Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANA MÓNICA MENDONÇA PAVÃO | ||
Descritores: | PETIÇÃO DE HERANÇA CRÉDITO DE SUPRIMENTOS CESSÃO DE QUOTA USUFRUTO DE QUOTA SOCIAL DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/15/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | da responsabilidade da relatora - art. 663º/7 CPC): I. O crédito de suprimentos é cindível da participação social e, por isso, não resultando do negócio de cessão de quota que o crédito de suprimentos tivesse sido também transmitido, a cedência pelo sócio credor da sua quota não implica, automaticamente, a cessão do crédito de suprimentos, de que seja titular perante a sociedade, para o adquirente da quota. II. Decorre do art. 1467º/1 a) do Código Civil que o usufrutuário de quotas de uma sociedade tem direito aos lucros distribuídos, correspondentes ao tempo de duração do usufruto. A lei atende, para o efeito, ao momento em que os lucros se auferem e não à data em que eles são distribuídos. III. A circunstância de os lucros da sociedade 1ª R. não terem sido distribuídos entre 2012 e 2019, não impede que o venham a ser posteriormente, desde que se reportem ao período do usufruto, caso em que os usufrutuários e respectivos herdeiros terão direito aos lucros que venham a ser distribuídos. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I. RELATÓRIO BB intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra “Rolados – Rolamentos e Acessórios Importados, Ld.ª” e AA, pedindo a condenação dos Réus a: a) reconhecer o Autor como herdeiro dos seus falecidos Pais CC e DD; b) reconhecer que o cabeçalato da herança de DD é exercido pelo Autor; c) reconhecer que os suprimentos efetuados, em vida, por CC e DD à sociedade 1ª R. fazem parte do acervo hereditário de ambos; d) restituir às referidas heranças o valor dos suprimentos que vier a ser apurado no âmbito dos presentes autos e no prazo que vier a ser fixado; e) restituir às referidas heranças os lucros que vierem a ser apurados no âmbito dos presentes autos, correspondentes às quotas de que eram usufrutuários DD e CC, auferidos no período de duração desse usufruto. Para o efeito, alegou, em síntese, que: - a Ré “Rolados – Rolamentos e Acessórios Importados, Lda.” é uma sociedade comercial por quotas que se dedica ao comércio de acessórios de automóveis; - a Ré sociedade tem o capital social de €49.879,78, o qual era composto pelas seguintes quotas: uma quota no valor nominal de €18.704,92, da titularidade de CC; uma quota no valor nominal de €18.704,92, da titularidade de DD; uma quota no valor nominal de €6.234,97, da titularidade de BB; uma quota no valor nominal de €6.234,97, da titularidade de AA; - todos os sócios foram nomeados gerentes, obrigando-se a sociedade à data «com a assinatura de um dos gerentes CC ou DD ou de dois outros gerentes em conjunto»; - CC e DD foram casados em primeiras núpcias de ambos no regime da comunhão geral de bens; - O A. e o 2.ª Réu são filhos de CC e de DD e nasceram nos dias 8 de Março de 1948 e 27 de Julho de 1952, respectivamente; - No dia 27 de dezembro de 2011, CC e DD cederam gratuitamente ao seu filho AA, ora 2º R., “por conta da quota disponível”, a nua propriedade das quotas de que eram titulares no capital social da 1ª R. Rolados – Lda, reservando para si o “usufruto simultâneo e sucessivo das supra identificadas quotas”, através de uma escritura de cessão de quotas outorgada no Cartório Notarial; - em consequência da referida cessão de quotas, CC e DD renunciaram nesse mesmo ato à gerência que vinham exercendo na sociedade 1ª R.; - durante o período em que foram titulares de quotas no capital social da 1ª R., CC e DD fizeram suprimentos à sociedade, os quais não foram cedidos em conjunto com a nua propriedade das referidas cotas; - também no dia 27 de dezembro de 2011, o A. cedeu a sua quota que detinha no capital social da sociedade 1ª R. a AA, 2º R., renunciando igualmente à gerência que vinha exercendo; - a gerência passou a ser exercida exclusivamente pelo 2º R., o qual passou sozinho a obrigar a sociedade; - no dia 22 de Agosto de 2015 faleceu CC; - CC não deixou testamento ou qualquer outra disposição sucessória de última vontade, tendo-lhe sucedido como herdeiros: o cônjuge sobrevivo, DD; e os filhos do casal, ou seja, A. e 2.º R.; - no dia 25 de Junho de 2019 faleceu DD, no estado de viúva; - o acervo hereditário dos falecidos pais permanece indiviso, fazendo parte desse acervo o direito aos suprimentos que fizeram à 1.ª Ré e que não foram restituídos em vida; - o valor desses suprimentos é muito superior ao valor feito constar nas declarações emitidas pela sociedade responsável pela contabilidade da 1.ª Ré (€ 300.350,00), atentos os montantes feitos constar nas contas da sociedade e referentes aos anos e 2012 a 2017, valores esses melhor elencados no artigo 24.º da PI, que aqui se reproduz; - para além dos aludidos créditos de suprimentos, fazem ainda parte das heranças indivisas os lucros que CC e DD tinham direito a receber da sociedade 1ª R. durante o período em que foram usufrutuários de participações sociais; e não tendo tais lucros sido distribuídos em vida deles, integram também o acervo hereditário de ambos; - desde a data em que cederam as suas quotas (27 de dezembro de 2011) e reservaram para si o usufruto das mesmas, a sociedade 1ª R. apresentou os seguintes resultados líquidos: - no ano de 2012 - €136.312,87; - no ano de 2013 - €174.987,83; - no ano de 2014 - €120.818,96; - no ano de 2015 - €139.421,72; -no ano de 2016 - €399.961,27; e - no ano de 2017 - € 400.508,59; resultados estes que já têm em consideração a constituição das reservas legais e outras reservas; - assim, CC e DD, enquanto usufrutuários de quotas no valor global de € 37.409,84 (€18.704,92 + €18.704,92 = €37.409,84) correspondentes a 75% do capital social da 1ª R. deveriam ter recebido lucros no montante global de € 1.029.008,43, conforme melhor elencado no artigo 43.º da PI, que qui se reproduz – cfr. petição inicial ref.ª 35006460. Os Réus vieram apresentar contestação (ref.ª 35889036), na qual reconheceram os factos vertidos nos artigos 1.º ao 9.º, 11.º, 12.º, 14.º a 20.º, 27.º, 32.º, 35.º, 36.º da petição inicial, impugnando todos os demais. Alegaram ainda, em síntese, que: - CC e DD, enquanto titulares de quotas no capital social da mesma, fizeram suprimentos à sociedade, titulados apenas em nome de CC; - por força do regime de bens de casamento de CC e DD, regime da comunhão geral de bens, os suprimentos pertenciam a ambos, enquanto bem comum do casal; - o que justificou que DD viesse a proceder, mais tarde, à cessão dos suprimentos que à mesma cabiam, enquanto cônjuge meeira, ou seja, € 150.175,00, valor este doou ao 2.ª R.; - assim, apenas metade dos suprimentos efectuados pelo casal, ambos sócios, embora titulados somente pelo cônjuge marido, fará parte integrante das heranças indivisas de CC e de DD, e que não lhes tenham sido restituídos em vida; - sendo o valor total dos suprimentos de € 300.350,00 (trezentos mil e trezentos e cinquenta euros), a então sócia DD era detentora, e seria sempre também na qualidade de cônjuge meeira, de metade daquele valor, ou seja, de € 150.175,00 (cento e cinquenta mil, cento e setenta e cinco euros); - nessa sequência, resulta à evidência que o valor pertencente à herança indivisa de CC e de DD, a título de suprimentos feitos à sociedade 1.ª R. é de €150.175,00 (cento e cinquenta mil, cento e setenta e cinco euros); - o valor de suprimentos que é apresentado na rubrica “Passivo Corrente na conta designada por “accionistas/sócios” inclui o valor total de suprimentos, realizados por todos os sócios da empresa Rolados, aqui 1.ª Ré, salvo pelo A.; - não poderão ser restituídos à herança dos pais do Autor e do 2.º Réu os lucros auferidos por este(s) no período de duração do usufruto, correspondentes às quotas de que foram usufrutuários; - em primeiro lugar, a 1.ª Ré nunca distribuiu lucros aos sócios; - até 2010, os sócios da 1.ª Ré sempre deliberaram no sentido da permanência dos resultados do exercício anterior na rubrica de #Resultados Transitados, pois esta rubrica tinha prejuízos acumulados de anos anteriores; - após 2010, os sócios da 1.ª Ré continuaram a deliberar no sentido da permanência dos resultados do exercício anterior na rubrica de #Resultados Transitados, pois, por aplicação do Método da Equivalência Patrimonial, os lucros reflectidos correspondiam a lucros não distribuídos; - assim, se faz reflectir na contabilidade da Rolados e ora 1.ª Ré, o Resultado Líquido obtido pela sua participada, equivalente à percentagem de capital social de 58,33% detido nesta, RTS MAIS – Comércio de Produtos e Serviços para a Indústria, SA; - nunca foi deliberada a distribuição de lucros porque a sua participada (RTS MAIS) também nunca distribuiu lucros, logo são lucros não atribuídos; - os valores a título de resultados líquidos alegados no art.º 41.º da P.I. não correspondem a “verdadeiros” lucros; - o Resultado Líquido não é ficcionado, só não corresponde a uma disponibilidade, porque a participada (RTS MAIS) nunca fez distribuição de lucros, pelo que à 1.ª Ré nunca foram atribuídos ou distribuídos quaisquer lucros; - os usufrutuários CC e DD tinham nos seus direitos a expectativa de receber os lucros, e tinham (em determinadas deliberações da sociedade) direito a voto, principalmente naquelas que possam afectar os seus direitos; - in casu, os falecidos usufrutuários sempre deliberaram pela não distribuição de lucros, e, nessa sequência, os eventuais lucros nunca assumiram a natureza de frutos (no sentido dado pelo art.º 212.º do Código Civil); - os réditos obtidos pela sociedade e que forem pelos sócios destinados a fundos de reserva poderão ser lucros, mas, não são frutos, e como tal, os usufrutuários não têm qualquer direito sobre esses montantes; - tendo o(s) próprio(s) usufrutuários(s) votado a deliberação de não distribuição de lucros, já não resultará para os mesmos qualquer direito de crédito; - os lucros não poderão, assim, integrar o acervo hereditário dos pais do Autor e do 2.º Réu; e, a par disso, - a empresa tem um défice financeiro. * O Autor veio exercer o contraditório relativamente à documentação junta com a contestação – requerimento de 9/07/2020 – ref.ª 36029902. Por requerimento de 9/09/2020 – ref.ª 36415758, vieram os RR. apresentar documentos (actas). Por requerimento de 23/09/2020 – ref.ª 36568634, veio o Autor exercer o contraditório relativamente à documentação junta pelos RR.. Na sequência do despacho de 4/11/2020 – ref.ª 127491510, vieram os RR. apresentar o livro de actas (junto aos presentes autos) – cfr. termo de 27/11/2020 – ref.ª 128034311. Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador – ref.ª 128242861, tendo sido definido o objecto do litígio e enunciados os temas da prova. Foi determinada a realização de perícia colegial, tendo sido junto aos autos o respectivo relatório pericial – ref.ª 21810805. Apresentada reclamação pelo autor, foram prestados esclarecimentos adicionais pelos peritos – ref.ª 22884644 e ref.ª 22886763. Foi ainda junta documentação – ref.ª 23412416 a ref.ª 23422398. Por requerimento de 12/07/2024 - ref.ª 49474538, veio o Autor juntar aos autos nova documentação, a qual foi admitida. Os Réus vieram exercer o contraditório através de requerimento de 9/09/2024 - ref.ª 49790114. Foi realizada audiência de julgamento. Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, julga-se a presente acção intentada por BB contra “Rolados – Rolamentos e Acessórios Importados, Ld.ª” e AA procedente e, consequentemente, condena(m)-se: a) os Réus a reconhecer o Autor como herdeiro de CC e de DD; b) os Réus a reconhecer que o cabeçalato da herança de DD compete ao Autor; c) os Réus a reconhecer que os suprimentos efetuados, em vida, por CC e DD à Ré sociedade fazem parte do acervo hereditário de ambos; e, nessa sequência, d) a Ré “Rolados – Rolamentos e Acessórios Importados, Ld.ª” a restituir às referidas heranças os suprimentos no valor de € 300.350,00 (trezentos mil e trezentos e cinquenta euros), no prazo de cinco meses; e) a Ré “Rolados – Rolamentos e Acessórios Importados, Ld.