Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
40/14.2TTSTB.L1-4
Relator: EDUARDO AZEVEDO
Descritores: BANCÁRIO
REFORMA
COMPLEMENTO DE REFORMA
DELIBERAÇÃO DE COMISSÃO PARITÁRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/20/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: 1-A cláusula 119ª, nº 1, do ACT em causa “aplica-se ao cálculo do complemento de reforma devido aos trabalhadores bancários que deixaram de o ser e se reformaram pelo regime geral da segurança social ou outro regime de segurança social”.
2-Se se entender que a deliberação de comissão paritária sobre o teor de cláusula de IRC configura interpretação autêntica esta não pode ter o mesmo efeito da interpretação autêntica da lei, nos termos do artº 13º do CC, assim, não tendo eficácia retroactiva.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-Relatório:


AA propôs acção com processo comum contra Banco Comercial Português, SA.

Pediu: a condenação na atribuição do complemento de pensão com base na retribuição de referência apurada pela Segurança Social, e, em consequência, o pagamento mensal do montante de 844,36€ a título de complemento de reforma a que alude o artigo 119ª do ACT/Grupo BCP, a diferença entre o complemento de pensão pago e o complemento de pensão devido, desde Novembro de 2005, no montante global de 48.089,75€ e juros de mora à taxa de legal desde o vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento, sendo os vencidos de 7.749,80€.

Alegou, em síntese: trabalhou para a União de Bancos Portugueses, Sa (UBP) entre 01.02.1980 e 28.10.1989, data em que cessou unilateralmente o seu contrato de trabalho quando exercia as funções de Director 1º responsável; em 1995 a UBP passou a se denominar Banco Mello, Sa, e em 23.06.2000 o mesmo extinguiu-se, por fusão, com a R, que assumiu todos os seus direitos e obrigações; em 13.11.2005, reformou-se pela Segurança Social, passando a auferir uma pensão mensal de velhice de 2.147,97€; foi-lhe, então atribuída um complemento de reforma de 383,31€ /mês, ao abrigo do disposto no ACT do Grupo BCP, publicado no BTE nº 16, de 29.04.2003 e, nº 4, de 29.01.2005; tal cálculo foi realizado tendo por premissa a retribuição correspondente ao nível em que o autor se encontrava colocado à data da cessação do contrato com a UBP – nível 18 - quando deveria ter como premissa o valor da retribuição de referência apurada pela Segurança Social, como decorre do disposto na Cláusula 119ª, nº 1 desse ACT; a Segurança Social apurou a retribuição de referência de 4.474,95 €, na qual baseou o cálculo da pensão que lhe atribuiu; atenta a referida retribuição de referência, o complemento de pensão devia ter sido quando se reformou de 805,49 €; o complemento de pensão foi objecto de vários aumentos/actualizações desde 2005; em 2010 auferia mensalmente um complemento de pensão de 436,87 €, o qual se manteve inalterado até à presente data; assim, reclama o pagamento da diferença dos valores que liquidou até à entrada da acção em 48.089,75€, com base ainda nas actualizações das pensões de reforma da Segurança Social.

Ocorreu audiência de partes, sem que conciliação houvesse.

A R contestou, alegando, em súmula: estão prescritas as prestações de reforma/complementos de pensão referente ao período anterior a 05.03.2009, e respectivos juros, de harmonia com o disposto no artº 310º, alªs d) e g), do CC, uma vez que se tratam de prestações periódicas e de juros; e, o cálculo que realizou seguiu as regras legais aplicáveis, nomeadamente o disposto na cláusula 119º, nº 2, do ACT/Grupo BCP.

O A respondeu, à excepção de prescrição, assim mantendo a sua posição inicial.

