Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9927/24.3T8LSB-A.L1-4
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CADUCIDADE DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
FALTAS INJUSTIFICADAS
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/24/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1- Impõe-se a imediata rejeição do recurso no que concerne à impugnação da decisão sobre a matéria de facto quando o Apelante se limita a impugnar globalmente a decisão proferida, omitindo todos os ónus legais que lhe cabia observar, incluindo o elementar dever de especificar nas conclusões os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, em violação dos arts. 637.º, n.º 2, 639.º, n.º 1 e 640.º, n.º 1, als. a), b) e c) e n.º 2, al. a) do CPC.
2- Estando em causa o fundamento de despedimento com justa causa reconduzível a faltas não justificadas ao trabalho cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou dez interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco, previsto na al. g) do n.º 2 do art. 351.º do CT, o prazo de 60 dias para exercer o poder disciplinar inicia-se apenas no dia subsequente ao ano civil em referência, isto é, a 1 de Janeiro, sem prejuízo de o empregador poder optar pelo exercício do direito em data anterior.
3- Provando-se que o Autor deu 88 faltas injustificadas ao trabalho no ano de 2023, algumas imediatamente anteriores ou posteriores a dias de descanso ou feriado, e que tal conduta corresponde ao comportamento habitual do trabalhador nos demais anos de duração do contrato, sem que se tenham provado quaisquer circunstâncias atenuantes da sua culpa, verifica-se justa causa de despedimento nos termos previstos no art. 351.º, n.ºs 1 e 2, al. g) do CT.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório
AA intentou acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra Massa Insolvente da SPDH – Serviços Portugueses de Handling, S.A., juntando decisão proferida no processo disciplinar contra si instaurado pela Ré, onde lhe foi aplicada a sanção de despedimento com justa causa.
A Ré apresentou articulado em que alegou os fundamentos da decisão de despedimento, tendo também juntado o processo disciplinar.
O Autor apresentou contestação, invocando a excepção de invalidade do processo disciplinar por falta de comunicação da intenção de despedimento juntamente com o envio da nota de culpa e a excepção de caducidade do exercício do poder disciplinar, bem como impugnando os factos que lhe são imputados.
Pede, além da declaração da ilicitude do despedimento e suas consequências (retribuições intercalares e indemnização), que seja a Ré condenada a: (i) pagar a quantia de 60.924,98 €, resultante dos créditos laborais identificados em 134.º a 142.º da reconvenção, (ii) pagar os juros de mora à taxa legal vencidos e vincendos sobre cada uma das prestações vencidas, até integral pagamento e a liquidar em execução de sentença, e (iii) pagar a quantia de 5.000,00 €, a título de indemnização por danos não patrimoniais.
A Ré respondeu à matéria de excepção e de reconvenção, pugnando pela sua improcedência.
Proferiu-se despacho saneador em que, além do mais, se admitiu o pedido reconvencional e se julgou improcedente a excepção peremptória de invalidade do procedimento disciplinar por omissão de comunicação da intenção de despedimento juntamente com a nota de culpa, do que não foi interposto qualquer recurso.
Oportunamente, procedeu-se a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:
«1. Julgo improcedente a oposição apresentada pelo/a trabalhador/ao despedimento que declaro regular e lícito.
2. Julgo o pedido reconvencional parcialmente procedente e, em consequência, decido:
1 - Condenar a ré Massa Insolvente da SPdH – Serviços Portugueses de Handling, S.A. a pagar ao autor:
a) a quantia global 757,79 € (setecentos e cinquenta e sete euros e setenta e nove cêntimos) a título das prestações retributivas e outras correspondentes a quinze dias do mês de abril de 2024.
b) a quantia global de € 2.455,22 (dois mil, quatrocentos e cinquenta e cinco euros e vinte e dois cêntimos) a título de retribuição de férias, subsídio de férias vencidos em 01.01.2024 e proporcionais destes e do subsídio de Natal ao tempo de serviço prestado no ano de 2024.
c) a quantia global de € 3.142,72 (três mil, cento e quarenta e dois euros e setenta e dois cêntimos) referente às férias vencidas e não gozadas dos anos de 2020, 2021, 2022 e 2023.
d) Juros de mora à taxa legal sobre as quantias acima referidas desde a data de vencimento e até integral e efectivo pagamento.
2 – Absolver a ré do demais peticionado em reconvenção.
3 - Custas da acção a cargo do autor quanto à acção principal e quanto à reconvenção por autor e ré na proporção do decaimento.
Fixo o valor da acção em 67.924,98 € (sessenta e sete mil, novecentos e vinte quatro mil e noventa e oito cêntimos), sendo € 2.000,00 da acção e € 65.924,98 da reconvenção.»
O Autor interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:
«A – Competia à recorrida fazer prova dos factos constantes da decisão de despedimento (art.º 387º, nº 3, do CT), o que não logrou alcançar.
B – As testemunhas indicadas pelo tribunal a quo (com exceção dos trabalhadores), para sustentar a matéria de facto provada, não tem conhecimento direto dos factos, apenas conhecimento funcional e procedimental.
C - Não pode o tribunal a quo dar como assentes factos que contrariam as evidências, a verdade dos factos e a própria lei!
D - O processo disciplinar é invalido por preterição das formalidades previstas no art.º art.º 382º/2, al. b), do C. T.,
E – O direito da Entidade Patronal de instaurar o procedimento disciplinar encontrava-se caducado em 08.01.2024, cfr. Art.º 329º/2 do CT.
F – O despedimento é ilícito, porquanto, atenta à prova documental junta aos autos, designadamente recibos de vencimento e prova testemunhal, não se verifica os requisitos cumulativos objectivos e subjetivos da justa causa;
G – Acresce que acaso fossem dadas as faltas pelo recorrente apontadas ao longo dos anos, tendo a recorrida conhecimento de tal, não poderia deixar de se traduzir numa espécie de perdão ou de renúncia ao direito de despedir; o que releva é que essa atitude foi idónea para significar a viabilidade prática da subsistência da relação de trabalho.