ª” a restituir às referidas heranças os lucros relativos aos anos de 2012 a 2018, que perfazem o valor total de € 1.256.767,45 (um milhão duzentos e cinquenta e seis mil e setecentos e sessenta e sete euros e quarenta e cinco cêntimos) [€102.234,65 (2012); €131.240,87 (2013); € 90.614,00 (2014); € 104.566,29 (2015); € 299.970,95 (2016); € 300.381,44 (2017); €227.759,25 (2018)], quando forem realizados. Custas pelos Réus – cfr. artigo 527.º do Código de Processo Civil. Notifique e registe. * Após trânsito, devolva à Ré “Rolados – Rolamentos e Acessórios Importados, Ld.ª” o Livro de Actas junto aos autos (cfr. despacho de 4/11/202020 – ref.ª 127491510) (Processado e revisto pela signatária, com aposição de assinatura eletrónica; data certificada digitalmente).” Inconformada com a sentença, vieram os réus dela interpor o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões [transcrição]: A) Vêm os aqui Réus e ora Recorrentes recorrer do segmento da Douta Sentença proferida pela Meritíssima Juíza a quo, que condenou: - “os Réus a reconhecer que os suprimentos efectuados, em vida, por CC e DD, à Ré sociedade fazem parte do acervo hereditário de ambos; e, nessa sequência - a Ré “Rolados – Rolamentos e Acessórios Importados, Lda.”, a restituir às referidas heranças os suprimentos no valor de € 300.350,00 (trezentos mil e trezentos e cinquenta euros), no prazo de cinco meses; - a Ré “Rolados – Rolamentos e Acessórios Importados, Lda.” a restituir às referidas heranças os lucros relativos aos anos de 2012 a 2018, que perfazem o valor total de € 1.256.767,45 (um milhão, duzentos e cinquenta e seis mil e setecentos e sessenta e sete euros e quarenta e cinco cêntimos) [€ 102.234,65 (2012); € 131.240,87 (2013); € 90.614,00 (2014); € 104.566,29 (2015); € 299.970,95 (2016); € 300.381,44 (2017); € 227.759,25 (2018)], quando forem realizados.” B) Sendo entendimento dos Réus e ora Recorrentes que, em qualquer um dos casos, e salvo o devido respeito, fez a Mm.ª Juíza a quo uma errada aplicação do direito em face dos factos que deu como provados, designadamente os factos constantes dos Pontos 20., 24., 25., 26. E 29., 30., 31., 32. e 35.; Relativamente ao tema dos suprimentos, C) deverá a douta sentença ser revogada e substituída por outra que reconheça que a Ré Rolados restitua às heranças por óbito de CC e DD os suprimentos efectuados no valor de € 150.175,00 (cento e cinquenta mil cento e setenta e cinco euros); e D) que estipule um prazo de restituição pela Ré Rolados às referidas heranças, nunca inferior a 36 meses; E) Porquanto, assentes que estão os valores de suprimentos efectuados pelos pais CC e DD, enquanto sócios da sociedade ROLADOS, no valor total de € 300.350,00, independentemente da titularidade inscrita na contabilidade; a confirmação de corresponderem metade a cada um dos mesmos; a reserva de usufruto, aquando da cessão de quotas feita a favor do filho AA; e a vontade livre e esclarecida demonstrada pela mãe DD em doar o seu direito de crédito, em vida, ao filho AA, no correspondente montante de €150.175,00, F) Consubstancia o entendimento dos Réus e aqui Recorrentes de que, quer porque se entenda que aquele direito de crédito acompanhou o direito de usufruto constituído aquando da cessão de quotas e desse modo se tornou um direito de crédito próprio da mãe DD, G) quer, sem conceder, mas por mera cautela de patrocínio, se entenda que os suprimentos realizados por ambos os então sócios e cônjuges CC e DD integravam o património comum do casal, H) Certo é que, a mãe do Autor e 2.º Réu, sempre podia dispor livremente da sua parte, porque perfeitamente determinado o seu valor e por ter legitimidade para tal; I) No primeiro entendimento na medida em que a constituição daquele usufruto e dos suprimentos afectos ao mesmo constituem uma excepção imperativa à comunicabilidade dos bens, mesmo no regime da comunhão geral de bens (art.º 1733.º n.º 1, alínea c) do CC), passando o mesmo a ser um bem próprio daquela; J) E as partes tanto assim o quiseram que a questão dos suprimentos não foi objecto da elaboração de qualquer contrato de suprimento simultâneo ou posterior à cessão de quotas, na medida em que tais suprimentos estavam “agarrados” à qualidade de sócio que os pais tiveram até então e continuaram “agarrados” à qualidade de usufrutuários que passaram a ter; K) No segundo entendimento na medida em que, mesmo no contexto do património comum do casal, a mãe, como cônjuge meeira, decorrente da aplicação do n.º 1 do art.º 1730.º do CC, sempre teria legitimidade para dispôr, por doação ou deixa por conta da sua meação nos bens comuns, nos termos permitidos por lei, a sua metade a favor de terceiro, conforme prevê o n.º 2 do mesmo normativo, ex vi art.º 1734.º do CC; L) Devendo, assim, concluir-se que o direito de crédito aos suprimentos de DD, sobre a sociedade Rolados no montante de € 150.175,00, nunca poderá ser atacado, podendo a mesma dispôr deste, como o fez por meio da escritura de cessão de suprimentos; M) E que não estamos perante qualquer “objecto físico legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável” (a contrario art.º 280.º, n.º 1 do Código Civil); e N) Consequentemente, que a escritura de cessão de suprimentos feita pela DD ao filho AA não deverá ser declarada nula, porque legal e consubstanciar a vontade expressa, livre e esclarecida, da detentora daquele direito de crédito; O) Também a questão do prazo fixado na douta sentença de 5 meses para a Ré e aqui Recorrente ROLADOS restituir à herança o valor de suprimentos, em face da prova produzida em sede de audiência de julgamento, não se crê razoável e terá implicações graves, a ser mantido, para a saúde financeira da empresa; P) E, conforme resultou provado, não existindo qualquer contrato de suprimento, não tendo sido fixado sob qualquer outra forma um prazo para a restituição dos suprimentos prestados pelos pais (sócios/usufrutuários) à sociedade, determina a lei que o tribunal pondere as consequências que acarreta para a empresa esse prazo; Q) Ora, in casu, não tendo ficado provado a disponibilidade de tesouraria da Rolados, 1.ª Ré e ora Recorrente, vide alínea a) dos Factos não Provados, e por outro lado, tendo resultado provado que aquela também não dispôs de resultados disponíveis para distribuição de lucros entre 2012 e 2020, vide ponto 41. dos factos Provados; R) quando a mesma não tem actividade desde que integrou o capital social da sua participada RTS Mais, nem qualquer fonte de financiamento, tratando-se de uma empresa gestora de capitais, sem autonomia financeira, conforme resultou do depoimento da testemunha EE e do depoimento de parte do Autor; S) Tal prazo, a manter-se, trará efeitos nocivos para a empresa, desde logo porque a mesma prevê não ter condições para o cumprir; T) Devendo V. Exas. doutamente determinar por revogado também aquele segmento da decisão recorrida, substituindo-o por outro que estipule um prazo de restituição pela Ré Rolados às referidas heranças, nunca inferior a 36 meses. Relativamente ao tema dos lucros, U) Deverá a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra, no segmento da sentença constante da alínea e), que determine a absolvição da Ré Rolados a restituir às referidas heranças os lucros relativos aos anos de 2012 a 2018 no valor total de €1.256.767,45, V) Ao contrário do entendimento da Mm.ª Juiz a quo, o eventual direito aos lucros durante o período do usufruto não se subsume a um direito da herança aberta por óbito de CC e DD, pais do Autor e 2.º Réu, porquanto: W) por um lado, por não existirem efectivamente lucros por distribuir, e que apenas por reflectidos na contabilidade pelo método da equivalência patrimonial foram objecto de deliberação de não distribuição, por parte de CC e DD, durante o período do usufruto, destinando-os a fundos de reserva e, W) por outro lado porque não houve qualquer deliberação, em vida dos usufrutuários, no sentido da sociedade Rolados distribuir lucros acumulados, ficando precludido esse direito; Y) Concluindo-se que os herdeiros de CC e DD, A. e 2.º Réu perderam, assim, o direito a lucros acumulados; X) Os réditos obtidos pela sociedade e que forem pelos sócios destinados a fundos de reserva são lucros, mas, não são frutos, veja-se o disposto no art.º 1467.º, n.º 1 al. a) do Código Civil, ao considerar que são só lucros os frutos (“lucros distribuídos”), “… correspondentes ao tempo de duração do usufruto”; Z) Inferindo-se que a lei quando se refere a “lucros distribuídos”, pretende excluir, em obediência ao ensinamento da doutrina dominante, a atribuição ao usufrutuário de lucros que a administração da sociedade tenha destinado a fundos de reserva, a amortização ou a quaisquer outras formas de capitalização e que, por virtude disso, não tenham sido efectivamente distribuídos; AA) No caso em apreço, tendo os falecidos CC e DD, enquanto usufrutuários, votado a deliberação de não distribuição de lucros, já não resultará para os mesmos qualquer direito de crédito; BB) Ora, a distribuição de lucros é decidida em assembleia geral pelos sócios, conforme o artigo 217.º do Código das Sociedades Comerciais, CC) Quanto aos lucros que não foram distribuídos e que permaneçam na empresa como reservas ou resultados transitados, diga-se que os sócios que votaram contra a distribuição apenas não perderão o direito a lucros futuros, desde que: Continuem a ser sócios no momento em que a distribuição de lucros for aprovada em anos seguintes; E que a sociedade decida distribuir os lucros acumulados ou os lucros do exercício corrente. DD) Sucede que e de acordo com o disposto no art.º 1443.º do Código Civil, o usufruto não pode exceder a vida do usufrutuário, extinguindo-se por morte deste (art.º 1476.º, n.º 1 alínea a) do Código Civil); EE) Assim sendo, à data do óbito de DD - 25.06.2019 -, o usufruto simultâneo e sucessivo das quotas na sociedade Rolados, extinguiu-se, cessando todos os direitos inerentes a essa qualidade de usufrutuária (simultânea e sucessiva), designadamente o direito a voto em deliberações sobre a distribuição ou não de lucros (acumulados); FF) Em consequência, não permanecendo mais DD na sociedade, nem podendo, naturalmente, participar em assembleia geral que deliberasse sobre a distribuição de lucros acumulados, o direito a lucros acumulados por referência ao período do usufruto (27.12.2011 a 25.06.2019), resulta precludido! GG) E com relevância para a reapreciação desta matéria, atente-se aos pontos 39. e 41. Dos factos provados, por referência ao período de usufruto, entre 2012 e 2020, em que: “não foram distribuídos quaisquer lucros pela sociedade “RTS MAIS, S.A.” à sociedade participante ROLADOS, Lda.” “A Ré sociedade não dispôs de resultados disponíveis para distribuição de lucros” HH) Da prova produzida resultou inequívoco que, sem prejuízo de se encontrarem reflectidos lucros na contabilidade da Ré e ora Recorrente ROLADOS (por efeito do já referido método de equivalência patrimonial) entre janeiro de 2012 a 2019, a verdade é que esta nunca teve efectivamente lucros; II) Com efeito, a deliberação de não distribuição de lucros pela Ré e ora Recorrente ROLADOS assentou essencialmente na circunstância da sua participada RTS Mais também não distribuir lucros; JJ) Resultando evidente que o sócio AA e os usufrutuários CC e DD, nos anos correspondentes ao período do usufruto (2012 a 2019), não poderiam sequer ter deliberado por uma distribuição de lucros porque que não existiam! Nestes termos e nos mais de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que: 1. Reconheça que a Ré Rolados restitua às heranças por óbito de CC e DD os suprimentos efectuados no valor de € 150.175,00 (cento e cinquenta mil cento e setenta e cinco euros); e 2. Estipule um prazo de restituição pela Ré Rolados às referidas heranças, nunca inferior a 36 meses; 3. Determine a absolvição da Ré Rolados a restituir às referidas heranças os lucros relativos aos anos de 2012 a 2018 no valor total de € 1.256.767,45, Conclui a recorrente que deve o recurso ser julgado procedente. * O autor/recorrido contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso. O autor, não se conformando com a sentença no tocante ao segmento decisório correspondente à alínea d) da decisão [no qual se condena a Ré Rolados – Rolamentos e Acessórios Importados Lda a restituir às heranças de CC e de DD apenas a quantia de 300.350,00 € a título de suprimentos], vem dela, nessa parte, interpor recurso subordinado, formulando as seguintes conclusões: «1ª - A prova de que determinado documento não corresponde ao original incumbe ao impugnante (e não àquele que apresentou os documentos); 2ª - Para que se possa considerar eficaz a impugnação de documentos por inexatidão da reprodução mecânica/desconformidade da cópia do original, deve a parte impugnante afirmar expressamente que a cópia não corresponde ao original e pedir o seu confronto com esse original; 3ª - Não tendo os Réus, ao impugnar os documentos juntos pelo Autor com o requerimento datado de 12/07/2024 (com a refª Citius 26021333), feito nem uma coisa nem outra, não podia, ao contrário do decidido na Sentença recorrida, considerar-se que os mesmos foram eficazmente impugnados; 4ª - Deveria, pois, ao contrário do decidido na Sentença recorrida, ter-se valorado tais documentos e, com base neles, considerar-se provado que os Pais do Autor fizeram suprimentos à Ré Rolados em valor não inferior a 560.000,00€; 5ª - Apesar de os Réus terem impugnado a letra e a assinatura dos documentos juntos com o requerimento apresentado em 12/07/2024 (com a refª Citius 26021333), o Autor logrou fazer prova de que os mesmos foram assinados por seus Pais, CC e DD; 6ª - A prova da genuinidade da letra e da assinatura constante de documento particular impugnado nos termos do art.