Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
0097804
Nº Convencional: JTRL00004501
Relator: DINIZ ROLDÃO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
TRABALHADOR
MORTE
PENSÃO POR MORTE
FAMÍLIA
DIREITO A ALIMENTAÇÃO
ASCENDENTE
Nº do Documento: RL199502080097804
Data do Acordão: 02/08/1995
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: CJ ANOXX 1995 TI PAG183
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO. CONFIRMADA A SENTENÇA.
Área Temática: DIR PROC TRAB - ACID TRAB.
Legislação Nacional: L 2127 DE 1965/08/03 BXIX N1 D E N2.
L 22/92 DE 1992/08/14 ART1.
CONST89 ART13.
Jurisprudência Nacional: AC STA DE 1971/07/15 IN AD N116 N117 PAG1272.
AC STA DE 1977/07/14 IN AD N190 PAG951.
AC STJ DE 1985/07/26 IN BMJ N349 PAG358.
AC RC DE 1989/11/07 IN CJ TV ANO1989 PAG94.
AC RP DE 1980/06/02 IN AD N226 PAG1220.
Sumário: I - Para que os beneficiários legais dos sinistrados de morte tenham direito às pensões previstas na Base XIX, n. 1, alínea d), da LAT (Lei n. 2127, de 3 de Agosto de 1965, na sua actual redacção, introduzida pela
Lei n. 22/92, de 14 de Agosto), torna-se necessário provar que a vítima contribuia com carácter de regularidade, para a alimentação deles, os quais careciam do auxílio do falecido.
II - Constribuindo o falecido sinistrado, com carácter de regularidade, com a totalidade do seu salário mensal, de 61360 escudos, auferido como ajudante de motorista, para as despesas diárias e para a alimentação de todo o seu agregado familiar, constituido por ele, por seus pais e por um irmão, menor à data do acidente, e considerando as dificuldades da vida em 1992, é de concluir que todo o seu agregado familiar carecia do seu auxílio económico, incluindo seu pai, não obstante este ser motorista e auferir mensalmente 100000 escudos.
III - Tem, pois, direito à pensão prevista na Base XIX, n. 1, alínea d), da LAT, o pai do sinistrado, nas condições acima fixadas, uma vez que o dito agregado familiar vivia em comunhão de mesa e habitação, carecendo do auxílio económico prestado pelo falecido.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa:
1. A Social-Companhia Portuguesa de Seguros, SA, participou ao Tribunal do Trabalho de Sintra, a ocorrência, no dia 5 de Dezembro de 1992, de um acidente mortal de trabalho de que fora vítima (A), quando este trabalhava para Transportes Ideal de Caselas, Lda., sua segurada.
2. Enviados depois os autos para o Tribunal do Trabalho de Torres Vedras, considerado o competente, continuou neste a fase conciliatória do processo, tendo aí tido oportunamente lugar, de acordo com o disposto no artigo 110 do Código de Processo do Trabalho, a tentativa de conciliação entre a seguradora participante e os beneficiários legais, os pais do falecido, que nela intervieram por eles e em representação de um outro seu filho menor.
Essa tentativa de conciliação frustrou-se apenas em parte, por a referida empresa seguradora não se considerar responsável pelo pagamento da pensão reclamada pelo pai do falecido sinistrado, em consequência de, no seu entender, a vítima não contribuir com regularidade para a alimentação daquele, o qual estava empregado e a auferir cerca de 100 contos por mês, como motorista.
3. Passou depois o processo a seguir a sua fase contenciosa, com a apresentação de uma petição inicial, sob o patrocínio do Ministério Público, pelos pais do sinistrado, (F) e (M), por si e como representantes do seu filho menor (N).
Nela pedem que a Ré seja condenada a pagar:
- Para cada um dos pais do sinistrado, uma pensão anual e vitalícia no montante 152033 escudos, desde o dia seguinte ao da morte e até atingirem a idade de reforma e, a partir daquela idade, ou quando afectados de doença física ou mental que afecte sensivelmente a sua capacidade de trabalho, a importância de 202711 escudos;
- Para o Autor (N), irmão do falecido, a pensão anual e temporária de 152033 escudos até perfazer 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentar, respectivamente, o ensino secundário ou ensino superior, ou sem limite de idade, quando afectado de doença física ou mental que o incapacite sensivelmente para o trabalho;
- Uma quantia de 188908 escudos, relativa a despesas de funeral;
- Uma quantia de 6400 escudos, relativa a despesas de transportes.
4. A Ré Social-Companhia Portuguesa de Seguros, SA, contestou a acção, alegando, em resumo, que, contrariamente à Autora e ao filho menor, o Autor pai não tem direito a receber pensão, por o seu falecido filho não contribuir regularmente para o seu sustento e por disso não necessitar, pois que trabalhava como motorista, auferindo cerca de 100000 escudos, montante suficiente para o seu sustento.
A Ré pediu, no final desse seu articulado, a improcedência da acção, nesses termos.
5. Findos os articulados, elaborou o Mmo. Juiz despacho saneador, com especificação e questionário.
Realizado o julgamento, foi depois proferida a sentença final.
Nela se julgou a acção totalmente procedente e se condenou a Ré no pagamento a todos os Autores das quantias e pensões por eles pedidas.
As custas ficaram a cargo da mesma Ré.
6. Inconformada com essa sentença, dela recorre "A Social", que termina as suas alegações com as conclusões seguintes, delimitadoras do objecto da apelação:
- Foi a Ré condenada a pagar ao A., (F), o montante de Esc. 152033, a título de pensão anual e vitalícia;
- Tal condenação baseou-se no facto de a douta decisão entender que o requisito da carência económica é um requisito implícito gerador de discriminações positivas;
- E no facto de que quem aufere 100000 contos mensais carecer necessariamente de auxílio económico;
- A alínea e) do n. 1 da Base XIX da Lei n. 2127 condiciona o direito à pensão à contribuição regular para a alimentação prestada pela vítima aos ascendentes;
É notória a existência implícita de um requisito referente à necessidade de auxílio económico;
- Para que o pai do sinistrado tenha direito à pensão tem que provar que carecia do auxílio do filho e que este contribuía regularmente para a sua alimentação;
- Ao Autor incumbia o ónus da prova;
- O A. não o provou, nem o podia fazê-lo, uma vez que recebe cerca de 100000 escudos mensais;
- Recebe mais que 40000 escudos que o seu filho que se sustentava a si e ao seu agregado familiar;
- O A. não tem pois carência de auxílio económico;
- Ao julgar como o fez, o Meritíssimo Juiz violou o disposto na alínea e) do n. 1 da Base XIX da Lei n. 2127.
O apelado contra-alegou, defendendo a manutenção da sentença.
7. Correram os vistos legais.
O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto desta Relação, no seu douto parecer dos autos, opina pelo improvimento do recurso.
Cumpre apreciar e decidir.
8. É a seguinte a matéria de facto que a primeira instância deu como provada e que este Tribunal de segunda instância aceita:
- Os Autores são pais de (A), nascido a 29/03/1976 e falecido a 6/12/1992;
- Os Autores são pais de (N), nascido a 02/05/1978;
- No dia 05/12/1992, pelas 6,30 horas, em Milharado, Mafra, o (A) sofreu um acidente de viação;
- Em consequência do qual veio a falecer no dia 06/12/1992, tendo tido como causa da morte fractura do crânio, com contusão do encéfalo;
- Na altura do acidente o (A) encontrava-se ao serviço, sob as ordens, direcção e fiscalização de Transportes Ideal de Caselas, Lda., viajando num veículo da mesma, como ajudante de motorista;
- Auferia o vencimento de 61360 escudos em 14 vezes ao ano;
- A Transportes Ideal de Caselas, Lda., havia transferido a sua responsabilidade infortunística laboral para a Companhia de Seguros "A Social";
- Em vida, o (A) contribuía regularmente para a alimentação de sua mãe e seu irmão;
- Os Autores tiveram uma despesa de 6400 escudos relativa a transportes;
- Os Autores tiveram uma despesa de 188908 escudos com o funeral do filho;
- O agregado familiar do falecido (A) era composto por ele, seus pais e irmão;
- Em vida, com a remuneração referida de 61360 escudos, o (A) contribuía para prover as despesas diárias do agregado familiar;
- E para a alimentação de seu pai, com regularidade;
- O pai do (A) trabalha como motorista;
- Auferindo cerca de 100000 contos mensais.
9. Como facto assente deu ainda o tribunal como provado o seguinte:
"Teor do auto de conciliação constante de fls. 36 do processo que aqui se dá por integralmente reproduzido".
Ora, com esta frase, o Exmo. Julgador nenhum facto deu como provado.
Na verdade, os autos de tentativa de conciliação lavrados no processo (ou o seu teor) não são em si mesmos factos, susceptíveis de serem dados como provados.
A sua existência no processo não dispensa o juiz de indicar, precisando-os, quais os factos que, por meio das declarações aí feitas, considera assentes na especificação, nos termos do artigo 134, n. 1, do CPT, se necessários à boa decisão da causa.
Dar por reproduzido o teor de peças processuais ou de documentos juntos aos autos não é minimamente indicar qual ou quais os factos que se julga estarem assentes ou provados através deles.
Isso equivale tão somente a dizer que essas peças processuais ou esses documentos estão nos autos e que têm o teor que deles consta, o que, convenhamos, é uma evidência para quem compulsa o processo, que não necessita de ser assinalada.
Tratou-se, pois, de uma manifesta deficiência no modo de fixar os factos, pelo que tem de se considerar não escrito o aludido "facto" constante da alínea I) da especificação e da sentença.
10. Feito este intróito, ligado à matéria de facto, vejamos então, com os factos atrás mencionados e com o direito aplicável, se merece provimento o recurso.
A questão neste suscitada consiste somente em saber se a sentença proferida está ou não correcta ao ter condenado a Ré no pagamento ao Autor (F) de uma pensão anual e vitalícia, por morte do seu falecido filho (A).
Para a apelante, a sentença proferida violou a alínea e) do n. 1 da Base XIX da Lei n. 2127, de 03/08/1965, pois que esse Autor não provou, como lhe competia, que carecia do auxílio do filho, nem que este contribuía regularmente para a sua alimentação.
Deve desde já dizer-se que a decisão sob censura nunca pode ter violado a alínea e) mencionada.
Isto porque, tendo o acidente ocorrido no dia 05/12/1992, já então vigorava a actual redacção da referida Base introduzida pelo artigo 1 da Lei n. 22/92, de 14 de Agosto, a qual não contem nenhuma alínea e).
A anterior redacção de tal Base XIX é que tinha uma alínea e), à qual certamente se referiu a seguradora recorrente, sem atentar na redacção hoje vigente da norma.
A alínea correspondente, nesta redacção, à alínea e) da anterior redacção, é a actual alínea d), que é aplicável, no caso dos autos, por força do disposto no n. 2 da mencionada Base.
Essa alínea d) é do seguinte teor;
"Ascendentes e quaisquer parentes sucessíveis, estes até aos 18 ou 22 e 25 anos, enquanto frequentarem, respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior, ou sem limite de idade quando afectados de doença física ou mental que os incapacite sensivelmente para o trabalho, desde que a vítima contribuísse com regularidade para o seu sustento
- a cada 10% da retribuição base da vítima, não podendo o total das pensões exceder 30% desta".
É um teor muito semelhante ao da anterior alínea e) do n. 1 da norma.
No domínio da vigência da anterior redacção da Base XIX da Lei n. 2127, quer o STA, quer o STJ, quer as Relações, na maior parte dos seus Acórdãos, sempre interpretaram essa alínea e) no sentido de que, para os beneficiários do sinistrado de morte terem direito às pensões aí previstas, necessário era que fosse feita a prova de que a vítima contribuía, com carácter de regularidade, para a alimentação deles e, além disso, de que careciam do auxílio do falecido (vide, entre outros, Ac. do STA de 15/07/1971 e de 14/07/1977, publicados nos AD números 116/177 e 190, a páginas 1272 e 951, respectivamente; Ac. do STJ de 26/07/1985, publicado no BMJ n. 349, a pág. 358; Ac. da Relação de Coimbra de 7/11/1989, publicado na CJ, Tomo V, Ano de 1989, a pág. 94; e Ac. da Relação do Porto de 2/06/1980, publicado no n. 226 dos AD, pág. 1220).
No mesmo sentido se pronunciou o Cons. Dr. João Augusto Pacheco e Melo Franco (em "Direito do Trabalho", Suplemento do BMJ, Ano de 1979, pág. 82).
Não se vê razão para alterar essa posição interpretativa, em face do texto da actual alínea d) do n. 1 da mesma Base.
O princípio constitucional da igualdade vertido no artigo 13 da Constituição da República, do qual se socorreu o Mmo. Juiz "a quo" na sentença, em nada colide, na nossa opinião, com essa interpretação da norma e com a sua aplicação, tal como vinha a ser feita, pois que ela apenas leva a tratar desigualmente situações que não são em si mesmas iguais.