G – Sem prescindir, e salvo melhor opinião, a Entidade Patronal está sujeita aos deveres consignados no art.º 127º/1 do Código de trabalho, designadamente, proporcionar boas condições de trabalho, do ponto de vista físico e moral;
H – A recorrida e seus trabalhadores tem conhecimento há longos anos das irregularidades funcionais ou disfuncionais do sistema biométrico, das perturbações físicas e morais que tal gera no recorrente e que culminaram no seu despedimento ilícito e propositadamente permanece na inércia
I - A recorrida de forma reiterada viola o dever supra expondo o recorrente a uma situação de precariedade, atribuindo-lhe o ónus de justificar diariamente e durante anos seguidos, infrações/faltas que não cometeu e que nem tem como justificar.
J – A sentença em crise é nula por violar diretamente art.ºs 353º, 382/2, al. b), 353º, 329º/2, 351º/1/2 al. g) e n.º 3; 381º/al. b) 387º/3; 382º; 241º, 127/1, al. c), d) e J) todos do Código do Trabalha, Acordos de Empresa publicados no BTE n.º 6 de 15 de fevereiro de 2012 e BTE n.º 4, de 29 de janeiro de 2018;
L – E ainda viola o direito ao recebimento parcial dos créditos laborais do recorrente, reclamados em sede de reconvenção, que se mostram mais do que devidos, e tudo porque o tribunal a quo, com total ausência de prova, decidiu que o despedimento era lícito.
M) – Assim exposto, é claro e evidente que, devem ser admitidas as ALEGAÇÕES do recorrente.»
A Ré apresentou resposta ao recurso do Autor, pugnando pela sua improcedência.
Observado o disposto no art. 87.º, n.º 3 do CPT, pelo Ministério Público foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
Cumprido o previsto no art. 657.º do CPC, cabe decidir em conferência.

2. Questões a resolver

Atento o teor das conclusões do recurso, que delimitam o seu objecto, as questões que se colocam a este Tribunal são as seguintes, por ordem lógica de precedência:
- impugnação da matéria de facto;
- invalidade do procedimento disciplinar;
- caducidade do procedimento disciplinar;
- existência de justa causa de despedimento;
- pedido reconvencional.

3. Fundamentação

3.1. Os factos considerados provados são os seguintes:
1 – Por decisão de 8 de Janeiro de 2024, foi determinado pelos Administradores de Insolvência da massa insolvente da SPdH – Serviços Portugueses de Handling, S.A. a instauração de procedimento disciplinar ao Autor.
2 – Por escrito de 24 de Janeiro de 2024, por carta registada e com aviso de recepção, junta a fls. 23 a 30 do processo disciplinar, foi enviada ao Autor a nota de culpa, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, assinaladamente o seguinte:
“1.º A SPdH – Serviços Portugueses de Handling SA (a “SPDH”) é uma sociedade comercial que tem por objecto a prestação de serviços de assistência em escala ao transporte aéreo (conforme consta da respectiva certidão permanente (código de acesso: 5248-1603-6114).
2.º O Trabalhador OAE AA, SPdH n.º … (doravante denominado por Arguido) exerce funções no Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, na área dos terminais de bagagem. Sucede que,
3.º No ano de 2023, o Arguido faltou injustificadamente ao trabalho durante 88 (oitenta e oito) dias completos. Ou seja,
4.º O arguido faltou nos seguintes dias assinalados a preto:
1. 03.01.2023
2. 05.01.2023
3. 21.01.2023
4. 22.01.2023
5. 24.01.2023
6. 25.01.2023
7. 26.01.2023
8. 01.02.2023
9. 02.02.2023
10. 03.02.2023
11. 05.02.2023
12. 06.02.2023
13. 08.02.2023
14. 09.02.2023
15. 10.02.2023
16. 11.02.2023
17. 12.02.2023
18. 13.02.2023
19. 14.02.2023
20. 15.02.2023
21. 23.02.2023
22. 25.02.2023
23. 10.03.2023
24. 13.03.2023
25. 14.03.2023
26. 15.03.2023
27. 21.03.2023
28. 22.03.2023
29. 23.03.2023
30. 30.03.2023
31. 31.03.2023
32. 01.04.2023
33. 02.04.2023
34. 18.04.2023
35. 19.04.2023
36. 20.04.2023
37. 21.04.2023
38. 22.04.2023
39. 24.04.2023
40. 25.04.2023
41. 26.04.2023
42. 22.03.2023
43. 23.03.2023
44. 30.03.2023
45. 31.03.2023
46. 05.05.2023
47. 06.05.2023
48. 07.05.2023
49. 08.05.2023
50. 13.05.2023
51. 14.05.2023
52. 15.05.2023
53. 16.05.2023
54. 18.05.2023
55. 29.05.2023
56. 30.05.2023
57. 31.05.2023
58. 06.06.2023
59. 12.06.2023
60. 13.06.2023
61. 25.06.2023
62. 26.06.2023
63. 27.06.2023
64. 28.06.2023
65. 29.06.2023
66. 05.07.2023
67. 08.07.2023
68. 09.07.2023
69. 10.07.2023
70. 11.07.2023
71. 12.07.2023
72. 13.07.2023
73. 14.07.2023
74. 15.07.2023
75. 16.07.2023
76. 17.07.2023
77. 19.07.2023
78. 20.07.2023
79. 21.07.2023
80. 22.07.2023
81. 24.07.2023
82. 25.07.2023
83. 26.07.2023
84. 27.07.2023
85. 29.07.2023
86. 30.07.2023
87. 02.08.2023
88. 03.08.2023
89. 04.08.2023
90. 05.08.2023
91. 08.08.2023
92. 09.08.2023
93. 10.08.2023
94. 12.08.2023
95. 19.08.2023
96. 21.08.2023
97. 22.08.2023
98. 23.08.2023
99. 25.08.2023
100. 27.08.2023
101. 28.08.2023
102. 29.08.2023
103. 30.08.2023
104. 31.08.2023
105. 01.09.2023
106. 11.09.2023
107. 12.09.2023
108. 13.09.2023
109. 14.09.2023
110. 15.09.2023
111. 16.09.2023
112. 18.09.2023
113. 19.09.2023
114. 20.09.2023
115. 21.09.2023
116. 22.09.2023
117. 23.09.2023
118. 24.09.2023
119. 28.09.2023
120. 29.09.2023
121. 30.09.2023
122. 01.10.2023
123. 02.10.2023
124. 09.10.2023
125. 16.10.2023
125. 16.10.2023
126. 17.10.2023
127. 25.10.2023
128. 29.10.2023
129. 30.10.2023
130. 31.10.2023
131. 01.11.2023
132. 03.12.2023
133. 04.12.2023
134. 05.12.2023
135. 06.12.2023
Adicionalmente,
5.º As faltas injustificadas assinaladas a vermelho foram imediatamente anteriores ou posteriores a dias de descanso ou feriado pelo que, nos termos e para os efeitos do n.º 2 e n.º 3 do artigo 256.º do Código de Trabalho, o Arguido sofreu as penalizações legalmente previstas na sua retribuição equivalentes a 47 dias de trabalho. De igual forma,
6.º O Arguido apresenta inúmeras faltas parciais num total de 877 minutos, que lhe foram descontados proporcionalmente da sua retribuição – tudo conforme relatório de ausências junto aos autos. Sendo que,
7.º Os referidos 877 minutos consubstanciam 2 ausências injustificadas diárias adicionais.