Na fase da condensação, foi proferida sentença, pela qual:

Nestes termos e face ao exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência:

a)Absolve-se a ré dos valores peticionados até 05-03-2009, quer a título de capital quer a título de juros;
b)Condena-se a ré a proceder ao cálculo do complemento de pensão com base na retribuição de referência apurada pela Segurança Social.
c)Neste momento fixa-se tal complemento na quantia mensal de 862,34 (oitocentos e sessenta e dois euros e trinta e quatro cêntimos) euros.
d)Liquida-se a diferença entre o complemento pago e o devido, entre Março de 2009 e Janeiro de 2014 em, 29.442,27 (vinte e nove mil, quatrocentos e quarenta e dois euros e vinte e sete cêntimos).
e)Sobre esta quantia são devidos juros legais, à taxa de 4% ao ano, desde a data de vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento.
f)Do mais, vai a ré absolvida”.

A R recorreu, recurso que foi admitido a subir nos autos e com efeito suspensivo.

Concluiu deste modo:
(…)

Termina pretendendo o provimento do recurso “e consequentemente seja a Ré absolvida de todos os pedidos formulados pelo autor.”

Contra-alegou-se.

Conclusões:
(…)

Termina pretendendo a improcedência do recurso.

O processo foi com vista ao MP emitindo parecer no sentido do não provimento do recurso.

Entretanto, falecido o recorrido, foi deduzida habilitação de herdeiros de CC e DD, que foi deferida determinando-se que os mesmos prosseguiam os termos da ação como herdeiros.

Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir.

As questões a conhecer revertem para a averiguação da base de cálculo do complemento de pensão que está prevista na cláusula 122ª do ACT citado, então 119ª, nessa sequência, a aplicação da também referida deliberação da comissão paritária desse ACT por efeitos retroactivos, nomeadamente, bem como as regras relativas às actualizações do complemento.

Os factos considerados assentes na sentença são:
“a)O Autor trabalhou “sob ordens, direcção e fiscalização” da União de Bancos Portugueses, S.A. (UBP) entre 01-02-1980 e 28-10-1989, como director 1.º responsável;
b)Em 28-10-1989 cessou unilateralmente o seu contrato de trabalho.
g)Em 1995 a UBP passou a denominar-se Banco Mello, S.A., e em 23-06-2000 o mesmo extinguiu-se, por fusão, com o banco ora ré, que assumiu todos os seus direitos e obrigações.
h)Em 13-11-2005, o Autor reformou-se pela Segurança Social, passando a auferir uma pensão mensal de velhice de 2.147,97 euros, calculado por referência à retribuição de referência de 4.474,95 euros;
i)Foi-lhe, então atribuído um complemento de reforma de 383,31euros/mês pela ré, calculado por referência à retribuição de referência de 2.129,48 euros.

j)O autor recebeu os seguintes complementos de reforma:
1 – em 2005 a quantia de 398,33 euros;
2 – em 2006 a quantia de 408,29 euros;
3 – em 2007 a quantia de 419,60 euros;
4 – em 2008 a quantia de 426,15 euros;
5 – em 2009 a quantia de 432,54 euros;
6 – desde 2010 a quantia de 436,87 euros.”

A recorrente fez juntar ao processo através do recurso cópia da parte do BTE nº 34 de 15.09.2014 onde consta a predita deliberação.

A força normativa do ato publicado em boletim oficial torna para todos os efeitos desnecessária essa tramitação.

O seu conhecimento sempre seria oficioso.

Mas não se determina o desentranhamento na medida em que a mesma se pode enquadrar no exercício de um dever de cooperação ao abrigo do artº 7º do CPC.

Daqui passamos logo a constatar que a publicação da deliberação é posterior ao momento em que é datada a sentença (23.06.2014), sendo determinante para a sua eficácia (artº 519º do CT) e já que tomada por unanimidade passou a ser parte integrante da “convenção a que respeita” (artº 493º do CT).

Igualmente desde já tenha-se em conta que está em causa um complemento de reforma que foi estabelecido no ano de 2005, altura em que o falecido se reformou (13.11.2005) pela Segurança Social, passando a auferir uma pensão mensal de velhice de 2.147,97€, calculado por referência à retribuição de referência de 4.474,95€ dessa instituição, sendo que esse complemento de reforma inicialmente de 383,31€ mensal foi antes calculado por referência à retribuição de 2.129,48€.

