| Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | JOSÉ CAPACETE | ||
| Descritores: | ARROLAMENTO DIVÓRCIO PARTILHA DEPOSITÁRIO POSSUIDOR DESPACHO DE INDEFERIMENTO LIMINAR | ||
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| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 09/11/2018 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
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| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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| Sumário: | ·    O arrolamento a que se refere o n.º 1 do art. 409.º do C.P.C., visa garantir a justa partilha dos bens assim que o divórcio ou a separação judicial estejam concretizados, prescindindo a lei, nesses casos, da alegação e prova do justo receio do extravio, ocultação ou dissipação de bens, bastando antes a alegação e prova sumária acerca da probabilidade séria da existência do direito. · Tal arrolamento consiste na descrição, avaliação e depósito dos bens e concretiza-se através da elaboração de um auto, contendo a descrição desses bens em verbas numeradas, como em inventário, nele se declarando o valor fixado pelo louvado e se certificando a entrega ao depositário ou o diverso destino provisoriamente dado aos bens. · No procedimento cautelar de arrolamento o depositário é o próprio possuidor ou detentor dos bens, salvo se houver manifesto inconveniente em que lhe sejam entregues, donde resulta que nenhum critério de escolha do depositário é incompatível com a finalidade da providência cautelar de arrolamento, ao qual, na parte desprovida de sobreposição reguladora ou de contrariedade ontológica, são aplicáveis as disposições relativas à penhora. · Por isso, carece de interesse processual ou de interesse agir, a requerente de um procedimento cautelar comum no qual pede: · a notificação das de entidades bancárias, financeiras e de crédito para que impeçam o requerido da prática de todos e quaisquer atos que consubstanciem movimentos ou levantamentos das contas bancárias, depósitos e instrumentos financeiros: · que o tribunal advirta o requerido para, até ao trânsito em julgado da decisão do processo de inventário e da partilha, se abster da prática de todos e quaisquer atos que consubstanciem movimentos ou levantamentos das contas bancárias, depósitos e instrumentos financeiros, encontrando-se os mesmos já arrolados no âmbito de procedimentos cautelares de arrolamento instaurados preliminarmente à ação de divórcio que dissolveu a sociedade conjugal entre requerente e requerido. · É que os direitos subjetivos ou interesses juridicamente relevantes carecidos de tutela jurisdicional, necessitados de eficaz e privilegiada proteção, invocados no procedimento cautelar comum, estão já acautelados no âmbito dos procedimentos cautelares de arrolamento. · Proibindo a lei a prática de atos inúteis, ao abrigo do princípio da limitação dos atos, vertido no art. 130.º do C.P.C., por maioria de razão proibirá a instauração de ações, incidentes ou procedimentos cautelares inúteis. · Traduzindo-se a falta de interesse processual na inútil colocação em marcha da máquina judiciária, no desencadeamento inútil dos meios processuais, esse interesse processual ou interesse em agir, assume o estatuto de pressuposto processual, ainda que inominado, pois que não se mostra legalmente elencado como tal, constituindo a sua falta uma exceção dilatória também inominada, insuprível e de conhecimento oficioso (artigos 577.º e 578.º, do C.P.C.), conducente à absolvição da instância. No entanto, nos casos em que, como ocorre nos procedimentos cautelares, a citação da parte contrária depende de prévio despacho judicial, se, à luz da respetiva causa de pedir e do(s) pedido(s) formulado(s), se evidenciar, de forma patente, essa falta de interesse processual ou interesse em agir, a consequência é o indeferimento liminar do requerimento inicial (o chamado despacho liminar negativo), caso em que se dá a confluência da falta daquele interesse com o princípio da economia processual. | ||
| Decisão Texto Parcial: |  | ||
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| Decisão Texto Integral: | Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – RELATÓRIO: Ana S... intentou o presente procedimento cautelar comum contra João M..., alegando em síntese que se encontra divorciada do requerido, estando pendente processo de inventário no cartório notarial de Oeiras para partilha dos bens comuns. Preliminarmente à ação de divórcio, intentou dois procedimentos cautelares de arrolamento, no âmbito dos quais se procedeu ao arrolamento do recheio da casa de morada de família, de certificados de aforro e de tesouro, participações financeiras e saldos de contas bancárias, umas tituladas por si e pelo requerido e outras só pelo requerido. No final de Setembro de 2016 teve conhecimento que o requerido tinha efetuado aplicações de quantias que lhe havia confiado, quantias essas que havia adquirido por herança de seus pais, tendo, inclusivamente, o requerido, subscrito, em seu nome exclusivo, certificados de Tesouro/CTPM. Por isso, os arrolamentos não tiveram a virtualidade de impedir de movimentar e levantar avultadas quantias monetárias próprias da requerente que, considerando os seus parcos rendimentos, não vai conseguir devolver. O requerido continua a habitar a casa de morada de família cujo recheio é constituído, quase integralmente, por bens próprios da requerente, bens esses que receia venham a ser por ele dissipados. A requerente conclui assim o requerimento inicial com que introduziu em juízo o presente procedimento cautelar, pedindo: · que o tribunal admita e julgue «procedente, por provado, o presente procedimento cautelar, sem citação e audição prévia do R, para não comprometer o fim e a eficácia do presente procedimento»; · a notificação das «entidades bancárias, financeiras e de crédito e o IGCP para que impeçam o Requerido da prática de todos e quaisquer atos que consubstanciem movimentos ou levantamentos das contas bancárias, depósitos e instrumentos financeiros, cujas identificações e saldos estão mencionados no artigo 2º deste articulado; para tanto, identificam-se as seguintes entidades: · Banco BPI S.A., com sede na Rua Tenente Valadim nº 28, 4100-476 Porto; · Caixa Geral de Depósitos, com sede na Avenida João XXI nº 63, 1000-300 Lisboa; · Novo Banco S.A. com sede na Avenida da Liberdade nº 195, 1250- 142 Lisboa; · IGCP – Agência de Gestão da Tesouraria e Divida Publica, com sede na Avenida da República nº 57, 1050-189 Lisboa; · Fidelidade – Companhia de Seguros S.A., com sede no Largo do Calhariz nº 30, 1249-001Lisboa»; · que o tribunal advirta «o Requerido para, até ao trânsito em julgado da decisão do processo de inventário e da partilha, se abster da prática de todos e quaisquer actos que consubstanciem movimentos ou levantamentos das contas bancárias, depósitos e instrumentos financeiros, cujas identificações e saldos estão mencionados no artigo 2º deste articulado e na alínea b) do presente pedido»; · que o tribunal autorize «a Requerente a retirar da casa morada de família, para seu uso exclusivo, os bens identificados nos artigos 44º e 45.º deste articulado e que constituem bens próprios da Requerente por herança de seus pais, ficando destes fiel depositária até ao momento da partilha»; · que o tribunal autorize «a Requerente, através de determinação às respetivas instituições depositárias, a proceder ao levantamento de capitais e instrumentos financeiros, no valor de 1.453.074,78€ - que lhes pertencem em exclusivo, como bens próprios, por terem sido herdados de seus pais - mediante: · c.1) mobilização/resgate de certificados de Tesouro/CTPM conta aforro nº 14... no valor de 1.000.000,00€; · c.2) mobilização/resgate dos certificados de aforro série C, nº 14..., no valor de 159.590,90€; · c.3) mobilização/resgate do seguro de capitalização – produto poupança denominado BPI capitalização defensivo, no valor de 289.214,18€; e · c.4) a diferença para perfazer o total de 1.453.074,78€, que se estima em 3.600,00€, se retire da conta à ordem na CGD nº 039...; · c.5) requer-se que seja ordenado que os valores acima referidos num total de 1.453.074,78€, sejam transferidos para a conta da Requerente no BPI - IBAN PT50...». * No dia 10 de maio de 2018, a juíza a quo proferiu despacho liminar, do qual, após sucinto relatório quanto ao objeto do procedimento cautelar, consta o seguinte: «2 - Cumpre apreciar e decidir. Conforme resulta do pedido formulado nos procedimentos cautelares de arrolamento apensos aos presentes autos, peticionou a aqui e ai requerente: - No arrolamento que constitui o apenso A, proposto em 21.10.2016, o arrolamento dos bens indicados no artº 39º do referido articulado, que aqui se reproduzem; - No arrolamento que constitui o apenso B, proposto a 16.03.2017, o arrolamento dos bens descritos nos arts 7º e 11º do referido articulado, que aqui também se reproduzem. Ora, em ambos os processos o Tribunal decretou o arrolamento nos exatos termos peticionados. Propõe, agora, a requerente uma providência cautelar não especificada, tendo a mesma como objeto justamente os mesmos bens que já haviam sido objeto das anteriores providências cautelares de arrolamento. Sublinhe-se que toda a factualidade em que a requerente se alicerça para fundamentar o agora peticionado é anterior à data da propositura dos referidos arrolamentos, arrolamentos esses também propostos pela requerente e que a mesma considerou que acautelavam de forma adequada a integralidade do património do casal até à sua partilha. Por conseguinte, tendo sido proferida decisão já transitada em julgado sobre os bens também em apreço no presente procedimento cautelar, mostra-se precludido o direito de a requerente propor novo procedimento cautelar visando os mesmos bens, com o objetivo de alterar decisão anteriormente proferida e já transitada em julgado. Naturalmente que assim não seria caso a requerente invocasse circunstâncias supervenientes, o que não se verifica. Efetivamente, alega a requerente que em Setembro de 2016 tomou conhecimento que o requerido tinha efetuado determinadas aplicações financeiras (cfr. artº 19º e 20º) e havia subscrito em seu nome exclusivo certificados de tesouro/CTPM (cfr. artº 33º), razão pela qual o arrolamento “não tem invalidado a movimentação e levantamento de avultadas quantias por parte do Requerido, bens esses pertencentes ao património do casal, como também próprios e exclusivos da requerente” (cfr. artº 32º). Ora, sendo o arrolamento uma mera descrição dos bens, nada impede que qualquer um dos elementos do ex-casal os movimente, sendo este, naturalmente, responsável pelo seu valor caso, na altura da partilha, algum ou alguns desse bens se tenham dissipado. Por conseguinte e conforme supra referido, apenas tendo a requerente alegado, como circunstância superveniente o facto de o requerido movimentar os bens, conduta que, sublinhe-se, o mesmo já assumia em data anterior à propositura dos dois arrolamentos, por ausência da verificação de todos os requisitos legais, que fundamentam a providência requerida, é evidente que ela não pode proceder. *** DECISÃO Nestes termos, pelos fundamentos acima expostos, ao abrigo dos artigos 226º, nº 4 alínea b), 590, nº 1, 362º n.º 1, todos do Cód. Proc. Civil, indefiro liminarmente a presente providência cautelar não especificada, proposta pela requerente Ana S... contra João M.... (…)». * A requerente não se conformou com tal decisão e dela interpôs o presente recurso, concluindo assim a respetiva alegação: · O Requerido não goza de qualquer direito sobre os valores monetários e os bens móveis herdados ou doados à Requerente já que todos estes são bens próprios desta (cfr. alínea b) do n° 1 do art° 1722° e art° 1727°, todos do C.C.); · Os arrolamentos dos bens constantes dos Apensos A e B dos presentes autos não impediram o Requerido de movimentar e levantar avultadas quantias monetárias; · O Requerido pode facilmente ocultar e dissipar as quantias monetárias, os instrumentos financeiros e os bens móveis que constituem o recheio da casa morada de família onde apenas ele habita; · O Requerido não dispõe de património que permita à Requerida ser ressarcida dos valores monetários que venha a dissipar e os bens móveis têm valor inestimável e insubstituível para a Requerente; · A sentença de que se recorre não tem utilidade, é injusta, é ilegal, é profundamente contraditória em si mesma e padece de nulidades; · A presente providência foi intentada para evitar o extravio dos bens comuns do casal e, sobretudo, dos bens próprios da Requerente, ainda que anteriormente arrolados; · Uma vez que, já após o decretamento do arrolamento, o Requerido movimentou depósitos bancários arrolados. · No presente procedimento cautelar pediu-se ao Tribunal que as entidades depositárias não deixem mobilizar bens arrolados, até ao momento da partilha; · Os justos e fundados receios da Requerente de que o Requerido dissipe bens próprios seus (porque herdados de seus pais) foram expostos e estão provados neste procedimento cautelar; · Cabia decidir destes pedidos mas o Tribunal a quo não o fez!; · Decidiu - ao arrepio legal - pelo caso julgado e silenciou-se quanto a tudo o que foi peticionado. · A sentença ora recorrida fez uma errada interpretação dos preceitos legais relativos aos procedimentos cautelares de arrolamento e aos comuns, com violação dos artigos 362° e sgs. do C.P.C.; · A sentença ora recorrida é contraditória nos termos e nos conceitos, sofrendo de contradição insanável entre os fundamentos e a decisão; nulidade que se argui, nos termos do art. 615° n° 1 alínea c) do C.P.C.; · A sentença ora recorrida, ao mesmo tempo que diz que o arrolamento é uma mera descrição dos bens e que nada impede que qualquer um dos elementos do ex-casal os movimente, decide pelo caso julgado neste procedimento cautelar em que, diversamente, se pede ao Tribunal que ordene às instituições depositárias que não permitam a mobilização dos fundos arrolados; · Os factos que subjazem às providências de arrolamento não são os mesmos que ora fundamentam esta providência mas ainda que fossem, isso não era suficiente para se decidir pelo caso julgado; · Pois são totalmente diferentes e inconfundíveis o pedido e a causa de pedir do arrolamento e os desta providência; · Na tese da sentença de que se recorre, o arrolamento é "... uma mera descrição de bens ..." que não impede a sua movimentação e na presente providência o que se pede é que o Tribunal decrete a sua não movimentação; · A sentença é ilegal pois fez uma errada interpretação dos requisitos do caso julgado, previstos no art. 581.° do CPC. · A sentença é nula por falta de pronúncia quanto aos pedidos formulados pela Requerente - al. d) do n.° 1 do art. 615.° do C.P.C.; · O legislador do actual Código de Processo Civil impõe ao Julgador que decrete a providência cautelar que ao caso melhor se ajustar, independentemente do modo como lhe é pedido; · O que aqui se não fez, ao arrepio do disposto no n° 3 do artigo 376° do C.P.C.; · Encontram-se preenchidos todos os requisitos legais que fundamentam a providência requerida - art. 362.° do CPC -, impugnando-se, por isso, a douta sentença também na parte em que refere que os mesmos não se verificam; · Deve manter-se o carácter sigiloso, sem citação e audiência prévia do Requerido, pelos factos e fundamentos constantes dos arts. 70.° a 78.° do requerimento inicial da providência; · O Tribunal deve impedir o Requerido de movimentar os bens que lhe não pertencem e que são objecto e aguardam a partilha em curso; · Deve, por isso, a sentença de que ora se recorre ser revogada e substituída por outra que declare procedentes os pedidos constantes da presente providência, designadamente ordenando aos depositários e intermediários financeiros dos bens arrolados que não permitam a sua movimentação. * Por despacho de fls. 59, a juíza a quo limitou-se, sem mais, a admitir a apelação, a determinar o seu regime de subida e a fixar o seu efeito. Está em causa neste recurso uma decisão de indeferimento liminar de um requerimento inicial de procedimento cautelar (art. 629.º, n.º 3, al. c), do Código de Processo Civil). Nos termos do art. 641.º, n.º 7, «no despacho em que admite o recurso referido na alínea c) do n.º 3 do artigo 629.º, deve o juiz ordenar a citação do réu ou do requerido, tanto para os termos do recurso como para os da causa, salvo nos casos em que o requerido no procedimento cautelar não deva ser ouvido antes do seu decretamento.» Dispõe o art. 366.º, n.º 1, que «o tribunal ouve o requerido, exceto quando a audiência puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência.» Assim, nos procedimentos cautelares, a regra é o contraditório, de tal modo que ele só pode ser preterido quando seja a própria lei a dispensá-lo ou quando o juiz entender fundadamente, que a audiência do requerido põe em risco sério o fim ou a eficácia da providência. No caso concreto, ante o recurso interposto da decisão que indeferiu liminarmente o requerimento inicial com que foi introduzido o presente procedimento cautelar, impunha-se que a juíza a quo, antes de mandar subir os autos a este tribunal de recurso, emitisse pronúncia devidamente fundamentada, sobre a audição prévia do requerido no sentido de: a) não se justificar a dispensa de tal audição, caso em que, no cumprimento das disposições contidas nos arts. 641.º, n.º 7 e 629.º, n.º 3, al. c), deveria determinar a sua citação tanto para os termos do recurso, como para os da causa; ou; b) dispensar tal audição por, fundadamente, repete-se, considerar que a mesma era suscetível de colocar em risco sério o fim ou a eficácia da providência, caso em que, então, e só então, deveria ordenar a remessa dos autos ao tribunal ad quem, sem o cumprimento dos preceitos legais referidos em a). Ora, "in casu", a juíza a quo não fez nem uma coisa nem outra, pelo que, era caso de se ordenar a devolução dos autos à 1.ª instância para que a juíza a quo emitisse pronuncia nos termos e para os efeitos acabados de expor. Considerando, no entanto: - que estamos perante um procedimento cautelar, logo, um processo de natureza urgente; - que o mesmo deu entrada em juízo no dia 9 de abril de 2018; - que nesta Relação o processo já foi objeto de alguns despachos interlocutórios, tendo, inclusivamente, um deles, determinado a sua à 1.ª instância para que a juíza a quo se pronunciasse sobre uma outra questão; - a simplicidade da questão a decidir neste recurso, ao abrigo das disposições contidas nos arts. 6.º, n.º 1 e 547.º, não se determina nova devolução dos autos à 1.ª instância para os apontados fins, passando a conhecer-se do objeto do recurso. * II – ÂMBITO DO RECURSO: Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, é pelas conclusões do recorrente que se define o objeto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para o conhecimento do objeto do recurso. Assim, perante as conclusões de alegação da apelante, neste recurso importa decidir se inexiste fundamento para o indeferimento liminar do presente procedimento cautelar e, consequentemente, se a decisão recorrida deve ser substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos. *** III – FUNDAMENTAÇÃO: 3.1 – Fundamentos de facto: A factualidade relevante para a decisão do presente recurso é a que resulta do relatório que antecede. * 3.2 – Fundamentação de direito: Em rigor, deveria começar-se por conhecer das questões atinentes à nulidade da decisão recorrida, com fundamento nas als. c) e d) do n.º 1 do art. 615.º. Trata-se, como se verá, de uma questão cujo conhecimento resultará prejudicado à luz do que em seguida se discorrerá. Dispõe o n.º 1 do art. 403.º, que «havendo justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de documentos, pode requerer-se o arrolamento deles.» O arrolamento é uma medida de caráter conservatório destinada, além do mais, a assegurar a manutenção de certos bens litigiosos, enquanto a titularidade do direito sobre eles estiver em discussão na ação principal. Trata-se de uma providência cautelar tendente a eliminar o risco de extravio, de ocultação ou de dissipação de bens litigiosos. Por outro lado, ainda que no procedimento cautelar comum se possam inserir providências gerais que consistam na apreensão de bens ou na sua entrega a um fiel depositário, o arrolamento visa especificamente assegurar a permanência de bens que devam ser objeto de “especificação” no processo principal, nos termos do art. 403.º, n.º 2. O arrolamento visa, assim, evitar a produção de eventuais prejuízos, bem como conservar um determinado património quando exista um fundado receio do seu extravio. Nos termos do art. 409.º, n.º 1, que «como preliminar ou incidente da ação de separação judicial de pessoas e bens, divórcio, declaração de nulidade ou anulação de casamento, qualquer dos cônjuges pode requerer o arrolamento de bens comuns, ou de bens próprios que estejam sob a administração do outro.» Visa-se, com o arrolamento a que se refere o citado preceito legal, garantir a justa partilha dos bens assim que o divórcio ou a separação judicial estejam concretizados, prescindindo a lei, nesses casos, da alegação e prova do justo receio do extravio, ocultação ou dissipação de bens, bastando antes a alegação e prova sumária acerca da probabilidade séria da existência do direito. Assim, no caso de extinção do património comum dos cônjuges, por divórcio, a lei concede a qualquer deles, legitimidade para, como preliminar ou como incidente da ação de divórcio, requerer o arrolamento dos bens comuns ou dos bens próprios que estejam na posse ou sob administração do outro. O arrolamento visa, neste contexto, acautelar a justa partilha dos bens após a dissolução do casamento, designadamente no eventual processo de inventário subsequente. É por isso que o n.º 2 do art. 408.º estatui que «o auto de arrolamento serve de descrição no inventário a que haja de proceder-se». No caso concreto, conforme alegado pela apelante no requerimento inicial, como preliminar da ação de divórcio que intentou contra o aqui requerido, deduziu contra este dois procedimentos cautelares de arrolamento (apensos A e B), tendo por objeto, no seu conjunto, exatamente os mesmos “bens” que são objeto deste procedimento cautelar comum. Ambos os procedimentos cautelares de arrolamento mereceram deferimento, tendo os “bens” neles identificados, sido objeto de arrolamento; ou seja, todos os “bens” objeto deste procedimento cautelar comum foram arrolados no âmbito daqueles dois procedimentos cautelares de arrolamento. O divórcio entre a aqui requerente e o aqui requerido foi decretado por sentença transitada em julgado em 2 de outubro de 2017, encontrando-se pendente no Cartório Notarial de Oeiras processo de inventário subsequente a tal divórcio. Ora, não obstante o legislador tenha concebido o procedimento cautelar de arrolamento previsto no n.º 1 do art. 409.º como preliminar ou incidente das ações ali previstas, entre as quais, a de divórcio, não pode deixar de se reconhecer que a finalidade última deste tipo de arrolamento não é tanto o desfecho da ação, mas os atos posteriores à dissolução da sociedade conjugal, entre os quais se destaca, naturalmente, a partilha do património comum. Ou seja, o arrolamento não se esgota com o termo da ação de divórcio, antes se mantendo e subsistindo até se mostrar efetuada a partilha subsequente, uma vez que, até lá, apesar do divórcio de mostrar decretado e a sociedade conjugal dissolvida, persiste, como é bom de ver, o perigo de dissipação e extravio dos “bens”, que fundamentou o decretamento daquele procedimento cautelar. Temos, assim, que se encontram arrolados, no âmbito dos apensos A) e B), exatamente os mesmos “bens” que constituem objeto do presente procedimento cautelar comum, através do qual a apelante pretende, sobretudo, pelo que resulta das conclusões da alegação de recurso, obviar à ocultação e dissipação de saldos de contas bancárias, instrumentos financeiros e bens móveis que constituem o recheio da casa de morada de família. O arrolamento: · consiste na descrição, avaliação e depósito dos “bens” (art. 406.º, n.º 1); · concretiza-se através da elaboração de um auto, contendo a descrição desses bens em verbas numeradas, como em inventário, nele se declarando o valor fixado pelo louvado e se certificando a entrega ao depositário ou o diverso destino provisoriamente dado aos “bens” (art. 406.º, n.º 2). No procedimento cautelar de arrolamento «o depositário é o próprio possuidor ou detentor dos bens, salvo se houver manifesto inconveniente em que lhe sejam entregues» (n.º 1 do art. 408.º), donde resulta que nenhum critério de escolha do depositário é incompatível com a finalidade da providência cautelar de arrolamento. Conforme expressamente decorre do n.º 5 do art. 406.º, na parte desprovida de sobreposição reguladora ou de contrariedade ontológica, são aplicáveis ao arrolamento as disposições relativas à penhora. Ora, estabelece o n.º 1 do art. 764.º que «a penhora de coisas móveis não sujeitas a registo é realizada com a efetiva apreensão dos bens e a sua imediata remoção para depósito, assumindo o agente de execução que realizou a diligência a qualidade de fiel depositário», acrescentando o n.º 4 que «o dinheiro, os papéis de crédito, as pedras e os metais preciosos que sejam apreendidos são depositados em instituição de crédito, à ordem do agente de execução ou, nos casos em que as diligências de execução são realizadas por oficial de justiça, da secretaria.» Por sua vez, dispõe o 774.º: «1 - A penhora de direitos incorporados em títulos de crédito e valores mobiliários titulados não abrangidos pelo n.º 14 do artigo 780.º realiza-se mediante a apreensão do título, ordenando-se ainda, sempre que possível, o averbamento do ónus resultante da penhora. 2 - Se o direito incorporado no título tiver natureza obrigacional, cumpre-se ainda o disposto acerca da penhora de direitos de crédito. 3 - Os títulos de crédito apreendidos são depositados em instituição de crédito, à ordem do agente de execução ou, nos casos em que as diligências de execução são realizadas por oficial de justiça, da secretaria.» Estatui ainda o n.º 1 do art. 780.º que «a penhora que incida sobre depósito existente em instituição legalmente autorizada a recebê-lo é feita por comunicação eletrónica realizada pelo agente de execução às instituições legalmente autorizadas a receber depósitos nas quais o executado disponha de conta aberta, com expressa menção do processo, aplicando-se o disposto nos números seguintes e no n.º 1 do artigo 417.º.», acrescentando o n.º 14 do mesmo artigo que o disposto nos seus números anteriores se aplica «(…) com as necessárias adaptações, à penhora de valores mobiliários, escriturais ou titulados, integrados em sistema centralizado, registados ou depositados em intermediário financeiro ou registados junto do respetivo emitente.». Daqui resulta que os arrolamentos decretados no âmbito dos apensos A) e B) têm, cabalmente, a virtualidade de conferir à apelante todas as providências por si pretendidas nestes autos, nada podendo pretender ou obter através deste procedimento cautelar comum que os referidos procedimentos cautelares de arrolamento não lhe assegurem já. Os decretados procedimentos cautelares de arrolamento, dispõem, por via da remissão operada pelo n.º 5 do art. 406.º, para o regime da penhora, de todos os mecanismos processuais necessários para acautelar, nos termos do art. 2.º, n.º 2, o extravio, ocultação ou dissipação dos “bens” e assegurar a justa partilha que neste momento se encontra em curso através do processo de inventário que está pendente no Cartório Notarial de Oeiras, decretado que foi, mediante sentença transitada em julgado, o divórcio que dissolveu a sociedade conjugal entre requerente e requerido. Diga-se, ainda, que nas alturas em que, preliminarmente à ação de divórcio, lançou mão de mãos de procedimentos cautelares com vista a obstar ao extravio, ocultação ou dissipação de “bens” comuns do casal e de “bens” próprios em poder do aqui requerido, ou por ele administrados, e, assim, assegurar, futuramente, uma justa partilha, a outro tipo de procedimento não poderia recorrer, que não fosse o de arrolamento. É que, dispõe o art. 362.º, n.º 3, que «não são aplicáveis as providências referidas no n.º 1 quando se pretenda acautelar o risco de lesão especialmente prevenido por alguma das providências tipificadas no capítulo seguinte.» Este preceito determina que só pode instaurar-se um procedimento cautelar comum, requerer-se uma providência cautelar atípica ou não especificada, quando se pretenda debelar um risco de lesão excluído dos limites materiais de algum dos procedimentos cautelares específicos. Ora, o arrolamento é, nos termos dos arts. 403.º, n.º 1 e 409.º, n.º 1, o procedimento cautelar destinado a, preliminar ou incidentalmente em relação à ação de divórcio, debelar o risco de extravio, ocultação ou dissipação de “bens” comuns do casal e/ou de “bens” próprios em poder do requerido, ou por ele administrados, de modo a assegurar a tal justa partilha. Arrolamento esse que, como se tem enfatizado, a apelante há muito viu decretado, e que abrange todos os “bens” que são objeto deste procedimento cautelar comum. Dispondo o já referido art. 2.º, n.º 2, que «a todo o direito, exceto quando a lei determine o contrário, corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação», temos que a apelante não invoca qualquer direito subjetivo ou interesse juridicamente relevante carecidos de tutela jurisdicional, necessitados de eficaz e privilegiada proteção através deste procedimento cautelar comum, e que: - ou não se mostrem já acautelados no âmbito dos dois procedimentos cautelares de arrolamento acima referidos; - ou que neles não possam vir a ser acautelados, nomeadamente no que respeita à determinação do depositário dos “bens” em causa, importando recordar que, nos termos do citado art. 408.º, n.º 1, nos procedimentos cautelares de arrolamento a nomeação do depositário é feita de acordo com as contingências do caso concreto, tendo sempre em vista os fins que tais procedimentos visam acautelar: como já se referiu, o extravio, ocultação ou dissipação de bens. Consequentemente, não estando a apelante, face ao objeto deste procedimento cautelar comum, carecida de tutela judiciária, é evidente a sua falta de interesse em agir, a sua falta de interesse (processual) na instauração do mesmo. Proibindo a lei a prática de atos inúteis, ao abrigo do princípio da limitação dos atos, vertido no art. 130.º, por maioria de razão proibirá a instauração de ações, incidentes ou procedimentos cautelares inúteis. Por isso, traduzindo-se a falta de interesse processual na inútil colocação em marcha da máquina judiciária, no desencadeamento inútil dos meios processuais, esse interesse processual ou interesse em agir assume o estatuto de pressuposto processual, ainda que inominado, pois que não se mostra legalmente elencado como tal, constituindo a sua falta uma exceção dilatória inominada, insuprível e de conhecimento oficioso (artigos 577.º e 578.º), conducente à absolvição da instância. No entanto, nos casos em que, como ocorre nos procedimentos cautelares, a citação da parte contrária depende de prévio despacho judicial, se, à luz da respetiva causa de pedir e do(s) pedido(s) formulado(s), se evidenciar, de forma patente, essa falta de interesse processual ou interesse em agir, como pelas razões expostas, ocorre "in casu", a consequência é o indeferimento liminar do requerimento inicial (o chamado despacho liminar negativo), caso em que se dá a confluência da falta daquele interesse com o princípio da economia processual. É o que resulta do art. 590.º, n.º 1, segundo o qual «nos casos em que, por determinação legal (…), seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente (…).» Em conclusão, ainda que por razões substancialmente diferentes das aduzidas em 1.ª instância, mantém-se a decisão recorrida, resultando logicamente prejudicado, como acima se adiantou, o conhecimento da questão respeitante à nulidade de tal decisão. *** IV – DECISÃO: Por todo o exposto, acordam os juízes desta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar a apelação improcedente, confirmando, ainda que por razões substancialmente diferentes, a decisão recorrida. Custas a cargo da recorrente (art. 527.º, n.ºs 1 e 2). Lisboa, 11 de setembro de 2018 José Capacete Carlos Oliveira Ana Rodrigues da Silva |