8.º Nunca o Arguido comunicou tais ausências à Empresa ou apresentou para as mesmas a adequada justificação nos termos do procedimento n.º PT006_RH_MPG, como lhe incumbia.
9.º Nenhuma das mencionadas faltas, por outro lado, foi prévia ou posteriormente autorizada pela Entidade Patronal pelo que todas elas se consideram injustificadas, tendo dado lugar ao respectivo desconto na retribuição e antiguidade do Arguido.
(…).”
3 – Por email de 9 de Fevereiro de 2024, o Autor remeteu a resposta à nota de culpa, junta a fls. 39 a 57 do processo disciplinar e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
4 – Em 18 de Março de 2024 foi proferido o Relatório Final, junto a fls. 125 a 144 do processo disciplinar, e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
5 – Em 01.04.2024, foi proposta pelo instrutor do processo disciplinar a aplicação da sanção disciplinar de despedimento sem indemnização ou compensação ao trabalhador AA, proposta que obteve o acordo dos Administradores de Insolvência na mesma data.
6 – Por despacho de 1 de Abril de 2024 dos Administradores de Insolvência foi determinado aplicar a sanção disciplinar de despedimento imediato com justa causa, sem direito a qualquer indemnização ou compensação ao trabalhador OAE AA.
7 – Por escrito de 1 de Abril de 2024, remetido sob registo postal e AR, foi comunicado ao Autor que, “na sequência do procedimento disciplinar que lhe foi instaurado em 08.01.2024, entendeu por bem a Administração da SPdH, S.A., aplicar a sanção disciplinar de despedimento com justa causa, sem direito a qualquer indemnização ou compensação”, anexando a decisão e relatório final, juntos aos autos e, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
8 – A carta remetida para o Autor foi devolvida com a indicação “mudou-se”.
9 – Por escrito de 12 de Abril de 2024, a Ré repetiu o envio por correio postal e com AR da decisão a comunicar ao Autor a decisão de lhe aplicar a sanção de despedimento imediato com justa causa sem direito a qualquer indemnização ou compensação, anexando decisão e relatório final.
10 – Em 15.04.2024 o Autor recepcionou a carta referida no número anterior.
11 - O Autor faltou nos seguintes dias assinalados a preto, sendo assinalados a vermelho quando foram imediatamente anteriores ou posteriores a dias de descanso ou feriado:
1. 03.01.2023
2. 05.01.2023
3. 21.01.2023
4. 22.01.2023
5. 24.01.2023
6. 25.01.2023
7. 26.01.2023
8. 01.02.2023
9. 02.02.2023
10. 03.02.2023
11. 05.02.2023
12. 06.02.2023
13. 08.02.2023
14. 09.02.2023
15. 10.02.2023
16. 11.02.2023
17. 12.02.2023
18. 13.02.2023
19. 14.02.2023
20. 15.02.2023
21. 23.02.2023
22. 25.02.2023
23. 10.03.2023
24. 13.03.2023
25. 14.03.2023
26. 15.03.2023
27. 21.03.2023
28. 22.03.2023
29. 23.03.2023
30. 30.03.2023
31. 31.03.2023
32. 01.04.2023
33. 02.04.2023
34. 18.04.2023
35. 19.04.2023
36. 20.04.2023
37. 21.04.2023
38. 22.04.2023
39. 24.04.2023
40. 25.04.2023
41. 26.04.2023
42. 22.03.2023
43. 23.03.2023
44. 30.03.2023
45. 31.03.2023
46. 05.05.2023
47. 06.05.2023
48. 07.05.2023
49. 08.05.2023
50. 13.05.2023
51. 14.05.2023
52. 15.05.2023
53. 16.05.2023
54. 18.05.2023
55. 29.05.2023
56. 30.05.2023
57. 31.05.2023
58. 06.06.2023
59. 12.06.2023
60. 13.06.2023
61. 25.06.2023
62. 26.06.2023
63. 27.06.2023
64. 28.06.2023
65. 29.06.2023
66. 05.07.2023
67. 08.07.2023
68. 09.07.2023
69. 10.07.2023
70. 11.07.2023
71. 12.07.2023
72. 13.07.2023
73. 14.07.2023
74. 15.07.2023
75. 16.07.2023
76. 17.07.2023
77. 19.07.2023
78. 20.07.2023
79. 21.07.2023
80. 22.07.2023
81. 24.07.2023
82. 25.07.2023
83. 26.07.2023
84. 27.07.2023
85. 29.07.2023
86. 30.07.2023
87. 02.08.2023
88. 03.08.2023
89. 04.08.2023
90. 05.08.2023
91. 08.08.2023
92. 09.08.2023
93. 10.08.2023
94. 12.08.2023
95. 19.08.2023
96. 21.08.2023
97. 22.08.2023
98. 23.08.2023
99. 25.08.2023
100. 27.08.2023
101. 28.08.2023
102. 29.08.2023
103. 30.08.2023
104. 31.08.2023
105. 01.09.2023
106. 11.09.2023
107. 12.09.2023
108. 13.09.2023
109. 14.09.2023
110. 15.09.2023
111. 16.09.2023
112. 18.09.2023
113. 19.09.2023
114. 20.09.2023
115. 21.09.2023
116. 22.09.2023
117. 23.09.2023
118. 24.09.2023
119. 28.09.2023
120. 29.09.2023
121. 30.09.2023
122. 01.10.2023
123. 02.10.2023
124. 09.10.2023
125. 16.10.2023
126. 17.10.2023
127. 25.10.2023
128. 29.10.2023
129. 30.10.2023
130. 31.10.2023
131. 01.11.2023
132. 03.12.2023
133. 04.12.2023
134. 05.12.2023
135. 06.12.2023
12 – Por 88[1] ausências o Autor sofreu descontos na retribuição que constam dos recibos de vencimento, juntos como documento 2.
