Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ARTUR VARGUES | ||
Descritores: | LIBERDADE CONDICIONAL ARREPENDIMENTO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/27/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
Sumário: | I - A norma contida na alínea a), do nº 2, do artigo 61º, do Código Penal, manda atender à “personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão” e é precisamente a postura face aos crimes da condenação que constitui um dos elementos fundamentais para aferir dessa evolução, o que se não configura como um segundo julgamento sobre os mesmos factos e por isso não oblitera a norma vertida no nº 5, do artigo 29º, da Constituição da República Portuguesa. II - Aliás, que assim se deve entender, extrai-se da obrigatoriedade legal – plasmada no artigo 173º, nº 1, alínea a), do CEPMPL – de que o relatório dos serviços prisionais que instrui o processo de liberdade condicional contenha a “avaliação da evolução da personalidade do recluso durante a execução da pena (…) e da sua relação com o crime cometido”, sendo que estes factores não podem deixar de se reportar à posição que o condenado expressa ao longo do cumprimento da pena face aos factos criminosos em razão dos quais esta lhe foi aplicada e não apenas ao que verbaliza quando da sua audição pelo Juiz do Tribunal da Execução das Penas com vista à prolação, em momento seguido, da decisão sobre a liberdade condicional. III - Não estamos perante a exigência de um acto de contrição momentâneo divulgado in extremis quando se aproxima ou se conhece mesmo a data da audição para efeitos da concessão da liberdade condicional, antes de um processo dinâmico que se vai desenvolvendo gradualmente e que conduz à conclusão pela verificação (ou não, bem entendido) do reconhecimento e consciência crítica do mal do crime. (Sumário elaborado pelo relator). | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I - RELATÓRIO
1. No Tribunal de Execução das Penas de Lisboa – Juiz 5, Processo com o nº 1673/10.1TXEVR-A, foi proferido despacho, aos 02/04/2017, que não concedeu ao condenado A., recluso no Estabelecimento Prisional da Carregueira, a liberdade condicional, por se não encontrarem preenchidos os legais pressupostos.
2. Inconformado com o teor do referido despacho, dele interpôs recurso o condenado, para o que formulou as seguintes conclusões (transcrição):
3. O Ministério Público junto do tribunal a quo apresentou resposta à motivação de recurso, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
5. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP, tendo sido apresentada resposta pelo condenado em que reafirma lhe dever ser concedida a liberdade condicional.
6. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.
No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, a questão que se suscita é a de saber se estão verificados os pressupostos para a concessão da liberdade condicional ao condenado.
2. A Decisão Recorrida
Tem o seguinte teor o despacho objecto do recurso, na parte relevante (transcrição):
I. RELATÓRIO Identificação do recluso: A. Objeto do processo: apreciação da liberdade condicional (arts. 155.º n.º 1 e 173.º e ss.. todos do código da execução das penas e medidas privativas da liberdade, de ora em diante designado CEPMPL) com referência ao marco dos dois terços da pena. Foi elaborado pela equipa técnica de tratamento prisional e reinserção social relatório versando os aspetos previstos no art. 173.º n.º 1 als. a) e b) do CEPMPL. O conselho técnico emitiu, por unanimidade, parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional (art. 175.º do CEPMPL). Ouvido o recluso este, entre outros esclarecimentos, deu o seu consentimento à aplicação da liberdade condicional (art. 176.º do CEPMPL). O Ministério Público emitiu parecer desfavorável (art. 177.º n.º 1 do CEPMPL).