Nesta perspectiva temporal ver-se-á qual o relevo que poderá assumir tal deliberação para a decisão desta causa. E se, independentemente do seu teor e eficácia, é de considerar que a referida cláusula foi devidamente interpretada pelo tribunal a quo.
Acontece, se na sentença se optou pela retribuição de referência da Segurança Social para base de cálculo do complemento de pensão foi porque se invocou argumentação consistente, sólida e coerente baseada em jurisprudência dos tribunais superiores que também de nós recolhe concordância, assim, em detrimento da retribuição correspondente ao nível em que o falecido A se encontrava à data da cessação do contrato de trabalho com a recorrente para o cálculo da pensão de reforma proporcional ao tempo de serviço por ele prestado à mesma entre 01.02.1980 e 28.10.1989.

Está em causa a cláusula 122ª do ACT entre a recorrente e a FEBASE, publicado no BTE nº 39, de 22.10.2011, que era a anterior cláusula 119ª constante dos textos consolidados publicados no BTE nº 3, de 22.01.2009 e no BTE, nº 4 de 29.01.2005 depois de revistos pelo acordo de revisão constante da primeira publicação e que por sua vez tem conteúdo semelhante à cláusula 116ª do ACT entre o Banco Comercial Português, Sa e outros e o Sindicato dos Bancários do Norte e outros, publicado no BTE nº 48, de 29.12.2001.

Dispõe tal cláusula que: “o trabalhador de uma entidade patronal subscritora do presente acordo não inscrito no regime geral de segurança social ou em qualquer outro regime especial de segurança social que passe à situação de invalidez ou de invalidez presumível já desvinculado da referida entidade ou de qualquer outra instituição do sector bancário tem direito ao pagamento pela entidade patronal subscritora, na proporção do tempo de serviço nela prestado, da importância necessária para que venha a auferir uma pensão de reforma igual à que lhe caberia se o tempo de serviço prestado no sector bancário fosse considerado como tempo de inscrição no regime geral de segurança social ou outro regime especial mais favorável que lhe seja aplicável, independentemente do trabalhador chegar ou não a adquirir direitos nos referidos regimes” (nº 1); e, “a parte da pensão a cargo da entidade patronal, correspondente ao tempo de serviço nela prestado, prevista no nº 1 anterior, será calculada com base na aplicação do anexo VI, na parte correspondente a 35 anos de serviço, à retribuição fixada no anexo III correspondente ao nível em que o trabalhador se encontrava colocado na data da cessação do contrato de trabalho com a referida entidade, e actualizada segundo as regras do presente acordo” (nº 2).

É cláusula que se insere na previsão do artº 478º, nº 2, do CT pela qual os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho podem instituir regime complementar contratual que atribua prestações complementares do subsistema previdencial na parte não coberta por este.

Com se refere na sentença, enquanto o autor da acção busca o critério do valor base para o cálculo bastando-se no disposto do nº 1 dessa cláusula, a recorrente apela à indivisibilidade da cláusula já que a matéria de cada um desses números tem funções concorrentes na determinação final do direito: o nº 1 destinado à contagem do tempo de serviço (tem direito ao pagamento pela entidade patronal subscritora, na proporção do tempo de serviço nela prestado); e o nº 2 que sustenta a base de cálculo (a parte da pensão a cargo da entidade patronal, correspondente ao tempo de serviço nela prestado, prevista no n.º 1 anterior, será calculada com base …).

Não valerá a pena entrarmos pelo elemento histórico com apelo às vicissitudes do texto do ACTV para o sector bancário, em idêntica matéria, aí pretendendo-se criar um dado paralelismo a favor da tese da recorrente.