13 – Foram ainda descontados na retribuição 47 dias de trabalho, pelas faltas imediatamente anteriores ou posteriores a dias de descanso ou feriado.
14 – O Autor nunca comunicou previamente essas ausências à empresa ou apresentou para as mesmas justificações.
15 – A empresa permite ao trabalhador informar e justificar até ao dia 10 do mês seguinte a contar do primeiro dia de ausência.
16 – Não obstante a empresa permite que o trabalhador no prazo de um mês (até ao dia 10 do mês seguinte ao termo do prazo inicial), com recurso ao SPdh-mod. 130, indicando o motivo da ausência com vista à sua justificação, a submeta ao respectivo Director.
17 – É comum que os trabalhadores, ao longo do ano e passados vários meses após as ausências terem sido consideradas injustificadas e descontadas da sua retribuição, procedam à justificação das mesmas, as quais são valoradas casuisticamente pelas chefias e podem ser aceites, consideradas justificadas e a retribuição reposta no mês seguinte.
18 – Os trabalhadores recebem um alerta, por comunicação electrónica enviada para o seu email institucional, com a informação de que têm ausências por justificar, no mês seguinte ao que as aludidas ausências se reportam.
19 – Os trabalhadores da empresa registam a sua assiduidade através de um sistema de leitura de dados biométricos, em concreto pela leitura da impressão digital de um dos dedos das mãos.
20 – Dependendo do aeroporto em questão e do sector em que prestam serviços, os trabalhadores têm à sua disposição vários postos em que podem realizar o seu registo de entrada e saída.
21 – Nem todos os erros que surgem no acto de picagem se consideram falhas de sistema.
22 – O erro mais frequente que surge aos trabalhadores é “picagem aceite offline”.
23 – Não obstante surgir a informação que o sistema está offline, quando volta a estar online, em regra as picagens feitas são registadas para o sistema.
24 – Caso o aparelho de registo biométrico assuma algum erro, o trabalhador pode verificar na sua página pessoal se houve irregularidade na picagem e pode regularizar a picagem através da plataforma disponibilizada pela Empresa, o que é aceite por esta.
25 – A requerida é conhecedora que o sistema de picagens apresenta falhas.
26 - O trabalhador OAE AA, SPdH n.º … exerce funções no Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, na área dos terminais de bagagem.
27 – O Autor ingressou nos quadros da empresa em 01.04.2013, para a categoria profissional de Operador de Assistência em Escala, no grau iniciado, por um período de seis meses.
28 – A SPdH – Serviços Portugueses de Handling, S.A. foi declarada insolvente em 3 de Agosto de 2021, no processo sob o n.º 11437/21.1T8LSB que correu termos no Juiz 2 do Juízo do Comércio de Lisboa.
29 – O Autor não reclamou quaisquer outros créditos salariais no processo de insolvência relativos à progressão na carreira.
30 – Por escrito de 5 de Setembro de 2022, junto como documento 7 com a resposta à contestação, o Autor foi notificado nos seguintes termos: “Na qualidade de Administradores da Insolvência nomeados no processo supra identificado, vimos por este meio informar que, pelo facto de ter sido relacionado pela insolvente como credor da quantia de 10.840,75 Euros, foi esse crédito reconhecido como privilegiado, sendo € 2.018,37 crédito efectivo e € 8.822,38 crédito condicionado à cessação do contrato de trabalho e/ou do não pagamento pontual (tratando-se proporcional de subsídios de férias e de Natal), do não gozo das férias e/ou da não frequência de formação individual.
Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 130.º do C.I.R.E., poderá, no prazo de dez dias, contados a partir do 3.º dia útil posterior à data de expedição da presente comunicação, apresentar impugnação da lista de credores reconhecidos, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorrecção do montante ou da qualificação dos créditos, através de requerimento dirigido ao juiz.
Desde já se solicita, no caso de apresentação de reclamação, o envio de cópia para o escritório dos signatários”.
31 – O Autor não impugnou a lista de créditos.
32 – O Autor voltou a ser contratado pela SPdH em 01.01.2015, para a categoria profissional de Operador de Assistência em Escala, no grau 0.
33 – Em 01.01.2016, o Autor progrediu para o grau 0.1.
34 – Em 01.01.2017, o Autor manteve o grau 0.1.
35 – Em 01.01.2018, o Autor manteve o grau 0.1.
36 – Em 01.01.2019, o Autor manteve o grau 0.1.
37 – Em 01.01.2020, o Autor manteve o grau 0.1.
38 – Em 01.01.2021, o Autor manteve o grau 0.1.
39 – Em 01.01.2022, o Autor manteve o grau 0.1.
40 – Em 01.01.2023, o Autor manteve o grau 0.1.
41 – Em 01.01.2024, o Autor manteve o grau 0.1.
42 – No ano de 2015, o Autor tinha registadas 4,09 e 1,26 faltas injustificadas.
43 – No ano de 2016, o Autor tinha registadas 15,64 faltas injustificadas.
44 – No ano de 2017, o Autor tinha registadas 16,12 faltas injustificadas.
45 – No ano de 2018, o Autor tinha registadas 20,15 faltas injustificadas.
46 – No ano de 2019, o Autor tinha registadas 37,66 faltas injustificadas.
47 – No ano de 2020, o Autor tinha registadas 3,17 faltas injustificadas.
48 – No ano de 2021, o Autor tinha registadas 51,95 faltas injustificadas.
49 – No ano de 2022, o Autor tinha registadas 82,37 faltas injustificadas.
50 – No ano de 2023, o Autor tinha registadas 90,44 faltas injustificadas.
51 – De 01.01.2024 a 14.04.2024, o Autor tinha registadas 8,41 e 3,62 faltas injustificadas.
52 - No sector dos terminais de bagagem do aeroporto de Lisboa exerciam funções 221 trabalhadores efectivos da SPdH com a mesma categoria profissional do Autor, Operador de Assistência em Escala.
53 – 22 trabalhadores encontravam-se no grau I da categoria de Operador de Assistência em Escala.
