Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
452/20.2YHLSB.L1-PICRS
Relator: ANA ISABEL MASCARENHAS PESSOA
Descritores: PROPRIEDADE INDUSTRIAL
MARCAS
RISCO DE CONFUSÃO
RISCO DE ASSOCIAÇÃO
SINAIS MISTOS
DISTINTIVIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Para haver imitação, a marca deve ter tal semelhança gráfica, figurativa ou fonética com outra já registada que induza facilmente em erro ou confusão o consumidor, não podendo este distinguir as duas senão depois de exame atento ou confronto.
II. Do carácter e da função distintivos da marca decorre a insusceptibilidade de registo como marca, de sinais meramente descritivos, usuais ou necessários, por serem desprovidos de distintividade.
III. São descritivos os sinais que possam servir no comércio para designar a espécie, ou conjunto de coisas semelhantes entre si por terem uma ou várias características comuns, ou a qualidade, ou conjunto de propriedade ou conjunto de propriedades inerentes a uma coisa que permitem aprecia-la como igual, melhor ou pior que as restantes da sua espécie, como «excelente», «supremo», «extraordinário» e outras equivalentes.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação, Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa

I. RELATÓRIO.
Carlton Palácio – Sociedade de Construção e Exploração Hoteleira, SA e Porto Carlton – Sociedade de Construção e Exploração Hoteleira, SA., vieram, ao abrigo do disposto nos artigos 38º e seguintes do Código da Propriedade Industrial, interpor recurso do despacho do Diretor de Marcas do INPI que concedeu o registo da marca nacional n.º 637306 .
Alegaram, em síntese, que o despacho do INPI carece de fundamentação e por isso deverá ser declarado nulo, que o facto de esta marca reproduzir a palavra “vintage”, deverá levar a concluir pela existência de risco de confusão para os consumidores, nomeadamente, com as marcas de que cada uma é titular - PESTANA VINTAGE LISBOA e PESTANA VINTAGE PORTO - e que por isso deverá ser recusado o seu registo, sendo que a sua concessão potenciará a concorrência desleal ainda que não intencional.
Cumprido o artigo 43º do CPI, o INPI remeteu cópia do processo administrativo, e regularmente citada a Requerida, a mesma contestou, pugnando pela improcedência da impugnação judicial.
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Veio então a ser proferida sentença cujo em cujo decreto judicial se decidiu:
“- Mantenho o despacho recorrido que deferiu o pedido de registo da marca nacional nº 637306
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Inconformadas com tal decisão, vieram as sociedades Carlton Palácio – Sociedade de Construção e Exploração Hoteleira, SA e Porto Carlton – Sociedade de Construção e Exploração Hoteleira, SA., dela interpor o presente recurso de apelação, apresentando as seguintes conclusões:
“A) Vem o presente recurso interposto da douta sentença que confirmou o despacho do INPI que concedeu o registo de marca nacional n.º 637.306 THE VINTAGE HOTEL & SPA (fig.ª).
B) Ao contrário do entendimento expresso na douta sentença apelada, a marca em causa nunca deveria ter sido objecto de protecção, porquanto constitui uma imitação dos sinais prioritariamente registados pelas Apelantes e o seu uso e registo é suscetível de propiciar actos de concorrência desleal.
C) A discordância das Apelantes quanto à sentença recorrida começa logo na lista de factos assentes, mormente o facto – rectius: o conjunto de factos – ali carreados como ponto 10.
D) Os sinais ali elencados não tinham sido trazidos à baila, nem pelo INPI em sede de processo administrativo, nem pelas partes durante o processo em primeira instância; ora, não cabia ao tribunal substituir-se às partes, carreando tais factos aos autos, tendo assim exorbitado claramente dos seus poderes.
E) Atenta a citada incorrecção no apuramento da matéria de facto, deve o ponto 10 da lista de factos assentes ser eliminado.
Sem prescindir,
F) Já que o tribunal recorrido resolveu tomar a si aquela tarefa, o mínimo que se poderia esperar era que tivesse sido consequente, apurando convenientemente o estado dos direitos correspondentes àqueles sinais.
G) De facto, consultando a base de dados do INPI, dos cinco processos listados no citado ponto 10: não se encontram quaisquer marcas nacionais com os n.ºs 15.289 e 14.108; a marca nacional n.º 557.344 viu o seu registo recusado, e o pedido de registo da marca nacional n.º 557.343 foi retirado antes de decisão; finalmente, a marca nacional n.º 587.631, embora registada, corresponde a uma composição mista em que a palavra VINTAGE assume um papel menor.
H) Assim, caso não se entenda que o ponto 10 da lista de factos assentes deve ser eliminado – o que só a benefício do argumento se aceita – deve este passar a assumir a seguinte redacção: “Existe o registo de marca nacional n.º 587.361, solicitado a 24 de Agosto de 2017 e concedido a 3 de Abril de 2018 para assinalar serviços de disponibilização de alojamento em hotéis e motéis”, na classe 43, tendo a marca em causa a configuração mista ;
I) As Apelantes juntam, como prova do que vai dito acima, os Docs. 1 a 5 anexos, cuja junção é plenamente admissível ao abrigo do art. 651.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
J) De facto, o julgamento do tribunal a quo introduziu um elemento de novidade com que as Apelantes não podiam razoavelmente contar, lançando ex officio mão de um meio probatório inesperado sem lhes propiciar o exercício do contraditório (tão mais importante quanto, como se viu, há muito que dizer sobre a real situação daquelas marcas).
K) No que respeita à questão substancial de mérito, e ao contrário do entendimento expresso na douta sentença apelada, a marca  em causa constitui uma imitação dos sinais prioritariamente registados pelas Apelantes, designadamente a marca nacional n.º 634.049 PESTANA VINTAGE LISBOA da Primeira Apelante e a marca da União Europeia n.º 13.757.091 PESTANA VINTAGE PORTO da Segunda Apelante, ambas registadas para serviços da classe 43 (art.º 232.º n.º 1 b) do CPI).
L) Com efeito, estão preenchidos os três requisitos cumulativos da figura da imitação de marca, a saber: prioridade dos direitos (questão não controvertida); identidade/afinidade dos produtos a assinalar (questão não controvertida; e semelhança qualificada dos sinais (art.º 238.º n.º 1 do CPI).
M) A sentença apelada considerou que falhava o terceiro dos elencados requisitos, entendendo que o pedido de registo não criará risco de confusão com as marcas da Apelante.
N) No caminho para tal conclusão, todavia, o tribunal a quo incorre em falácias múltiplas – algumas ‘importadas’ do despacho do INPI, outras originais - , exorbita claramente dos poderes que possui e tem em consideração elementos que são, de acordo com a lógica do direito marcário, mas também de acordo com doutrina e jurisprudência perfeitamente pacíficas nos nossos dias, totalmente espúrios ao processo.
O) Mais bizarro que tudo, o Tribunal enuncia correctamente diversos princípios doutrinais e jurisprudenciais que se aplicam na avaliação do risco de confusão entre marcas, mas decide de forma contraditória, não os aplicando ao caso concreto.
P) De facto, a sentença impugnada, por um lado, pinta um verdadeiro ‘retrato’ da marca sub judice como sendo de extrema complexidade - referindo-se mesmo a um ‘universo’ de elementos -, que é imediatamente desmentido pelo confronto real com a marca e pela análise das suas componentes nominativa e figurativa.
Q) Basta ver que o tribunal a quo se refere ao elemento desenhístico como sendo ““de tal maneira marcante que o permite distinguir de qualquer outra das marcas da recorrente”; ora, olhando-se para a marca em causa, logo se constata que um tal elemento não passa de uma estilização, no mais simples dos tipos de letra, das palavras que compõem o sinal, sendo certo que tal estilização ainda contribui para mais destacar a expressão THE VINTAGE ao grafá-la em tamanho superior aos restantes vocábulos…
R) Por outro lado, a mesma sentença impugnada insiste até à exaustão, e nunca com bons argumentos, num suposto carácter não distintivo da palavra VINTAGE, partilhada pelas marcas em confronto.
S) Já se viu que o único verdadeiro suporte de uma tal linha de pensamento era a lista de marcas carreada aos autos como ponto 10 da lista de factos assentes; e que, dessa lista de marcas – já de si relativamente escassa – apenas uma, e bem pouco conclusiva, está numa situação registral que possa relevar aqui.
T) De resto, e apenas a benefício do argumento, sempre se diga que ainda que aquelas marcas, ou muitas mais, coexistissem no registo, tal não provaria o seu efectivo uso, e portanto, quedaria por provar a sua coexistência no mercado; ora, só a sua coexistência no mercado permitiria inferir a exposição reiterada dos consumidores à expressão VINTAGE, associada a serviços da classe 43, e daí retirar qualquer conclusão relevante.
U) Mais tergiversa o tribunal a quo quando acriticamente aceita por bons os argumentos, esgrimidos pela parte contrária e/ou acolhidos no despacho do INPI, de que a existência de um registo para uma marca anterior da Apelada (marca nacional n.º 570.414  ) ou a sua própria denominação social (VINTAGE SMALL HOTELS, S.A.) teriam influência no desfecho do presente litígio, determinando a concessão do registo.
V) Nenhum daqueles direitos tem a virtualidade de relevar para o que é o objecto do litígio de que curamos, e que diz respeito unicamente ao confronto entre a marca nacional n.º 637.306  e as marcas prioritárias da Apelante. Com efeito, quer no caso da marca nacional n.º 570.414  quer no caso da denominação social:
a. Trata-se de direitos posteriores ao registo e/ou ao pedido de registo da marca mais antiga invocada como fundamento da reclamação (a marca da União Europeia da Segunda Apelante);
b. Trata-se de sinais compostos por vários elementos, elementos esses bastante diferentes dos que integram marca de que aqui curamos, o que por si só inviabilizaria que a partir da protecção que, bem ou mal, já lhes foi concedida, se pudesse inferir seja o que for quanto à susceptibilidade de protecção da marca  ;
c. Trata-se de sinais perfeitamente espúrios à decisão a tomar; basta pensar que aquelas decisões poderiam, em abstracto, ter sido mal tomadas, serem em última análise ilegais – alargar a elas o objecto do presente litígio é turvar o que é por natureza límpido.
W) Além da consideração daqueles sinais - como se disse espúrios -, o tribunal a quo ainda se permitiu tirar conclusões quanto à percepção que o público teria ou não, efectivamente, dos estabelecimentos hoteleiros das Apelantes, e adivinhar a que termos em concreto os associaria, o que não lhe era lícito fazer, desde logo porque não há qualquer suporte probatório para isso (confira-se novamente a lista de factos assentes);
X) Todas estas falácias e tergiversações acabaram por desviar o tribunal da tarefa que se revelava essencial para a resolução do presente litígio, a comparação entre a marca  e as marcas PESTANA VINTAGE LISBOA e PESTANA VINTAGE PORTO das Apelantes.
Y) Ora, no que a essa comparação concerne, não se vê como se pode ela deixar de se focar na partilha da marca VINTAGE – que é absolutamente dominante, até graficamente, na marca da parte contrária, e que é parte característica das marcas da Apelante (nada na lei exige que seja a única parte característica para que a marca se diga imitada).
Z) Tal justaposição determina uma fortíssima semelhança entre os sinais em confronto, semelhança essa que não pode deixar de impressionar vivamente o consumidor médio de serviços hoteleiros e induzi-lo a todo o tipo de confusões e erróneas associações.
AA) Tal proximidade é visual, é fonética mas é também conceptual.
BB) A este respeito, verifique-se que, quando a sentença reitera – como já se disse sem fundamento – a ideia de que VINTAGE seria uma expressão fraca, quando não mesmo descritiva, por evocar a um tempo o classicismo e a qualidade, nenhum dos sectores/áreas a que se refere – roupa, veículos, mobiliário – coincide com o que aqui está em causa.
CC) Esta precisão não é despicienda, porquanto, caso tivesse um lastro de realidade essa conotação da palavra VINTAGE com aquele significado que lhe dá a sentença – o que se aceita meramente a benefício do argumento -, isso apenas diminuiria a capacidade distintiva deste sinal para determinados produtos, aqueles em relação aos quais fosse verosímil pensar na tal origem (temporal) clássica.
DD) Não se vê já como tal raciocínio poderia encontrar paralelo para serviços, designadamente os de restauração e hotelaria na classe 43, porquanto estes são, por natureza, marcados pelo imediatismo: não pode uma empresa oferecer no mercado um serviço de hotelaria a ser prestado em 1980…
EE) Neste sector de actividade, o mais que se poderia dizer – e já seria muito – é que a palavra VINTAGE poderia evocar uma certa nostalgia de outras eras, o que a tornaria, quando muito, um vocábulo meramente alusivo (e portanto, perfeitamente apropriável).
FF) Mas nesta medida, a consideração ideográfica, semântica, das marcas em confronto, longe de poder afastar o risco de confusão, mais contribuiria para o exacerbar.
GG) Finalmente, precisamente porque há esse risco de confusão entre os serviçosdas Apelantes e da Apelada, entre os seus sinais e as suas empresas, não pode deixar de se afirmar também que o uso e registo da marca sub judice daria azo a situações de concorrência desleal, o que constitui fundamento adicional de recusa do registo (art.º 311.º do CPI e alínea h) do n.º 1 do art. 232.º do CPI).
HH) Tudo considerado, torna-se evidente o prejuízo que advirá, para as Apelantes e para o tráfego comercial leal e honesto, da manutenção do registo e/ou do uso da marca nacional da Apelada.
Terminou referindo que deve a presente apelação ser julgada procedente, revogando-se em consequência a douta sentença apelada, e recusando-se consequentemente o registo da marca nacional n.º 637.306 THE VINTAGE HOTEL & SPA (fig.ª).
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A Apelada contra-alegou, pedindo, após motivação, que se negue provimento ao presente recurso, confirmando a Sentença recorrida, nos seus precisos termos      
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II. QUESTÕES A DECIDIR.
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, importa, no caso, apreciar e decidir da nulidade da decisão recorrida e se deve ser eliminado o ponto 10 da matéria de facto provada, e se deve revogada a decisão que concedeu o registo da marca em causa nos autos, por existir risco de confusão com os sinais de que são titulares as ora Recorrentes, imitação dos mesmos ou possibilidade de concorrência desleal, como entendem as Recorrentes.
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III. Fundamentação
III.1. Os factos
1 – A recorrente Carlton Palácio é titular da marca da nacional nº 634049 “PESTANA VINTAGE LISBOA”.
2 – Tal marca foi requerida em 25/11/2019 e concedida em 03/03/2020, para assinalar na classe 43 da Classificação Internacional de Nice, «SERVIÇOS DE HOTÉIS E ALOJAMENTO TEMPORÁRIO; SERVIÇOS DE RESERVA DE HOTÉIS E DEALOJAMENTO TEMPORÁRIO; ORGANIZAÇÃO E FORNECIMENTO DE ALOJAMENTO PARA FÉRIAS ERESERVAS DE ALOJAMENTO; SERVIÇOS DE RESTAURAÇÃO, DE SNACK-BAR, DE RESTAURANTES (SELF-SERVICE), DE CAFETARIA, DE CAFETARIA (SELF-SERVICE), DE BAR, DE CATERING E DE GELATARIA; SERVIÇOS DE FORNECIMENTO DE ALIMENTOS E BEBIDAS».
3- A recorrente Porto Carlton é titular da marca da União Europeia nº 013757091 “PESTANA VINTAGE PORTO”.
4 – Tal marca foi pedida em 20/02/2015 e concedida em 23/11/2016, para assinalar na classe 43 da Classificação Internacional de Nice:
«SERVIÇOS DE HOTÉIS E ALOJAMENTO TEMPORÁRIO; SERVIÇOS DE RESERVA DE HOTÉIS E DEALOJAMENTO TEMPORÁRIO; ORGANIZAÇÃO E FORNECIMENTO DE ALOJAMENTO PARA FÉRIAS ERESERVAS DE ALOJAMENTO; SERVIÇOS DE RESTAURAÇÃO, DE SNACK-BAR, DE RESTAURANTES(SELF-SERVICE), DE CAFETARIA, DE CAFETARIA (SELF-SERVICE), DE BAR, DE CATERING E DEGELATARIA; SERVIÇOS DE FORNECIMENTO DE ALIMENTOS E BEBIDAS».
5 - A recorrida pediu em 30/01/2020 o registo da marca nacional mista nº637306  , tendo o mesmo sido concedido em 31/07/2020.
6 - Tal marca destina-se a assinalar na classe 43 da Classificação Internacional de Nice, os seguintes produtos/serviços: SERVIÇOS DE FORNECIMENTO DE COMIDA E BEBIDA; SERVIÇOS HOTELEIROS;
7 - As Recorrentes reclamaram contra o pedido de registo alegando a reprodução das suas marcas prioritárias e afinidade entre produtos.
8 – A recorrida tem a denominação social de «Vintage Small Hotels, SA», a qual foi registada, por alteração da anterior, em 29/09/2017, cfr. certidão junta a fls. 72v a 77v.
9 – A recorrida é titular da marca nº 570414 , pedida em 20/09/2016 e concedida em 15/03/2017 para assinalar na classe 43 da Classificação Internacional de Nice «Serviços de fornecimento de comida e bebida; serviços hoteleiros.
10 - Existem as seguintes marcas que contêm o vocábulo “Vintage”, cfr. site oficial do INPI:
- marca nº 15289 «CS Vintage Lisboa Hotel» pedida em 26/02/2008;
- marca nº 14108 «CS Vintage Porto Hotel» pedida em 26/02/2008;
- marca nº 587361 «Estoril Vintage Hotel» pedida em 19/12/2017;
- marca nº 557344 «Vintage Lisboa Hotel» pedida em 02/12/2017;
- marca nº 557343 «Vintage Hotel» pedida em 02/12/2015.
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III.2. Do artigo10ºda matéria de facto.
As Recorrentes insurgem-se contra a sentença recorrida, desde logo por entenderem que o conjunto de factos dado como assente sob o n.º 10 nunca devia ter sido levado à sentença, tendo a sua conclusão exorbitado manifestamente dos poderes do tribunal recorrido, devendo pois ser eliminado dos factos provados.
Entendem, por outro lado, que na sua formulação incompleta, são falaciosos na melhor das interpretações e falsos na pior, devendo, apenas podendo manter-se o facto modificado como se segue:
“Existe o registo de marca nacional n.º 587.361, solicitado a 24 de Agosto de 2017 e concedido a 3 de Abril de 2018 para assinalar serviços de “disponibilização de alojamento em hotéis e motéis”, na classe 43, tendo a marca em causa a configuração mista     .
Vejamos.
A invocada ultrapassagem dos poderes do Tribunal pode consubstanciar a arguição da nulidade prevista no artigo prevista no artigo 615º, al. d) do Código de Processo Civil
Tal questão tem de ser apreciada, naturalmente, com prevalência sobre as demais, pois que a sua eventual procedência implica, de facto, a nulidade da decisão proferida, conforme é pelas Recorrentes sustentado.
A nulidade invocada consiste, como se referiu, na violação, por parte da decisão recorrida, do disposto no artigo 615º, nº 1, al. d), do Código de Processo Civil, que prevê os casos de por conhecimento de questões não invocadas e encontra-se em estreita conexão com os comandos ínsitos nos artigos 608.º e 609.º do Código de Processo Civil.
A violação das normas processuais que disciplinam, em geral e em particular (artigos 607º a 609º do Código de Processo Civil), a elaboração da sentença - do acórdão - (por força do nº 2 do artigo 663º e 679º), enquanto ato processual que é, consubstancia vício formal ou error in procedendo e pode importar, designadamente, alguma das nulidades típicas previstas nas diversas alíneas do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil (aplicáveis aos acórdãos ex vi nº 1 do artigo 666º e artigo 679º do Código de Processo Civil).
Prescreve a alínea d), segunda parte, do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil que é nula a sentença quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, sendo, questões a conhecer, em sede de recurso, as que o recorrente tenha suscitado nas conclusões das suas alegações recursivas e as questões que sejam de conhecimento oficioso.
No caso dos autos, o Tribunal não conheceu de questões que lhe estavam vedadas, pois a existência de outros sinais comportando o vocábulo “Vintage” havia já sido referido pelo INPI na decisão impugnada, como as Recorrentes bem sabem, pois na impugnação judicial arguiram a nulidade da decisão administrativa com fundamento na circunstância de se ter feito tal referência sem especificar exemplos de tais sinais.
Na verdade, na referida decisão do INPI pode ler-se:
“Por último, consideramos que, pese embora as marcas em confronto tenham em comum a designação “Vintage”, compulsados os registos, verifica-se que existem outros sinais que integram a mesma denominação e que a mesma corresponde ao elemento característico da denominação social da Requerente [aqui Recorrida], o que nos permite concluir que a semelhança que possa existir não é suscetível de gerar o risco de confusão ou de associação necessário para que se considere preenchido o conceito jurídico de imitação (…)”
“Mais ainda, confirmamos que a Requerente [aqui Recorrida] já é titular do registo de marca nacional n.º 570414 THE VINTAGE LISBOA HOTEL [mista], requerida em 20.09.2016 e concedida mediante despacho de 15.03.2017, para os “serviços de fornecimento de comida e bebida; serviços hoteleiros” na classe 43 da Classificação Internacional de Nice”.
Assim, tendo indicado alguns exemplos de sinais pedidos que incluem tal expressão, o Tribunal não excedeu os seus poderes, apenas concretizou os factos constantes da decisão recorrida, procedendo à citação de exemplos de marcas que considerou usarem o termo referido, para reforçar o seu entendimento de que a existência do mesmo no sinal em discussão não impõe a existência de perigo de confusão com os sinais das Recorrentes, pouco importando neste contexto de apreciação de nulidade, se o fez na errada convicção de que se encontram regularmente registados como marcas.
Cabe notar que, nos termos do disposto no artigo 38º do Código da Propriedade Industrial, o recurso da decisão do INPI para o Tribunal da Propriedade Intelectual é de plena jurisdição, não estando em causa a mera reapreciação do acto praticado pelo INPI, podendo ser alegados/aditados novos factos relevantes para a boa decisão da causa, bem como novos meios de prova.
 Pelo que, consequentemente, não ocorreu o apontado excesso de pronúncia.
Improcede, pois, a apelação neste ponto.
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A pretensão recursiva quanto ao ponto 10 dos factos provados pode ser, numa outra perspectiva, considerada como impugnação da matéria de facto ali considerada.
O objeto do conhecimento do Tribunal da Relação em matéria de facto é conformado pelas alegações e conclusões do recorrente – este tem, não só a faculdade, mas também o ónus de no requerimento de interposição de recurso e respetivas conclusões, delimitar o objeto inicial da apelação – cf. artigos 635º, 639º e 640º do Código de Processo Civil.
Assim, sendo a decisão do tribunal «a quo» o resultado da valoração de meios de prova sujeitos à livre apreciação, desde que a parte interessada cumpra o ónus de impugnação prescrito pelo artigo 640º citado, a Relação, como tribunal de instância, está em posição de proceder à sua reavaliação, expressando, a partir deles, a sua convicção com total autonomia, de acordo com os princípios da livre apreciação (artigo 607º, nº 5, do Código de Processo Civil), reponderar as questões de facto em discussão e expressar o resultado que obtiver: confirmar a decisão, decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo.
Ora, em face do teor dos documentos juntos pelas Recorrentes, impõe-se reconhecer que o conjunto de factos dados como provados no artigo 10º dos factos assentes não pode permanecer.
Na verdade, embora ali se faça menção às marcas com os números 15289 e 14108, estes são na realidade pedidos de logótipos nacionais, e não de marcas nacionais, a marca nacional n.º 557344 viu o seu registo recusado, e a marca nacional n.º 557343 foi retirada. Não é verdade, pois, que existam a totalidade das marcas ali referidas.
Impõe-se,pois, a correcção da decisão proferida quanto ao ponto 10) da nos seguintes termos:
“10 – Foram pedidos os registos dos seguintes sinais que contêm o vocábulo “Vintage”, cfr. site oficial do INPI:
- logótipo nº 15289 «CS Vintage Lisboa Hotel» pedida em 26/02/2008
- logótipo nº 14108 «CS Vintage Porto Hotel» pedida em 26/02/2008
08/17
- marca nº 587361 «Estoril Vintage Hotel» pedida em 19/12/2017
- marca nº 557344 «Vintage Lisboa Hotel» pedida em 02/12/2017
- marca nº 557343 «Vintage Hotel» pedida em 02/12/2015”;
O que se determina.
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III.3. Fundamentação de direito.
Importa agora apurar se a concessão da marca em causa nos autos viola os direitos invocados pelas Recorrentes, por criarem risco de confusão ou associação com os mesmos. Note-se que é este o fundamento das pretensões recursivas das Recorrentes, e não qualquer outro, designadamente a apreciação da distintividade “per se” da marca da Recorrida.
Vejamos então.
O artigo 61º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa estabelece o princípio da liberdade de iniciativa económica privada, nos termos do qual o exercício da atividade económica privada, e por isso, da atividade comercial, é livre, desde que respeite os limites impostos pela Constituição e pela lei.
Tal princípio pressupõe a existência de uma pluralidade de sujeitos económicos diferenciados que atuam em direção a um mercado - pois à liberdade de iniciativa de um, contrapõe-se a liberdade de iniciativa dos demais - e assim, uma multiplicidade indiscriminada de sujeitos económicos atuando no mercado - a concorrência.
O modelo económico de mercado que as regras da concorrência visam preservar é caracterizado por ser um mercado aberto, no qual as modificações da oferta e da procura se reflitam nos preços, a produção e a venda não sejam artificialmente limitadas e a liberdade de escolha dos fornecedores, compradores e consumidores não sejam postas em causa.
A liberdade que enforma as atuações dos vários agentes económicos não significa que as mesmas se processem de uma forma desordenada e se atropelem umas às outras.
A existência de uma pluralidade de agentes que convergem em relação a um mesmo mercado impõe a necessidade de ordenar essas atuações para que os mercados funcionem regularmente.
A propriedade industrial corresponde a essa necessidade de ordenar a liberdade de concorrência, que se processa essencialmente por duas formas:
- através da atribuição da faculdade de utilizar, de forma exclusiva ou não, certas realidades imateriais;
- pela imposição de determinados deveres no sentido de os vários sujeitos económicos que operam no mercado procederem honestamente.
A primeira das referidas formas abrange os direitos privativos da propriedade industrial.
A segunda refere-se à repressão da concorrência desleal.
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O regime jurídico das marcas enquanto direito de propriedade industrial, subsistindo estratificado em diversos níveis territoriais de proteção, encontra-se atualmente harmonizado a nível da União Europeia.
No âmbito do direito interno, dispõe o artigo 210º do Código da Propriedade Industrial aprovado pelo Dec. Lei n.º110/2018 que o registo da marca confere ao seu titular o direito de propriedade e do exclusivo dela para os produtos e serviços a que esta se destina.
A marca constitui, pois, o sinal distintivo que permite identificar o produto ou serviço proposto ao consumidor – é o sinal adequado a distinguir os produtos e serviços de uma determinada origem empresarial em face dos produtos e serviços dos demais (cf. o artigo 222º do CPI/2003, e actualmente o artigo 208º do CPI/2018).
Da conjugação de tais preceitos com os que enumeram os sinais insusceptíveis de ser registados como marca e os fundamentos absolutos de recusa de registo (cf. artigos 223º e 238º CPI/2003, 209º e 231º CPI/2018 e artigos 7º e 8º do Regulamento da Marca da União Europeia) resulta que para que um sinal possa constituir uma marca o mesmo tem de possuir carácter distintivo.
A marca tem, assim:
- uma função distintiva, na medida em que distingue e garante que os produtos ou serviços se reportam a uma procedência empresarial,  que assume em relação aos mesmos o ónus pelo seu uso não enganoso;
- uma função de garantia de qualidade dos produtos na medida em que, não obstante não garanta directamente, a qualidade dos produtos ou serviços marcados, o faz indirectamente por referência dos produtos ou serviços a uma origem não enganosa;
- uma função publicitária, já que, em complemento da função distintiva, pode contribuir, por si mesma, para a promoção dos produtos ou serviços que assinala.
Ela pode, nos termos do disposto no artigo 222º do CPI/2003 e dos artigos 208º CPI/2018 e 4º do RMUE, ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais suscetíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respetiva embalagem, entre outros (ou, actualmente, flexibilizado que foi o modo de representação dos sinais, por um sinal, ou conjunto de sinais que permita determinar de modo claro e preciso, o objecto da protecção conferida ao seu titular, desde que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas, admitindo-se designadamente a cor única).
Em matéria de composição das marcas vigora, pois, o princípio da liberdade.
Este princípio sofre, porém, limitações de vária ordem.
Dada a função que exerce de identificar o produto ou serviço por referência à sua origem, a marca tem de ser protegida por um direito privativo absoluto em benefício dessa origem. Por isso, a reprodução ou imitação, total ou parcial, da marca anteriormente registada é proibida, nos termos que melhor se explicitarão.
Assim, nos termos dos artigos 239º e 245º do CPI/2003 e dos artigos 231º e ss. do CPI/2018 e 7º e 8º do RMUE) a marca não pode ser idêntica nem semelhante a outra anteriormente registada para produtos iguais ou afins, devendo ser constituída por forma a não se confundir com outra anteriormente adotada e registada para os mesmos ou semelhantes produtos.
Da conjugação de tais preceitos resulta que deve ser recusado o registo da marca quando esta constitua imitação de uma outra, sendo requisitos dessa imitação:
i. que a marca imitada esteja registada com prioridade;
ii. que ambas as marcas se destinem a assinalar bens ou serviços idênticos ou afins;
iii. que entre elas exista uma semelhança (gráfica, fonética ou outra) que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão ou risco de associação, de forma que o consumidor as não possa distinguir senão após exame atento ou confronto.
Do carácter e da função distintivos da marca decorre a insusceptibilidade de registo como marca, de sinais meramente descritivos, usuais ou necessários, por serem desprovidos de distintividade; tais sinais devem manter-se disponíveis para serem livremente utilizados por todos os agentes económicos.
Por de relevância para o caso, impõe-se recordar, com Fernandez-Nóvoa[1], que são descritivos os sinais que possam servir no comércio para designar a espécie, ou conjunto de coisas semelhantes entre si por terem uma ou várias características comuns, ou a qualidade, ou conjunto de propriedade ou conjunto de propriedades inerentes a uma coisa que permitem aprecia-la como igual, melhor ou pior que as restantes da sua espécie, como «excelente», «supremo», «extraordinário» e outras equivalentes. Estes adjectivos não podem ser monopolizados a título de marca relativamente a qualquer classe de produtos – quaisquer indicações relativas à qualidade dos produtos ou serviços devem permanecer na livre disponibilidade de todos os empresários.
No caso de sinais que possuam capacidade distintiva residual, ou mínima, que lhes permite beneficiar do registo – as marcas fracas – constituídas quase exclusivamente por elementos de uso comum ou vulgarizado, “o juízo sobre a confundibilidade deverá ser menos severo, já que a comparação com outras marcas deverá limitar-se à parte que seja original”.
Com relevo para o caso importa ainda mencionar a proibição das marcas genéricas, constituídas exclusivamente por sinais descritivos, usuais ou necessários (artigos e 223º, n.º 1 CPI/2003 e 209º, n.º 1 CPI/2018 e 7º, n.º 1 RMUE).
Ressalvados estão os casos em que na prática comercial, tais sinais tiverem adquirido eficácia distintiva (cf. artigos 7º, n.º 3 do RMUE, 223º, n.º 2 do CPI/2003 e 209º, n.º 2 do CPI/2018) – é a regra conhecida por “secondary meaning”, que admite a capacidade distintiva de um sinal, originariamente privado da mesma, que “se converte, por consequência do uso e de mutações semânticas ou simbólicas, num sinal distintivo de produtos ou serviços, reconhecido como tal, no tráfico económico, através do seu significado secundário”.
Recentemente, no Acórdão de 06.12.2018 o Tribunal de Justiça da União Europeia considerou, a pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Supremo Tribunal de Justiça, descritiva a marca “adegaborba.pt”. Ali se entendeu que “quando um sinal que serve para designar um produto junta dois elementos verbais, ou seja, um termo descritivo e um nome geográfico, como «Borba» no caso em apreço, reportando‑se à proveniência geográfica desse produto, que é também descritiva do mesmo, deve considerar‑se que o sinal composto por esses dois elementos verbais tem caráter descritivo e, como tal, é desprovido de caráter distintivo.”[2]
Ali pode ler-se que:

“(…) ao utilizar, no artigo 3.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2008/95, a expressão «a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos», o legislador da União, por um lado, indicou que esses termos devem ser todos considerados características de produtos ou de serviços e, por outro, precisou que esta lista não é exaustiva, podendo igualmente ser tida em conta qualquer outra característica de produtos ou de serviços (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de março de 2011, Agencja Wydawnicza Technopol/IHMI, C‑51/10 P, EU:C:2011:139, n.o 49, e de 10 de julho de 2014, BSH/IHMI, C‑126/13 P, não publicado, EU:C:2014:2065, n.o 20).
19. A este título, a escolha, pelo legislador da União, do termo «característica» realça o facto de os sinais visados pela referida disposição não serem os que servem para designar uma propriedade, facilmente reconhecível pelos meios interessados, dos produtos ou dos serviços para os quais é pedido o registo (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de março de 2011, Agencja Wydawnicza Technopol/IHMI, C 51/10 P, EU:C:2011:139, n.o 50, e de 10 de julho de 2014, BSH/IHMI, C 126/13 P, não publicado, EU:C:2014:2065, n.o 21).
20. Por conseguinte, o registo de um sinal só pode ser recusado com fundamento no artigo 3.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2008/95 se for razoável prever que será efetivamente reconhecido pelos meios interessados como uma descrição de uma das referidas características (v., neste sentido, Acórdão de 10 de julho de 2014, BSH/IHMI, C 126/13 P, não publicado, EU:C:2014:2065, n.o 22).
21. Como foi confirmado na audiência de alegações, o termo «adega», em causa no litígio no processo principal, tem dois significados na língua portuguesa. O primeiro é o de um local subterrâneo no qual é, nomeadamente, conservado o vinho. O segundo remete para locais ou instalações nos quais são elaborados produtos vinícolas, como o vinho.
22. Na medida em que, numa situação como a que está em causa no processo principal, um termo remeta para um local de produção de um produto, como o vinho, ou para uma instalação na qual este é elaborado, o mesmo constitui, em princípio, uma indicação que pode servir para designar uma propriedade deste produto facilmente reconhecível pelos meios interessados.
23. Com efeito, regra geral, os meios interessados entenderão o termo «adega» como uma referência à instalação na qual o vinho é elaborado e armazenado, e, portanto, como uma referência às propriedades deste produto, tal como acontece tratando se da proveniência geográfica ou da época da produção desse produto, mencionadas, a título de exemplo, no artigo 3.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2008/95.
24. Por conseguinte, um termo que designa essa instalação constitui uma característica deste produto e é abrangido pelo campo de aplicação desta disposição. Deve, pois, ser considerado descritivo do produto que designa.
25. Daí decorre que, quando um sinal que serve para designar um produto junta dois elementos verbais, ou seja, um termo descritivo e um nome geográfico, como «Borba» no caso em apreço, reportando se à proveniência geográfica desse produto, que é também descritiva do mesmo, deve considerar se que o sinal composto por esses dois elementos verbais tem caráter descritivo e, como tal, é desprovido de caráter distintivo.
26. A circunstância, supondo a demonstrada, de um nome geográfico constituir uma denominação de origem protegida ao abrigo do Regulamento n.o 1308/2013 não é de todo suscetível de pôr em causa esta interpretação, uma vez que resulta do artigo 102.o desse regulamento que, em substância, tal denominação não pode ser registada como marca comercial.
27. Além disso, o facto de um termo que serve para designar o local de produção de um produto ou a instalação na qual esse produto é elaborado fazer parte dos diferentes elementos verbais da denominação social de uma pessoa coletiva é irrelevante para efeitos do exame do caráter descritivo desse termo, tendo em conta a circunstância de que esse exame é efetuado em relação ao produto para o qual o registo da marca é pedido e em relação à perceção que dele têm os meios interessados (v., neste sentido, Acórdãos de 12 de fevereiro de 2004, Koninklijke KPN Nederland, C 363/99, EU:C:2004:86, n.o 75, e de 12 de julho de 2012, Smart Technologies/IHMI, C 311/11 P, EU:C:2012:460, n.o 24).(…)”
Tais elementos genéricos podem ser integrados (com outros) na composição dos sinais, mas nesse caso não serão considerados de uso exclusivo do requerente (cf. os artigos 223º do CPI/2003, 209º do CPI/2018).
E sendo certo que, nos termos do n.º 3 de tais artigos se permite que a pedido do requerente ou do reclamante, o INPI indique no despacho de concessão do registo, quais os elementos constitutivos da marca que não ficam de uso exclusivo do requerente (disclaimer), mesmo que tal não seja feito, daí não deriva que todos os elementos integrantes da marca sejam de uso exclusivo.
Constituem ainda fundamentos de recusa, a reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de logótipo anteriormente registado por outrem para distinguir uma entidade cuja actividade seja idêntica ou afim aos produtos ou serviços a que a marca se destina, se for susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão, a infracção de outros direitos de propriedade industrial, e quando invocado em reclamação, a reprodução ou imitação de firma, de denominação social e de outros sinais distintivos, ou apenas parte característica dos mesmos, que não pertençam ao requerente, ou que o mesmo não esteja autorizado a usar, se for susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão.
A possibilidade de concorrência desleal constitui, também, fundamento de recusa.
Constitui concorrência desleal, de acordo com o artigo 311.º, n.º1, al. a) do CPI, todo o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica, nomeadamente os actos susceptíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue.
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Há risco de confusão sempre que a identidade ou semelhança possa dar origem a que um sinal seja tomado por outro e ainda sempre que o público considere que há identidade de proveniência entre os produtos ou serviços a que os sinais se destinam, ou que existe uma relação, que na realidade não se verifica, entre a proveniência desses produtos ou serviços. Fala-se então de risco de associação ou risco de confusão em sentido lato.
Na realização do juízo de comparação entre sinais para aferir da possibilidade de confusão sobre a origem empresarial dos produtos ou serviços, há que ter em atenção diversos fatores.
Assim, em face das características do caso em apreço, importa considerar a natureza e o tipo de necessidades que os produtos visam satisfazer e os circuitos de distribuição desses produtos ou serviços - os produtos ou serviços terão de situar-se no mesmo mercado relevante, isto é, tendo a mesma utilidade e fim, permitindo dessa forma, uma relação de concorrência entre os agentes económicos que os ofereçam ao público.
O risco de afinidade aumenta nos casos em que pode mediar uma relação de substituição, complementaridade, acessoriedade ou derivação entre os produtos ou serviços ou, mesmo, entre produtos e serviços.
Na apreciação do risco de confusão entre os sinais em confronto, há que atender à estrutura dos mesmos, havendo que distinguir entre marcas nominativas, gráficas e mistas (sendo estas as que combinam elementos nominativos e gráficos).
No que respeita aos gráficos e mistos, o juízo de comparação não pode limitar-se a tomar em consideração apenas um elemento, antes tendo de considerar cada um dos sinais como um todo, cada um dos sinais no seu conjunto, o que não exclui que a impressão de conjunto produzida na memória do público pertinente por uma marca complexa possa, em determinadas circunstâncias, ser dominada por um ou vários dos seus componentes.
O Tribunal Geral da União Europeia no Acórdão de 14.07.2005 (SELENIUM – ACE, T-312/03, parágrafos 37 a 40)[3] entendeu que quando o sinal é composto de elementos nominativos e figurativos, o componente nominativo tem, em princípio, um impacto mais forte no consumidor do que a componente figurativa, pois o público não tem tendência a analisar sinais e fará mais facilmente referência ao sinal em causa citando o seu elemento nominativo do que descrevendo os seus elementos figurativos.
Deve ter-se em consideração que o consumidor, em regra, não se depara com as duas marcas simultaneamente – a comparação que define a semelhança verifica-se entre um sinal e a memória que se possa ter de outro. Nessas circunstâncias, é a imagem de conjunto da marca que, normalmente, mais sensibiliza o consumidor, pelo que, a imitação deve ser apreciada pela semelhança que resulta do conjunto de elementos que constituem as marcas em comparação.
Também devem ser considerados irrelevantes no conjunto, as componentes genéricas ou descritivas, pois esses, como supra se referiu, não têm carácter distintivo, nem são passíveis de apropriação exclusiva.
Nas marcas complexas deve ser privilegiado o elemento dominante, desvalorizando os pormenores.
O juízo de verificação deve ser formulado na perspetiva do público relevante – atuais e potenciais clientes, adquirentes ou utilizadores dos bens e serviços a que respeitam as marcas em confronto, que tanto pode consistir no público em geral, como ser um público constituído por profissionais e/ou especialistas no sector, devendo ainda atender-se ao território em que é protegida a marca prioritária.
O consumidor que releva no contexto do direito de marcas deve, pois, ser uma figura flexível e variável, em função da natureza, características e preços dos produtos diferenciados pelas marcas respetivas.
O público relevante presume-se normalmente informado e razoavelmente atento e circunspecto; porém, o grau de atenção pode variar em função do tipo bens ou serviços e do grau de conhecimento e experiência dos respetivos adquirentes, sendo que tenderá a ser mais baixo nos comportamentos de consumo quotidiano, mais alto quando estão em causa bens dispendiosos, tecnicamente sofisticados, perigosos, produtos farmacêuticos, serviços financeiros ou imobiliários, e nos casos de lealdade à marca.
Os parâmetros a apreciar no juízo comparativo são o elemento visual, o elemento fonético e o elemento conceptual.
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Atribuindo a marca o direito de exclusivo de uso do sinal ao seu titular, as circunstâncias em que o mesmo pode proibir ou impedir o uso do mesmo por terceiros (ius prohibendi, que compreende o direito de se opor ao pedido de registo de sinal conflituante, de invalidar registo concedido, ou de proibir o uso de marca posterior por terceiro sem o seu consentimento), encontram-se indicadas nos artigos 249º a 252º do CPI/2018 e 9º do RMUE), que prevê, designadamente, e no que ao caso interessa, as situações de dupla identidade[4] – aquelas em que o sinal é idêntico à marca e é usado em relação a produtos idênticos aos produtos ou serviços abrangidos pelo registo – e as de risco de confusão ou associação no espirito do consumidor – aquelas em que o sinal é idêntico à marca e é usado em relação a produtos afins aos abrangidos pelo registo, ou em que o sinal é semelhante à marca e é usado em relação a produtos idênticos ou afins relativamente aos abrangidos pelo registo.
Exige-se ainda que tal uso ocorra “no decurso de operações comerciais” (ou no exercício de actividades económicas, como se refere nos artigos 258º CPI/2003 e 249º do CPI/2018).
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No caso dos autos, entendem as Apelantes que a marca registanda constitui imitação dos sinais de que são titulares e a que fizeram referência, existindo evidente possibilidade de confusão entre um e o outro.
Vejamos os sinais em confronto.

Sinais prioritários

PESTANA VINTAGE LISBOA

PESTANA VINTAGE PORTO
Marca registanda

THE VINTAGE
HOTEL & SPA

Não vem colocada em dúvida a prioridade dos sinais da Recorrente, nem a existência de afinidade entre os produtos e serviços assinalados pelos sinais registados e pela marca registanda, na classe 43ª (“SERVIÇOS DE FORNECIMENTO DE COMIDA E BEBIDA; SERVIÇOS HOTELEIROS”) da Classificação Internacional de Nice – entre todos estabelece-se um elo de manifesta identidade/afinidade.
Importa assinalar que os sinais registados a favor das ora Recorrentes são nominativos e que a marca registanda é mista.
Entre todos verifica-se coincidência apenas no elemento verbal “VINTAGE”, circunstância que, no entender das Recorrentes cria um óbvio risco de confusão ou de associação no consumidor.
Mas não lhe assiste razão.
Na verdade, a circunstância de os elementos verbais supra mencionados coincidirem apenas no vocábulo “VINTAGE” não impressiona nesse sentido, já que se trata de anglicismo comumente usado em países da União Europeia para descrever marcas do passado, contém informação óbvia e direta sobre a espécie e a qualidade do serviço.
Tal elemento não possui distintividade per se, antes sendo um vulgarmente utilizado para distinguir produtos e serviços como os que estão em questão, como fazendo referência ao passado e ao carácter superior da qualidade dos serviços, como referido, sendo que o público relevante em relação ao qual deve ser apreciado o risco de confusão ou de associação - o consumidor na nacional ou União Europeia que também fala inglês, visto que o sinal contém palavras com significado nessa língua - entenderá o significado do termo verbal em causa[5].
E assim, a circunstância de os sinais registados serem compostos por elementos verbais totalmente distintos dos que compõem o registando – “Pestana” e “Porto” ou “Lisboa” – e de a marca registanda conter outros elementos verbais totalmente distintos daqueles que compõem os sinais - “Hotel” “&” “Spa”- conferem à marca distintividade suficiente para afastar o risco de confusão e/ou associação.
De resto, a presença do elemento verbal “Pestana” nas marcas registadas permite relacionar as mesmas com o grupo hoteleiro de que as Recorrentes fazem parte, o que não sucede com a marca registanda.
Não existe, pois, equivalência quantitativa das sílabas que compõem as expressões dos sinais em confronto, existindo, entre os registados e a registanda uma dissemelhança fonética assinalável.
Também a impressão de conjunto produzida pelo elemento verbal de cada um dos sinais difere pela circunstância de o registando ser composto por mais elementos nominativos.
Importa ainda assinalar que ao sinal registando acresce ainda o aspeto figurativo do sinal, que lhe conferem um grau de estilização por oposição aos sinais registados.
É certo que a estilização dos elementos verbais do sinal é banal: o tipo de letra e as cores utilizadas (branco e preto), assim como a apresentação dos elementos verbais em duas linhas, constituem recursos gráficos básicos.
Porém, a circunstância de o elemento figurativo se encontrar ausente em qualquer dos sinais das Recorrentes, determina que se conclua pela dissemelhança visual - os mesmos diferem graficamente, não causando no consumidor, diversamente do que entende a ora Recorrente, qualquer impressão global de forte semelhança.
Embora, como se referiu, se tenha entendido que quando o sinal é composto de elementos nominativos e figurativos, o componente nominativo tem, em princípio, um impacto mais forte no consumidor do que a componente figurativa, pois o público não tem tendência a analisar sinais e fará mais facilmente referência ao sinal em causa citando o seu elemento nominativo do que descrevendo os seus elementos figurativos, entendimento esse que foi o do Tribunal Geral da União Europeia no Acórdão de 14.07.2005 (SELENIUM – ACE, T-312/03, parágrafos 37 a 40), como já se referiu, conforme aquele mesmo Tribunal decidiu no Acórdão de 31/01/2013, T-54/12, «K2 SPORTS», “o elemento nominativo de um sinal não tem necessariamente um maior impacto” e “o facto de o elemento de o elemento figurativo da marca dominar visualmente a impressão de conjunto reduz a semelhança visual das marcas em confronto” (parágrafo 40[6]).
E o Tribunal acabou por entender que a semelhança existente entre os conceitos (a expressão “sport” existente em ambos os sinais) era fraca no contexto da impressão geral dos sinais e, em particular, do caráter distintivo muito fraco desse termo e que a fraca semelhança não compensou as diferenças visuais e fonéticas significativas entre os sinais (parágrafo 49), para concluir pela ausência de risco de confusão.
Também no caso dos autos o elemento figurativo introduz, como se referiu, uma diferença visual na impressão de conjunto no sinal registando.
E conceptualmente, como vimos, o elemento comum não têm senão uma distintividade reduzida ou nula, não se surpreendendo qualquer semelhança entre demais elementos dos sinais em confronto.
Diferindo, pois, gráfica, fonética, figurativa e conceptualmente, inexiste semelhança relevante, e que induza facilmente em erro ou confusão o consumidor ou compreenda o risco de associação com a marca prioritária.
As dissemelhanças notadas pemitem concluir por um elemento razoável de diferenciação, surgindo o sinal registando dotado de idoneidade distintiva que permite distanciamento perante o consumidor médio, por forma a afastar um juízo associativo ou prioritário face ao sinal prioritário.
Ora, não sendo aqui equacionável o risco de associação de marcas – cuja imitação se descartou – também aquele outro risco de associação, inerente à concorrência desleal, não decorre do substanciado pela Recorrente, nem do adquirido nos autos, ficando assim por preencher, no caso em apreço, os pressupostos fácticos da concorrência desleal enunciados no artigo 311.º n.º 1, alínea a), do Código da Propriedade Industrial, pelo que não tendo sido demonstrados quaisquer outros factos integradores do conceito de concorrência desleal, não se verifica também, o fundamento de recusa do registo previsto no artigo 232º, n.º 1, alínea h), do mesmo Código.
Concluindo, numa apreciação global das marcas, a impressão de conjunto, produzida pelos seus elementos distintivos e dominantes são diversos, não existindo um elevado risco de confusão, razão pela qual se conclui pela não existência de imitação.
Nesse sentido depõe, aliás, a convivência dos sinais das Recorrentes e da Recorrida (contendo o mesmo vocábulo) ao longo de vários anos, como resulta dos factos provados.
 Improcede, pois, a apelação.
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IV. Decisão.
Pelo exposto, acordam em conferência, em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, em manter a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente (artigo 527.º do CPC).
Registe e notifique.
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Lisboa, 2022-02-24
Ana Isabel Mascarenhas Pessoa
Paula Doria Pott
Ana Mónica Carrasqueiro Mendonça Pavão
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[1] In “MANUAL DE LA PROPRIEDAD INDUSTRIAL”, Carlos Fernandez-Nóvoa, José Manuel Otero Lastres e Manuel Botana Agra, Tercera edición, Marcial Pons, 2017, pg. 529.
[2] Acessível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:62017CJ0629&from =PT
[3]ECLI:EU:T:2005:289
[4] Cf. Pedro Sousa e Silva, “Direito Industrial – Noções Fundamentais”, 2ª Ed. 2019, pg. 295 e .
[5] Cf. Decisão sobre o caráter distintivo intrínseco de um pedido de registo de marca da União Europeia (artigo 7.º do RMUE) proferido pelo EUIPO em 21/01/2021, relativo à marca .
[6] Cf. ECLI:EU:T:2013:50