Como se refere no acórdão deste Tribunal da Relação, de 10.10.2013 e citado na sentença: “Concorda-se aqui com o que refere o recorrido nas conclusões Q. e R. “Importa, ainda, não descurar, que está em causa o ACT do Grupo BCP com preferência sobre o ACTV/Sector bancário, conforme estabelece o Art.º 482.º. nº 1 alínea b) do Código do Trabalho.

Pelo que, não obstante as cláusulas 140.º do ACTV/sector Bancário e a cláusula 119.º do ACT/Grupo BCP terem algumas afinidades, aquela foi alterada para a melhor versão que as partes outorgantes entenderam, mas esta continua com a sua versão intacta e da qual tem que se fazer a interpretação coerente e lógica que o apelado ora sufraga.”

E no acórdão da Relação de Coimbra de 16.10.2014 : “Por outro lado, a alteração da cláusula 140º do ACTV em 2005, não obstante a sua afinidade com a cláusula em apreço, não assume qualquer relevância no que concerne à interpretação da vontade das partes, pois o ACT do B... também foi revisto em 2009 e a cláusula 116ª, à qual passou a corresponder o número 119º, manteve a mesma redacção, o que aponta para uma vontade inequívoca de manter a redacção ora em análise, pois se a vontade de ambas as partes fosse aproximar os dois regimes teria sido fácil fazê-lo.”

Assim sendo, na sentença extraem-se as conclusões devidas ao optar-se pelo valor base de que resulta no nº 1 da cláusula na medida em que, sem se olvidar o disposto no artº 9º, nº 2 do CC, por um lado: “De harmonia com o disposto no artigo 477.º do Código de Trabalho, o instrumento de regulamentação colectiva de trabalho reveste a forma escrita, sob pena de nulidade.

Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso – artigo 238.º do Código Civil.

Acresce que a declaração negocial que careça de forma legalmente prescrita é nula – artigo 220.º do Código Civil, - e as estipulações verbais acessórias anteriores ao documento legalmente exigido para a declaração negocial, ou contemporâneas dele, são nulas, salvo quando a razão determinante da forma lhes não seja aplicável e se prove corresponderem à vontade do autor da declaração – artigo 221.º do Código Civil.

Nestes termos, a vontade das partes na negociação só é relevante desde que tenha uma qualquer correspondência no texto, neste caso na cláusula, independentemente do que consta em idêntico artigo do ACTV do sector bancário, já que o presente ACT tem norma expressa não existindo qualquer lacuna na previsão da matéria para os trabalhadores do grupo não há que chamar à colação qualquer norma supletiva!”; por outro lado: “A cláusula 119.ª aplica-se ao trabalhador que à data da sua invalidez esteja já fora do sector bancário enquanto as cláusulas 113.ª e seguintes enunciam os benefícios para os trabalhadores que ainda se encontrem no sector bancário aquando da verificação da invalidez.

É condição de aplicabilidade da aludida cláusula 119.ª, que se trate de um trabalhador de uma entidade patronal subscritora do presente acordo não inscrito no regime geral de segurança social ou em qualquer outro regime especial de segurança social que passe à situação de invalidez ou de invalidez presumível já desvinculado da referida entidade ou de qualquer outra instituição do sector bancário.

Em tais condições é atribuído ao mesmo trabalhador o direito ao pagamento pela entidade patronal subscritora, na proporção do tempo de serviço nela prestado, da importância necessária para que venha a auferir uma pensão de reforma igual à que lhe caberia se o tempo de serviço prestado no sector bancário fosse considerado como tempo de inscrição no regime geral de segurança social ou outro regime especial mais favorável que lhe seja aplicável.

E isto, independentemente do trabalhador chegar ou não a adquirir direitos nos referidos regimes.

Atento o supra exposto, dúvidas não existem que o que se mostra vertido é o cálculo final da pensão do trabalhador terá de ser efectuado como se aquele período de tempo que o trabalhador trabalhou no banco tivesse estado a trabalhar para a entidade que lhe estava a permitir receber a pensão, ou seja que a base de cálculo seria aquela que a final o regime geral de segurança social ou outro regime especial mais favorável que lhe fosse aplicável aplicasse.

Ora, tal consagra um regime que respeita o disposto no artigo 63.º da Constituição da República Portuguesa que enuncia que todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado.

No entanto, o n.º 2 da mesma cláusula inclui um segmento que é contraditório com o que é dito no n.º 1, já que limita o cálculo da pensão da parte da pensão a cargo da entidade patronal, correspondente ao tempo de serviço nela prestado ao valor correspondente tendo por atenção a base na aplicação do anexo VI, na parte correspondente a 35 anos de serviço, à retribuição fixada no anexo III correspondente ao nível em que o trabalhador se encontrava colocado na data da cessação do contrato de trabalho com a referida entidade, e actualizada segundo as regras do presente acordo.

Ora, a aplicação, sem mais do n.º 2 desta cláusula implicaria que seriam aplicadas normas de dois regimes – um referente ao cálculo da Segurança Social e outro referente ao cálculo da pensão pelo trabalho prestado no banco – e em bom rigor que fosse aplicado em concreto um terceiro regime hibrido.

Uma vez que se não podem combinar os dois regimes teremos de concluir, como já concluíram o acórdão do STJ de 7-5-2008, e o acórdão TRL de 10-10-2013, que teremos de fazer uma interpretação restritiva do n.º 2 desta cláusula por forma a concluir que o mesmo só se aplica aos trabalhadores que não cheguem a adquirir direitos noutro regime de segurança social.

Assim, teremos de concluir que a base de cálculo da pensão terá de ser o valor indicado como base de cálculo pela Segurança Social sendo de aplicar, em bloco o regime das pensões da Segurança Social, o que implica igualmente que lhe são aplicáveis as regras referentes às actualizações da mesma.”

Ademais, trazendo ainda à colação o já citado acórdão desta Relação e se dúvidas ainda nos suscitassem a solução da sentença elas teriam de ficar arredadas.

Refere tal aresto:

“Desde logo é o elemento teleológico de interpretação que aponta nesse sentido. Assim, a análise do preceito convencional em causa, permite-nos concluir que o objectivo desta regulamentação é o de evitar que o trabalhador do sector bancário, que abandonou tal sector, seja por esse facto prejudicado, contabilizando-se, em obediência ao disposto no art. 63º nº4 da Constituição da República Portuguesa, todo o tempo de trabalho do trabalhador, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado. Daí a diferença de regimes entre a cláusula 117º e a 119º do ACT. Aquela respeita à situação em que o trabalhador desenvolveu toda uma carreira no sector bancário, que tem um sistema próprio de segurança social, e esta respeita ao trabalhador que seguiu uma carreira abrangida por diversos regimes de segurança social, ou mesmo incompleta, no sentido de não estar abrangido por qualquer outro regime de segurança social. Subjaz a esta solução o entendimento de que “a celebração do contrato de trabalho origina uma relação previdencial, entre a entidade bancária e o trabalhador, que os mantém ligados, mesmo após a cessação da relação laboral, e que importa a responsabilização daquela, enquanto entidade que usufruiu do trabalho, pela pensão de reforma correspondente ao trabalho prestado.” (sic Ac STJ de 10-07-2008 – Proc 07S4581). É o que resulta dos vários IRC do sector bancário. E essa ratio legis decorre do nº 1 da cláusula 119º.

O elemento histórico de interpretação constitui igualmente um factor determinativo do sentido e alcance das normas em causa. De facto, o art. 119º resulta do art. 116º do ACT celebrado entre o Banco Comercial Português e o Sindicato dos Bancários do norte e outros, publicado in BTE nº48 de 29 de Dezembro de 2001, tendo ambos a mesma redacção, variando apenas a identificação das referências a outros preceitos legais previstas nos nºs 3 e 4.