54 – 35 trabalhadores encontravam-se no grau II da categoria profissional de Operador de Assistência em Escala.
55 – 49 trabalhadores encontravam-se no grau III da categoria profissional de Operador de Assistência em Escala.
56 – 8 trabalhadores encontravam-se no grau IV da categoria profissional de Operador de Assistência em Escala.
57 – 11 trabalhadores encontravam-se no grau V da categoria profissional de Operador de Assistência em Escala.
58 – 11 trabalhadores encontravam-se no grau VI da categoria profissional de Operador de Assistência em Escala.
59 – 22 trabalhadores encontravam-se no grau VII da categoria profissional de Operador de Assistência em Escala.
60 – 18 trabalhadores encontravam-se no grau VIII da categoria profissional de Operador de Assistência em Escala.
61 – Dos trabalhadores da SPdH, com a categoria profissional de Operador de Assistência em Escala nos terminais de bagagem, progrediram de grau 108 trabalhadores no ano 2022 e 85 no ano de 2023.
3.2. Os factos considerados não provados são os seguintes:
1 – Que nas faltas imputadas ao Autor estão dias em que o sistema estava offline e a picagem feita pelo Autor foi imputada a outro trabalhador;
2 – Que o Autor não conseguiu aceder à Plataforma da intranet – IB, porque esta não aceitava a palavra passe, não tendo funcionado também a opção de recuperação de palavra passe;
3 – Que foram marcadas faltas ao Autor quando este estava de folga ou a gozar férias;
4 – Que a situação de, mês após mês, a Empresa ter procedido a descontos indevidos por falhas no sistema de picagem e querendo e pressionando o Autor a sistematicamente justificar e corrigir os erros decorrentes daquelas falhas, causou exaustão e desgaste psicológico ao Autor;
5 – Que os erros do sistema de registo de assiduidade subsistem por conveniência da Empresa, para poder fazer o despedimento de vários trabalhadores sem recorrer ao processo de despedimento colectivo e conseguir que muitos trabalhadores se cansem de estar sempre a corrigir essas falhas e aceitem o despedimento;
6 – Que deste modo a Empresa se desvincula de pagar as respectivas indemnizações por despedimentos ilícitos;
7 – Que a Empresa não deu informação ao Autor nos dias em que lhe imputou as faltas que o sistema de picagem ao invés de registar a presença registou ausência;
8 – Que o Autor não faltou nos dias em que lhe são imputadas as faltas;
9 – Que, quanto às faltas em causa nos autos, o Autor introduziu a sua password, para o procedimento n.º PT006_RHMPG, e o sistema deu informação que era inválida, o que aconteceu também com o pedido de recuperação de password;
10 – Que não existe equipamento/computador no local onde o Autor trabalha, para o mesmo poder aceder e consultar a sua situação na intranet;
11 – Que o Autor tem um filho menor e disso comunicou à Empresa e que precisou faltar por esse motivo;
12 – Que o processo disciplinar e despedimento causaram desgaste físico e psicológico, angústia e perturbações ao Autor;
13 – Que o Autor se sentiu profundamente vexado e desacreditado perante os outros trabalhadores e demais pessoas com quem se relaciona diariamente;
14 – Que o Autor passou a sofrer de ansiedade, angústia, depressão, com insónias frequentes e tristeza profunda;
15 – Que o Autor teve de recorrer a apoio médico e tomar medicação.
3.3. Antes de mais, cumpre apreciar a pretensa impugnação da decisão sobre a matéria de facto por parte do Recorrente.
Como resulta do Relatório supra, o Apelante, nas conclusões do recurso, refere:
«(…)
B – As testemunhas indicadas pelo tribunal a quo (com exceção dos trabalhadores), para sustentar a matéria de facto provada, não tem conhecimento direto dos factos, apenas conhecimento funcional e procedimental.
C - Não pode o tribunal a quo dar como assentes factos que contrariam as evidências, a verdade dos factos e a própria lei!
(…)
F – O despedimento é ilícito, porquanto, atenta à prova documental junta aos autos, designadamente recibos de vencimento e prova testemunhal, não se verifica os requisitos cumulativos objectivos e subjetivos da justa causa;
(…)»
Ora, resulta dos arts. 637.º, n.º 2 e 639.º, n.º 1 do CPC (Código de Processo Civil) que o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, devendo ser indicado o fundamento específico da recorribilidade.
Por outro lado, decorre do art. 635.º, n.º 4 do mesmo diploma que, nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso.
Finalmente, com relevância para o caso, o art. 640.º do mesmo Código, que rege sobre os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe do seguinte modo:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
(…)
Do regime constante do Código de Processo Civil acima delineado resulta que, sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões, e acrescendo que há específicos ónus a cumprir no que tange à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, por força do art. 640.º, o recorrente deve, sob pena de imediata rejeição do recurso nessa parte, conforme ensina António Santos Abrantes Geraldes[2]:
- especificar inequivocamente no corpo das alegações os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que, no seu entender, impunham uma decisão diversa, e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, bem como, tratando-se de depoimentos, as passagens da gravação respectivas;
- e indicar sinteticamente nas conclusões, pelo menos, os concretos pontos da matéria de facto que pretende ver alterados.
Retornando ao caso dos autos, verifica-se que o Apelante, nas conclusões do recurso, não declara expressamente que pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, nem indica sinteticamente os concretos pontos da matéria de facto que pretende ver alterados.
Na verdade, os enunciados acima transcritos são vagos e abstractos e não observam a imposição legal de se especificarem os concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados.
Acresce que, no corpo da alegação, o Recorrente se limita a tecer considerações sobre a razão de ciência e credibilidade de testemunhas e o valor probatório de documentos, a reproduzir parte de depoimentos e a invocar as normas jurídicas que, no seu entender, são pertinentes, para de tudo isso concluir pela inexistência de justa causa e ilicitude do despedimento. Apenas em sede de impugnação da decisão proferida sobre a reconvenção o Apelante alude a dezenas de factos provados e não provados que, em bloco, considera deverem ser modificados, sem qualquer concretização reportada aos meios probatórios que fossem relevantes.
Em suma, o Apelante limita-se a impugnar globalmente a decisão proferida, omitindo todos os sobreditos ónus legais que lhe cabia observar, incluindo o elementar dever de especificar nas conclusões os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, em violação dos citados arts. 637.º, n.º 2, 639.º, n.º 1 e 640.º, n.º 1, als. a), b) e c) e n.º 2, al. a) do CPC.
Impõe-se, pois, a imediata rejeição do recurso no que concerne à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, como se tem entendido pacificamente na jurisprudência dos tribunais superiores, conforme se exemplifica com os seguintes arestos, cujos sumários se transcrevem:
- Acórdão do STJ de 13/11/2019[3]:
“I - Sendo as conclusões não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas também, e sobretudo, definidoras do objeto do recurso e balizadoras do âmbito do conhecimento do tribunal, no caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto deve o recorrente nelas indicar, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença, aqueles cuja alteração pretende e o sentido e termos dessa alteração.
II - Por menor exigência formal que se adote relativamente ao cumprimento dos ónus do art. 640º do CPC e em especial dos estabelecidos nas suas alíneas a) e c) do nº 1, sempre se imporá que seja feito de forma a não obrigar o tribunal ad quem a substituir-se ao recorrente na concretização do objeto do recurso.
III – Quando o recorrente se limite nas conclusões a consignar, em obediência ao disposto na alínea c) do n.º1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil um juízo de natureza jurídica que pressupõe uma globalidade de factos, sem indicar, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença que impugna, os que pretende que sejam alterados, eliminados ou acrescentados à factualidade provada, não cumpre o estabelecido naquele dispositivo, devendo o recurso ser liminarmente rejeitado nessa parte.”
- Acórdão do STJ de 3/12/2015[4]:
“II - O art.º 640.º, do CPC exige ao recorrente a concretização dos pontos de facto a alterar, assim como dos meios de prova que permitem pôr em causa o sentido da decisão da primeira instância e justificam a alteração da mesma e, ainda, a decisão que, no seu entender deve ser proferida sobre os pontos de facto impugnados.
III - Não obstante, este conjunto de exigências reporta-se especificamente à fundamentação do recurso não se impondo ao recorrente que, nas suas conclusões, reproduza tudo o que alegou acerca dos requisitos enunciados no art.º 640.º, n.ºs 1e 2 do CPC.
IV - Versando o recurso sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, importa que nas conclusões se proceda à indicação dos pontos de facto incorretamente julgados e que se pretende ver modificados.”
- Acórdão do STJ de 12/05/2016[5]:
“I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.
II – Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.”
- Acórdão do STJ de 20-02-2019[6]:
“I. O artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil estabelece que se especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, e determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, e quando gravados com a indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso.
II - Não cumpre aquele ónus o apelante que nas alegações não especificou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, relativamente a cada um dos factos concretos cuja decisão impugna, antes se limitando a proceder a uma indicação genérica e em bloco, para aquele conjunto de factos.”
Em face do exposto, e tal como propugnado pelo Ministério Público no seu Parecer, rejeita-se o recurso no que toca à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, ficando prejudicado o conhecimento de tal questão.
3.4. No seu recurso, o Apelante vem insurgir-se contra a sentença na parte em que decidiu que o processo disciplinar não enferma de invalidade por omissão de comunicação da intenção de despedimento juntamente com a nota de culpa, conforme invocado pelo trabalhador na contestação ao articulado de motivação do despedimento.
Sucede que, como se referiu no Relatório supra, tal excepção peremptória já tinha sido julgada improcedente no despacho saneador. De tal decisão não foi interposto recurso no prazo legal, em conformidade com o disposto nos arts. 79.º-A, n.º 1, al. b) e 80.º, n.º 2 do CPT (Código de Processo do Trabalho), pelo que a mesma transitou em julgado, ficando a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele, sem que possa ser contrariada por decisão posterior (arts. 619.º, n.º 1, 625.º, n.º 1 e 628.º do CPC, ex vi art. 1.º do CPT).
Em face do exposto, improcede o recurso na parte em apreço.
3.5. O Apelante sustenta que o direito do empregador de instaurar o procedimento disciplinar encontrava-se caducado em 08-01-2024, atento o disposto no art. 329.º, n.º 2 do CT (Código do Trabalho).
Decorre da norma invocada que o procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção. O n.º 4 do mesmo artigo esclarece que o poder disciplinar pode ser exercido directamente pelo empregador, ou por superior hierárquico do trabalhador, nos termos estabelecidos por aquele.
Por outro lado, nos termos do art. 342.º, n.º 2 do CC (Código Civil), a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.
Com interesse, refere-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-03-2022[7]:
“O prazo inicia-se com o conhecimento da infração pelo empregador ou pelo superior hierárquico com competência disciplinar e interrompe-se com a notificação ao trabalhador da nota de culpa (artigo 353.º, n.º 3 do Código do Trabalho) ou com o início de inquérito prévio (que tem de ser iniciado nos 30 dias seguintes à suspeita de comportamentos irregulares – artigo 352.º do Código do Trabalho).
Nos casos em que o empregador é uma pessoa coletiva, para efeitos do conhecimento a que alude o artigo 329.º, n.º 2 do Código do Trabalho, o empregador é órgão com poderes de gestão (por ser este o titular do poder disciplinar), nomeadamente a gerência nas sociedades por quotas e o conselho de administração, nas sociedades anónimas.
Dado que o poder disciplinar pode ser exercido diretamente pelo empregador ou por superior hierárquico do trabalhador, mediante delegação de poderes (artigo 329.º, n.º 4 do Código do Trabalho), o legislador considerou igualmente relevante o conhecimento da infração por parte do superior hierárquico a quem tenha sido atribuída esta competência. Exige-se, assim, um conhecimento efetivo que não se presume do simples facto de outros órgãos ou departamentos ou outras pessoas dentro da estrutura organizativa do empregador terem esse conhecimento.
Sendo a caducidade uma exceção peremptória, o ónus da prova pertence ao trabalhador. Compete assim ao trabalhador provar quando é que o empregador ou o superior hierárquico com poderes disciplinares tiveram conhecimento efetivo da infração.”
Competia, pois, ao Autor alegar e provar que a Administração da Ré ou algum superior hierárquico com competência disciplinar tinha conhecimento das faltas injustificadas do trabalhador há mais de 60 dias, contados da data do início do procedimento disciplinar, o que o Autor não logrou fazer.
Acresce que se tem entendido que, relativamente ao fundamento de despedimento com justa causa reconduzível a faltas não justificadas ao trabalho cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou dez interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco, previsto na al. g) do n.º 2 do art. 351.º do CT, como sucede no caso dos autos, o prazo de caducidade em apreço apenas se inicia no dia subsequente ao ano civil em referência, isto é, a 1 de Janeiro, sem prejuízo de o empregador poder optar pelo exercício do direito em data anterior, pelo que nunca tal prazo estaria completado em face do provado sob os n.ºs 1 e 2[8].
Pelo exposto, é de confirmar a sentença recorrida nesta parte.
3.6. Cabe, então, decidir se, em face da factualidade apurada, se verifica a ilicitude do despedimento do Autor, ao contrário do entendido pelo tribunal recorrido.
Nos termos do art. 351.º do CT, o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, constitui justa causa de despedimento (n.º 1). Acrescenta o n.º 2, a título exemplificativo, alguns comportamentos do trabalhador susceptíveis de constituírem justa causa de despedimento, mormente, no que ao presente caso interessa, sob a alínea g): faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco. Para apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes (n.º 3).
Deste modo, são requisitos de justa causa de despedimento:
- um comportamento culposo e ilícito (activo ou passivo) do trabalhador, necessariamente consubstanciador de violação grave dos seus deveres profissionais;
- a imediata impossibilidade prática da subsistência do vínculo laboral com o empregador;
- e o nexo causal entre aquele comportamento e esta impossibilidade de manutenção do contrato.
Assim, em última análise, o que é preciso saber é se os factos imputados ao trabalhador e que se tenham provado e sejam relevantes são aptos para criar uma situação de inexigibilidade para o empregador, no sentido de não ser aceitável para o concreto incumprimento do contrato por aquele outra consequência jurídica que não seja a resolução pelo empregador. Mais: é preciso que tal inexigibilidade e adequação do despedimento sejam apreciadas objectivamente, isto é, do ponto de vista dum empregador normal com características idênticas a nível do quadro de gestão da empresa, do grau de lesão dos interesses, do carácter das relações com o trabalhador ou entre este e os seus companheiros, etc.. 
Deste modo, “[c]erta infracção poderá constituir justa causa quando, em concreto, se não possa exigir, segundo as regras da boa fé, que o empregador se limite a aplicar ao trabalhador faltoso uma sanção disciplinar propriamente dita, quer dizer, uma medida punitiva que não afecte, antes viabilize, a permanência do vínculo. Como se vê, este enunciado reproduz a ideia de inexigibilidade que está subjacente ao conceito de justa causa, só que o refere aos instrumentos de defesa da conservação do contrato que são, no terreno disciplinar, as sanções de repreensão, multa e suspensão.”[9]
Salienta ainda a jurisprudência, nomeadamente do Supremo Tribunal de Justiça, a noção de quebra de confiança entre o empregador e o trabalhador, porquanto a exigência de boa-fé na execução dos contratos reveste-se, nesta área, de especial significado, uma vez que se está perante um vínculo que implica relações duradouras e pessoais, pelo que, sempre que o comportamento do trabalhador seja susceptível de ter destruído ou abalado essa confiança, criando no empregador dúvidas sérias sobre a idoneidade da sua conduta futura, existirá justa causa para o despedimento.
Assim, a título exemplificativo, veja-se o Acórdão do STJ de 22-09-2010[10], em que se refere que “[n]o âmbito dos assinalados juízos de prognose, tem vindo a ser enfatizado o papel da confiança nas relações de trabalho, salientando-se a sua forte componente fiduciária para se concluir que a confiança contratual é particularmente afectada quando se belisca o dever de leal colaboração, cuja observância é fundamental para o correcto implemento dos fins prático-económicos a que o contrato se subordina.”
Finalmente, não oferece qualquer controvérsia que é ao empregador que cabe o ónus da prova dos requisitos da justa causa de despedimento. Como se sintetiza no sumário do Acórdão do STJ de 22-02-2017[11], “[n]a ação de reconhecimento da regularidade e licitude do despedimento cabe ao trabalhador alegar e provar a existência de um contrato de trabalho e a sua cessação ilícita por iniciativa do empregador, como factos constitutivos do direito invocado (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), e ao empregador compete alegar e provar os factos por si integrados na decisão de despedimento, uma vez que a justa causa constitui um facto impeditivo do direito à reintegração e demais prestações indemnizatórias peticionadas pelo trabalhador (artigo 342º, n.º 2, do Código Civil).”
Retornando ao caso em apreço, cabe, desde logo, sublinhar que, mantendo-se inalterada a factualidade provada e não provada, fica prejudicada a argumentação do Apelante no sentido de que as ausências ao trabalho que a Ré lhe imputou não correspondem à realidade por se deverem a erros do sistema de leitura de dados biométricos utilizado para registo da assiduidade, estando, aliás, provado sob os n.ºs 15 a 25 que, apesar de o mesmo poder apresentar falhas, há um conjunto de procedimentos que permite superá-las – incluindo através de alerta para a existência de faltas por justificar – em prazo alargado, mormente na sequência da constatação pelos trabalhadores de que lhes foram feitos descontos na retribuição.
Nesta conformidade, resulta da factualidade provada sob os n.ºs 11 a 14 que, no ano de 2023, o Autor faltou em 88 dias de trabalho com a respectiva perda de retribuição e que, pelos que foram imediatamente anteriores ou posteriores a dias de descanso ou feriado, lhe foi descontada a retribuição correspondente a mais 47 dias. Mais se provou que o Autor nunca comunicou previamente aquelas ausências à empresa ou apresentou para as mesmas justificações.
Nos termos do art. 128.º, n.º 1, al. b) do CT, o trabalhador deve comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade.
Cabendo ao empregador a prova de justa causa de despedimento, ao mesmo compete provar a existência das faltas ao serviço, competindo ao trabalhador provar a justificação das mesmas, por força do art. 342.º, n.º 2 do CC, por se tratar de facto impeditivo traduzido no cumprimento dos deveres contratuais de tempestiva comunicação da falta e respectivo motivo atendível e de apresentação de comprovativo[12]. Por outro lado, a culpa do trabalhador presume-se, atento o disposto no art. 799.º do CC.