º 444º do Cód. Civil (desconhecimento se a letra e a assinatura do documento foram feitas por aquele a quem se atribui a respetiva autoria) pode ser feita por qualquer meio (incluindo prova testemunhal e por declarações/depoimento de parte); 7ª – Tendo os cheques dos autos sido passados à ordem dos Réus e depositados nas suas contas bancárias, estes não podem razoavelmente ignorar se foram emitidos, quem os assinou e se as quantias foram ou não por si recebidas; 8ª – Considerando os pontos 8, 17, 24 e 29 dos Factos provados, as declarações do Autor (gravadas aos minutos 00:03:28.3 a 00:05:04.8) e o depoimento da testemunha FF (gravado aos minutos 00:01:18.4 a 00:01:56.1 da 2ª gravação do respetivo depoimento no sistema Habilus, das 10:45 às 10:57), não podem restar quaisquer dúvidas que as letras e as assinaturas constantes dos cheques juntos aos autos com o requerimento apresentado em 12/07/2024 (com a refª Citius 26021333) são do Pai do Autor, GG (tendo sido aposta, por sua vez, no cheque junto como Doc. nº 2 também a assinatura da Mãe do Autor); 9ª – De qualquer modo, mesmo tendo sido impugnados, os documentos juntos com o referido requerimento datado de 12/07/2024, não podiam deixar de ser valorados como meio de prova, ao contrário do decidido na Sentença recorrida; 10ª – É incontestável que os valores deles constantes (no total de, pelo menos, 560.000,00€) saíram da conta bancária dos Pais do Autor e foram creditados na conta de Ré Rolados (a título de suprimentos efetuados por aqueles a esta sociedade); 11ª – O contrato de suprimentos resume-se a um contrato de mútuo, sendo-lhe aplicáveis as respetivas regras; 12ª – A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita; 13ª – Cabe ao mutuante alegar e demonstrar que emprestou dinheiro ao mutuário, sendo ónus deste a demonstração e prova de que cumpriu a sua obrigação de restituição; 14ª – Incumbia aos Réus provar que tinham procedido à restituição das quantias mutuadas à 1.ª Ré Rolados, pelos Pais do Autor e do 2.ª Réu, a título de suprimentos; 15ª – De acordo com a correta aplicação das regras do ónus da prova, deve ter-se por assente que permanece por restituir à herança indivisa dos Pais do Autor e do 2.º Réu, pelo menos, a quantia de 495.000,00€, relativamente aos suprimentos efetuados por aqueles à 1.ª Ré; 16ª - Não tendo sido fornecidos aos Senhores Peritos a informação e os documentos contabilísticos (incluindo cheques e transferências bancárias que titularam/suportaram os suprimentos referentes ao período compreendido entre 12/04/05 e, pelo menos, 2011), pelos mesmos considerados essenciais para poder responder ao Quesito I da Perícia, não devia o Tribunal ter valorado a resposta a esse quesito e nele ter baseado, como baseou, a decisão de considerar como não provada a matéria constante da al. d) dos Factos Não Provados; 17ª – Tendo em consideração os documentos juntos pelo Autor com o requerimento apresentado em 12/07/2024, os pontos 8, 17, 24, 29 e 37 a 41 dos Factos Provados, o depoimento do Autor (gravado aos minutos 00:03:28.3 a 00:05:04.8, 00:05:04.8 a 00:05:16.8 e 00:24:39.4 a 00:25:48.3), o depoimento da testemunha FF (gravado aos minutos 00:01:19.4 a 00:01:56.1 da 2ª gravação do respetivo depoimento no sistema Habilus [das 10:45 às 10:57] e 00:04:01.7 a 00:06:45.1 da 1ª gravação do respetivo depoimento no sistema Habilus [das 10:35 às 10:42], a resposta ao Quesito II do Relatório Pericial, anexo como Doc. nº 2 à mensagem de correio eletrónico datada de 23/09/2022 (com a refª Citius 21810805), o depoimento da testemunha EE - filho do 2º Réu - (gravado aos minutos 00:04:34.6 a 00:05:32.7), o depoimento da testemunha HH - contabilista da Ré Rolados - (gravado aos minutos 00:09:56.8 a 00:11:23.5, 00:37:29.2 a 00:39:38.8), o documento nº 1 junto com a Contestação (Atas nºs 60, 73,78, 80 e 81 da sociedade Rolados), o alegado nos factos nºs 44º a 47º da Contestação, o Doc. nº 11 (pág. 4) junto com a petição inicial, deve acrescentar-se à matéria assente um facto com o seguinte teor: O valor dos suprimentos efetuados, entre 12 de abril de 2005 e 18 de janeiro de 2011, pelos Pais do Autor e do 2.º Réu à Sociedade Rolados, ora 1ª Ré, ascendem, pelo menos, a 560.000,00€, os quais ainda não foram restituídos; 18ª - Não tendo sido facultadas aos Senhores Peritos a informação e a documentação pelos mesmos consideradas essenciais para responder ao Quesito I da Perícia, nomeadamente “cópia dos extratos contabilísticos das rubricas de suprimentos anteriores a 2012 e desde o seu início”, bem como “cópia dos correspondentes documentos que suportam os registos contabilísticos nestas rubricas”, deverá o ponto 26 dos Factos provados ser alterado, passando a ter a seguinte redação ou semelhante: “Tendo em conta o teor da escritura pública ref. no ponto 19), conclui-se, no relatório pericial, que o valor dos suprimentos titulados em nome de CC ascenderam: no ano de 2012, a € 365.350,00, no ano de 2013 - € 365.350,00, no ano de 2014 - € 300.350,00, no ano de 2015 - € 300.350,00, no ano de 2016 - € 150,175,00, no ano de 2017 - € 150,175,00, no ano de 2018 - € 150,175,00, no ano de 2017 - € 150,175,00; 19ª – Em face da alteração da matéria de facto no sentido proposto, deve ter-se por assente que, ao contrário do decidido na Sentença recorrida, à data da morte dos Pais do Autor, permanecia na Ré Rolados, a título de suprimentos efetuados por aqueles, pelo menos a quantia de 495.000,00€; 20ª - Devendo, pois, a Ré Rolados ser condenada a restituir às heranças de CC e DD a mencionada quantia de 495.000,00€; 21ª - Não decidindo assim, a Sentença recorrida violou, designadamente, o disposto no art.º 444º do CPC e no art.º 342º do Cód. Civil.» * Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. * II. QUESTÕES A DECIDIR Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados nos artigos 635º/4 e 639º/1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importa, no caso, apreciar e decidir, pela ordem lógica, das seguintes questões: • Recurso subordinado interposto pelo A.: - Impugnação da decisão sobre a matéria de facto • Recurso independente/principal interposto pelos RR.: - Restituição à herança, aberta por óbito dos pais do A. e 2º R., do crédito de suprimentos e respectivo prazo de restituição; - Restituição à herança dos lucros da sociedade 1ª R. * III. FUNDAMENTAÇÃO III.1. Factos Factos provados O tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos [transcrição]: 1. A Ré “Rolados – Rolamentos e Acessórios Importados, Lda.”, com o NIPC ..., é uma sociedade comercial por quotas que se dedica ao «comércio de acessórios de automóveis». 2. A sociedade tem o capital social de €49.879,78, o qual, aquando da sua constituição, era composto pelas seguintes quotas: - uma quota no valor nominal de €18.704,92, da titularidade de CC; - uma quota no valor nominal de €18.704,92, da titularidade de DD; - uma quota no valor nominal de €6.234,97, da titularidade de BB; - uma quota no valor nominal de €6.234,97, da titularidade de AA. 3. Todos os sócios foram nomeados gerentes, obrigando-se a sociedade à data «com a assinatura de um dos gerentes CC ou DD ou de dois outros gerentes em conjunto». 4. CC e DD casaram, no estado de solteiros, no dia 15 de Maio de 1947, sob o regime da comunhão geral de bens. 5. BB, nascido a 8 de Março de 1948, e AA, nascido a 27 de Julho de 1952, são filhos de CC e de DD. 6. Por escritura pública de «CESSÃO DE QUOTAS E RENUNCIA» (cuja certidão constitui o Doc. 5 junto com a PI e que aqui se dá por integralmente reproduzida) outorgada no dia 27 de Dezembro de 2011, CC e DD declararam ceder a AA «seu filho por conta da quota disponível» a nua propriedade das quotas de que eram titulares no capital social da “Rolados – Rolamentos e Acessórios Importados, Lda”, reservando para si o «usufruto simultâneo e sucessivo das supra identificadas quotas». 7. CC e DD declararam renunciar nesse mesmo ato à gerência que vinham exercendo na referida sociedade. 8. Durante o período em que foram titulares de quotas no capital social da 1ª R., CC e DD fizeram suprimentos à sociedade. 9. Por escritura pública de «CESSÃO DE QUOTA, RENUNCIA E ALTERAÇÃO DE PACTO» (cuja certidão constitui o Doc. 6 junto com a PI e que aqui se dá por integralmente reproduzida) outorgada no dia 27 de Dezembro de 2011, BB declarou ceder a AA «a quota de valor nominal de seis mil duzentos e trinta e quatro euros e noventa e sete cêntimos, de que» «é titular no capital social da sociedade comercial por quotas com a firma “Rolados – Rolamentos e Acessórios Importados, Ld.ª”». 10. Nesse acto, BB declarou ainda que «em consequência da presente cessão de quota, renuncia à gerência que vinha exercendo na mencionada sociedade “Rolados – Rolamentos e Acessórios Importados, Lda.». 11. No dia 22 de Agosto de 2015 faleceu CC, no estado de casado (com DD). 12. No dia 23/09/2015, foi lavrada uma escritura pública de habilitação, na qual foi declarado por II, JJ e KK, perante notário, que CC faleceu na data referida em 11., no estado civil de casado, sem deixar testamento ou qualquer doação por morte. 13. Mais foi declarado que lhe sucederam como únicos herdeiros: DD, BB e AA. 14. No dia 25 de Junho de 2019 faleceu DD, no estado de viúva. 15. O acervo hereditário dos falecidos CC e DD permanece indiviso. 16. A sociedade “Expertage – Contabilidade e Gestão, Lda”, empresa responsável pela contabilidade da “Rolados – Rolamentos e Acessórios Importados, Ld.ª”, emitiu uma declaração, subscrita por LL, datada de 31 de Maio de 2017, com o seguinte teor: «Na sequência da Vossa solicitação, venho pelo presente informar que o valor dos suprimentos do Senhor CC registados na contabilidade é na presente data €300.350,00 (trezentos mil e trezentos e cinquenta euros)». 17. Nas contas da sociedade apresentadas nos anos indicados infra (no Passivo Corrente na conta designada por “acionistas/sócios”) os seguintes suprimentos: - no ano fiscal de 2012 - €1.169.128,98; - no ano fiscal de 2013 - €1.177.927,90; - no ano fiscal de 2014 - €1.010.106,58; - no ano fiscal de 2015 - €941.141,21; - no ano fiscal de 2016 - €941.176,21; - no ano fiscal de 2017 - €941.176,21. 18. A sociedade “Expertage – Contabilidade e Gestão, Lda.” emitiu uma declaração, igualmente subscrita por LL, datada de 18 de Setembro de 2019, da qual consta o seguinte: «Na sequência da Vossa solicitação, venho pelo presente informar que o valor dos suprimentos do Senhor CC registados na contabilidade é na presente data €300.350,00 (trezentos mil e trezentos e cinquenta euros)». 