A propósito de questão idêntica àquela que se discute nos presentes autos, pronunciou-se o STJ em acórdão de 07-05-2008 (Proc 08S460 in www.dgsi.pt), analisando também o elemento histórico de interpretação, neste caso por referência à referida clausula 116º, antecessora da cláusula 119º, no sentido de que “Do cotejo da redacção da cláusula 116.ª nas duas versões transcritas resulta que, na versão actual, o terceiro segmento do seu n.º 1 estipula que o direito em causa é reconhecido «independentemente de o trabalhador chegar ou não a adquirir direitos nos referidos regimes», não se prevendo agora qualquer disposição específica para o cálculo da pensão, no caso de o trabalhador não chegar a adquirir direitos noutro regime nacional de segurança social (anterior n.º 5), sendo que, no n.º 2 da versão actual, foi eliminada a ressalva do regime de cálculo mais favorável ao trabalhador.

Das mencionadas alterações é forçoso concluir que, tendo o autor adquirido direitos no regime geral de segurança social, a retribuição de referência para cálculo da pensão proporcional ao tempo de serviço prestado ao Banco recorrente deverá ser a fixada pelo Centro Nacional de Pensões para cálculo da sua pensão de reforma no âmbito daquele regime geral e não a prevista no n.º 2 da cláusula 116.ª citada”.

De resto, no acórdão da Relação de Coimbra citado, versando a mesma matéria, com igual pertinência refere que “Ao invés, a interpretação preconizada pelo R. retiraria qualquer efeito útil ao segmento do nº 1 que estabelece: o trabalhador tem direito ao pagamento da importância necessária para que venha a auferir uma pensão de reforma igual à que lhe caberia se o tempo de serviço prestado no sector bancário fosse considerado como tempo de inscrição no regime geral de segurança social”; e “E também não se mostra violado, nessa interpretação, o disposto no artigo 63.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa o qual apenas dispõe que “todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado”. A determinação do valor de referência para o cálculo da pensão nos termos do decidido pela sentença recorrida é até, como na mesma se referiu, o mais consentâneo com essa norma constitucional, na medida em que se impede que o trabalhador do sector bancário que abandonou tal sector seja por esse facto prejudicado.”

Vejamos agora, como antedito, a relevância retroactiva da dita deliberação para o caso.

O seu teor:
“A criação do ponto número 2 da cláusula 122.ª (anterior 119.ª) do ACT acima melhor indicado, teve como propósito definir qual a remuneração de referência a atender para o cálculo da parte da pensão a cargo da entidade patronal subscritora do ACT relativamente aos trabalhadores que alcancem a reforma fora do sector bancário, e que tal sucedeu uma vez que, após a desvinculação da entidade patronal, não existe qualquer conhecimento da evolução futura do ex-trabalhador, independentemente de se manter no sector e posteriormente sair, ou passar a ter carreira contributiva em qualquer regime de Segurança Social, ou deixar de ter carreira contributiva.

Nesse sentido, a remuneração de referência a atender apenas pode ser a informação referente ao nível à data de saída do banco e a tabela específica dos colaboradores na situação de reforma.

Independentemente de o trabalhador adquirir direitos noutro regime geral de segurança social, ou em outro regime especial de segurança social, ou não chegar a adquirir direitos nesses regimes gerais ou especiais, a parte da pensão a cargo da entidade patronal é determinada temporalmente pelo critério previsto no número 1 da cláusula 122.ª, e calculado o seu valor sempre de harmonia com o disposto no número 2 da mesma cláusula.

Assim, no cálculo da parte da pensão a cargo da entidade patronal, não deve ser utilizada a remuneração de referência fixada pelo regime geral da Segurança Social.
Oeiras, 2 de Julho de 2014.         
(…)”.

Algo se poderia referir sobre o elemento literal da deliberação e o modo como querendo esta interpretar a cláusula poderia suscitar outras questões interpretativas de discernimento difícil, sendo certo que uma deliberação com esta latitude como é que não impôs antes aos outorgantes a revisão do ACT.