Na verdade, não podem considerar-se os casos em que os beneficiários carecem do auxílio da vítima iguais aos casos em que dele não estão carecidos, pelo que não repugna tratá-los desigualmente, atribuindo-se pensões aos primeiros e não as atribuindo aos segundos.
O artigo 13 da Constituição não obstava, portanto, à interpretação que a melhor Jurisprudência vinha a dar ao preceito legal em causa (alínea e) do n. 1 da Base XIX da Lei n. 2127), nem obsta a igual interpretação da actual alínea d) do n. 1 da citada Base.
Isto posto, vejamos então se, no caso sub judice, terá ou não o beneficiário (F) direito à pensão que lhe foi atribuída na sentença recorrida.
Os factos provados nesta acção demonstram, sem margem para dúvidas, que o falecido sinistrado contribuía, com carácter de regularidade, para as despesas diárias do seu agregado familiar, então composto por ele e por seus pais e irmão, este menor à data do acidente.
Contribuía assim regularmente, através da entrega de todo o seu salário de 61360 escudos, para o sustento de toda a família, nela se incluindo o pai.
Provou-se mesmo que, com regularidade, a vítima contribuía para a alimentação do seu progenitor.
Está, por isso, plenamente demonstrado, nestes autos, o requisito da contribuição do falecido para o sustento do Autor (F).
O pai do (A) trabalha como motorista, auferindo cerca de 100000 escudos mensais.
Destes dois únicos factos - já que nenhuns outros alegou, nem foram provados - retira a recorrente a conclusão de que esse Autor não carecia do auxílio da vítima.
Todavia, em nosso entender, não é possível concluir-se dessa forma.
Não estando provados outros rendimentos próprios ou familiares, um salário de cerca de 100 contos mensais, em 1992, sem contributo da remuneração do falecido, era manifestamente insuficiente para o sustento do Autor e da sua demais família.
Vivendo todo agregado familiar em comunhão de mesa e habitação e sustentando-se apenas dos salários conhecidos - já que nenhuns outros, ou outros rendimentos, foram referenciados - tem de se dizer que também o Autor (F) carecia do contributo salarial do seu falecido filho.
Em 1992, como hoje, um vencimento de cerca de cem contos para fazer face ao sustento do chefe de família, da mulher e de mais dois filhos, é patentemente pouco e denota uma situação de carência económica de quem aufere tal salário, evidenciando-se assim por tal forma e em tal caso, uma notória necessidade do contributo de um qualquer outro rendimento complementar, o qual, na hipótese dos autos, era constituído pelo salário do falecido.
A demonstrar essa carência está a própria necessidade do (F) trazer a trabalhar a vítima, com a idade que tinha - era um menor de 16 anos - e ainda o facto de este, por certamente reconhecer as dificuldades económicas sentidas em casa, contribuir com todo o seu salário para o sustento de todos os membros do seu agregado familiar, sem qualquer excepção.
No momento do acidente o Autor (F) carecia, pois, do auxílio do (A).
Esta Relação não pode deixar de extrair essa ilação, em face dos factos provados e atendendo à circunstância de a Ré não ter alegado na contestação, nem ter provado, que esse Autor tinha outros rendimentos, para além daquele seu salário, os quais afastassem a necessidade do salário do filho para o seu sustento dos demais familiares.
De resto a Ré, no auto de tentativa de conciliação, também nada mais afirmara antes a esse respeito, limitando-se a dizer que não aceitava pagar a... "pensão reclamada para o pai dado que a vítima não contribuía com regularidade para a alimentação do pai, já que este está empregado, ganhando como motorista cerca de 100 contos/mês".
Temos assim que, para a Ré, somente esse salário denotava o não contributo e a não carência, por parte desse Autor, do auxílio do filho.
Como vimos, esta conclusão, sem mais outros elementos factuais, não é pertinente.
Desta forma, mesmo com a parca matéria de facto assente e provada - fruto, aliás, de alguma insuficiência factual existente na petição inicial - afigura-se-nos estarem reunidos, no caso dos autos, os dois requisitos necessários à concessão da pensão ao Autor (F), nos termos da alínea d) do n. 1 e do n. 2, da Base XIX da Lei n. 2127, e que são: a) A carência do auxílio da vítima; e b) A contribuição para o seu sustento.
Improcedem, consequentemente, as conclusões da recorrente.
11. Decisão:
Por tudo o exposto, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento à apelação e em confirmar a douta sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Lisboa, 8 de Fevereiro de 1995.