19. Por escritura pública de «CESSÃO DE SUPRIMENTOS» (cuja certidão constitui o Doc. 18 junto com a PI e que aqui se dá por integralmente reproduzida) outorgada no dia 24 de Junho de 2016, DD declarou ser «titular de um crédito no montante de cento e cinquenta mil cent e setenta e cinco euros (€150.175,00) resultantes de suprimentos efetuados à sociedade comercial por quotas com a firma “ROLADOS – ROLAMENTOS E ACESSÓRIOS IMPORTADOS, LD.ª”, com o número de identificação de pessoa colectiva número 500.235.287, realizados enquanto sócia da mesma.» e «Que, pela presente escritura, doa o mencionado crédito acima identificado ao seu filho, aqui segundo outorgante» (AA) «por conta da quota disponível.»; tendo este (AA) declarado «Que aceita a presente doação nos termos exarados.». 20. Não foi estipulado entre GG e DD e a Ré sociedade prazo de reembolso dos suprimentos efetuados por aqueles e o acordo não foi vertido em documento escrito. 21. Os lucros/lucros da Ré sociedade – referentes ao período de 27/12/2011 a 25/06/2019 – não foram distribuídos em vida de CC e de DD. 22. Desde 27 de Dezembro de 2011, e com referência às declarações de Informação Empresarial Simplificada (IES), a Ré sociedade apresentou os seguintes resultados líquidos – resultados esses que são idênticos aos lucros não distribuídos: - no ano de 2012 - €136.312,87; - no ano de 2013 - €174.987,83; - no ano de 2014 - €120.818,96; - no ano de 2015 - €139.421,72; - no ano de 2016 - €399.961,27; - no ano de 2017 - €400.508,59; - no ano de 2018 - € 303.679,00; - 1.º semestre 2019 - € - 1.205,00. 23. Tais resultados líquidos apurados têm já em consideração a constituição das reservas legais e outras reservas. 24. CC e DD fizeram suprimentos à Ré sociedade, titulados apenas em nome de CC. 25. O valor de € 300.350,00 (trezentos mil e trezentos e cinquenta euros) referido nas declarações ref. em 16. e 18. foi apurado tendo em consideração os documentos da contabilidade. 26. Com base no saldo contabilístico da Ré sociedade (e nos extractos bancários da Ré sociedade referentes a esse período e valorado o teor da escritura pública ref. no ponto 19.), conclui-se, no relatório pericial, que o valor dos suprimentos titulados em nome de CC ascenderam: - no ano de 2012, a € 365.350,00; - no ano de 2013 - € 365.350,00; - no ano de 2014 - € 300.350,00; - no ano de 2015 - € 300.350,00; - no ano de 2016 - € 150.175,00; - no ano de 2017 - € 150.175,00; - no ano de 2018 - € 150.175,00; e - no ano de 2017 - € 150.175,00. 27. Em Novembro de 2014, foi restituída a CC a quantia total de € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros). 28. O valor de suprimentos que é apresentado na rubrica “Passivo Corrente na conta designada por “accionistas/sócios” (e ref. no ponto 17.) inclui o valor total de suprimentos, realizados pelos sócios melhor identificados no ponto 29. 29. Os suprimentos ref. no ponto 17. foram feitos pelos sócios CC ou DD e pelo sócio AA, através de cheque ou de transferência bancária. 30. Houve diversos compromissos que a Ré sociedade teve de liquidar, designadamente no período de 2005, ano em que a empresa passou por dificuldades. 31. O esforço financeiro foi de todos os sócios, salvo por parte do Autor, para salvar a empresa. 32. O autor BB recebeu vencimento por parte da Ré sociedade, em valor aproximado de € 3.000,00/mês, sem contra-prestação de trabalho, até Maio de 2010. 33. Entre 2012 e 2017, a única declaração IES que foi substituída foi a referente ao ano de 2014. 34. A IES de 2015 foi apresentada no mês de Julho de 2016. 35. A Ré sociedade é uma empresa de cariz familiar, constituída em 1956. 36. Entre 1996 e 2010, os sócios da 1.ª Ré sempre deliberaram no sentido da permanência dos resultados do exercício anterior na rubrica de #Resultados Transitados. 37. Após 2010, continuou a deliberar-se anualmente no sentido da permanência dos resultados do exercício anterior na rubrica de #Resultados Transitados, sendo que, por aplicação do Método da Equivalência Patrimonial, os lucros reflectidos correspondiam a lucros não distribuídos. 38. Reflectia-se na contabilidade da Ré sociedade o resultado líquido obtido pela sua participada, equivalente à percentagem de capital social de 58,33% detido nesta, “RTS MAIS – Comércio de Produtos e Serviços para a Indústria, SA”. 39. Nos períodos compreendidos entre 2012 e 2020, não foram distribuídos quaisquer lucros pela sociedade “RTS Mais, S.A.” à sociedade participante “Rolados, Ld.ª”. 40. Na “Rolados – Rolamentos e Acessórios Importados, Ld.ª”, entre 27/01/2012 e 25/06/2019, sempre se deliberou pela não distribuição de lucros, designadamente por a sua participada (RTS MAIS) também não distribuir lucros. 41. Nessa medida, entre 2012 e 2020, a Ré sociedade não dispôs de resultados disponíveis para distribuição de lucros. Matéria de facto não provada O tribunal de 1ª instância consignou que: a) A Ré sociedade tem disponibilidade de tesouraria, tendo nos referidos anos, em caixa e depósitos bancários, as seguintes quantias: 2012 - 363,82 € 2013 - 50.954,41 € 2014 - 7.610,70 € 2015 - 56.950,20 2016 - 175.843,38 € 2017 - 175.393,42 €. b) A Ré sociedade nunca distribuiu lucros aos sócios. c) A empresa tem um défice financeiro. Não se provou ainda que: d) O valor dos suprimentos efectuados pelos pais de Autor e Réu ascenderam a € 560.000,00, entre 12 de Abril de 2005 e 18 de Janeiro de 2011. * III.2. Mérito do recurso III.2.1. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto Em sede do recurso subordinado interposto pelo autor no tocante ao segmento correspondente à alínea d) da decisão (no qual se condena a Ré Rolados – Rolamentos e Acessórios Importados Lda a restituir às heranças de CC e de DD apenas a quantia de 300.350,00 € a título de suprimentos), veio o mesmo impugnar a matéria de facto. Nos termos do disposto no art. 662º/1 do Cód. Proc. Civil, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Dispõe, por sua vez, o art. 640º/1 do Cód. Proc. Civil que: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: “a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.” Resultando do corpo das alegações de recurso e respectivas conclusões que o recorrente deu cumprimento aos ónus impostos pelo art. 640º do CPC, importa apreciar a impugnação da matéria de facto, analisando cada um dos factos postos em crise. O autor impugna os seguintes pontos do acervo factual: - Alínea d) dos factos não provados: “O valor dos suprimentos efectuados pelos pais de Autor e Réu ascenderam a € 560.000,00 entre 12 de Abril de 2005 e 18 de Janeiro de 2011”. Insurge-se o apelante contra a valoração dos documentos juntos com o requerimento apresentado em 12/7/24 (refª citius 26021333), referindo que o tribunal a quo decidiu dar o facto em apreço como não provado por entender não valorar os cheques que o autor juntou com o mencionado requerimento, os quais comprovam que os pais do A. fizeram suprimentos à Ré Rolados no valor de, pelo menos, 560.000,00€. Diz o apelante que: - Ao contrário do que entendeu o tribunal recorrido, incumbia aos réus e não ao autor a prova de que a cópia dos cheques correspondia ao original. - Apesar de os réus terem impugnado a letra e a assinatura dos documentos juntos com o requerimento de 12/07/2024 (com a refª citius 26021333), o autor logrou fazer prova de que os mesmos foram assinados pelos seus pais, CC e DD. - Os sócios fizeram suprimentos à sociedade Rolados, ora 1.ª Ré, através de cheques, sendo que tais suprimentos realizados pelos pais do autor foram em valor superior a €1.000.000,00, como resulta da prova por depoimento de parte do autor e do depoimento da sua cônjuge (a testemunha FF), que relataram uma conversa ocorrida, nas termas de ..., entre eles e a mãe e o pai do autor e do 2.º réu, respectivamente DD e GG, cerca de dois meses antes do falecimento deste último (em 2015). - O Tribunal atribuiu credibilidade a tais depoimentos, apenas não tendo dado inteiramente por provado o neles afirmado (ou seja, que dois meses antes do óbito do Pai do Autor e do 2.º Réu ainda existiam suprimentos na 2.ª Ré, realizados pelos Pais do Autor, de valor superior a 1.000.000,00€) por – ao que parece – o Relatório Pericial não ter concluído nesse sentido. - O que sai reafirmado quando conjugado com o teor do Facto Provado nº 17. Isto é, que nas contas da sociedade 1.ª Ré, no ano fiscal de 2012, estavam registados suprimentos de valor superior a 1.000.000,00€ (“€1.169.128,98”). - Por isso, nenhuma razão válida existia para duvidar de que as assinaturas apostas nos cheques juntos aos autos com o requerimento de 12/07/2024 (com a ref.ª Citius 26021333) são dos pais do autor e do 2.º réu (nomeadamente que o Pai, GG, apôs a sua assinatura em todos os cheques juntos – cfr. Docs. n.ºs 2 a 27 - e que a Mãe também apôs a sua assinatura no cheque junto como Doc. nº 2). Em causa está a valoração que o tribunal recorrido fez dos documentos juntos com o requerimento apresentado pelo A. em 12/7/24, que constituem cópias de cheques emitidos à ordem dos RR. Ora, tais documentos, que, repete-se, são meras cópias, foram expressamente impugnados pelos RR., nos termos do art. 444º do Código de Processo Civil O tribunal a quo apresentou a seguinte motivação quanto à alínea d) dos factos não provados: «Por sua vez, o Tribunal não pôde considerar provada a factualidade elencada na alínea d), referente a um alegado valor total dos suprimentos efectuados pelos pais do Autor e do 2.º Réu, considerando o que resultou do relatório elaborado no âmbito dos presentes autos e uma vez que as cópias dos cheques carreadas para o processo (cfr. documentação junta com o requerimento de 12/07/2024) foram expressamente impugnadas nos termos do artigo 444.º do Código de Processo Civil, sem que a parte que as apresentou tenha logrado fazer prova da sua genuinidade. Nessa conformidade, e por não se ter valorado tal documentação, o Tribunal limitou-se a dar como provado, no que respeita a suprimentos efectuados à Ré sociedade, o que se acha vertido nos pontos 8., 17., 24. a 29., sem prejuízo do consignado nos pontos 16. e 18. A este título, importa ainda esclarecer que as declarações prestadas em audiência de julgamento pela testemunha FF (e pelo próprio Autor) relativamente à conversa tida entre GG e DD e o Autor e a mulher deste (a ref. testemunha) [nas Termas onde todos se encontravam, cerca de dois meses antes do falecimento de GG (e no âmbito da qual aqueles terão referido que o valor total de suprimentos efectuados à empresa ascendia a 210 mil escudos)] apenas podem ser valoradas no sentido de ter criado a convicção – no Tribunal – que os suprimentos efectuados por aqueles foram avultados mas já não no sentido de considerar assente que o valor de suprimentos ainda existente na empresa ascenderão a valor superior ao concluído no relatório pericial ou ao valor feito constar na alínea d)-A) da matéria dada como não provada.)» De tal fundamentação extrai-se que o tribunal se estribou no relatório pericial junto aos autos (datado de 22/9/22) e considerou que o A., na sequência da impugnação dos documentos juntos com o requerimento de 12/7/24, não logrou fazer prova da sua genuinidade, nos termos do art. 444º do Código de Processo Civil. Mais, o tribunal considerou que a referida conversa mantida em 2015 entre ao pais do A. e 2º R. e estes não permite dar como assente que o valor dos suprimentos feitos por aqueles à sociedade 1ª R. ascende a valor superior ao determinado no relatório pericial e concretamente ao valor indicado pelos RR. e vertido no facto não provado d). Nenhuma censura nos merece a análise efectuada pela 1ª instância. Em primeiro lugar, os RR impugnaram a letra e assinatura das cópias de cheques que constituem os documentos nºs 2 a 25 juntos com o requerimento de 12/7/24, não tendo o A. logrado fazer prova da sua genuinidade. Em segundo lugar, o declarado pelo A. e pela sua cônjuge (testemunha FF) não é, seguramente, prova bastante de que os pais do A. efectuaram suprimentos à sociedade 1ª R., entre 12 de Abril de 2005 e 18 de Janeiro de 2011), no valor indicado pelos RR. (€560 000). Acresce que o tribunal valorou o relatório pericial, embora a resposta ao quesito I tenha sido condicionada atenta a falta de informação adicional (elementos contabilísticos das rubricas de suprimentos) solicitada pelos peritos e não apresentada. Da conjugação dos meios de prova produzidos resulta não ter sido feita prova, que ao A. incumbia (art. 342º/1 do Código Civil), do que alegou no requerimento de 12/7/24, não podendo extrair-se, só por si, dos documentos juntos que os mesmos respeitam a movimentos a débito e a crédito relacionados com suprimentos. Em conclusão, improcede este ponto do recurso, mantendo-se como não provada a matéria da alínea d). - Aditamento aos factos provados de um facto com o seguinte teor: “O valor dos suprimentos efetuados, entre 12 de abril de 2005 e 18 de janeiro de 2011, pelos Pais do Autor e do 2.