No entanto voltamos aqui à jurisprudência da Relação de Coimbra aludida que nestes termos a apreciou:
 
“A deliberação da comissão paritária publicada no BTE, n.º 34, de 15/9/2014, tem por objecto a interpretação a dar à cláusula 122.ª do acordo colectivo entre o Banco B... e outros e a FEBASE – BTE, constante do texto consolidado publicado no BTE n.º 39, de 22/10/ 2011, anterior cláusula 119.ª constante dos textos consolidados publicados no BTE n.º 3, de 22/1/2009 e no BTE, n.º 4 de 29/1/2005.

Embora tais cláusulas tenham conteúdo semelhante à cláusula 116.ª do ACT do Grupo Banco B..., publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª Série, n.º 48, de 29/12/2001, a verdade é que a deliberação da comissão paritária não faz referência a esta, pelo que se pode inferir que a interpretação que estabelece não se estende a ela no tempo.

Por outro lado, entendemos que a interpretação autêntica de IRCT´s não pode ter o mesmo efeito da interpretação autêntica da lei, efeitos esses consignados no art. 13.º do Código Civil e de acordo com o qual a lei interpretativa integra-se na lei com eficácia retroactiva, ficando apenas salvos os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção ou por acto de idêntica natureza.

Na verdade a deliberação de comissão paritária tomada no âmbito do disposto no art. 493.º do Código do Trabalho não tem a força de acto legal e o n.º 3 desse mesmo artigo apenas prescreve que ele se integra no IRCT a que respeite, nada estabelecendo quanto à aplicação retroactiva do seu conteúdo útil. Por sua vez o artigo 478.º n.º 1 al. c) do mesmo Código impede até a eficácia retroactiva de qualquer cláusula que não tenha expressão pecuniária e a matéria deliberada pela comissão paritária não tem essa estrita expressão (vai para além do mero conteúdo de disposição ou actualização de tabelas salariais ou de natureza equivalente).

Ou seja, entendemos que a deliberação da comissão paritária não tem eficácia retroactiva (neste sentido, v. Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 4.ª edição, págs. 1144-1145).
Assim sendo, a deliberação da comissão paritária em causa não tem qualquer efeito na análise da questão colocada em apreciação neste recurso”.

E agora concluímos, fazendo apelo mais uma vez ao acórdão desta Relação de que “Vem-se entendendo que o direito à pensão de reforma é conferido pelo Instrumento de Regulamentação Colectiva em vigor à data em que cessou o contrato de trabalho, mas o conteúdo e medida desse direito mede-se pelo IRC em vigor no momento em que ocorre o pressuposto da atribuição da reforma – cfr. Ac. STJ de 10-07-2008 – Proc. 07S4581 e Ac. desta Secção de 04-05-2011 – Proc 1482/08.8 TTLSB.L1-4 in www.dgsi.pt)”, que considerando a data em que o A falecido se reformou é no instrumento de regulamentação colectiva vigente que se encontrará no disposto na cláusula 119ª sem mais a determinação do montante do complemento de pensão em causa.

E concluímos ainda que, como se refere na sentença que ”a base de cálculo da pensão terá de ser o valor indicado como base de cálculo pela Segurança Social sendo de aplicar, em bloco o regime das pensões da Segurança Social, o que implica igualmente que lhe são aplicáveis as regras referentes às actualizações da mesma”.

Para mais não se discordando em si nem das operações de determinação dos complementos singularmente ou das actualizações e as respectivas diferenças com o efectivamente recebido é tempo de se decidir que o recurso será julgado improcedente e mantida a sentença na íntegra.

Decisão:

Acordam os Juízes nesta Relação em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmam a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
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O acórdão compõe-se de 23 folhas, com os versos não impressos.
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Lisboa,20.04.2016


Eduardo Azevedo
Celina Nóbrega
Paula Santos
Decisão Texto Integral: