tal problemática , aliás, em nada contende com o facto de , tal como se refere no AUJ , no plano normativo não haver discriminação alguma.”
E também não vislumbramos que a aplicação do factor 1.5 viole o princípio da proporcionalidade ou gere uma situação de enriquecimento sem causa do sinistrado relativamente à seguradora. É a Lei que define os pressupostos da sua aplicação e, verificados estes, impõe-se a sua aplicação, como sucede no caso presente: o sinistrado tem 50 anos e nunca antes beneficiou da dita bonificação.
Improcede, pois, o recurso da Ré seguradora.
Considerando o disposto no artigo 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, as custas dos recursos são da responsabilidade dos respectivos Recorrentes.

Decisão
Face ao exposto, acordam os Juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa em:
- Julgar improcedente a impugnação da matéria de facto deduzida pela Ré empregadora;
- Julgar improcedentes os recursos da Ré empregadora e da Ré seguradora e confirmar a sentença recorrida.
Custas dos recursos pelos respectivos Recorrentes.
Registe e notifique.

Lisboa, 24 de Setembro de 2025
Celina Nóbrega
Leopoldo Soares
Manuela Fialho