º Réu à sociedade Rolados, ora 1.ª Ré, ascendem, pelo menos, a 560.000,00€, os quais ainda não foram restituídos”. Em face da improcedência da impugnação da al. d) do acervo não provado, é forçoso concluir pela improcedência deste ponto do recurso, dele dependente. - Alteração da redacção do facto provado nº 26 O apelante considera que foi indevidamente incluído no facto provado 26 que os valores dos suprimentos apresentados no relatório pericial foram apurados “com base no saldo contabilístico da Ré sociedade (e nos extratos bancários da Ré sociedade referente a esse período)”. Conclui que deve o facto provado 26 passar a ter a seguinte redação (ou outra semelhante): “Tendo em conta o teor da escritura pública ref. no ponto 19), conclui-se, no relatório pericial, que os valores dos suprimentos titulados em nome de CC ascenderam: - no ano de 2012, a € 365.350,00; - no ano de 2013 - € 365.350,00; - no ano de 2014 - € 300.350,00; - no ano de 2015 - € 300.350,00; - no ano de 2016 - € 150,175,00; - no ano de 2017 - € 150,175,00; - no ano de 2018 - € 150,175,00; e - no ano de 2017 - € 150,175,00.” A alteração pretendida na redacção do facto 26 respeita apenas à parte inicial do facto, mantendo-se o conteúdo essencial relativo aos valores dos suprimentos titulados em nome de CC (pai do A. e 2º R), sendo que a parte inicial do facto se reporta aos elementos que serviram de base ao juízo contido no relatório pericial, matéria que é conclusiva e deve ser expurgada do facto, na medida em que apenas releva para efeitos da sua motivação. Donde, deverá alterar-se o facto 26, não no sentido requerido, mas simplesmente eliminando a sua parte inicial, de cariz conclusivo: “Com base no saldo contabilístico da Ré sociedade (e nos extractos bancários da Ré sociedade referente a esse período e valorado o teor da escritura pública referido em 19).” Assim, o facto 26 passará a ter a seguinte redacção: “Consta do relatório pericial que os valores dos suprimentos titulados em nome de CC ascenderam: - no ano de 2012, a € 365.350,00; - no ano de 2013 - € 365.350,00; - no ano de 2014 - € 300.350,00; - no ano de 2015 - € 300.350,00; - no ano de 2016 - € 150,175,00; - no ano de 2017 - € 150,175,00; - no ano de 2018 - € 150,175,00; e - no ano de 2017 - € 150,175,00.” Pelo exposto, improcede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, mantendo-se a factualidade dada como provada e não provada na sentença, com excepção da redacção do facto provado 26, que se altera nos termos supra determinados. * III.2.2. Apreciação jurídica Recurso independente/principal dos RR. Os réus/apelantes, cujo recurso incide apenas sobre matéria de direito, recorrem do segmento da sentença (alíneas c), d) e e) do dispositivo da sentença), que condenou: • «os Réus a reconhecer que os suprimentos efectuados, em vida, por CC e DD, à Ré sociedade fazem parte do acervo hereditário de ambos; • A Ré “Rolados – Rolamentos e Acessórios Importados, Lda.”, a restituir às referidas heranças os suprimentos no valor de € 300.350,00 (trezentos mil e trezentos e cinquenta euros), no prazo de cinco meses; • A Ré “Rolados – Rolamentos e Acessórios Importados, Lda.” a restituir às referidas heranças os lucros relativos aos anos de 2012 a 2018, que perfazem o valor total de €1.256.767,45 (um milhão, duzentos e cinquenta e seis mil e setecentos e sessenta e sete euros e quarenta e cinco cêntimos) [€ 102.234,65 (2012); € 131.240,87 (2013); € 90.614,00 (2014); € 104.566,29 (2015); € 299.970,95 (2016); € 300.381,44 (2017); € 227.759,25 (2018)], quando forem realizados.” Não é posta em crise a decisão recorrida na parte em que condena os réus a reconhecer o autor como herdeiro de CC e DD (pais do autor e do 2º réu), assim como a reconhecer o autor como cabeça de casal da herança aberta por óbito daqueles. A presente acção, enquanto acção de petição de herança (art. 2075º do C. Civil), tem como pedidos típicos o reconhecimento da qualidade de herdeiro, e a restituição de bens da herança. A sua causa de pedir é complexa, sendo integrada pelos seguintes elementos: - que o autor seja herdeiro do de cujus; - que o bem peticionado faça parte da herança do de cujus – e que o réu possua o bem peticionado (v. acórdão do TRP de 11/10/22, P. 973/18.7T8MTS.P1, relator Anabela da Silva). A questão a dirimir consiste em saber se o direito de crédito de suprimentos efectuados em vida pelos falecidos CC e DD e os lucros da sociedade 2ª R., relativos aos anos de 2012 a 2018, devem ou não ser restituídos à/s herança/s. Advogam, por um lado, os recorrentes que o direito de crédito aos suprimentos de CC e de DD integrou o direito de usufruto constituído a favor de cada um destes, considerando que os suprimentos efectuados por aqueles à sociedade não foram transmitidos ao proprietário de raiz AA, ora 2.º réu e recorrente. Por outro lado, os apelantes criticam o entendimento do tribunal a quo no que respeita à (in)validade da cessão de suprimentos a que se reporta o facto provado 19 [“Por escritura pública de «CESSÃO DE SUPRIMENTOS» (cuja certidão constitui o Doc. 18 junto com a PI e que aqui se dá por integralmente reproduzida) outorgada no dia 24 de Junho de 2016, DD declarou ser «titular de um crédito no montante de cento e cinquenta mil cent e setenta e cinco euros (€150.175,00) resultantes de suprimentos efetuados à sociedade comercial por quotas com a firma “ROLADOS – ROLAMENTOS E ACESSÓRIOS IMPORTADOS, LD.ª”, com o número de identificação de pessoa colectiva número 500.235.287, realizados enquanto sócia da mesma.» e «Que, pela presente escritura, doa o mencionado crédito acima identificado ao seu filho, aqui segundo outorgante» (AA) «por conta da quota disponível.»; tendo este (AA) declarado «Que aceita a presente doação nos termos exarados.».]. Sustentam que «DD dispôs, enquanto usufrutuária, do valor de suprimentos que lhe cabia, por ser bem próprio da mesma, não “atacando” o valor dos suprimentos que eram bem próprio do marido CC e que fariam parte da herança aberta por óbito deste.». Concluindo que “ (…) o direito de usufruto das quotas (que inclui os suprimentos) constitui um bem próprio da mãe DD, por aplicação da alínea c) do n.º 1 do artigo 1733.º do Código Civil, prevista para o regime da comunhão geral de bens.” Subsidiariamente, para o caso de se entender que os suprimentos realizados em vida dos então sócios integravam o património comum do casal, referem que “Ainda assim, DD como cônjuge meeira, decorrente da aplicação do n.º 1 do art. 1730.º do CC, sempre teria legitimidade para dispôr, por doação ou deixa por conta da sua meação nos bens comuns, nos termos permitidos por lei, a sua metade a favor de terceiro, conforme prevê o n.º 2 do mesmo normativo, ex vi art. 1734.º do CC.” O tribunal recorrido procedeu ao enquadramento jurídico da matéria dos suprimentos (cf. art. 243º do Código das Sociedade Comerciais), considerando que: “Na situação sub judice, sabe-se que, durante o período em que foram titulares de quotas no capital social da Ré Sociedade, CC e DD fizeram suprimentos à sociedade, titulados apenas em nome de CC, sendo que se pode efectivamente concluir in casu, tal como reconhecem as partes nos respectivos articulados – com as cessões de quotas realizadas pelos pais a AA (e ref. no 6. dos Factos Assentes) os ref. suprimentos não foram cedidos, ou seja, os suprimentos efectuados pelos pais das aqui partes (autor e réu) não foram cedidos em conjunto com a nua propriedade das referidas quotas. (…) No caso em análise, não resultando do negócio de cessão de quotas que o crédito de suprimentos dos pais de Autor e Réu tivesse sido também transmitido juntamente com as quotas (cfr. ponto 6. dos Factos Provados), conclui-se que CC e DD continuaram a ser titulares do direito de crédito aos suprimentos, independentemente de terem deixado de ser sócios da Ré sociedade.» Subscrevemos a posição sustentada na sentença segundo a qual, não havendo disposição em contrário no contrato de cessão de quotas, os suprimentos não foram cedidos. Tal, aliás, corresponde ao que foi sustentado por ambas as partes nos seus articulados, incluindo na contestação, pese embora, em sede de recurso, os RR. venham defender que o direito de crédito dos suprimentos integrou o usufruto constituído a favor dos pais do A. e 2º R aquando da cessão da nua propriedade das quotas sociais. Importa aqui convocar a matéria de facto mais relevante a considerar na análise deste segmento recursório: • Por escritura pública de «CESSÃO DE QUOTAS E RENUNCIA» (cuja certidão constitui o Doc. 5 junto com a PI e que aqui se dá por integralmente reproduzida) outorgada no dia 27 de Dezembro de 2011, CC e DD declararam ceder a AA «seu filho por conta da quota disponível» a nua propriedade das quotas de que eram titulares no capital social da “Rolados – Rolamentos e Acessórios Importados, Lda”, reservando para si o «usufruto simultâneo e sucessivo das supra identificadas quotas». – facto provado 6 • Durante o período em que foram titulares de quotas no capital social da 1ª R., CC e DD fizeram suprimentos à sociedade. – facto provado 8 • Por escritura pública de «CESSÃO DE QUOTA, RENUNCIA E ALTERAÇÃO DE PACTO» (cuja certidão constitui o Doc. 6 junto com a PI e que aqui se dá por integralmente reproduzida) outorgada no dia 27 de Dezembro de 2011, BB declarou ceder a AA «a quota de valor nominal de seis mil duzentos e trinta e quatro euros e noventa e sete cêntimos, de que» «é titular no capital social da sociedade comercial por quotas com a firma “Rolados – Rolamentos e Acessórios Importados, Ld.ª”». – facto provado 9 • No dia 22 de Agosto de 2015 faleceu CC, no estado de casado (com DD) - facto provado 11 • No dia 25 de Junho de 2019 faleceu DD, no estado de viúva. – facto provado 14 • O acervo hereditário dos falecidos CC e DD permanece indiviso – facto provado 15 • Por escritura pública de «CESSÃO DE SUPRIMENTOS» (cuja certidão constitui o Doc. 18 junto com a PI e que aqui se dá por integralmente reproduzida) outorgada no dia 24 de Junho de 2016, DD declarou ser «titular de um crédito no montante de cento e cinquenta mil cent e setenta e cinco euros (€150.175,00) resultantes de suprimentos efetuados à sociedade comercial por quotas com a firma “ROLADOS – ROLAMENTOS E ACESSÓRIOS IMPORTADOS, LD.ª”, com o número de identificação de pessoa colectiva número 500.235.287, realizados enquanto sócia da mesma.» e «Que, pela presente escritura, doa o mencionado crédito acima identificado ao seu filho, aqui segundo outorgante» (AA) «por conta da quota disponível.»; tendo este (AA) declarado «Que aceita a presente doação nos termos exarados.». – facto provado 19 Conforme foi entendido na sentença, entendemos que de tal acervo factual não podemos extrair que os suprimentos à sociedade 1ª R. (“Rolados – Rolamentos e Acessórios Importados, Lda”), efectuados pelos pais dos ora A. e 2º R., foram transmitidos com a cessão da nua propriedade das quotas sociais de que eram titulares. Assim sendo, os mesmos continuaram a ser titulares dos direitos de crédito aos suprimentos. Como sumariado no acórdão do TRP de 22/3/2012, (citado na sentença recorrida), P. 2207/08.3TBPNF.P1, relator Leonel Serôdio, acessível em www.dgsi.pt, «O crédito de suprimentos é cindível da participação social e, por isso, a cedência pelo sócio credor da sua quota não implica, só por si, a cessão do crédito de suprimentos de que seja titular perante a sociedade para o adquirente da quota.» Pode ler-se na fundamentação do citado acórdão que: «O suprimento corresponde a um especial envolvimento do sócio no financiamento da sociedade. Mas esta conexão entre o sócio e o suprimento, não significa como pretende o Apelante que o suprimento não tenha autonomia, ou seja, que não possa ser transmitido autonomamente quando o sócio credor cede a sua quota. Como escreve Raul Ventura, Sociedade por Quotas, vol. II, pág. 135 “a transmissão da quota por morte ou entre vivos, não é necessariamente acompanhada pela transmissão dos créditos de suprimentos de que o sócio cedente era titular. Nada impede, quanto à sucessão mortis causa ou cessão entre vivos, que a quota e os suprimentos sejam transmitidos a pessoas diversas, bem como na cessão entre vivos pode o cedente da quota manter o crédito por suprimentos. Assim, é questão de interpretação de testamento e contratos de cessão determinar se são ou não transmitidos simultaneamente quota e crédito de suprimentos.» Na mesma linha, pronunciou-se o acórdão do TRL de 11/4/24, P. 1047/21.9T8PDL.L1-6, relator João Brasão (in www.dgsi.pt), em cujo sumário se escreveu: “A transmissão da quota em sociedade comercial, não importa, automaticamente, a transmissão de todo e qualquer direito de crédito relacionado com suprimentos que o sócio cedente detenha sobre a sociedade; - A quota corresponde ao conjunto de direitos e deveres inerentes ao vínculo social e, embora o suprimento feito à sociedade, esteja relacionado com ele, não integra a participação social e é dele cindível; - Não resultando do negócio de cessão de quota que o crédito de suprimentos tivesse sido também transmitido, este continua na titularidade do cedente, independentemente de ter deixado de ser sócio da sociedade.” No texto do mencionado aresto, esclarece-se que: «A cessão de quotas, como acto voluntário transmissivo da respetiva titularidade, não é, por regra, acompanhada da transmissão de quaisquer direitos de que o cedente seja titular (artigo 228º do CSC). A quota corresponde ao conjunto de direitos e deveres inerentes ao vínculo social e, embora o suprimento feito à sociedade, esteja relacionado com ele, não integra a participação social e é dele cindível (com este entendimento, o já citado acórdão Tribunal da Relação do Porto de 22-03-2012). Assim, no caso em apreço, não resultando do negócio de cessão de quota que o crédito de suprimentos dos autores tivesse sido também transmitido-cfr. ponto 7 da factualidade, com o teor das declarações negociais-, estes continuam a ser titulares do direito de crédito aos suprimentos, independentemente de o autor-marido ter deixado de ser sócio da sociedade recorrida.» Em suma, entendemos, como considerou a 1ª instância, que os suprimentos feitos à sociedade não integram a participação social nesta, sendo dela cindíveis e que a cessão das quotas sociais (v.g. da nua propriedade) não implicou a transmissão dos direitos de crédito aos suprimentos. Por conseguinte, rejeitamos a posição dos apelantes de que o direito de crédito aos suprimentos de CC e de DD integrou o direito de usufruto constituído a favor de cada um destes. No que concerne à questão da (in)validade da cessão de suprimentos referida no facto provado 19, o tribunal recorrido apreciou-a nos seguintes termos: «Está assente, nos autos, que CC e DD casaram, no estado civil de solteiros, no dia 15 de Maio de 1947, sob o regime da comunhão geral de bens; tendo CC falecido no dia 22 de Agosto de 2015, no estado de casado com DD. Por sua vez, esta faleceu no dia 25 de Junho de 2019, no estado de viúva (cfr. pontos 4., 11. e 14. dos Factos Provados). Consagra o artigo 1732.º do Código Civil que «Se o regime de bens adotado pelos cônjuges for o da comunhão geral, o património comum é constituído por todos os bens presentes e futuros dos cônjuges, que não sejam excetuados por lei». Nessa conformidade, os montantes emprestados à Ré sociedade – empresa de cariz familiar, constituída em 1956 (cfr. ponto 35. dos Factos Provados; ou seja, após os pais de Autor e Réu se terem casado) – por CC e/ou DD, ainda que só titulados por aquele, constituíam bens comum do casal (fora que estão das exclusões previstas no artigo 1733.º do Código Civil). Falecendo uma pessoa na situação de casada no regime de comunhão geral de bens, o cônjuge sobrevivo tem direito à sua meação nos bens comuns do casal, nos termos dos artigos 1732.º, 1730.º, n. 1, ex vi do artigo 1734.º, todos do Código Civil. Para além disso, tem direito, não havendo testamento, ao que no remanescente, que constitui a herança, corresponder ao seu quinhão como herdeiro, ao abrigo do artigo 2133, n.1, do Código Civil. Como é sabido, «a comunhão conjugal não significa a existência de uma situação de compropriedade sobre os bens comuns, com quotas ideais de cada um dos cônjuges sobre cada um dos bens em causa. Diversamente, participam por metade no activo e no passivo da comunhão, globalmente considerados e daí a imposição da partilha após o divórcio.» (cfr. Sumário de Ac. do STJ de 15/02/1998, disponível in www.dgsi.pt). O património comum dos cônjuges constitui uma massa patrimonial que pertence aos dois cônjuges, em bloco, sendo ambos titulares de um único direito sobre ela. «Os bens comuns dos cônjuges constituem objecto não duma relação de compropriedade - mas duma propriedade colectiva ou de mão comum. Cada um dos cônjuges tem uma posição jurídica em face do património comum, posição que a lei tutela. Cada um dos cônjuges tem, segundo a expressão da própria lei, um direito à meação, um verdadeiro direito de quota, que exprime a medida de divisão e que virá a realizar-se no momento em que esta deva ter lugar.» (cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 8/11/2001, disponível in www.dgsi.pt). Conforme bem se explana no Acordão de 11/01/2024 (disponível in www.dgsi.pt) «é necessário esclarecer que a comunhão conjugal de bens e a compropriedade são contitularidades de natureza distinta. “A comunhão de bens corresponde a uma contitularidade de mão comum ou uma comunhão germânica. Enquanto a compropriedade tem na base uma pluralidade de direitos da mesma espécie que recaem sobre o mesmo bem, os sujeitos da comunhão conjugal são titulares de um único direito sobre o chamado bem comum. (…) Cada cônjuge tem necessariamente uma quota na comunhão que é designada por meação nos bens comuns (cf., nomeadamente, as referências nos artºs 1685º nº 1, 1689º nº 1 e 1730º nº 2). O que confere à comunhão conjugal a natureza de contitularidade de mão comum é antes o regime da respectiva quota. Ao contrário da quota na compropriedade (art.º 1408º nº 1) um cônjuge não pode dispor válida e eficazmente da sua meação nos bens comuns enquanto não cessar a própria comunhão patrimonial nos termos que a lei prevê. (…) A comunhão conjugal demarca-se ainda da compropriedade em outros aspectos. As quotas na comunhão conjugal são idênticas (50-50): os sujeitos participam por metade no património comum, sendo nula qualquer estipulação em sentido diverso (art.º 1730º nº 1). Na compropriedade os direitos dos consortes podem ser quantitativamente diferentes. (Jorge Duarte Pinheiro, Direito da Família Contemporâneo, 4ª edição, 2013, AAFDL, págs. 517 e seg.). Na hipótese de o casamento se dissolver por morte de um dos cônjuges, vigorando o regime da comunhão geral, o cônjuge sobrevivo será simultaneamente meeiro dos bens comuns do casal e herdeiro da meação e dos bens próprios do falecido. (Jorge Duarte Pinheiro, Direito da Família…, cit., pág. 519). Com o óbito de um dos cônjuges, cessam as relações patrimoniais entre eles, terminando a comunhão matrimonial de bens. E, enquanto não ocorrer a partilha, os bens que antes integravam o património comum continuarão em contitularidade, mas a contitularidade não será já a de mão comum ou de tipo germânico. Passou-se a uma contitularidade de tipo romano. A natureza da nova contitularidade aproxima-se da indivisão hereditária: a cessação da indivisão faz-se através da partilha (e não de divisão de coisa comum). (Jorge Duarte Pinheiro, Direito da Família…cit., pág. 583).». Revertendo esses ensinamentos para o caso vertente importa, desde logo, concluir que, ao contrário do que declarou a 24 de Junho de 2016, DD não era titular de um crédito no montante de € 150.175,00, já que, sem prejuízo da sua qualidade de herdeira, era meeira dos bens comuns do casal, não sendo titular de bens ou direitos concretos, já que à data ainda não havia ocorrido qualquer partilha. Apenas com a partilha seria – ou se teria por – preenchida a meação e na respectiva quota-parte. DD dispôs de um «direito de crédito no montante de cento e cinquenta mil cento…» que ainda não lhe havia sido adjudicado, ou seja, dispôs de algo que ainda não tinha entrado na sua esfera jurídica (direito a um crédito concreto e já dividido), já que o seu direito recaia apenas sobre os bens comuns do casal e ainda indivisíveis (não partilhados). Repetindo o que no aresto supra referenciado se escreveu, um cônjuge não pode dispor válida e eficazmente da sua meação nos bens comuns enquanto não cessar a própria comunhão patrimonial nos termos que a lei prevê. Dispõe o n.º 1 do artigo 280.º do Código Civil que é «nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável», assim definindo, segundo a sua própria epígrafe, os requisitos do objeto negocial. Segundo Pires de Lima e Antunes Varela (cfr. “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4.ª Ed., p. 258), é «fisicamente impossível o objecto do negócio que envolve uma prestação impossível no domínio dos factos: entregar a lua, transportar uma pessoa de um lugar para outro a uma velocidade que os meios de transporte estejam longe de ter atingido na altura da execução do contrato» e é «legalmente impossível, por ex., o objecto da promessa de celebração de um contrato que o direito não consente, da promessa de venda de uma coisa do domínio público». Mota Pinto distinguia entre o objecto imediato ou conteúdo (efeitos jurídicos a que o negócio tende) e o objecto mediato ou stricto sensu (consistente no quid sobre que incidem os efeitos do negócio), sustentando que o artigo 280.º do Código Civil utilizava a expressão objecto negocial num sentido complexivo, abrangendo quer o conteúdo ou efeitos jurídicos do negócio, quer o objecto propriamente dito, ou em sentido estrito – sobre inexistência de elementos essenciais dos negócios jurídicos e exigências positivas codificadas do objeto negocial (cfr. Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, Lda, 3.ª edição atualizada, 1988, pp. 383-384, 547- 551, 608-610). Por sua vez, António Menezes Cordeiro (cfr. “Tratado de Direito Civil Português”, I, Parte Geral, Tomo I, 2.ª Ed., pp. 479 e ss.), depois de especificar que o artigo 280.º do Código Civil estatui sobre o conteúdo e o objecto, propriamente dito, do negócio, defende que «o conteúdo do negócio jurídico deve articular soluções possíveis, quer num prisma físico, quer num prisma jurídico». Em termos físicos, haverá impossibilidade quando o negócio se reporte a uma coisa inexistente ou inalcançável pelas partes: haverá, ainda, impossibilidade quando o negócio se reporte a uma actuação humana que não possa, objectiva e absolutamente ser levada a cabo. Em termos jurídicos, a impossibilidade ocorre quando o objecto se analise num efeito jurídico não permitido. A possibilidade será «física ou jurídica consoante o objecto contenda, ontologicamente, com a natureza das coisas ou com o Direito». Assim, e salvo melhor entendimento, afigura-se-nos estar-se perante um objecto negocial inexistente/impossível em termos jurídicos ou, se quisermos, contrário à lei, porque violador de normas imperativas e respeitantes ao património comum do casal (e à subsequente cessação das relações patrimoniais, por óbito de um dos cônjuges – cfr., além do mais, artigo 1730.º do Código Civil). Estabelece o artigo 286.º do Código Civil que «A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal.». De acordo com o estatuído no artigo 289.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, «Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.». Em suma, e no que aos suprimentos concerne, considerando que: - a sucessão é aberta no momento do falecimento do titular dos bens e que, com a abertura da sucessão, os bens deixados pelo falecido passa(ra)m a compor a herança indivisa dos falecidos (deixando de ser jacente, a partir do momento em que é aceite pelos herdeiros, cfr. artigo 2046.º do Código Civil); - CC faleceu no dia 22/08/2015, data em que os suprimentos do casal ascendiam – face à matéria dada como provada – a € 300.350,00; - o negócio jurídico melhor referenciado no ponto 19. dos Factos Provados é nulo, o que se declara, com os efeitos jurídicos previstos no citado artigo 289.º do Código Civil; - o óbito de DD ocorreu no dia 25/06/2019; importa concluir que o valor a incluir na herança indivisa por morte de CC e de DD (e a partilhar pelos seus herdeiros legítimos – Autor e Réu) corresponde a € 300.350,00 (trezentos mil e trezentos e cinquenta euros).» - realces nossos Concordamos inteiramente com o entendimento do tribunal a quo. Conforme foi (bem) explicitado na sentença, é inegável que na comunhão conjugal de bens, existe um único direito sobre o património comum, não havendo uma divisão de quotas ideais pertencentes a cada um dos cônjuges, porquanto esse património pertence em bloco a ambos, tratando-se de uma propriedade colectiva do casal. Os cônjuges são titulares de um único direito e de um direito uno - v. Código Civil Anotado, Pires de Lima e Antunes Varela, Coimbra Ed., 2ª ed., vol. IV pág. 437. Em anotação ao art. 1730º do Código Civil (preceito convocado pelos recorrentes, embora numa interpretação incorrecta), esclarecem os mesmos autores: «Quando, por conseguinte, no art. 1730º se prescreve que os cônjuges participam por metade no activo e passivo da comunhão, tem-se especialmente em vista fixar a quota parte a que cada um deles terá direito no momento da dissolução e partilha do património comum. Não se pretende, de modo nenhum, (tal como sucede no art. 1405º, 1 relativamente à compropriedade), definir o objecto do direito de cada cônjuge na constância do matrimónio.» A questão em discussão respeita à validade da cessão de suprimentos efectuada por DD a favor do filho AA (2ª R), em que aquela declarou doar a este, por conta da quota disponível, um crédito de que declarou ser titular no montante de €150 175, resultante de suprimentos efectuados à 1ª R. (facto provado 19). Estribando-se no art. 280º do Código Civil, o tribunal concluiu pela nulidade de tal negócio jurídico, considerando que DD não era titular daquele crédito, «já que, sem prejuízo da sua qualidade de herdeira, era meeira dos bens comuns do casal, não sendo titular de bens ou direitos concretos, já que à data ainda não havia ocorrido qualquer partilha. Apenas com a partilha seria – ou se teria por - preenchida a meação e na respectiva quota parte.» Nenhuma censura merece este entendimento. Na verdade, a mãe do A. e 2º R, na constância do seu casamento (celebrado segundo o regime da comunhão geral de bens), não podia dispor da sua meação nos bens comuns nos termos constantes da escritura referida no facto provado 19, sendo o direito de crédito de suprimentos à sociedade um bem comum, sendo de notar que tal não se confunde com a previsão do art. 1685º (faculdade de cada cônjuge dispor para depois da morte dos bens próprios ou da sua meação nos bens comuns). Não colhe, pois, a argumentação dos apelantes de que o direito de usufruto das quotas - que, como vimos não inclui os suprimentos - constitui um bem próprio da mãe DD, por aplicação da alínea c) do n.º 1 do artigo 1733.º do Código Civil. Ao dispor do seu direito de crédito relativo aos suprimentos, no montante de €150 175,00 (que declarou doar por conta da quota disponível), a mãe do A. e 2º R. praticou um acto proibido (juridicamente impossível e contrário à lei) e como tal, nulo (art. 280º do Código Civil), tendo a nulidade efeitos retroactivos (art. 289º do Código Civil). Destarte, bem andou o tribunal a quo ao concluir que o valor a incluir na herança indivisa por morte de CC e de DD (e a partilhar pelos seus herdeiros, o ora A. e o 2º R.), a título de suprimentos, corresponde a €300.350,00, valor que inclui, portanto, o referido montante de €150 175,00. Donde, improcede o recurso nesta parte. 2. Prazo de restituição dos suprimentos Na sentença foi fixado o prazo de cinco meses para R. “Rolados – Rolamentos e Acessórios Importados, Ld.ª” restituir às referidas heranças os suprimentos no valor de € 300.350,00 [cf. alínea d) do dispostivo da decisão recorrida]. Contra manifestam-se os recorrentes, sustentando que este prazo não é razoável e terá implicações graves para a saúde financeira da empresa, pretendendo os RR. que, para o efeito, seja fixado prazo não inferior a 36 meses. O tribunal analisou este ponto da seguinte forma: «Conforme se referiu supra, no caso em análise, as partes não estipularam qualquer prazo para o reembolso dos valores que os pais de Autor e Réu (na - à data - qualidade de sócios) disponibilizaram à Ré Sociedade. Por força do artigo 777.º do Código Civil, sob a epígrafe “Determinação do prazo”: «1. Na falta de estipulação ou disposição especial da lei, o credor tem o direito de exigir a todo o tempo o cumprimento da obrigação, assim como o devedor pode a todo o tempo exonerar-se dela. 2. Se, porém, se tornar necessário o estabelecimento de um prazo, quer pela própria natureza da prestação, quer por virtude das circunstâncias que a determinaram, quer por força dos usos, e as partes não acordarem na sua determinação, a fixação dele é deferida ao tribunal. 3. Se a determinação do prazo for deixada ao credor e este não usar da faculdade que lhe foi concedida, compete ao tribunal fixar o prazo, a requerimento do devedor.». A primeira parte do n.º 1 do artigo 245.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC) manda aplicar o disposto no n.º 2 do artigo 777.º do Código Civil, que enuncia as situações em que se revela necessário o estabelecimento judicial de um prazo para o cumprimento da obrigação, na falta de acordo das partes: - pela própria natureza da prestação (prazo natural); - por força das circunstâncias que determinaram a prestação (prazo circunstancial) e - por força dos usos (prazo usual). Não se estabelece aqui um critério para a fixação do prazo, mas sempre haverá que ter presente o princípio da boa-fé consagrado no artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil. O artigo 1027.º, n.º 2, do Código de Processo Civil aponta para um critério de razoabilidade do prazo e a segunda parte do citado n.º 1 do artigo 245.º do Código das Sociedades Comerciais estabelece um critério específico para o reembolso dos suprimentos, determinando que o Tribunal tenha em consideração as consequências que o reembolso acarretará para a sociedade, indicando o pagamento fraccionado em várias prestações como uma das possíveis medidas mitigadoras das dificuldades com que a sociedade se pode defrontar quando tiver que proceder ao reembolso. Na situação sub judice, conclui-se que a Ré sociedade, na qualidade de devedora, deve restituir à herança aberta por óbito de CC e de DD a quantia de € 300.350,00, correspondente aos suprimentos ainda não pagos por aquela, no prazo de cinco meses (ante a factualidade apurada e por se revelar adequado à luz do supra exposto).» Vejamos. Da factualidade assente não resulta demonstrado que a R. sociedade atravesse dificuldades económicas. Diz a R. que ficou provado que “entre 2012 e 2020, a Ré sociedade não dispôs de resultados disponíveis para distribuição de lucros” (facto 41). Porém, a circunstância de não serem distribuídos lucros, como sucedeu ao longo dos anos com a sociedade R. (cf. facto provado 40), não significa que a empresa não obtenha lucros, mas apenas que os resultados do exercício anterior permanecem na rubrica de resultados transitados (cf. factos provados 36 a 41). Do acervo factual apurado resulta que, quer antes de 2012, quer depois, foi deliberado no sentido da não distribuição dos lucros, sendo ainda certo que foi julgado não provado que a empresa tivesse défice financeiro (cf. alínea c) dos factos não provados). Ao invés, dos resultados líquidos da sociedade R. constantes do facto provado 22 parece resultar até, como refere a apelada, alguma robustez financeira. Assim, não tendo sido estabelecido qualquer prazo para a restituição do valor dos suprimentos e não estando demonstrada a falta de meios financeiros da empresa, não nos merece censura o prazo de cinco meses estabelecido na sentença para a restituição à/s herança/s do valor dos suprimentos, afigurando-se manifestamente excessivo o prazo pretendido pelos RR., não inferior a 36 meses. Termos em que improcede também este segmento do recurso. Restituição dos lucros Por último, pugnam os RR. pela revogação da sentença quanto ao decidido na al. e) do seu dispositivo, na parte em que a Ré “Rolados – Rolamentos e Acessórios Importados, Ld.ª” foi condenada «a restituir às referidas heranças os lucros relativos aos anos de 2012 a 2018, que perfazem o valor total de € 1.256.767,45 (um milhão duzentos e cinquenta e seis mil e setecentos e sessenta e sete euros e quarenta e cinco cêntimos) [€102.234,65 (2012); € 131.240,87 (2013); € 90.614,00 (2014); € 104.566,29 (2015); € 299.970,95 (2016); € 300.381,44 (2017); € 227.759,25 (2018)], quando forem realizados.» Estribando-se no disposto no art. 1467º/1 a) do Código Civil, sustentam que: - à data do óbito de DD se extinguiu o usufruto das quotas da sociedade Rolados, ficando precludido o direito a lucros acumulados por referência ao período de usufruto (27/12/2011 a 25/6/2019); - entre 2012 e 2019 não foram distribuídos lucros na sociedade R. (facto provado 40 e 41), nem na sua participada, a sociedade RTS Mais, S.A. A questão suscitada prende-se com a interpretação do disposto no art. 1467º do Código Civil, designadamente da sua alínea a). Atentemos no que, a este respeito, disse o tribunal a quo: «Por último, pede o Autor seja restituída à herança aberta por óbito de seus pais os lucros que vierem a ser apurados no âmbito dos presentes autos, correspondentes às quotas de que eram usufrutuários GG e DD, auferidos no período da duração desse usufruto. Relativamente aos lucros e com referência ao pedido formulado pelo Autor sob a alínea e), importa atentar na seguinte factualidade dada como provada: - por escritura pública de «CESSÃO DE QUOTAS E RENUNCIA» (cuja certidão constitui o Doc. 5 junto com a PI e que aqui se dá por integralmente reproduzida) outorgada no dia 27 de Dezembro de 2011, CC e DD declararam ceder a AA «seu filho por conta da quota disponível» a nua propriedade das quotas de que eram titulares no capital social da “Rolados – Rolamentos e Acessórios Importados, Lda”, reservando para si o «usufruto simultâneo e sucessivo das supra identificadas quotas» (cfr. ponto 6.); - CC e DD declararam renunciar nesse mesmo acto à gerência que vinham exercendo na referida sociedade (cfr. ponto 7.); - no dia 22 de Agosto de 2015 faleceu CC (cfr. ponto 11.); - no dia 25 de Junho de 2019 faleceu DD, no estado de viúva (cfr. Ponto 14.); - os lucros/lucros da Ré sociedade – referentes ao período de 27/12/2011 a 25/06/2019 – não foram distribuídos em vida de CC e de DD (cfr. ponto 21.); - Desde 27 de Dezembro de 2011, e com referência às declarações de Informação Empresarial Simplificada (IES), a Ré sociedade apresentou os seguintes resultados líquidos – resultados esses que são idênticos aos lucros não distribuídos: - no ano de 2012 - €136.312,87; - no ano de 2013 - €174.987,83; - no ano de 2014 - €120.818,96; - no ano de 2015 - €139.421,72; - no ano de 2016 - €399.961,27; - no ano de 2017 - €400.508,59; - no ano de 2018 - € 303.679,00; - 1.º semestre 2019 - € - 1.205,00 (cfr. ponto 22.); - entre 1996 e 2010, os sócios da 1.ª Ré sempre deliberaram no sentido da permanência dos resultados do exercício anterior na rubrica de #Resultados Transitados (cfr. ponto 36.); - após 2010, continuou a deliberar-se no sentido da permanência dos resultados do exercício anterior na rubrica de #Resultados Transitados, sendo que, por aplicação do Método da Equivalência Patrimonial, os lucros reflectidos correspondiam a lucros não distribuídos (cfr. ponto 37.). - reflectia-se na contabilidade da Ré sociedade o resultado líquido obtido pela sua participada, equivalente à percentagem de capital social de 58,33% detido nesta, “RTS MAIS – Comércio de Produtos e Serviços para a Indústria, SA” (cfr. ponto 38.); - nos períodos compreendidos entre 2012 e 2020, não foram distribuídos quaisquer lucros pela sociedade “RTS Mais, S.A.” à sociedade participante “Rolados, Ld.ª” (cfr. ponto 39.); - na “Rolados – Rolamentos e Acessórios Importados, Ld.ª”, entre 27/12/2011 e 25/06/2019, sempre se deliberou pela não distribuição de lucros, designadamente por a sua participada (RTS MAIS) também não distribuir lucros (cfr. ponto 40.); - nessa medida, entre 2012 e 2020, a Ré sociedade não dispôs de resultados disponíveis para distribuição de lucros (cfr. ponto 41.). Quid júris? Estabelece o artigo 23.º, n.º 1 do CSC que «A constituição de usufruto sobre participações sociais, após o contrato de sociedade, está sujeita à forma exigida e às limitações estabelecidos para a transmissão destas.». Por sua vez, de acordo com o n.º 2 desse preceito legal: «Os direitos do usufrutuário são os indicados nos artigos 1466.º e 1467.º do Código Civil, com as modificações previstas na presente lei, e os mais direitos que nesta lhe são atribuídos.». Por força do artigo 1467.º do Código Civil, sob a epígrafe “Usufruto de títulos de participação”: «1. O usufrutuário de acções ou de partes sociais tem direito: a) Aos lucros distribuídos correspondentes ao tempo de duração do usufruto; b) A votar nas assembleias gerais, salvo quando se trate de deliberações que importem alteração dos estatutos ou dissolução da sociedade; c) A usufruir os valores que, no acto de liquidação da sociedade ou da quota, caibam à parte social sobre que incide o usufruto. 2. Nas deliberações que importem alteração dos estatutos ou dissolução da sociedade, o voto pertence conjuntamente ao usufrutuário e ao titular da raiz.». Importa, no caso sub judice, atentar para o que dispõe a alínea a) n.º 1 do citado preceito legal e para o direito dos usufrutuários aos «lucros distribuídos correspondentes ao tempo de duração do usufruto»(3). Face ao aí estipulado, e tal como aludem Pires de Lima e Antunes Varela (in ob. cit., Vol. III, 2.ª Ed., p. 513), importa considerar duas notas fundamentais: «A primeira, reportando o direito do usufrutuário aos lucros correspondentes ao tempo de duração do usufruto, mostra que a lei atende, para o efeito, ao momento em que os lucros se auferem e não à data em que eles são distribuídos. Os lucros correspondentes ao exercício de 1971 não deixarão de caber ao usufrutuário cujo direito finda em 31 de Dezembro deste ano pelo simples facto de só serem distribuídos no decurso do ano seguinte. Por sua vez, por força do artigo 21.º, n.º 1, alínea a) do Código das Sociedade Comerciais, o direito aos lucros é o primeiro dos direitos conferido por lei a cada o sócio, decorrente da sua participação na sociedade: «Todo o sócio tem direito a quinhoar nos lucros». A segunda observação a registar é que a lei se refere, de caso pensado, a lucros distribuídos. Com este aditamento pretende-se excluir, em obediência ao ensinamento da doutrina dominante, a atribuição ao usufrutuário de lucros que a administração da sociedade tenha destinado a fundos de reserva, a amortização ou a quaisquer outras formas de capitalização e que, por virtude disso, não tenham sido efectivamente distribuídos. Note-se que a fórmula da alínea a) do nº 1 é diferente da usada no artigo 41º da lei espanhola sobre sociedades anónimas, segundo a qual o usufrutuário teria apenas direito aos lucros produzidos e distribuídos durante o usufruto. Tomado ao pé da letra, este preceito reduziria injustificadamente os direitos do usufrutuário. Desde que respeitem ao período de vigência do usufruto, os lucros devem ser creditados ao titular deste, mesmo que só sejam distribuídos muito tempo depois.». No caso dos autos, está em causa o período de Janeiro de 2012 ao 1.ª semestre do ano de 2019, anos em que se deliberou pela não distribuição de lucros e no sentido da permanência dos resultados do exercício anterior na rubrica de #Resultados Transitados, sendo que, por aplicação do Método da Equivalência Patrimonial, os lucros reflectidos correspondiam a lucros não distribuídos. Reflectia-se na contabilidade da Ré sociedade o resultado líquido obtido pela sua participada, equivalente à percentagem de capital social de 58,33% detido nesta, “RTS MAIS – Comércio de Produtos e Serviços para a Indústria, SA”. Importa considerar, face ao que dispõe o citado artigo 1467.º, n.º 1, alínea a), do Código Civil que, não obstante se deliberar no sentido de, em determinado ano, não haver distribuição de lucros, tal não preclude o direito dos usufrutuários receberem em período posterior o valor que lhes corresponda a título de lucros, no caso, durante o período do usufruto. Sabe-se que a deliberação de não distribuição de lucros pela Ré sociedade assenta essencialmente na circunstância de a sua participada também não distribuir lucros; todavia, tal não impede de modo algum que os usufrutuários (durante o período de duração do usufruto) venham, aquando distribuição desses lucros (observando as normas legais respeitantes à distribuição e limitações inerentes constantes do Código das Sociedades Comerciais), a receber os respectivos montantes. Sublinhe-se, novamente, que «Desde que respeitem ao período de vigência do usufruto, os lucros devem ser creditados ao titular deste, mesmo que só sejam distribuídos muito tempo depois.» (ob. cit.). Como tal, e salvo melhor opinião, não colhe o entendimento vertido pelos Réus em sede de contestação (designadamente no artigo 55.º), existindo efectivamente um direito aos lucros por parte dos usufrutuários durante o período do usufruto (ainda que se tenha deliberado, entre 2011 e 2019, pela sua não distribuição) e, após o seu falecimento, um direito da herança aberta por óbito daqueles aos referidos lucros. Na verdade, sabe-se que os lucros não foram distribuídos aos usufrutuários em vida, fazendo, no entanto, parte do acervo hereditário o valor dos lucros respeitantes aos usufrutuários, durante o período do usufruto (de 27/12/2011 a 25/06/2019) e na proporção do valor das respectivas quotas. No caso em análise, e face ao que se apurou (cfr. pontos 2., 6., 22. e 23. dos Factos Provados) e estando asseguradas as reservas legais (e outras), importa concluir que o valor dos lucros a atender é o correspondente a 75% (enquanto usufrutuários de quotas no valor global de € 37.409,84, com referência ao capital social da Ré sociedade de € 49.879,78) dos montantes melhor referenciados no ponto 22. dos Factos Provados e relativos aos anos de 2012 ao ano de 2018 (5), em concreto: ano de 2012 - €102.234,65; ano de 2013 - € 131.240,87; ano de 2014 - € 90.614,00; ano de 2015 - € 104.566,29; ano de 2016 - € 299.970,95; ano de 2017 - € 300.381,44; e ano de 2018 - € 227.759,25, o que ascende ao valor total de € 1.256.767,45. Em conclusão, tais montantes/lucros devem fazer parte do acervo hereditário por óbito dos pais de Autor e Réu, devendo ser restituídos às respectivas heranças quando consubstanciarem resultados disponíveis para distribuição, o que sucederá quando a participada “RTS Mais, S.A.” proceder à distribuição dos seus lucros pela sua participante “Rolados – Rolamentos e Acessórios Importados, Ld.ª” (na correspondente proporção), ou seja, quando forem efectivamente realizados (cfr. artigo 32.º, n.º 3 do Código das Sociedades Comerciais).». [realces e sublinhados nossos] Como explicitado na sentença, decorre do art. 1467º/1 a) do Código Civil, que o usufrutuário de quotas de uma sociedade tem direito aos lucros distribuídos, correspondentes ao tempo de duração do usufruto. No caso sub judice foi deliberado no sentido da não distribuição de lucros (cf. factos 21,22, 37, 39, 40, 41). Sucede que, como se refere na sentença, há lucros que se acumulam ao longo dos anos e que só mais tarde são distribuídos e há lucros que não são distribuídos, por serem aplicados à constituição de fundos de reserva, à amortização do activo ou a outros fins de valorização do capital. Neste conspecto, referem Pires de Lima e Antunes Varela, ob cit., pág. 513 (também citados pelo tribunal recorrido) que “reportando-se o direito do usufrutuário aos lucros correspondentes ao tempo de duração do usufruto, mostra que a lei atende, para o efeito, ao momento em que os lucros se auferem e não à data em que eles são distribuídos. Os lucros correspondentes ao exercício de 1971 não deixarão de caber ao usufrutuário cujo direito finda em 31 de Dezembro deste ano pelo simples facto de só serem distribuídos no decurso do ano seguinte.” Mais, esclarecem os sobreditos autores que “a lei se refere, de caso pensado, a lucros distribuídos. Com este aditamento pretende-se excluir, em obediência ao ensinamento da doutrina dominante, a atribuição ao usufrutuário de lucros que a administração da sociedade tenha destinado a fundos de reserva, a amortização ou a quaisquer outras formas de capitalização e que, por virtude disso, não tenham sido efectivamente distribuídos.” Perfilhando-se, tal como a 1ª instância, esta interpretação do art. 1467º/1 a) do Código Civil, devemos considerar que a circunstância de os lucros da sociedade 1ª R. não terem sido distribuídos entre 2012 e 2019, não impede que o venham a ser posteriormente, desde que se reportem ao período do usufruto, caso em que os usufrutuários e respectivos herdeiros terão direito aos lucros que venham a ser distribuídos (caso tal se verifique). Isto porque há que atender, não ao momento em que os lucros se auferem, mas sim à data em que são (venham a ser) distribuídos. Em face do que vimos expondo, não pode colher a tese sufragada pelos RR., segundo a qual o direito a lucros acumulados, por referência ao período de usufruto, resulta precludido pelo facto de os lucros (ainda) não terem sido distribuídos. Concluímos no sentido da improcedência deste ponto do recurso. Recurso subordinado do A. Com base na alteração da matéria de facto requerida, pretende o A., em sede do recurso subordinado interposto, a revogação da sentença quanto ao decidido na alínea d) do seu dispositivo, de molde a que a R. Rolados – Rolamentos e Acessórios Importados, Ld.ª seja condenada a restituir à herança os suprimentos no valor de €495 000,00 (em vez do valor de €300 350, 00, determinado na sentença). Como consta do ponto III.2.1. do presente acórdão, foi julgada improcedente a impugnação dos factos deduzida pelo autor, mantendo-se a matéria de facto julgada provada e não provada na sentença, apenas se alterando a redacção do facto provado 26, dele se expurgando a matéria conclusiva. Concretamente, manteve-se o impugnado facto não provado em d): “O valor dos suprimentos efectuados pelos pais de Autor e Réu ascenderam a € 560.000,00, entre 12 de Abril de 2005 e 18 de Janeiro de 2011.”. Consequentemente, falece o pressuposto em que se estribou o erro de direito invocado, inexistindo fundamento para a pretendida condenação da R. a restituir às heranças de CC e DD a quantia de €560.000,00. Em síntese conclusiva, tendo improcedido a impugnação da decisão relativa à matéria de facto e não merecendo censura a análise jurídica da sentença, impõe-se a sua confirmação. * IV. DECISÃO Pelo exposto, acordam em: a. Julgar improcedente o recurso principal interposto pelos RR.; b. Julgar improcedente o recurso subordinado interposto pelo A.; e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida. Custas do recurso principal pelos RR. Custas do recurso subordinado pelo A. Registe e notifique. * Lisboa, 15 de Julho de 2025 Ana Mónica Mendonça Pavão Luís Lameiras Ana Rodrigues da Silva |