Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
20547/15.3T8LSB.L1-4
Relator: DURO MATEUS CARDOSO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
ACIDENTE DE TRABALHO
LESÃO GRAVE
SUSPENSÃO DOS TRABALHOS
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/16/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I-Para feitos do art. 24º-1-4 do DL nº 273/2003 de 29/10 quando a entidade empregadora é confrontada com a decisão a tomar relativamente a uma suspensão dos trabalhos após a ocorrência de um acidente de trabalho, tem de ter em conta os elementos que tem disponíveis, ou que, diligentemente, de acordo com os padrões médios de um homem médio, deveria ter obtido.
II-Uma lesão grave pode ser entendida, comummente, como aquela que apresenta potencialidade (maior ou menor) para colocar em risco a vida de quem a sofreu ou para lhe determinar incapacidade permanente em grau elevado.
III-Um trabalhador que após o acidente, falava, andava, respirava sem dificuldade, não deitava sangue, não se queixava de dores nos membros mas vagamente de uma dor no peito local de embate da parede é susceptível de ser avaliado no após acidente como não tendo sofrido uma lesão grave.
IV-Se apesar do quadro clínico apresentado pelo sinistrado o mesmo for transportado para o hospital pelo INEM era prudente suspender-se os trabalhos até se obter confirmação hospitalar da gravidade da lesão para não se arriscar uma eventual violação do art. 24º-1-4 do DL nº 273/2003 de 29/10, caso se viesse a confirmar a ocorrência de uma lesão grave.
V-Compete à ACT demonstrar que o sinistrado sofreu uma lesão grave resultante de acidente de trabalho.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-Relatório:


I-AA, SA, com sede na Rua (…), Lisboa, é arguida no presente processo de contra-ordenação laboral, tendo a ACT-ULLisboa Oriental condenado a mesma pagar uma coima única no montante de € 12.750,00 (125 UCs) por duas infracções, a título de negligência, ao disposto no art. 24º-4-5 do DL nº 237/2003 de 29/10 e ao disposto no art. 20º-d) do DL nº 237/2003 de 29/10.

Da decisão do ACT-ULLisboa Oriental, a arguida interpôs recurso para a Secção de Trabalho da Comarca de Lisboa, que julgou o recurso procedente e absolveu a recorrente da prática das contra-ordenações que lhe eram imputadas.

II-Da decisão da Secção de Trabalho da Comarca de Lisboa, recorreu o Ministério Público para esta Relação (fols. 60 a 67), apresentando as seguintes conclusões:
(…)

A arguida contra-alegou (fols. 73 a 79) pugnando pela manutenção da sentença.

III-Deram-se os competentes Vistos legais, tendo o Digno Procurador Geral-Adjunto do Ministério emitido Parecer neste Tribunal da Relação (fols. 90 a 90 v.) também no sentido da procedência do recurso.

IV-É a seguinte a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida:

