Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | ASCENSÃO LOPES | ||
Descritores: | INVENTÁRIO SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA DIREITO LITIGIOSO HERANÇA PARTILHA DA HERANÇA | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/14/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | REVOGADA A DECISÃO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I- O tribunal pode ordenar a suspensão de uma causa quando a respectiva decisão estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado – artº. 279º, nº 1 do CPC. II- Não é, porém, enquadrável nesta previsão legal a situação dos autos em que no acervo da herança foi arrolada uma única verba como direito litigioso e quanto tal acervo é de tal monta (Bens imóveis rústicos que compõem as verbas 2 a 30 e bens imóveis urbanos que compõem as verbas 31 a 44) que não se afigura razoável adiar a pretensão legítima do recorrente à sua divisão ficando esta dependente dos trâmites processuais até se conseguir uma decisão final que teria por objecto uma única verba apresentada como “Direito Litigioso”. III- Esta verba afigura-se totalmente autónoma em relação às demais. Por isso ocorre manifesto prejuízo, para ambas as partes, na paralisação por via da suspensão da instância do presente processo de inventário. Manifestamente, justifica-se o prosseguimento dos presentes autos. (Sumário do Relator) | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: B...., com os sinais dos autos vem recorrer da decisão de 1ª Instância de fls. 233 que declarou suspensa a instância no inventário por si requerido apresentando as seguintes conclusões de recurso: a) A natureza de litigioso do direito de acção da verba n° 1 da relação de bens, pelo facto da questão estar a ser debatida noutros autos de inventário, não constitui questão prejudicial justificativa da suspensão da instância do presente processo podendo, quando muito, justificar que a questão sobre a respectiva relacionação fosse remetida para os meios comuns; b) Também a suspensão não se justifica pela pendência da acção de divisão de coisa comum tendo por objecto a verba n° 30, acção que, inclusivamente, já findou, porquanto a referida verba foi vendida, deixando, assim, de integrar os bens comuns do ex-casal; c) Imputa-se, consequentemente, à decisão recorrida a violação por erro de interpretação e de aplicação do disposto nos art°s 279° n° 1 e 1350° n° 1 do CPC, a interpretar nos termos ora propugnados, com a consequente revogação daquela decisão. Assim se decidindo, e com tanto quanto V. Exas. doutamente suprirem, será concedido provimento ao presente recurso fazendo-se a habitual JUSTIÇA ! Respondeu a interessada C... apresentando a seguinte conclusão: O despacho recorrido fez uma análise criteriosa da questão em apreço, interpretou e aplicou correctamente o direito, devendo, por isso, ser mantido. Termos em que mantendo o douto despacho recorrido V. Exas. Farão JUSTIÇA! Mostram os autos o seguinte: a) Para tomar a decisão, que tomou, considerou a Mª Juíza, em 01/10/2008, o seguinte: “Atentas fls.231 e 232 verifica-se que nos dois processos aí mencionados ainda não houve trânsito em julgado da decisão final. Atento o teor de fls. 210, a venda aludida a fls. 232 tem pertinência para os presentes autos e reclamação da relação de bens, uma vez que sendo tal venda efectuada haverá que corrigir em conformidade a relação de bens. Por outro lado, está pendente de recurso questão com reflexo nos bens a partilhar nestes autos. Tais questões assumem a natureza de causa prejudicial e motivo justificado para suspensão da instância, ademais por o julgamento da presente causa (designadamente a apreciação da reclamação) depender das supras aludidas. Assim declara-se suspensa a instância até efectivação da venda aludida a fls. 232 (e trânsito em julgado da decisão que sobre ela recair, proferida por Venerando Tribunal). Notifique com cópia de fls. 231 a 133.”. b) A fls. 231 e em resposta ao pedido de informação de fls. 221, datado de 25/02/2008, sobre se “já foi proferida decisão final, transitada em julgado nos V/autos de Inventário com o Nº .... a correr termos por esse Tribunal, remetendo-se na afirmativa cópia da mesma e Certidão da conferência de interessados e mapa da partilha”, o 3º Juízo de Competência Cível do Tribunal de Comarca e de Família e Menores de Almada informou por ofício de 05/03/2008 que : “Em resposta ao ofício de V. Excia datado de 25/02/2008 ofício nº ... e referente aos V/ autos de processo nº ... informa-se que já foi proferida decisão a qual não transitou em julgado uma vez que foi interposto recurso.” c) A fls. 232 e em resposta ao pedido de informação de fls. 223 datado de 25/02/2008 sobre se: “ A fim de instruir os autos de Inventário/Partilha de Bens Em Casos Especiais, acima referidos, venho por este meio solicitar a V. Excia se digne ordenar que seja este Tribunal informado se já foi proferida decisão final, transitada em julgado nos v/autos de Acção Especial de Divisão Comum sob o nº ...., a correr termos por esse Tribunal, e na afirmativa solicita-se a remessa da mesma. “, O Tribunal Judicial de Sesimbra, Secção única informou, por ofício datado de 12/03/2008 que: “ Satisfazendo ao solicitado nº V/ofº nº ...., informo V. Exª de que não foi proferida decisão final nos n/ autos supra referenciados, tendo sido ordenada a venda do imóvel objecto dos mesmos.” d) É o seguinte o teor da decisão sob recurso proferida nos autos de inventário nº ... do Tribunal Judicial da Comarca de Almada em 07/07/2006: “D...., cabeça-de-casal, C... e E..., interessadas, vêm requerer, na sequência da dissolução do casamento entre a interessada C... e o requerente B..., que seja declarada a ilegitimidade superveniente deste, em virtude da cláusula de incomunicabilidade estabelecida no testamento elaborado pela inventariada. Notificado, o requerente vem invocar que a ilegitimidade do requerente não foi, oportunamente, impugnada, pelo que se encontra precludida tal questão e que o testamento carece de valor, pois que o art. 1733.°, n.° l, al. a), do Código Civil, só se aplica a bens doados ou deixados a título de legado, ou seja a bens concretamente determinados que o autor da sucessão tenha pretendido excluir da comunicabilidade ao cônjuge do herdeiro. Cumpre apreciar e decidir. Resulta dos autos que C.... e B... casaram, entre si, em 26 de Julho de 1964, sob o regime da comunhão geral de bens, vindo o casamento a ser dissolvido por divórcio por mútuo consentimento, por sentença proferida em 30/05/2005. Decorre, ainda, dos autos que a inventariada F...., por testamento público lavrado no dia 14/12/1990, declarou que todos os bens que a sua filha C... vier a herdar por sua morte são incomunicáveis com seu marido B.... Desde logo se dirá que não se encontra definitivamente decidida a questão da legitimidade, já que nenhuma decisão expressa sobre o assunto foi proferida, não existindo caso julgado sobre a matéria em causa, cumprindo, como tal, apreciar da legitimidade do requerente para intervir, após o divórcio, nos presentes autos. Suscita o requerente a invalidade do testamento, face à cláusula genérica que nele se insere. Sucede, porém, que, em lugar algum, a lei prevê que a cláusula de incomunicabilidade apenas possa ser estabelecida em relação a legados, nem que os bens deixados tenham de ser especificamente identificados, bastando que sejam determináveis. De facto, dispõe o art. 1733.°, n.° l, al. a), do Código Civil, que são exceptuados da comunhão, no regime da comunhão geral, os bens doados ou deixados, ainda que por conta da legítima, com a cláusula de incomunicabilidade. O testamento em sub judice é perfeitamente esclarecedor ao declarar abrangidos todos bens que a interessada C... vier a herdar por morte da ora inventariada. Acresce que o regime da incomunicabilidade dos bens doados ou deixados não implica qualquer subversão do princípio da imutabilidade das convenções antenupciais ou ao regime de bens do casamento. O regime de bens não sofre qualquer alteração, pois que a comunhão geral continua a ser a regra, abrindo-se apenas uma excepção a esse regime. Os restantes bens do extinto casal - os levados por cada um deles para o casamento e os adquiridos na constância do matrimónio (art. 1732.° do Código Civil) - continuam sujeitos ao regime geral convencionado. Entende, assim, o tribunal, na senda da jurisprudência assente nos Acórdãos da Relação do Porto de 20/06/2002, relatado por Moreira Alves, e de 04/04/2002, relatado por Camilo Camilo (in www.dgsi.pt), que B... é parte ilegítima neste inventário, em virtude de no mesmo não ter qualquer interesse, já que os bens que fazem parte da quota de C... por morte de sua mãe não se comunicam ao cônjuge por força do regime de bens pois que existe cláusula testamentária válida em contrário (art. 26.°, n.° l, do Código de Processo Civil) Face ao exposto, julgo procedente a invocada excepção de ilegitimidade, não havendo lugar a absolvição da instância (nos termos do art. 288.°, n.° l, al. d), do Código de Processo Civil) por não se tratar de um processo de partes, nem existir um pedido cujo mérito fique por conhecer, mas não tendo aquele ulterior intervenção no processo. Notifique.” DECIDINDO NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO Face à matéria dada como assente há que retirar a conclusão imediata de que, tendo sido vendida a verba nº 30 que acarretou o fim da acção de divisão de coisa comum que sob o nº .... correu termos pela Secção Única do Tribunal Judicial da Comarca de Sesimbra, cessou, obviamente, um dos fundamentos em que se alicerçou a decisão recorrida, para determinar a suspensão da instância nos presentes autos em que se pretende a separação de meações na sequência do divórcio entre o requerente B.... e a requerida C.... Porém, a decisão recorrida alicerçou-se noutro fundamento, a saber: Não ter havido trânsito em julgado da decisão final proferida no processo de inventário nº .... instaurado por óbito de F... onde o ora recorrente foi declarado parte ilegítima decisão de que agravou. Importa apreciar se, à luz deste fundamento, tal decisão foi correcta. Ora, é exacto que o tribunal pode ordenar a suspensão de uma causa quando a respectiva decisão estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado, -art° 279° n° 1 do CPC, mas, como defende o recorrente, não se verifica, no caso dos autos, a previsão deste preceito. É que o direito de acção à herança de F... foi expressamente relacionado como litigioso. E, os bens que revistam a natureza de litigiosos não se furtam, por esse facto, à relação de bens, - Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Edição de 1969, Volume l, Página 417. A respectiva partilha há-de fazer-se, embora em proporção pelos interessados, e ainda que no inventário não possa resolver-se a questão da propriedade, sendo os mesmos descritos na partilha como litigiosos, - ibidem. Assim, a natureza litigiosa do aludido direito de acção em nada impede a sua inclusão na relação de bens e o prosseguimento do inventário. Sustenta o recorrente que quanto muito, se se entendesse ser complexa a questão da sua inclusão, em lugar de se suspender a instância deste inventário - assim protelando a partilha de todo o demais acervo - deveria remeter-se a respectiva questão para os meios comuns (art.° 1350° n° 1 do CPC). Analisada a relação de bens é manifesto que o acervo objecto de partilha nos presentes autos, e que não foi objecto de reclamação, é de tal monta (verbas 4 a 30 - prédios rústicos e verbas 2 e 3 e 31 a 44 - prédios ou fracções de prédios urbanos) que, se nos afigura irrazoável adiar a legítima pretensão do recorrente à partilha, ficando esta dependente dos trâmites processuais de uma outra acção, onde se visa uma decisão final que, apenas tem repercussões numa única verba, apresentada como “Direito Litigioso”. Esta verba afigura-se totalmente autónoma em relação às demais. Por isso, a paralisação do presente processo é susceptível de causar apreciável prejuízo, para ambas as partes. Manifestamente, justifica-se o prosseguimento dos presentes autos. Aqui chegados, observa-se que a verba nº 1 relacionada como direito litigioso, porquanto não é pacífico que o recorrente a ela tenha direito, haveria de dar lugar, considerando a complexidade da questão, à abstenção de decisão quanto a ela e, à remessa da mesma para os meios comuns (artigo 1350 nº 1 do CPC). Considerando, contudo, que, pende uma acção - no caso, o processo de inventário aberto por óbito de F... - onde se discute já a legitimidade do ora recorrente, e, por consequência, a qualidade deste como interessado na partilha dessa verba, resulta desnecessário determinar tal remessa. Assim sendo, a decisão que se impõe é tão somente esta: determinar o prosseguimento destes autos, para que se proceda à partilha dos bens relacionados, com excepção da verba nº 1, abstendo-se o tribunal de decidir quanto à mesma, ficando as partes a aguardar o que naqueles autos de inventário for decidido, optando as partes, então, pelo que se afigurar adequado, consoante a decisão reconheça ou não legitimidade ao ora recorrente. DECISÃO: Termos em que acordam os juízes desta Relação em conceder provimento ao agravo revogando o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que ordene o prosseguimento dos autos, nos termos sobreditos. Custas pela recorrida por ter contra-alegado e decaído. Lisboa 14/01/2010 (Ascensão Lopes) (Gilberto Jorge) (José Eduardo Sapateiro) |