II. FUNDAMENTAÇÃO A) De facto i) Factos mais relevantes: 1. Circunstâncias do caso: o recluso cumpre as seguintes penas: a) 8 anos e 4 meses de prisão, aplicada no processo n.º 415/08.6GDSTB da vara de competência mista do tribunal judicial de Setúbal, que, além da própria, cumulou a pena aplicada ao arguido no processo n.º 13/05.6GBSTB, pela prática de um crime de lenocínio, um crime de aborto, um crime de burla qualificada, um crime de burla simples, na forma tentada, um crime de detenção ilegal de arma, um crime de falsificação de documento e um crime de resistência e coação sobre funcionário, consubstanciados, designadamente, em o condenado, dedicar-se há pelo menos 15 anos ao negócio da prostituição - o que fazia explorando mulheres sexualmente em três estabelecimentos, mulheres essas de entre as quais uma que, em razão do seu passado de abandono, experiência de fome, rua, drogas, imaturidade psicológica, deficiência mental ligeira e de ser facilmente influenciável, se mostrava especialmente vulnerável e dependente do condenado e a quem, tendo a mesma engravidado e pretendendo ter o filho, o condenado ordenou que abortasse, fornecendo para o efeito medicamentos abortivos - e, desde pelo menos novembro de 2004 a maio de 2006, dedicar-se à elaboração de "esquemas" para obter proventos económicos à custa do património de outras pessoas; b) 3 anos e 7 meses de prisão, aplicada no processo n.º 305/14.3TBSLV do juiz 3 da 2.a secção criminal da instância central de Portimão, comarca de Faro, que, além da própria, cumulou a pena aplicada ao arguido no processo n.º 12/10.6TASLV, pela prática, em 2008 e 2009, de dois crimes de burla e de um crime de denúncia caluniosa. 2. Cumprimento da pena: privado ininterruptamente da liberdade desde 29/09/2010 (assinalando-se, ainda, 550 dias de desconto), meio em 15/03/2015, dois terços em 10/03/2017, cinco sextos em 05/03/2019 e termo em 28/02/2021. 3. Vida anterior do recluso: tem 59 anos de idade; cresceu no seio de uma família descrita como estruturada e funcional; concluiu o 2.º ciclo por volta dos 14 anos de idade; o seu percurso escolar foi marcado por dificuldades de aprendizagem e de manutenção de relações assertivas a nível interpessoal; começou a trabalhar aos 14 anos de idade, na área da eletricidade; casou, tendo uma filha, atualmente adulta e independente; aos 29 anos de idade, quando era eletricista na EDP, reformou-se por invalidez, com fundamento em problemas do foro psíquico; apesar de reformado, manteve ocupação laboral regular por conta própria, vendendo carvão, lenha e animais; em paralelo explorava casas de alterne; tem antecedentes criminais pela prática dos crimes de emissão de cheque sem provisão (proc. n.º 991/98.0TALRA) e desobediência (proc. n.º 446/04.5GTBJA). 4. Personalidade do recluso e evolução durante o cumprimento da pena: atitude face ao crime - assume a prática dos crimes e verbaliza arrependimento, denotando uma evolução ao nível do sentido crítico; refere que a reclusão, a situação de saúde dos seus familiares e o avançar da idade dos seus progenitores o têm levado a refletir e lhe têm produzido sofrimento e arrependimento pelo estilo de vida que adotou no passado; a sua motivação para a mudança é avaliada com reserva; saúde -sofre de diabetes tipo II, retinopatia diabética e polineuropatia diabética sensitivo-motora, recusando-se fazer terapêutica com insulina; sofre também de hipertensão arterial, dislipidémia, papiloma da laringe, doença péptica, hérnia do hiato com regurgitação e herpes; tem antecedentes de depressão reativa, sendo acompanhando no estabelecimento prisional desde pelo menos 2010 a este nível, mantendo-se compensado psiquiatricamente com terapêutica anti depressiva; todos os seus problemas de saúde, com exceção da visão diminuída, são pré-existentes à situação de reclusão; comportamento - relaciona-se de uma forma cordial com os demais reclusos e os funcionários do estabelecimento prisional; não tem averbada qualquer sanção disciplinar; atividade ocupacional/ensino/formação profissional - no estabelecimento prisional de origem trabalhou como faxina da lavandaria de 15/06/2011 a 02/08/2012; no estabelecimento prisional da Carregueira foi colocado em 02/09/2014 na oficina dos componentes elétricos, mas foi retirado por alegar não conseguir desempenhar a atividade por razões de saúde; está inativo em termos laborais; não frequenta a escola, invocando razões anímicas/de saúde; programas específicos e/ou outras atividades socioculturais - não frequenta; medidas de flexibilização da pena - não beneficiou até à data de qualquer medida de flexibilização da pena. 5. Rede exterior: enquadramento/apoio familiar/projetos futuros -beneficia de apoio por parte dos seus progenitores, da sua mulher e de uma amiga, consubstanciados em visitas regulares; em meio livre pretende voltar a viver com a sua mulher, em habitação contígua à dos seus progenitores, ambos octogenários e com problemas de saúde; a sua mulher desculpabiliza os comportamentos criminais do condenado, referindo, ainda, que tinha conhecimento dos mesmos e que não constituem um fator de instabilidade no agregado; a mulher do condenado padece de um problema de tiroide e ao nível do cotovelo, aguardando intervenção cirúrgica; os progenitores do condenado atualmente recebem apoio por parte de FS, que trabalhou num dos estabelecimentos de alterne mantidos pelo condenado, preparando os quartos para a prática da prostituição e recebendo das prostitutas ou dos clientes o pagamento dos atos sexuais e entregando-o depois ao condenado; participou igualmente numa das burlas tentadas pelo condenado e viveu em união de facto com o mesmo desde finais de 1998; o condenado encontra-se reformado, recebendo uma pensão de cerca de €700,00 mensais; em meio livre pretende dedicar-se à exploração agrícola e à venda de carvão, palha e lenha por conta própria; a mulher do condenado não trabalha; os pais do condenado recebem reformas no valor total de €780,00 mensais; ao tribunal o recluso referiu, ainda, que comprou com outra pessoa 10 "Tuc-Tuc" que irá colocar no Algarve e em Tróia, indo acompanhar o projeto essencialmente na parte das oficinas; exibiu fotografias das viaturas adquiridas.
ii) Motivação da matéria de facto: A convicção do tribunal no que respeita a matéria de facto resultou das decisões condenatórias juntas aos autos, mormente dos pontos 25.º, 95.º, 100.º e 207.º da matéria de facto provada do acórdão proferido no processo n.º 13/05.6GBSTB, da ficha biográfica do recluso, do seu certificado de registo criminal, dos relatórios elaborados pela equipa técnica única juntos a fls. 1074 e ss. (completado por aquele de fls. 931 e ss.) e fls. 1227 e ss., dos esclarecimentos prestados em conselho técnico, do documento junto pelo recluso a fls. 1242 verso e das declarações do recluso. Uma última nota para referir que se reputa irrelevante saber se o recluso emitiu "cartas de trabalho" a favor dos ex-reclusos MFe João Dias Pereira, posto que ambos saíram em liberdade condicional aos 5/6 da pena, ou seja, sem que qualquer carta de trabalho que tivessem apresentado fosse determinante da libertação, já que esta foi obrigatória. Além do que, a fazer fé nos documentos juntos a fls. 1180 e ss. pelo recluso, pelo menos o ex-recluso MFem liberdade jamais exerceu a atividade laboral correspondente à carta de trabalho que o recluso junta a fls. 1179.
B) De direito "A liberdade condicional tem como escopo criar um período de transição entre a reclusão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, de forma equilibrada, não brusca, recobrar o sentido de orientação social necessariamente enfraquecido por efeito do afastamento da vida em meio livre e, nesta medida, a sua finalidade primária é a reinserção social do cidadão recluso, sendo certo que, até serem atingidos os dois terços da pena, esta finalidade está limitada pela exigência geral preventiva de defesa da sociedade" (Anabela Rodrigues, in "A Fase de Execução das Penas e Medidas de Segurança no Direito Português", BMJ, 380, pág. 26). Vale isto por dizer que, alcançados os dois terços da pena, com um mínimo absoluto de seis meses (cfr. art. 61.º n.º 3 do Código Penal, de ora em diante designado CP), e obtido o consentimento do recluso, como é o caso, o legislador abranda as exigências de defesa da ordem e paz social e prescinde do requisito da prevenção geral, considerando que o condenado já cumpriu uma parte significativa de prisão e que, por conseguinte, tais exigências já estarão minimamente garantidas. Donde, aos dois terços da pena, é único requisito material a expetativa de que o condenado, em liberdade, conduzirá a sua vida responsavelmente sem cometer crimes, ou seja, importa que se atente na prevenção especial na perspetiva de ressocialização (positiva) e prevenção da reincidência (negativa). Pelo que, no que respeita aos fins das penas, subsiste apenas a finalidade de ajuda ao recluso na mudança e regeneração (ressocialização) e na prevenção de cometimento de novos crimes. Na avaliação da prevenção especial negativa o julgador tem de formular um juízo de prognose sobre o que irá ser a conduta do recluso no que respeita a reiteração criminosa e o seu comportamento futuro, a aferir pelas circunstâncias do caso, antecedentes, personalidade e evolução durante o cumprimento da pena. As circunstâncias do caso, mormente o número significativo e a diversidade de tipologias de crime pelos quais o recluso está em cumprimento de pena, o período de tempo (quanto a parte dos crimes, muito extenso) durante os quais os ilícitos foram praticados e a respetiva gravidade (espelhada desde logo no facto de o somatório das penas exceder 11 anos de prisão e nos bens jurídicos afetados, de entre os quais a liberdade sexual e vida intrauterina), bem como a personalidade - manipuladora, exploradora e emocionalmente fria - revelada pelo condenado aquando do seu cometimento e a circunstância de o recluso possuir antecedentes criminais, apontam para a verificação de elevadas exigências de prevenção especial negativa. Estas exigências de acordo com o parecer unânime do conselho técnico e, bem assim, do Ministério Público, não se mostram ainda debeladas. Considerando o manancial fáctico assente, o tribunal acompanha este entendimento, por diversas ordens de razão. Assim, desde logo, quando vista a ainda recente evolução do recluso na atitude face aos crimes por que cumpre pena. Na verdade, há menos de um ano atrás (cfr. fls. 1110 e ss.), A. revelava reduzido sentido autocrítico e pouca empatia para com as vítimas, bem como pouca sensibilidade quanto às consequências dos crimes para as mesmas. Hodiernamente, o recluso - ainda que por razões que não se prendem com a autoavaliação das consequências dos seus atos, mas antes com os reflexos da reclusão para si e a sua família - verbaliza arrependimento pelo estilo de vida que adotou no passado, denotando, pois, um incremento ao nível do sentido crítico, sem embargo de a equipa técnica ainda avaliar com reservas a motivação do recluso para a mudança, ao que não será alheia, precisamente, a circunstância desta alteração ser relativamente recente e sem repercussão em qualquer outro aspeto palpável. Ora, a reflexão autocrítica sobre a conduta criminosa e suas consequências é indispensável para que se conclua que o condenado está munido de um relevante inibidor endógeno. Quem não logra percecionar em plenitude o mal cometido, dificilmente possui mecanismos passíveis de evitar a repetição da sua conduta. Como explicitam João Luís de Moraes Rocha e Sónia Maria Silva Constantino (in "Reclusão e Mudança" - "Entre a Reclusão e a Liberdade", Vol. II, Pensar a Reclusão, Almedina, pág. 171), sem interiorização da responsabilidade dificilmente será possível alterar comportamentos. Importa, pois, perceber se A. efetivamente interiorizou a enunciada reflexão autocrítica e ver consolidada a consequente vontade de mudança. Por outro lado, fruto da gravidade dos crimes, da postura do recluso face aos mesmos e à reclusão (em sede de modificação da pena ficou demonstrado que o recluso [que sucessivamente invocava uma das doenças de que padece - a diabetes - como argumento para a sua libertação antecipada], desde pelo menos 2013 fazia aquisições na cantina do estabelecimento prisional de bens como açúcar, gelados, refrigerantes e bolachas; o recluso, que sempre se arrogou proatividade laboral no exterior e patenteia baixa escolaridade, no estabelecimento prisional não trabalha ou estuda, sendo certo que a sua história médica não aponta no sentido de contra indicações para que pelo menos invista na formação e aquisição de maiores competências pessoais e sociais), não foi possível até recentemente depositar em A. a confiança necessária para a concessão de medidas de flexibilização da pena. Ora, in casu a testagem inerente ao gozo de medidas de flexibilização da pena é relevante essencialmente por dois motivos. Em primeiro lugar, porquanto A. está privado da liberdade há cerca de 6 anos, com os inerentes efeitos ao nível da sociabilidade, sendo, pois, o gozo de licenças de saída jurisdicionais importante em termos de mecanismo de preparação para o reingresso na sociedade. Depois, porque a ausência de medidas de flexibilização impediu que até à data se avaliasse a capacidade do recluso de, em meio menos contentor, observar as injunções e proibições inerentes, também, a uma liberdade condicional. Acresce que o apoio de A. no exterior não se apresenta minimamente contentor. Primeiramente, porque se trata do enquadramento de que o recluso já beneficiava à data dos factos criminais (incluindo por parte da coarguida em um dos processos), sem que tal circunstância o inibisse de praticar os ilícitos. Em segundo lugar, porquanto a mulher do recluso tem uma atitude desculpabilizante relativamente aos crimes por este cometidos, não sendo, portanto, de esperar, que a mesma consiga exercer um ascendente positivo sobre o condenado de modo a que este não reincida. Por outro lado, muito embora o recluso afirme pretender trabalhar (o que, como vimos, vem alegando não estar apto a fazer enquanto no estabelecimento prisional), irá exercer atividade idêntica à que desenvolvia antes de privado da liberdade e que (tal como a invalidez desde os 29 anos de idade) não foi impeditiva, entre o mais, de que mantivesse e gerisse, durante pelo menos 15 anos, o negócio da prostituição. Acresce não colher o argumento - vastamente sublinhado pelo recluso - de que se lhe deva conceder a liberdade condicional com vista a que preste apoio à sua família. Desde logo, porquanto este apoio pouco se compagina com o estado de saúde invocado pelo próprio recluso (aliás, pre-existente à reclusão, com exceção da visão diminuída). Depois, porquanto os pais do recluso beneficiam do apoio de terceira pessoa, o que retira alguma valia ao argumento de que a mulher do recluso só não tem sido sujeita a uma necessária intervenção cirúrgica por o seu marido estar em reclusão, tendo a mesma, consequentemente, de cuidar dos respetivos sogros. E, se é certo que o recluso patenteia um comportamento disciplinar sem averbamentos, não é menos certo - como se lê no acórdão do tribunal da relação de Lisboa, de 21/01/2015, proferido no processo n.º 7164/10.3TXLSB -, que o bom comportamento prisional não é nada que não seja exigível a um recluso, que conhece as consequências dos incumprimentos ao nível disciplinar, sendo insuficiente, por si só, para que se conceda uma liberdade condicional. Em síntese, escalpelizados os aspetos a atender ao nível da prevenção especial negativa, entende-se acompanhar o entendimento unanimemente sufragado pelo conselho técnico e, bem assim, defendido pelo Ministério Público, no sentido de que o condenado deve consolidar o seu percurso prisional.
III. DECISÃO Em face do exposto, não concedo a liberdade condicional a A..
Apreciemos.
O recorrente insurge-se contra a decisão do tribunal a quo de o não colocar em liberdade condicional, por entender estarem reunidos os respectivos pressupostos.
Como resulta do nº 1, do artigo 42º, do Código Penal, “a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes”, consagrando-se também no nº 1, do artigo 2º, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (doravante CEPMPL) que “a execução das penas e medidas de segurança privativas da liberdade visa a reinserção do agente na sociedade, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, a protecção de bens jurídicos e a defesa da sociedade”.
E, estabelece-se no artigo 61º, do Código Penal:
“1. A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado.
2. O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social”.
3. O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.”
Temos assim, que constituem pressupostos formais da concessão da liberdade condicional facultativa o cumprimento pelo condenado de metade da pena de prisão e, no mínimo, seis meses e que à mesma preste ele a sua concordância.
Constituem seus pressupostos substanciais (ou materiais) que, de forma consolidada, seja de esperar que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes, tendo-se para tanto em atenção as circunstâncias do caso, a sua vida anterior, a respectiva personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão (que constituem índices de ressocialização a apurar no caso concreto) e bem assim a compatibilidade da libertação com a defesa da ordem e da paz social.
O requisito da compatibilidade da libertação com a defesa da ordem jurídica e da paz social (exigível quando a apreciação ocorre em momento em que ainda se não encontram cumpridos dois terços da pena, o que não é o caso, pois o recorrente alcançou já este marco) traduz a preocupação com as exigências de prevenção geral, enquanto o juízo de prognose sobre a adopção de um comportamento socialmente responsável, defeso da prática de crimes, se prende com as necessidades de prevenção especial de socialização.
A liberdade condicional tem como escopo criar um período de transição entre a reclusão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, de forma equilibrada, não brusca, recobrar o sentido de orientação social necessariamente enfraquecido por efeito do afastamento da vida em meio livre e, nesta medida, a sua finalidade primária é a reinserção social do cidadão recluso, sendo certo que, até serem atingidos os dois terços da pena, esta finalidade está limitada pela exigência geral preventiva de defesa da sociedade – cfr. Anabela Rodrigues, A Fase de Execução das Penas e Medidas de Segurança no Direito Português, BMJ, 380, pág. 26.
Este instituto tem sido considerado (embora de forma não totalmente pacífica) como um incidente da execução da pena privativa de liberdade (ou modificação da sua execução), embora com a redacção dada ao artigo 61º, do Código Penal pela Lei nº 59/07, de 04/09, esta concepção se apresente em crise, mormente com a consagração de que tendo a liberdade condicional uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, se considera extinto todo o período que ultrapasse aquele limite (no pressuposto de que não venha ela a ser revogada, obviamente), pois estamos aqui verdadeiramente perante uma modificação posterior e substancial da condenação penal, traduzida na sua redução.
Analisemos então se o recluso reúne os requisitos para a colocação em liberdade condicional.
O Conselho Técnico do E.P. emitiu por unanimidade parecer desfavorável à concessão da liberdade.
O entendimento do Ministério Público expresso no parecer que deu a conhecer a propósito apresenta-se igualmente desfavorável.
Tem vindo o recorrente a cumprir sucessivamente pena de 8 anos e 4 meses de prisão e 3 anos e 7 meses de prisão, pela prática de crimes de lenocínio, aborto, burla qualificada, burla simples, detenção ilegal de arma, falsificação de documento, resistência e coacção sobre funcionário e denúncia caluniosa.
Alcançou o cumprimento de metade das penas em 15/03/2015, os 2/3 foram atingidos em 10/03/2017, estando previstos os 5/6 para 05/03/2019 e o termo para 28/02/2021. Dispõe do apoio em meio livre dos progenitorores, da esposa e de uma amiga.
Recebe uma pensão de reforma de cerca de 700,00 euros mensais e pretende dedicar-se, quando em liberdade, à exploração agrícola, comercialização de carvão, palha e lenha por conta própria e a um projecto de transporte rodoviário de passageiros em veículos denominados de “Tuc-Tuc”.
Regista outras condenações criminais pela prática de crimes de emissão de cheque sem provisão e desobdediência, sendo o seu comportamento prisional consentâneo com as normas institucionais, isento de sanções disciplinares.
Padece de diabetes tipo II, retinopatia diabética e polineuropatia diabética sensitivo-motora, mas recusa fazer terapêutica com insulina.
Apresenta ainda hipertensão arterial, dislipidémia, papiloma da laringe, doença péptica, hérnia do hiato com regurgitação e herpes e tem antecedentes de depressão reativa, sendo acompanhando no estabelecimento prisional desde pelo menos 2010 a este nível, mantendo-se compensado psiquiatricamente com terapêutica anti depressiva; todos os seus problemas de saúde, com exceção da visão diminuída, são pré-existentes à situação de reclusão;
Ora, como se extrai do despacho recorrido, o percurso do condenado carece de consolidação, desde logo tendo em consideração que há menos de um ano atrás (cfr. fls. 1110 e ss.), A. revelava reduzido sentido autocrítico e pouca empatia para com as vítimas, bem como pouca sensibilidade quanto às consequências dos crimes para as mesmas. Hodiernamente, o recluso - ainda que por razões que não se prendem com a autoavaliação das consequências dos seus atos, mas antes com os reflexos da reclusão para si e a sua família - verbaliza arrependimento pelo estilo de vida que adotou no passado, denotando, pois, um incremento ao nível do sentido crítico, sem embargo de a equipa técnica ainda avaliar com reservas a motivação do recluso para a mudança, ao que não será alheia, precisamente, a circunstância desta alteração ser relativamente recente e sem repercussão em qualquer outro aspeto palpável, de onde se conclui entender o tribunal a quo não se verificar uma suficiente consciência crítica do desvalor da sua conduta delituosa, o que coloca em crise uma perspectiva favorável quanto ao seu comportamento futuro.
E, com efeito, a norma contida na alínea a), do nº 2, do artigo 61º, do Código Penal, manda atender à “personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão” e é precisamente a postura face aos crimes da condenação que constitui um dos elementos fundamentais para aferir dessa evolução, o que se não configura – como parece ser objecto de crítica pelo recorrente – como um segundo julgamento sobre os mesmos factos e por isso não oblitera a norma vertida no nº 5, do artigo 29º, da Constituição da República Portuguesa.
Aliás, que assim se deve entender, se extrai da obrigatoriedade legal – plasmada no artigo 173º, nº 1, alínea a), do CEPMPL – de que o relatório dos serviços prisionais que instrui o processo de liberdade condicional contenha a “avaliação da evolução da personalidade do recluso durante a execução da pena (…) e da sua relação com o crime cometido”, sendo que estes factores não podem deixar de se reportar à posição que o condenado expressa ao longo do cumprimento da pena face aos factos criminosos em razão dos quais esta lhe foi aplicada e não apenas ao que verbaliza quando da sua audição pelo Juiz do Tribunal da Execução das Penas com vista à prolação, em momento seguido, da decisão sobre a liberdade condicional.
Não estamos perante a exigência de um acto de contrição momentâneo divulgado in extremis quando se aproxima ou se conhece mesmo a data da audição para efeitos da concessão da liberdade condicional, antes de um processo dinâmico que se vai desenvolvendo gradualmente e que conduz à conclusão pela verificação (ou não, bem entendido) dos mencionados reconhecimento e consciência crítica do mal do crime.
Ora, não se pode considerar que a personalidade de um condenado evoluiu positivamente de modo a chegar à conclusão final de prognose de que “conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes” quando, estando ininterruptamente recluso para cumprimento das penas desde 29/09/2010 (ou seja, 6 anos e 6 meses) menos de um ano antes relativamente à data da apreciação da liberdade condicional ora em causa o seu sentido crítico face aos crimes cometidos era ainda “reduzido”, importando por isso que seja avaliada a genuinidade da verbalizada mudança de perspectiva, em ordem a destrinçar se não corresponde apenas ao enunciar de uma postura que se sabe antecipadamente ser a desejável, mas a uma real autocensura.
Por outro lado, a situação de saúde do recorrente também não é impeditiva de voltar ao estilo de vida anterior e dedicar-se ao mesmo tipo de crimes por que cumpre pena, desde logo o de lenocínio, pois como resulta do acórdão de 1ª instância que o condenou aos 13/12/2007, já sofria de diabetes tipo II, desde há cerca de 4/5 anos; frequentemente encontra-se com depressão com tendências suicidárias ou para suicidárias; sofre de um síndrome depressivo, de evolução crónica, com episódios recorrentes de agravamento.
E, é manifesto, o apoio em meio livre de que dispõe e o auferir de pensão de reforma não constitui, só por si, circunstância contentora da recidiva criminosa, pois existia já à data dos factos delituosos.
Tudo visto, importa concluir que neste momento ainda não é possível fazer um juízo de prognose favorável em relação ao condenado, no sentido de que, caso seja colocado em liberdade condicional, se absterá da prática de crimes, concretamente da mesma natureza, inexistindo obliteração alguma das normas jurídicas que invoca como violadas.
Como tal, porque carece de razão o recorrente, ao recurso tem de ser negado provimento.
III - DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam os Juízes da 5ª Secção desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo condenado A. e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.
Comunique de imediato o teor deste acórdão ao TEP.
Lisboa, 27 de Junho de 2017.
(Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário – artigo 94º, nº 2, do CPP).
(Artur Vargues) (Jorge Gonçalves)
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