1-A empresa AA, SA, adjudicatária da empreitada de remodelação do Centro Comercial de BB acordou com a empresa CC a cedência de trabalhadores temporários, para suprimento das necessidades de carácter temporário limitado, entre os quais se encontra DD, admitido em 24 de Outubro de 2012, através da celebração de um contrato de trabalho temporário a termo incerto, com a categoria de servente e o vencimento de 485 €.
2-No dia 5 de Janeiro de 2013, pelas 10h20m, encontravam-se a decorrer trabalhos de demolição das paredes duma sala de ventilação sita no piso -3 do edifício do Centro Comercial BB.
3-O piso em causa está destinado a estacionamento.
4-Após ter iniciado os trabalhos de demolição e, após ter executado três ou quatro pancadas com uma marreta numa das paredes exteriores, uma parte acabou por tombar.
5-O piso em causa está destinado a estacionamento.
6- Esse trabalho estava a ser realizado pelo trabalhador DD.
7-Após ter iniciado os trabalhos de demolição e, após ter executado três ou quatro pancadas com uma marreta numa das paredes exteriores, uma parte acabou por tombar para junto da zona onde o trabalhador se encontrava, ficando o resto inclinado para fora.
8-Uma vez que a parede estava a inclinar-se para o exterior, ou seja, para a zona do estacionamento, entrou na sala, com a intenção de acabar de a derrubar para a zona exterior.
9-No entanto, tendo dado mais de duas pancadas na parede inclinada, em vez da mesma ter caído para fora, acabou por tombar para o lado de dentro, entalando o trabalhador, na zona do peito, entre a outra parede e o bloco de parede que caiu.
10-Imediatamente chamou por socorro tendo sido um colega que se encontrava nas imediações.
11-Foi chamado o 112, tendo o trabalhador acidentado sido assistido pelo INEM e transportado para o hospital de Santa Maria e posteriormente transferido para o hospital Amadora-Sintra.
12-O trabalhador apresenta lesões na coluna, encontrando-se ainda de baixa, com incapacidade temporária absoluta, estando a ser acompanhado pelo seguro.
13-Por email de 08 de Janeiro de 2013 a entidade empregadora do trabalhador comunicou à autoridade administrativa o acidente de trabalho nos termos que constam de fls. 5 dos autos de contra-ordenação e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
14-Na visita efectuada ao local do acidente pela inspectora autuante e pela inspectora superior principal Dra. EE no dia 10 de Janeiro de 2013, em causa já tinha sido demolida e não restavam quaisquer escombros das paredes derrubadas ou vestígios do acidente.
15-Os trabalhos em causa encontravam-se previstos no plano específico de segurança referente aos trabalhos de demolição manual.
16-Após o acidente o trabalhador falava, andava, respirava sem dificuldade, não deitava sangue, não se queixava de dores nos membros mas vagamente de uma dor no peito local de embate da parede.
17-Foi apenas no momento em que tomou conhecimento da comunicação do acidente efectuada pela entidade empregadora CC, Lda. à ACT por email datado de 08 de Janeiro de 2013 que a recorrente se apercebeu que o trabalhador havia sofrido fractura fechada.
18-A comunicação pela entidade empregadora, empresa de trabalho temporário CC, Lda., decorreu do cumprimento de uma recomendação da ACT para que as empresas de trabalho temporário comuniquem àquela entidade os acidentes de trabalho sofridos com os seus trabalhadores que dêem origem a pelo menos três dias de baixa.
19-A actividade que o trabalhador sinistrado levava a cabo estava prevista e bem documentada no Plano Específico de Segurança (PES) que resultou do Plano de Segurança e Saúde (PSS) elaborado pelo dono da obra.
20-O Plano específico de Segurança estava implementado na obra.
21-A obra possuía uma estrutura humana consubstanciada num Director Técnico de Obra e Directos de Obra, pessoal de enquadramento (nomeadamente um encarregado de frente) e um técnico de segurança do trabalho devidamente habilitado.
22-Após a visita à obra efectuada pelas senhoras inspectoras da ACT, na sequência do acidente, estas não impuseram, nem sugeriram, por escrito ou verbalmente, qualquer alteração à estrutura, aos documentos ou ao modo como vinham sendo executadas as demolições, tendo-lhes sido comunicado que a obra ia continuar.
23-A arguida procedeu com diligência ao retirar os escombros que, por via das manobras de socorro à vítima, tinham ficado em equilíbrio instável, susceptíveis de criar riscos quer para a estrutura e para os trabalhadores.
24-A recorrente possuía em obra encarregados de frente para em cada momento avaliar as condições estruturais do edifício ou estrutura.
25-Momentos antes do acidente, o trabalhador da recorrente, FF, após ter avaliado as condições estruturais dos elementos envolvidos, ordenou ao trabalhador sinistrado que demolisse a parede de alvenaria, após o que se deslocou para outra frente de trabalho para aí actuar de igual modo, sem contudo abandonar os locais de demolição, estando disponível para, a qualquer momento, se deslocar onde o trabalhador, como outros na mesma zona, procedia ao derrube de paredes.
26-O trabalhador estava em obra há cerca de dois meses efectuando, entre outros, trabalho de demolição manual, tendo recebido a adequada formação em matéria de segurança no trabalho, dispondo de formação “in job” já que vinha executando desde a sua admissão trabalhos de demolição.
27-A parede acabou por tombar para o lado de dentro devido ao facto de imprevisivelmente ter “rodopiado” o que fez com que o impacto fosse menor.

V-Uma vez que esta 2ª Instância, em regra e no âmbito dos recursos de contra-ordenação, apenas conhece de direito e, também, é limitada pelas conclusões da motivação de recurso, a questão fundamental que agora se coloca e que importam resolver é se os trabalhos no local onde ocorreu o acidente deveriam ter sido suspensos por se estar perante acidente de que resultou lesão grave do trabalhador.

VI-DECIDINDO.
Estabelece o art. 24º-1 do DL nº 273/2003 de 29/10 que” Sem prejuízo de outras notificações legalmente previstas, o acidente de trabalho de que resulte a morte ou lesão grave do trabalhador, ou que assuma particular gravidade na perspectiva da segurança no trabalho, deve ser comunicado pelo respectivo empregador à Inspecção-Geral do Trabalho e ao coordenador de segurança em obra, no mais curto prazo possível, não podendo exceder vinte e quatro horas.”
E no nº 4 do mesmo artigo 24º dispõe-se que “A entidade executante e todos os intervenientes no estaleiro devem suspender quaisquer trabalhos sob sua responsabilidade que sejam susceptíveis de destruir ou alterar os vestígios do acidente, sem prejuízo da assistência a prestar às vítimas.”

Mister é, então, averiguar se estamos perante um acidente de que resultou lesão grave do trabalhador para podermos aquilatar se a não suspensão dos trabalhos, que se retira do facto provado nº 14, respeitou o estatuído no referido art. 24º do DL nº 273/2003.

A ACT entendeu que do acidente resultou lesão grave do trabalhador.

A arguida considerou com os elementos que dispunham na altura nada apontava para existência de uma lesão grave e a decisão de continuar os trabalhos fundou-se nos elementos de que então dispunha.

A Mmª Juíza a quo também sustentou que a factualidade apurada logo após o acidente não apontava para a uma lesão grave e que, para além disso, acabou por não ficar apurada nos autos a gravidade efectiva das lesões que o sinistrado sofreu, impedindo o tribunal de qualificar a lesão como grave para efeitos da norma legal atrás referida.

Acompanhamos quase totalmente o entendimento da Mmª Juíza a quo.

De facto quando a entidade empregadora é confrontada com a decisão a tomar relativamente a uma suspensão dos trabalhos após a ocorrência de um acidente de trabalho, tem de ter em conta os elementos que tem disponíveis, ou que, diligentemente, de acordo com os padrões médios de um homem médio, deveria ter obtido.

Ora provou-se que após o acidente o trabalhador falava, andava, respirava sem dificuldade, não deitava sangue, não se queixava de dores nos membros mas vagamente de uma dor no peito local de embate da parede (facto nº 16).

Perante este quadro mesmo a pessoa um pouco mais avisada que o homem médio não vislumbra nem antecipa ter ocorrido uma lesão grave, entendida esta, comummente, como aquela que apresenta potencialidade (maior ou menor) para colocar em risco a vida de quem a sofreu ou para lhe determinar incapacidade permanente em grau elevado.

Esgrima o Digno recorrente com o facto de o mero transporte do sinistrado pelo INEM para o Hospital é indiciador da gravidade da lesão. Trata-se, salvo o devido respeito, de assunção meramente especulativa.

Não se apurou porque razão o INEM transportou para o Hospital um sinistrado que apresentava após o acidente o quadro clínico que já referimos. Por que desconfiavam de algo grave ? Por mera precaução ? Porque o sinistrado estaria com a tensão arterial descontrolada e precisava de ser estabilizado ? Por excesso de zelo? Por outra razão qualquer ? Não sabemos.

Também não faz muito sentido fazer apelo ao colapso inesperado de edifício ou estrutura para o equiparar à situação dos autos e daí se concluir pela existência de um evento de particular gravidade na perspectiva da segurança e da saúde no trabalho, pela simples razão de que o que ocorreu não foi qualquer colapso inesperado. Foi um colapso pretendido na medida em que se estava a proceder a uma demolição. O que não se pretendia foi a direcção para onde o colapso acabou por se dirigir.

Insurge-se ainda o Digno recorrente contra o facto de a arguida, não ter procurado saber juntos dos serviços hospitalares acerca do estado efectivo do sinistrado, uma vez que para lá tinha sido transportado e assim poderia tomar uma decisão correcta quanto à suspensão dos trabalhos.

Aqui, efectivamente, a arguida poderia ter agido de outro modo, expectável ao homem comum e mais diligente, suspendendo os trabalhos e, se fosse caso disso, recomeçando-os logo que obtivesse a informação hospitalar que lhe assegurasse não se estar perante uma lesão grave, embora se compreenda que face ao quadro clínico exibido pelo sinistrado após o acidente tal preocupação se mostrasse substancialmente diminuída ou mesmo arredada do espírito da arguida.

Não o tendo feito e não suspendendo os trabalhos arriscou a possibilidade de haver, de facto, uma lesão grave e, assim, de ter violado o disposto no art. 24º do DL nº 273/2003.

Mas violou tal preceito ?
Competia à ACT demonstrar que, concretamente, ocorreu uma lesão grave derivada do acidente de trabalho em causa.

Aqui não podemos deixar de acompanhar totalmente a sentença recorrida onde se escreveu a propósito: “Acresce a própria factualidade trazida pela autoridade administrativa é parca quanto à gravidade da lesão.

Com efeito da factualidade trazida aos autos pela autoridade administrativa resulta que o trabalhador apresenta lesões na coluna, com incapacidade temporária absoluta para o trabalho.

Que lesões? Que períodos de incapacidades temporárias?

Nenhum destes factos são concretizados pelo que o próprio tribunal tem alguma dificuldade para aferir da gravidade do acidente tanto mais que resulta dos factos provados que o impacto acabou por ser atenuado por a parede ter “rodopiado”.

Com efeito, uma lesão na coluna pode ser muito grave mas dos autos não resulta qual foi a lesão em concreto.

O período de incapacidade temporária absoluta para o trabalho foram três, oito, quinze, trinta ou mais dias?

Factos que competia à autoridade administrativa trazer aos autos quanto mais não fosse para sustentar a gravidade que imputa ao acidente tanto mais que parece decorrer da argumentação expendida que esta pode ser aferida à posteriori. E neste caso era de todo pertinente trazer estes factos aos autos.”

De facto, estando também provado, unicamente, que o sinistrado sofreu “fractura fechada” (facto provado nº 17) e, como é sabido, a gravidade das lesões na coluna dependem muito do local da coluna onde ocorrem, não possível concluir que estamos perante uma lesão grave.

Mesmo a duração da incapacidade, se estivesse apurada nos autos, por si só é muito falaciosa para a determinação da gravidade, pois não é invulgar, por exemplo, ser atribuída a acidentados uma ITA durante 15 dias por causa de uma mera pequena fractura da ponta do osso do cotovelo, que ninguém ousará, seguramente, considerar a mesma como uma lesão grave.

O decidido em 1ª instância não merece reparo, improcedendo o recurso interposto.

VII-Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Sem custas.
*
Notifique e remeta cópia ao ACT.
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Lisboa, 16 de Março de 2016


Duro Mateus Cardoso
Albertina Pereira