Deste modo, atenta a matéria de facto indicada, bem como o disposto nos arts. 248.º, 249.º, 250.º, 253.º, 254.º e 256.º do CT, é de concluir que o Autor deu 88 faltas injustificadas ao trabalho no ano de 2023, constituindo violação do dever de assiduidade e, quanto às imediatamente anteriores ou posteriores a dias de descanso ou feriado, ipso facto, infracção disciplinar grave.
Mostra-se, pois, preenchida a acima transcrita alínea g) do n.º 2 do art. 351.º do CT, na medida em que aí se prevê que a ocorrência de cinco faltas injustificadas seguidas ou 10 interpoladas, no mesmo ano civil, dispensa a prova da produção de prejuízos ou riscos para a empresa.
Por outro lado, embora se aceite pacificamente que a existência de pelo menos cinco faltas injustificadas seguidas ou dez interpoladas, no mesmo ano civil, não constitui automaticamente justa causa de despedimento, havendo que atender, designadamente, ao grau de culpa do trabalhador e outras circunstâncias que se reconduzam ao n.º 3 do art. 351.º do CT, de modo a se preencher cabalmente a previsão do n.º 1 do mesmo preceito, no presente caso a quantidade de faltas, incluindo em dias imediatamente anteriores ou posteriores a dias de descanso ou feriado, é esmagadora, e, para mais, corresponde ao comportamento habitual do trabalhador nos demais anos de duração do contrato (cfr. factos provados sob os n.ºs 42 a 51). Note-se que, neste ponto, não procede a argumentação do Recorrente de que a factualidade demonstra que a Ré perdoou tal conduta do Autor ou renunciou a reagir disciplinarmente à mesma, pois, como já referido, não se provou que a Administração da Ré ou algum superior hierárquico com competência disciplinar tivesse sequer conhecimento de tal conduta, sendo a propósito muito relevante salientar que a SPdH – Serviços Portugueses de Handling, S.A. foi declarada insolvente em 3 de Agosto de 2021 e que, mesmo atendendo-se apenas a trabalhadores efectivos com a categoria profissional do Autor, eram em número considerável, concretamente 221.
Aqui chegados, afigura-se-nos útil convocar o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1-06-2022[13], referente a conduta de trabalhador que deu dez faltas injustificadas no mesmo ano civil, sendo cinco delas seguidas, na parte em que refere:
“No caso de as faltas injustificadas serem cinco seguidas ou dez interpoladas no mesmo ano civil o empregador nada tem que provar em termos de consequências das mesmas porque elas são justa causa “independentemente de prejuízo ou risco”, não se podendo invocar para negar a existência de justa causa a falta de prejuízo do empregador.
(…)
Este Tribunal tem reiterado – e nesse aspeto tem inteira razão o Acórdão recorrido – que a existência de cinco faltas injustificadas seguidas ou dez interpoladas no mesmo ano civil não constitui uma justa causa automática de despedimento. Com efeito, se nesta hipótese o empregador não tem que invocar qualquer prejuízo ou risco, não está afastada a possibilidade de existirem no caso concreto circunstâncias que, por exemplo, afastam ou diminuem a culpa do trabalhador. Pode tratar-se, por exemplo, de um conflito de deveres, de um evento traumático na vida pessoal do trabalhador, de uma angústia ou perturbação mental associada a uma doença que diminuem ou afastam um juízo de censura pelo não cumprimento tempestivo do dever de comunicação.
Mas no elenco dos factos provados não consta qualquer facto que afaste ou mitigue a culpa do trabalhador associada ao que parece ser uma indiferença pelo cumprimento dos seus deveres de comunicação.
É exato que no nosso sistema legal o despedimento se apresenta como a “última das sanções”, dispondo o empregador de toda uma panóplia de sanções “conservatórias” e que a sanção deve ser proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator (artigo 330.º n.º 1 do CT). Não se afigura, contudo, que a sanção, neste caso, seja excessiva: quanto à culpa, existe pelo menos negligência grave no incumprimento reiterado de um dever de que se tinha perfeito conhecimento e nada foi provado, como se disse, para atenuar essa culpa.”
No caso sub judice, a conduta do Autor constitui infracção disciplinar qualificada legalmente como grave e aquele também não logrou provar qualquer circunstância atenuante da sua culpa, que se presume, presumindo-se igualmente a verificação de prejuízos ou riscos sérios para a empresa, o que torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. Com efeito, a conduta reiterada do Autor no decurso dos vários anos de duração do contrato de trabalho é bem demonstrativa de que qualquer sanção disciplinar conservatória do emprego do trabalhador seria claramente insuficiente para satisfazer as necessidades de prevenção de infracções futuras semelhantes pelo próprio e colegas.
Improcede, pois, o recurso nesta parte.
3.7. Finalmente, o Apelante insurge-se contra a sentença na parte em que julgou a reconvenção apenas parcialmente procedente e não reconheceu outros créditos laborais que lhe eram devidos, em virtude de, com total ausência de prova, ter decidido que o despedimento era lícito.
Ora, tendo-se entendido que o recurso improcede de facto e de direito no que respeita à impugnação da decisão sobre a licitude do despedimento, mostra-se o mesmo prejudicado na parte relativa à impugnação da decisão sobre a reconvenção com o aludido fundamento.

4. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo Apelante.

Lisboa, 24 de Setembro de 2025
Alda Martins
Alves Duarte
Manuela Fialho
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[1] Na sentença consta 68 por lapso manifesto, como decorre da enumeração constante do ponto anterior e do documento para que se remete.
[2] Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 128-129.
[3] Proferido no processo n.º 4946/05.1TTLSB-C.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[4] Proferido no processo n.º 3217/12.1TTLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[5] Proferido no processo n.º 324/10.9TTALM.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[6] Proferido no processo n.º 1338/15.8T8.PNF.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[7] Proferido no processo n.º 351/19.0T8OAZ.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[8] Cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 16-11-2016, processo n.º 13205/15.0T8LSB.L1-4, e Acórdão da Relação de Évora de 14-07-2021, processo n.º 1176/20.6T8FAR.E1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[9] Monteiro Fernandes, Op. Cit., p. 496.
[10] Proferido no processo n.º 217/2002.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[11] Proferido no processo n.º 992/15.5T8PTM.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[12] Neste sentido, v. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-01-2024, processo n.º 22913/20.3T8LSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[13] Proferido no processo n.º 3998/19.1T8VIS.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt.