Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CARLOS CASTELO BRANCO (PRESIDENTE) | ||
Descritores: | CONFLITO DE DISTRIBUIÇÃO DISTRIBUIÇÃO PROMOÇÃO DO RELATOR SORTEIO NOVA DISTRIBUIÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/29/2025 | ||
Votação: | DECISÃO INDIVIDUAL | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | CONFLITO DE DISTRIBUIÇÃO | ||
Decisão: | RESOLVIDO | ||
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Sumário: | I. Ocorrendo impedimento posteriormente ao ato de distribuição, a respetiva falta é suprida nos termos previstos no artigo 661.º do CPC; II. A forma de colmatar a falta – em razão de impedimento – do relator determina que se efetue o apuramento do sorteio de novo relator, da forma determinada pela alínea a) do n.º 3 do artigo 213.º do CPC, ou seja, “de entre todos os juízes [não impedidos] da secção competente”; III. A constituição do coletivo com novos juízes adjuntos, na apontada situação, determinaria, na prática, uma situação de desaforamento ilegítimo (cfr. artigo 39.º da LOSJ) e uma contravenção ao princípio do juiz natural, face à designação legal dos juízes, previamente efetuada, determinada pela primeira operação distributiva efetuada (e com referência à determinação dos juízes adjuntos que a lei, à data, então, competia a efetuar); IV. Efetivando-se nova distribuição que não atenda à secção competente já determinada, mas que tenha lugar por outras secções que não aquela a que respeita o juiz impedido, ocorrerá erro na nova distribuição efetuada, aplicando-se os termos previstos no n.º 4 do artigo 213.º do CPC, designadamente, com aproveitamento dos vistos já efetuados ou, no caso de não ter ocorrido ainda a aposição de vistos, devendo ser sorteado o juiz relator ou adjunto em falta, dentro da secção primitivamente encontrada (sem prejuízo de não entrarem na operação de sorteio os juízes que se encontrem impedidos nos termos legalmente previstos). V. No caso em apreço, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu anular o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, determinando “a baixa do processo à Relação a fim de ser apreciado o recurso interposto da decisão sobre a matéria de facto”, pelo que, atento o disposto no artigo 218.º do CPC, o processo deveria tendencialmente ser atribuído ao primitivo coletivo, pretendendo a lei a continuidade do relator (e dos demais elementos que compõem o coletivo) quando, em consequência de anulação ou revogação, a questão não ficou encerrada. VI. Remetido o processo a este Tribunal da Relação e verificado impedimento da primitiva relatora, promovida entretanto ao Supremo Tribunal de Justiça, foi determinada nova distribuição dos autos, que abrangeu o sorteio dos três elementos do coletivo, quando o ato distributivo apenas teria a função de determinação, por sorteio, do elemento que tinha cessado funções neste Tribunal, por promoção, uma vez que, os anteriores adjuntos não perderam a respetiva competência. VII. O conflito de distribuição em apreço deverá, em conformidade, ser decidido no sentido de dever ter lugar, tão só, o sorteio do juiz desembargador que deverá exercer as funções de relator, a encontrar junto da secção onde o processo pendeu inicialmente, dando-se baixa da última distribuição efetuada. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | I. 1) Interposto que foi recurso de apelação da sentença proferida em 1.ª instância e remetidos os autos ao Tribunal da Relação de Lisboa, aqui foram distribuídos à 7.ª Secção, figurando como relatora, a Senhora Juíza Desembargadora “A”, como 1.º adjunto, o Senhor Juiz Desembargador “B” e, como 2.ª adjunta, a Senhora Juíza Desembargadora “C”. 2) Proferido despacho de inscrição do processo em tabela, em 13-05-2024 foram abertos vistos aos Juízes adjuntos, que, nessa data, os apuseram. 3) Em 21-05-2024 foi proferido acórdão subscrito pelos Senhores Juízes Desembargadores referidos em 1). 4) Do referido acórdão foi interposto recurso de revista, que foi admitido por despacho de 15-07-2024. 5) Em 14-11-2024 o Supremo Tribunal de Justiça proferiu acórdão decidindo “anular o acórdão recorrido e determinar a baixa do processo à Relação a fim de ser apreciado o recurso interposto da decisão sobre a matéria de facto”. 6) Remetidos os autos ao Tribunal da Relação de Lisboa, em 09-12-2024 foi aberta conclusão ao Senhor Juiz Desembargador “B” (1.º adjunto), “uma vez que a Sra. Dr. “A” foi promovida a Juíza Conselheira para o Supremo Tribunal de Justiça”, o qual proferiu, nessa data, despacho do seguinte teor: “Este processo foi distribuído no Tribunal da Relação, na 7.ª Secção, à Sra. Juíza Desembargadora “A”, na qualidade de relatora e, ter-me-á sido concluso por ter subscrito, como 1.º Adjunto, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21 de maio de 2024 relatado pela Sra. Juíza Desembargadora “A”. Verificamos que o mencionado acórdão desta Relação foi anulado, por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de novembro de 2024 (Ref.ª n.º 12791011 – p.e.), com vista a ser apreciada a impugnação da decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto, que havia sido rejeitada. Nos termos do Art. 218.º do C.P.C., se, em consequência de anulação da decisão recorrida ou do exercício pelo Supremo Tribunal de Justiça dos poderes conferidos pelo n.º 3 do Art. 682.º C.P.C., tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido «o recurso é, sempre que possível, distribuído ao mesmo relator». Ocorre que a Sra. Desembargadora “A” já não exerce funções no Tribunal da Relação de Lisboa por motivo de promoção para o Supremo Tribunal de Justiça. Pelo que, não pode funcionar a norma do Art. 218.º do C.P.C., por impedimento objetivo e definitivo da Relatora. Em conformidade, deve ser dada baixa deste processo na 7.ª Secção e determinada nova distribuição dos autos, por analogia com o disposto no Art. 217.º n.º 1 do C.P.C.. - Notifique e cumpra.”. 7) Efetuada nova distribuição, em 12-12-2024, em seu resultado, figuraram como relatora, a Senhora Juíza Desembargadora “D”, como 1.ª adjunta, a Senhora Juíza Desembargadora “E” e, como 2.ª adjunta, a Senhora Juíza Desembargadora “F”. 8) Em 13-12-2024, a Senhora Juíza Desembargadora “D” proferiu despacho do seguinte teor: “O presente processo foi distribuído, em fevereiro de 2024, à Exma. Juiz Desembargadora “A”. No dia 21 de maio de 2024, foi proferido acórdão, no qual intervieram como adjuntos os Exmos. Juízes Desembargadores “B” e “C”. Por acórdão do STJ proferido a 14 de novembro de 2024, foi anulado aquele acórdão e determinada a baixa do processo à Relação a fim de ser apreciado o recurso interposto da decisão sobre a matéria de facto. Baixado o processo à Relação, a secção concluiu os autos a 9 de dezembro de 2024 “ao Exmo. Senhor Juiz Desembargador (1º adjunto), Dr. “B”, uma vez que a Sra. Dr. “A” foi promovida a Juíza Conselheira para o Supremo Tribunal de Justiça.”. Tal conclusão mostra-se conforme ao art. 661º nº 1 do C.P.C., segundo o qual “o relator é substituído pelo primeiro adjunto nas faltas ou impedimentos que não justifiquem segunda distribuição e enquanto esta se não efetuar”. O Exmo. Juiz Desembargador “B” proferiu despacho no qual se pode ler: “Em conformidade, deve ser dada baixa deste processo na 7.ª Secção e determinada nova distribuição dos autos, por analogia com o disposto no Art. 217.º n.º 1 do C.P.C.” A 10 de dezembro de 2024, foram elaboradas as notificações dos ilustres mandatários do despacho proferido pelo substituto legal do relator e, no dia seguinte, foram redistribuídos os autos. Não posso aceitar tal redistribuição, uma vez que não cabe ao substituto legal decidir se a promoção do relator ao STJ justifica ou não a segunda distribuição. Na verdade, por força da deliberação 372/2021 do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, conjugada com o art. 3º nº 1 al. a) do Regulamento 269/2021 do Conselho Superior da Magistratura, que aprovou o Regulamento das Situações de Alteração, Redução ou Suspensão da Distribuição de Processos, compete aos Presidentes dos Tribunais da Relação “determinar a redistribuição, de forma considerada mais adequada para o bom funcionamento do Tribunal da Relação, dos processos pendentes deixados pelos Juízes Desembargadores que cessem funções por jubilação, promoção, transferência ou qualquer outra razão, sem prejuízo da celeridade devida”. Pelo exposto, ordeno a devolução dos autos ao Exmo. Juiz Desembargador “B”, substituto legal da primeira relatora designada. Notifique. Dê conhecimento do presente despacho à Exma. Juiz Presidente da Relação de Lisboa. Após trânsito, e nada, entretanto, sendo ordenado pela Exma. Juiz Presidente da Relação de Lisboa, proceda à devolução ordenada, dando-se baixa da redistribuição”. 9) Remetidos que foram os autos à 7.ª Secção, o Senhor Juiz Desembargador “B”, em 20-01-2025, proferiu o seguinte despacho: “Por força do despacho de fls. 92 a 93, foi determinado que os autos nos fossem remetidos para conclusão. No entanto, o que resulta do despacho de fls. 90, da autoria do ora exponente, e do despacho de fls. 92 a 93, da autoria da Sr.ª Juíza Desembargadora “D”, ambos devidamente notificados às partes, que deles não recorreram, é a existência de um conflito negativo de competências. É que, como todo o devido respeito, a colega pode recusar a competência para, como Relatora, julgar a presente apelação, fundamentando essa recusa – que foi o que implicitamente fez –, mas não pode revogar o despacho de fls. 90 – que foi o que formalmente fez –, porque não tem competência legal para esse efeito. O despacho de fls. 90 assenta na interpretação, funcionamento e aplicação ao caso do disposto no Art. 218.º do C.P.C.. Ou seja, não podendo a relatora, a quem o processo foi originalmente distribuído, ser mantida, porque foi promovida para o Supremo Tribunal de Justiça, os autos devem ser distribuídos a um novo relator. Foi isso que aí foi ordenado e foi o que foi feito. A fls. 92 a 93 foi decidido que a ordem de distribuição é da competência do Sr. Presidente do Tribunal da Relação, com fundamento numa deliberação do Conselho Superior de Magistratura, que não nos parece que tenha aplicação ao caso. No fundo, como referimos logo de início, subjacente aos dois despachos, está um conflito negativo de competências que só indiretamente versam sobre a “competência” para decisão de ordenar uma “(re)distribuição” do processo. Seja como for, se colocada a questão em termos de conflito negativo de competências, a solução do mesmo compete ao Sr. Presidente do Tribunal da Relação (cfr. Art. 111.º n.º 1 do C.P.C.). Se colocada a questão em termos de quem tem competência para ordenar a distribuição, tal como defendido no despacho de fls. 92 a 93, a questão também compete ao Sr. Presidente do Tribunal da Relação, sendo insuficiente, para esse efeito, que lhe tenha sido comunicado o teor desse despacho. Em conformidade, devem os autos ser conclusos ao Sr. Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa para decidir, seja qual o enquadramento que seja dado à questão”. 10) Em 23-01-2025 foi proferido despacho a determinar o cumprimento do disposto no artigo 112.º do CPC. 11) Por promoção de 27-01-2025, o Ministério Público pronunciou-se nos seguintes termos: “(…) O que está em causa nos presentes autos é saber se quando é anulado um Acórdão desta relação pelo STJ não podendo a relatora, a quem o processo foi originalmente distribuído, ser mantida, porque foi promovida para o Supremo Tribunal de Justiça, deve o processo ir a nova distribuição ou se o mesmo deve-se manter na mesma secção e apenas ser atribuído um novo relator. Concordamos na integra com a posição assumida pelo Juiz Desembargador da 7.ª secção, desde logo tal como bem refere no seu despacho não estamos perante um conflito de competência, mas “…está um conflito negativo de competências que só indiretamente versam sobre a “competência” para decisão de ordenar uma “(re)distribuição” do processo.” (ref citius n.º 22608069). Por outro lado, na falta de norma expressa sobre a questão entendemos que tal como ali se refere que “… não podendo a relatora, a quem o processo foi originalmente distribuído, ser mantida, porque foi promovida para o Supremo Tribunal de Justiça, os autos devem ser distribuídos a um novo relator.”. Ou seja, no caso concreto, o processo nestas circunstâncias terá necessariamente de ir à distribuição, dando lugar a uma nova distribuição do relator por aplicação analógica do art. 217.º, n.º 1 do CPC que estabelece o seguinte “ 1 - Se no ato da distribuição constar que está impedido o juiz a quem o processo foi distribuído, é logo feita segunda distribuição na mesma escala; o mesmo se observa caso, mais tarde, o relator fique impedido ou deixe de pertencer ao tribunal.”. Mostrando-se omissa a lei relativamente à questão se o processo se deve manter na mesma secção e ser apenas atribuído/distribuído para atribuição de novo relator, ou ir à distribuição por todas as secções, tem sido diversas as posições dos Senhores Desembargadores, sendo certo que nos parece que depende da fase em que o processo se encontrar, no caso dos autos já tendo sido proferido Acórdão, parece-nos mais lógico que apenas vá à distribuição para na mesma secção ser distribuído o novo relator mantendo-se os adjuntos já atribuídos (…)”. * II. Nos termos do disposto no artigo 203.º do CPC, o ato processual da “distribuição” – designado pelo legislador como “especial” – tem a seguinte finalidade: “É pela distribuição que, a fim de repartir com igualdade o serviço judicial, se designa a secção, a instância e o tribunal em que o processo há de correr ou o juiz que há de exercer as funções de relator.”. De harmonia com o previsto no artigo 204.º do CPC, as operações de distribuição e registo previstas nos números 2 a 6, são realizadas por meios eletrónicos, as quais devem garantir aleatoriedade no resultado e igualdade na distribuição do serviço, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º (n.º 1). A portaria a que se refere o referido normativo é – no que respeita aos tribunais judiciais -a portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto (retificada pela declaração de retificação n.º 44/2013, de 25 de outubro), alterada pelas portarias n.ºs. 170/2017, de 25 de maio (cfr. retificação n.º 16/2017, de 6 de junho), 267/2018, de 20 de setembro, 86/2023, de 27 de março e 360-A/2023, de 14 de novembro. De harmonia com o disposto no n.º 3 do artigo 204.º do CPC, a distribuição é presidida por um juiz, designado pelo presidente do tribunal de comarca e secretariado por um oficial de justiça, com a assistência obrigatória do Ministério Público e, caso seja possível por parte da Ordem dos Advogados, de um advogado designado por esta ordem profissional, todos em sistema de rotatividade diária sempre que, quanto àqueles, a composição do tribunal o permita. A distribuição obedece às seguintes regras (cfr. artigo 204.º, n.º 4, do CPC): a) Os processos são distribuídos por todos os juízes do tribunal e a listagem fica sempre anexa à ata; b) Se for distribuído um processo a um juiz que esteja impedido de nele intervir, deve ficar consignada em ata a causa do impedimento que origina a necessidade de fazer nova distribuição por ter sido distribuído a um juiz impedido, constando expressamente o motivo do impedimento, bem como anexa à ata a nova listagem; c) As operações de distribuição são obrigatoriamente documentadas em ata, elaborada imediatamente após a conclusão daquelas e assinada pelas pessoas referidas no n.º 3, a qual contém necessariamente a descrição de todos os atos praticados. A lei regula outros aspetos acessórios, prescrevendo, em particular, no n.º 6 do artigo 204.º do CPC (com a redação conferida pelo D.L. n.º 97/2019, de 26 de julho e pela Lei n.º 55/2021, de 13 de agosto) que, “sem prejuízo do disposto nos números anteriores, nos casos em que haja atribuição de um processo a um juiz, deve ficar explicitada na página informática de acesso público do Ministério da Justiça que houve essa atribuição e os fundamentos legais da mesma”. Por seu turno, estabelece o n.º 1 do artigo 205.º do CPC que, “a falta ou irregularidade da distribuição não produz nulidade de nenhum ato do processo, mas pode ser reclamada por qualquer interessado ou suprida oficiosamente até à decisão final”. A lei processual prevê disposições particulares sobre o ato de distribuição nos tribunais superiores, a que se referem, em particular, os artigos 213.º a 218.º do CPC, que, em suma, se podem resumir ao seguinte: - A distribuição que contém as espécies referidas no artigo 214.º do CPC, é efetuada uma vez por dia, de forma eletrónica; - A distribuição é presidida por um juiz, designado pelo presidente do respetivo tribunal e secretariado por um oficial de justiça, com a assistência obrigatória do Ministério Público e, caso seja possível por parte da Ordem dos Advogados, de um advogado designado por esta ordem profissional, todos em sistema de rotatividade diária, podendo estar presentes, se assim o entenderem, os mandatários das partes; - É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 204.º, n.ºs. 4 a 6 do CPC, com as seguintes especificidades: a) A distribuição é feita para apurar aleatoriamente o juiz relator e os juízes-adjuntos de entre todos os juízes da secção competente, sem aplicação do critério da antiguidade ou qualquer outro; b) Deve ser assegurada a não repetição sistemática do mesmo coletivo; - Quando tiver havido erro na distribuição, o processo é distribuído novamente, aproveitando-se, porém, os vistos que já tiver; mas se o erro derivar da classificação do processo, é este carregado ao mesmo relator na espécie devida, descarregando-se daquela em que estava indevidamente; - A distribuição é efetuada por meios eletrónicos, nos termos previstos nos artigos 204.º e 213.º do CPC; e - Na distribuição atende-se à ordem de precedência dos juízes, como se houvesse uma só secção. O Regulamento nº 269/2021, de 22 de março, do Conselho Superior da Magistratura, Regulamento das Situações de Alteração, Redução ou Suspensão da Distribuição de Processos (publicado no DR nº 56/2021, Série II, de 22-03-2022) veio estabelecer, por seu turno, os princípios, critérios, requisitos e procedimentos a que deve obedecer a determinação pelo Conselho Superior da Magistratura das medidas a que aludem os artigos 149.º, n.º 1, alíneas n) e o), 151.º, alínea c), e 152.º -C, n.º 1, alíneas g) e h), do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aplicáveis aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Primeira Instância, definindo diversas situações: a) Distribuição: conjunto de operações de repartição automática, semiautomática e manual, por sorteio, dos processos entrados em Juízo, nos Juízos que integrem mais do que um Magistrado Judicial; b) Alteração da distribuição: modificação das operações de repartição dos processos entrados em Juízo, nos Juízos que integrem mais do que um Magistrado Judicial, realizada no sistema informático de suporte à atividade dos Tribunais, através do modo manual por certeza; c) Redução da distribuição: modificação das operações de repartição dos processos entrados em Juízo, realizada no sistema informático de suporte à atividade dos Tribunais, operada através da fixação de uma percentagem do número total de processos ou na limitação das espécies processuais a repartir, com os fundamentos previstos na alínea h) do n.º 1 do artigo 152.º -C do Estatuto dos Magistrados Judiciais, sendo que em caso de limitação quantitativa, a diferença entre o número de processos correspondente à percentagem fixada e o número total de processos que deveria ser repartido pelo Magistrado, de acordo com os modos de distribuição que comportem sorteio, é repartido pelos demais Magistrados que integrem a unidade orgânica, efetuando o sistema informático, de forma automática, as compensações nos contadores da distribuição; d) Suspensão da distribuição: interrupção, por tempo determinado, das operações de repartição dos processos entrados em Juízo, nos Juízos que integrem mais do que um Magistrado Judicial, realizada no sistema informático de suporte à atividade dos Tribunais; e) Redistribuição: repetição do conjunto de operações de repartição automática, semiautomática e manual, por sorteio, dos processos entrados em Juízo, nos Juízos que integrem mais do que um Magistrado Judicial, a qual pode comportar ou não a exclusão de um ou mais Magistrados Judiciais da nova repartição e pressupõe, em qualquer caso, que os processos objeto da mesma já tinham sido distribuídos em momento anterior, pela forma indicada em a). Estabelece o artigo 4.º do referido Regulamento os princípios gerais nesta matéria: “A alteração, suspensão, redução da distribuição ou a consequente redistribuição de processos, pressupõe a impossibilidade de substituição por outro juiz, devendo garantir aleatoriedade no resultado e igualdade na distribuição do serviço, assegurando a salvaguarda dos princípios do juiz natural, da legalidade, da proibição do desaforamento, da independência e da imparcialidade dos tribunais”, regulando-se, nos artigos seguintes do Regulamento, as diversas situações que podem determinar a alteração, redução ou suspensão de distribuição. A competência para prover sobre estas matérias é do Plenário do CSM (cfr. artigo 3.º, n.º 1, do Regulamento n.º 269/2021), sem prejuízo das competências próprias ou delegadas dos respetivos presidentes dos tribunais, havendo, no caso dos tribunais da relação, de ter em conta a deliberação n.º 372/2021, do Plenário do CSM (publicada no D.R., 2.ª Série, n.º 73, p. 131). Sobre situações de “segunda distribuição” dispõe o artigo 217.º do CPC, nos seguintes termos: “1 - Se no ato da distribuição constar que está impedido o juiz a quem o processo foi distribuído, é logo feita segunda distribuição na mesma escala; o mesmo se observa caso, mais tarde, o relator fique impedido ou deixe de pertencer ao tribunal. 2 - Se o impedimento for temporário e cessar antes do julgamento, dá-se baixa da segunda distribuição, voltando a ser relator do processo o primeiro designado e ficando o segundo para ser preenchido em primeira distribuição; se o impedimento se tornar definitivo, subsiste a segunda distribuição”. Por seu turno, estabelece o artigo 218.º do CPC – com a epígrafe “Manutenção do relator, no caso de novo recurso” – que: “Se, em consequência de anulação ou revogação da decisão recorrida ou do exercício pelo Supremo Tribunal de Justiça dos poderes conferidos pelo n.º 3 do artigo 682.º, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido e dela for interposta e admitida nova apelação ou revista, o recurso é, sempre que possível, distribuído ao mesmo relator”. Conforme se lê na exposição de motivos da Proposta de lei n.º 113/XII, de 22-11-2012 (que deu origem ao Código de Processo Civil), a respeito do regime instituído pelo artigo 218.º do CPC: “Procede-se ao reforço do princípio da concentração do processo ou do recurso num mesmo juiz. No que respeita aos tribunais superiores, estabelece-se identicamente como regra a manutenção do relator, no caso de ter de ser reformulada a decisão recorrida e, na sequência de tal reformulação, de vir a ser interposto e apreciado um novo recurso. Se, em consequência de anulação ou revogação da decisão recorrida ou do exercício pelo Supremo Tribunal de Justiça em sede de revista, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido e dela for interposta e admitida nova apelação ou revista, o recurso é, sempre que possível, distribuído ao mesmo relator”. É indiscutível que toda a norma jurídica carece de interpretação. E a interpretação da lei há-de efetuar-se seguindo uma metodologia hermenêutica que, levando em conta todos os elementos de interpretação - gramatical, histórico, sistemático e teleológico -, permita determinar o adequado sentido normativo da fonte correspondente ao "sentido possível" do texto (letra) da lei. Com efeito, resulta do artigo 9.º do Código Civil que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (nº 1), não podendo, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (nº 2); na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (nº 3). Baptista Machado (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1996, p. 188 e ss.), sobre o problema da interpretação a que se refere o Código Civil, expende, nomeadamente, as seguintes considerações: "I - O art. 9.º deste Código, que à matéria se refere, não tomou posição na controvérsia entre a doutrina subjectivista e a doutrina objectivista. Comprova-o o facto de se não referir, nem à "vontade do legislador", nem à "vontade da lei", mas apontar antes como escopo da actividade interpretativa a descoberta do "pensamento legislativo" (art. 9.º, 1.º). Esta expressão, propositadamente incolor, significa exactamente que o legislador não se quis comprometer (...). II - Começa o referido texto por dizer que a interpretação não deve cingir-se à letra mas reconstituir a partir dela o "pensamento legislativo". Contrapõe-se letra (texto) e espírito (pensamento) da lei, declarando-se que a actividade interpretativa deve - como não podia deixar de ser - procurar este a partir daquela. A letra (o enunciado linguístico) é, assim, o ponto de partida. Mas não só, pois exerce também a função de um limite, nos termos do art. 9.º, 2: não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) "que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso". Pode ter de proceder-se a uma interpretação extensiva ou restritiva, ou até porventura a uma interpretação correctiva, se a fórmula verbal foi sumamente infeliz, a ponto de ter falhado completamente o alvo. Mas, ainda neste último caso, será necessário que do texto "falhado" se colha pelo menos indirectamente uma alusão àquele sentido que o intérprete venha a acolher como resultado da interpretação. Afasta-se assim o exagero de um subjectivismo extremo que propende a abstrair por completo do texto legal quando, através de quaisquer elementos exteriores ao texto, descobre ou julga descobrir a vontade do legislador. Não significa isto que se não possa verificar a eventualidade de aparecerem textos de tal modo ambíguos que só o recurso a esses elementos externos nos habilite a retirar deles algum sentido. Mas, em tais hipóteses, este sentido só poderá valer se for ainda assim possível estabelecer alguma relação entre ele e o texto infeliz que se pretende interpretar. III - Ainda pelo que se refere à letra (texto), esta exerce uma terceira função: a de dar um mais forte apoio àquela das interpretações possíveis que melhor condiga com o significado natural e correcto das expressões utilizadas. Com efeito, nos termos do art. 9.º, 3, o intérprete presumirá que o legislador "soube exprimir o seu pensamento em termos adequados". Só quando razões ponderosas, baseadas noutros subsídios interpretativos, conduzem à conclusão de que não é o sentido mais natural e directo da letra que deve ser acolhido, deve o intérprete preteri-lo. IV - Desde logo, o mesmo n.º 3 destaca outra presunção: "o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas". Este n.º 3 propõe-nos, portanto, um modelo de legislador ideal que consagra as soluções mais acertadas (mais correctas, justas ou razoáveis) e sabe exprimir-se por forma correcta. Este modelo reveste-se claramente de características objectivistas, pois não se toma para ponto de referência o legislador concreto (tantas vezes incorrecto, precipitado, infeliz) mas um legislador abstracto: sábio, previdente, racional e justo. Só que não convém exagerar a tónica objectivista, pois já vimos ser ponto assente que a nossa lei não tomou partido entre as duas correntes (a subjectivista e a objectivista). Pode, porém, acontecer que a interpretação mais natural e directamente condizente com a fórmula verbal não corresponda à solução mais acertada. Nesta hipótese, as duas presunções entrarão em conflito. Por qual das interpretações optar? Manuel de ANDRADE propõe para esta hipótese a procura de um certo ponto de equilíbrio, nos seguintes termos: "Dentre os dois sentidos, cada um deles o mais razoável sob um dos aspectos considerados, deve preferir-se aquele que menos se distanciar da razoabilidade sob o outro aspecto". É esta uma directriz equilibrada, sem dúvida; mas é óbvio que apenas será de observar se o "impasse" se mantiver depois de exauridos os outros elementos de interpretação mencionados pelo art. 9.º e que ainda falta referir. V - O n.º 1 do art. 9.º refere mais três desses elementos de interpretação: a "unidade do sistema jurídico", "as circunstâncias em que a lei foi elaborada" e as "condições específicas do tempo em que é aplicada". Tomemos em primeiro lugar estes dois últimos elementos. Entre eles não existe qualquer hierarquia ou melhor, como diz A. VARELA, "nenhum significado especial possui a ordem por que são indicados esses dois factores". O primeiro destes factores, "as circunstâncias do tempo em que a lei foi elaborada", representa aquilo a que tradicionalmente se chama a occasio legis: os factores conjunturais de ordem política, social e económica que determinaram ou motivaram a medida legislativa em causa. Por vezes o conhecimento destes factores é mesmo indispensável para se poder atinar com o sentido e alcance da norma - sobretudo quando esta é já antiga e foi fortemente condicionada por factores de conjuntura. O segundo dos dois elementos, as circunstâncias vigentes ao tempo em que a lei é aplicada, tem decididamente uma conotação actualista e, talvez deva afirmar-se, a referência que o art. 9.º lhe faz significa que o legislador aderiu ao actualismo. Com efeito, este não é de forma alguma incompatível com a utilização de elementos históricos como meios auxiliares da interpretação da lei. A posição historicista, essa é que seria incongraçável com a consideração das circunstâncias do tempo de aplicação da lei para efeitos de determinar o sentido decisivo com que esta deve valer. Não tem que nos surpreender essa posição actualista do legislador se nos lembrarmos que uma lei só tem sentido quando integrada num ordenamento vivo e, muito em especial, enquanto harmonicamente integrada na "unidade do sistema jurídico", de que falaremos a seguir. Cumpre ainda anotar que, quanto mais uma lei esteja marcada, no seu conteúdo, pelo circunstancialismo da conjuntura em que foi elaborada, tanto maior poderá ser a necessidade da sua adaptação às circunstâncias, porventura muito alteradas, do tempo em que é aplicada. O que bem mostra que a consideração, para efeitos interpretativos, da occasio legis (circunstâncias do tempo em que a lei foi elaborada) tem em vista uma finalidade bem diversa da consideração, para os mesmos efeitos, das condições específicas do tempo em que é aplicada. Acolá trata-se muito especialmente de conferir à letra (ao texto) um sentido possível (quando o texto de per si seja totalmente equívoco) ou de identificar o ponto de vista valorativo que presidiu à feitura da lei; aqui trata-se, por um lado, de transpor para o condicionalismo actual aquele juízo de valor e, por outro lado, de ajustar o próprio significado da norma à evolução entretanto sofrida (pela introdução de novas normas ou decisões valorativas) pelo ordenamento em cuja vida ela se integra. VI - Com isto abeiramo-nos de um último factor ou ponto de referência da interpretação: "a unidade do sistema jurídico". Dos três factores interpretativos a que se refere o n.º l do art. 9.º, este é sem dúvida o mais importante. A sua consideração como factor decisivo ser-nos-ia sempre imposta pelo princípio da coerência valorativa ou axiológica da ordem jurídica. Como diz LARENZ, "a lei vale na verdade para todas as épocas, mas em cada época da maneira como esta a compreende e desimplica, segundo a sua própria consciência jurídica". A isto há que acrescentar que, se o legislador actual insuflou de espírito novo o ordenamento jurídico ou o regime de uma dada matéria, se altera o termo de referência para a compreensão da fórmula verbal de uma norma antiga que se mantenha em vigor”. Referia Alberto dos Reis (Comentário ao Código de Processo Civil, II Vol., p. 525) que: “(...) Nos tribunais superiores (Relações e Supremo Tribunal de Justiça) de constituição colectiva, é pela distribuição que se apura quais os juízes que hão-de intervir no julgamento do feito (...). Lê-se no artigo 209.º que a distribuição aponta o juiz que há-de exercer as funções de relator; e dos artigos 226.º, 227.º e 700.º se conclui igualmente que a distribuição visa somente a determinar o desembargador ou o conselheiro a quem cabe exercer o papel de relator. Mas como os desembargadores e os conselheiros estão colocados no tribunal por certa ordem, previamente fixada, (...), e, por outro lado, os juízes chamados a intervir são os imediatos ao relator (arts. 707.º e 728.º), segue-se que, designado o relator, ficam necessariamente designados os outros julgadores. (...)”. De facto, nos tribunais superiores, antes da entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei n.º 55/2021, de 13 de agosto, a distribuição bastava-se com a determinação aleatória do relator, pois, estando os juízes desembargadores ou conselheiros colocados no tribunal por certa ordem pré-fixada, em termos da sua antiguidade na categoria correspondente, assim se determinava a composição do tribunal coletivo (mostrando-se, por consequência, que não seria necessária qualquer previsão no sentido de abranger na previsão do artigo 218.º do CPC, então em vigor, a expressa referência aos juízes adjuntos que compunham, com o relator, o coletivo. Sucede que, com a alteração conferida pela Lei n.º 55/2021, de 13 de agosto, as alíneas do n.º 3 do artigo 213.º do CPC passaram a prever que a distribuição “é feita para apurar aleatoriamente o juiz relator e os juízes-adjuntos de entre todos os juízes da secção competente, sem aplicação do critério da antiguidade ou qualquer outro” e que “deve ser assegurada a não repetição sistemática do mesmo coletivo”. A referida lei teve por base o projeto de Lei 553/XIV/2ª, que visou introduzir mecanismos de controlo da distribuição eletrónica dos processos judiciais, procedendo à décima alteração ao Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho lendo-se na respetiva Exposição de motivos, nomeadamente, o seguinte: “(…) Determinam-se regras claras a que deve obedecer a distribuição: (i) os processos são distribuídos por todos os juízes do tribunal, ficando a listagem anexa à ata; (ii) se for distribuído um processo a um juiz que esteja impedido de nele intervir, deve ficar consignada em ata a necessidade de fazer nova distribuição por ter sido distribuído a um juiz impedido, constando expressamente o motivo do impedimento, bem como anexa à ata a nova listagem; (iii) as operações de distribuição são obrigatoriamente documentadas em ata, elaborada imediatamente após a conclusão daquelas e assinada pelas pessoas nelas presentes, a qual contém necessariamente a descrição de todos os atos praticados. Nos casos em que haja atribuição de um processo a um juiz, exige-se que fique explicitada na página informática de acesso público do Ministério da Justiça que houve essa atribuição e os fundamentos legais da mesma. (…) As alterações ora introduzidas ao Código do Processo Civil aplicam-se à distribuição de processos não só nos tribunais de 1.ª instância, mas também nos tribunais superiores, concretamente nas Relações e no Supremo Tribunal de Justiça, sendo que nestes últimos se introduzem as seguintes especificidades: (i) a distribuição é feita para apurar aleatoriamente o juiz relator e os juízes-adjuntos de entre todos os juízes da secção competente, sem aplicação do critério da antiguidade ou qualquer outro; (ii) deve ser assegurada a não repetição sistemática do mesmo coletivo de juízes. Estas especificidades justificam-se para eliminar as eventuais cumplicidades existentes entre os juízes que compõem o coletivo decisor do recurso e para favorecer a existência de uma efetiva equipa que aprecia e decide o objeto do recurso. Como é sabido, no atual sistema, o relator a quem é distribuído o processo nos tribunais superiores é, por regra, acompanhado sempre dos mesmos juízes-adjuntos, o que gera climas de confiança excessivos e propícios a análises menos ponderadas por parte destes últimos, sendo exatamente isto que este projeto também pretende evitar. É precisamente para evitar que situações dessas sucedam que se propõe que as distribuições nos tribunais superiores sejam feitas por relator e por juízes-adjuntos, procurando-se garantir que não sejam sempre os mesmos juízes a constituir a dupla decisora (no crime) ou o trio decisor (no cível) (…)”. Sucede que, com a entrada em vigor da referida lei, para além de se ter deixado intocada a previsão do n.º 2 do artigo 652.º do CPC e do artigo 203.º do CPC, não se alterou o regime constante do artigo 218.º do mesmo Código. Em face da conjugação das normas atualmente em vigor pode, assim, questionar-se se, no caso de ocorrer a situação prevista no artigo 218.º do CPC – de se manter o relator, no caso de novo recurso e tenha, no primeiro, ocorrido decisão de anulação ou revogação com remessa do processo à 1.ª instância (caso em que o processo lhe deverá ser atribuído) – se deverá proceder-se, ou não, à distribuição do processo por novos adjuntos em conformidade com o previsto nas mencionadas alíneas do n.º 3 do artigo 213.º do CPC. Do mesmo modo, pode questionar-se se, ocorrendo uma situação de impedimento do relator (ou de algum dos juízes adjuntos), o suprimento dessa situação deverá ser promovido, operando nova distribuição pelo sorteio de novo relator (ou de adjunto) ou pela redistribuição integral – a um novo coletivo – do processo. A questão da distribuição tem estreita correlação com o princípio do juiz natural, com respaldo constitucional – cfr. artigo 32.º, n.º 9 – segundo o qual, “nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior”, sendo um dos vários princípios a ter em conta nas operações de alteração, suspensão, redução da distribuição ou redistribuição de processos (como resulta do disposto no artigo 4.º do Regulamento n.º 269/2021). O princípio do juiz natural ou do juiz legal traduz-se, essencialmente, na predeterminação, assente em critérios objetivos e abstratos, do tribunal competente, proibindo a criação de tribunais ad hoc ou de exceção ou a atribuição da competência a tribunal diverso do que era legalmente competente, expressando, “designadamente, a exigência de determinabilidade do tribunal a partir de regras legais (juiz legal, juiz predeterminado por lei, gesetzlicher Richter) visa evitar a intervenção de terceiros, não legitimados para tal, na administração da justiça, através da escolha individual, ou para um certo caso, do tribunal ou do(s) juíz(es) chamado(s) a dizer o Direito” (cfr., Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 614/2003). É pacífico na doutrina o entendimento segundo o qual, a garantia constitucional (princípio do juiz legal) abrange “não apenas o juiz da sentença em primeira instância, mas todos os juízes chamados a participar numa decisão” (cfr., por exemplo, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1993, p. 207), sendo indiscutível a sua aplicação à composição do tribunal coletivo. * III. Tendo em conta as considerações precedentes, afigura-se-nos possível extrair as seguintes conclusões, que nos ajudam a resolver o problema suscitado no caso em apreço: 1ª) A função da distribuição é – como deriva do disposto no artigo 203.º do CPC – a de repartir, com igualdade, o serviço judicial, designando a secção, a instância e o tribunal em que o processo há de correr ou o juiz que há de exercer as funções de relator (esta designação é, à face do regime vigente, incompleta, uma vez que também poderá importar a determinação de quem deva exercer as funções de adjunto); 2ª) A distribuição nos Tribunais da Relação é feita para apurar aleatoriamente o juiz relator e os juízes-adjuntos de entre todos os juízes da secção competente, sem aplicação do critério da antiguidade ou de qualquer outro, devendo ser assegurada a não repetição sistemática do mesmo coletivo – cfr. artigo 213.º, n.º 3, als. a) e b) do CPC; 3ª) Operada a distribuição nos termos legais e de harmonia com o respeito com o princípio do juiz natural, a situação de impedimento de um dos membros que compõem o tribunal coletivo, não envolve a verificação de qualquer situação de erro ou de irregularidade; 4ª) A verificação ulterior (ao momento da distribuição) de uma situação de impedimento do relator (ou de um juiz adjunto) não afeta a designação distributiva a que se procedeu, nem altera a competência dos demais designados – e não impedidos – para integrarem o coletivo que decidirá o recurso; 5ª) Ocorrendo impedimento posteriormente ao ato de distribuição, a respetiva falta é suprida nos termos previstos no artigo 661.º do CPC; 6ª) A forma de colmatar a falta – em razão de impedimento – do relator determina que se efetue o apuramento do sorteio de novo relator, da forma determinada pela alínea a) do n.º 3 do artigo 213.º do CPC, ou seja, “de entre todos os juízes [não impedidos] da secção competente”; 7ª) A constituição do coletivo com novos juízes adjuntos, na apontada situação, determinaria, na prática, uma situação de desaforamento ilegítimo (cfr. artigo 39.º da LOSJ) e uma contravenção ao princípio do juiz natural, face à designação legal dos juízes, previamente efetuada, determinada pela primeira operação distributiva efetuada (e com referência à determinação dos juízes adjuntos que a lei, à data, então, competia a efetuar); 8ª) Efetivando-se nova distribuição que não atenda à secção competente já determinada, mas que tenha lugar por outras secções que não aquela a que respeita o juiz impedido, ocorrerá erro na nova distribuição efetuada, aplicando-se os termos previstos no n.º 4 do artigo 213.º do CPC, designadamente, com aproveitamento dos vistos já efetuados ou, no caso de não ter ocorrido ainda a aposição de vistos, devendo ser sorteado o juiz relator ou adjunto em falta, dentro da secção primitivamente encontrada (sem prejuízo de não entrarem na operação de sorteio os juízes que se encontrem impedidos nos termos legalmente previstos). No caso em apreço, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu anular o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, determinando “a baixa do processo à Relação a fim de ser apreciado o recurso interposto da decisão sobre a matéria de facto”. Tendo em conta a referida decisão e o disposto no artigo 218.º do CPC, o processo deveria tendencialmente ser atribuído ao primitivo coletivo, pretendendo a lei a continuidade do relator (e dos demais elementos que compõem o coletivo) quando, em consequência de anulação ou revogação, a questão não ficou encerrada. Como se aludiu no Ac. do STA. de 03-12-2020 (Pº 0163/19.1BEPRT, rel. ANA PAULA PORTELA): “Nos termos do art. 218º do CPC é juiz natural do processo aquele que proferiu a primeira decisão no processo ainda que se imponha nova decisão do tribunal na sequência de anulação ou revogação ou ao abrigo dos poderes conferidos pelo nº. 3 do art. 682º do CPC”. Assim, se em consequência de anulação ou revogação da decisão recorrida ou do exercício pelo Supremo Tribunal de Justiça dos poderes conferidos pelo nº. 3 do artigo 682º, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido e dela for interposta e admitida nova apelação ou revista, o recurso é, sempre que possível, distribuído ao mesmo relator. Contudo, no caso em apreço, tendo o processo remetido a este Tribunal da Relação foi verificado que a primitiva relatora já aqui não exercia funções, tendo sido promovida, entretanto, ao Supremo Tribunal de Justiça. Na sequência foi determinada, pelo Senhor Juiz Desembargador “B”, nova distribuição dos autos, por analogia com o disposto no n.º 1 do artigo 217.º do CPC. A “nova distribuição” abrangeu o sorteio dos três elementos do coletivo, quando, certo é que, o ato distributivo apenas teria a função de determinação, por sorteio, do elemento que tinha cessado funções neste Tribunal, por promoção, considerando a Senhora Juíza Desembargadora “D” que não cabe ao substituto legal decidir se a promoção justifica ou não segunda distribuição. Independentemente desta última questão, certo é que, a situação gerada configura um conflito de distribuição sobre o modo como a nova distribuição deve ser concretizada. Ora, verificado o impedimento, por promoção, da Senhora Juíza Desembargadora “A”, competiria efetuar o sorteio para apuramento do novo relator do processo. Contudo, não foi esse o ato executado, tendo sido apurados, inovatoriamente, três novos juízes, sem que, os anteriores adjuntos tenham, de algum modo, visto perder a respetiva competência. Em suma: O conflito de distribuição em apreço deverá, em conformidade, ser decidido no sentido de dever ter lugar, tão só, o sorteio do juiz desembargador que deverá exercer as funções de relator, a encontrar junto da 7.ª secção onde o processo pendeu inicialmente, dando-se baixa da última distribuição efetuada e mantendo-se a competência do Senhor Juiz Desembargador “B” - como 1.º adjunto - e a da Senhora Juíza Desembargadora “C”-como 2.ª adjunta. * IV. Nos termos expostos, decide-se o presente conflito de distribuição, no sentido de dever ter lugar, tão só, o sorteio do juiz desembargador que deverá exercer as funções de relator, a encontrar junto da 7.ª secção onde o processo pendeu inicialmente, mantendo-se a competência para integrarem o respetivo tribunal coletivo, do Senhor Juiz Desembargador “B”- como 1.º adjunto - e da Senhora Juíza Desembargadora “C” - como 2.ª adjunta. Notifique e d.n., determinando-se a remessa dos autos à secção central, para que seja dada baixa na distribuição ultimamente efetuada. Lisboa, 29-01-2025, Carlos Castelo Branco. |