Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
287/14.1TVLSB.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO
Descritores: PRESTAÇÃO DE CONTAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I) A acção de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las (ou por quem tenha o dever de prestá-las) e tem por objecto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se.
II) Requerida a prestação de contas, o réu poderá negar a sua obrigação de prestar contas (por não existir entre ele e o requerente qualquer relação em virtude da qual as tenha de prestar, porque já as prestou, etc.), bem como suscitar outras questões. Decidido que esteja que o réu tem de prestar contas, seguir-se-á a fase da prestação de contas propriamente dita.
III) Declarada a obrigação do réu prestar contas, o processo prossegue com vista ao julgamento das mesmas, e consequente apuramento do saldo, que constituirá, no caso de existir, a condenação daquele que foi obrigado a prestá-las.
IV) Não tendo o réu prestado contas, devolve-se ao autor a possibilidade de as prestar, sem que às mesmas possa ser deduzida contestação e as contas que o autor apresente, nestes termos, são julgadas segundo o prudente arbítrio do julgador, depois de obtidas, se necessário, as informações e feitas as averiguações convenientes, podendo ser incumbida pessoa idónea para dar parecer sobre todas ou parte das verbas inscritas pelo autor.
V) Não inquina a decisão recorrida - antes se insere no âmbito do prudente arbítrio apreciativo do Tribunal - a circunstância de o julgador, por presunção judicial, ter apurado as despesas de todos os interessados, com base nos valores que a autora, ao prestar contas, declarou ter recebido, ainda que tais declarações não coincidam com o declarado por outros interessados.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

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1. Relatório:
Nos presentes autos de acção especial para prestação de contas, instaurada por MM… contra JM…, onde foram chamados, como intervenientes principais, IM…, PS… e EM…, todos identificados nos autos, em 28-01-2019 foi proferida sentença que julgou a acção procedente, decidindo declarar que “o Réu é devedor ao acervo hereditário de JC…, a título de representante comum dos respectivos herdeiros (ele, o Autor e os demais intervenientes principais associados a este), da quantia de € 20.199,76, que o condeno a pagar ao respectivo cabeça de casal.
Custas por A. (18,75%), R. (18,75%), I. I… (25%), I. E… (18,75%), e I. P… (18,75%)”.
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Não se conformando com a referida sentença, dela apelou o réu JM…, concluindo nas suas alegações que:
“A. O Tribunal a quo aceitou como provadas as declarações dos Intervenientes Principais IM… e PS….
B. Mas terá avaliado de forma imperfeita tais declarações pois que das mesmas se pode claramente inferir que o Apelante nada deve.
C. Entendeu-se então que os 261.850,24€ de valor distribuído pelo Apelante, subtraído ao valor de receita das firmas, de 282.050,00€, determina o Apelante a pagar 20.199,76€.
D. Encontrando justificativo para esta diferença no facto da Autora reclamar nada ter recebido entre Janeiro de 2003 e Maio de 2004.
E. Efectivamente, o Tribunal a quo entendeu que também nenhum dos demais herdeiros recebeu o seu quinhão entre tais datas, encontrando-se assim, mediante simples aritmética, o valor de condenação.
F. Mas tal permissa é claramente contraditada pelas declarações dos Intervenientes Principais, que o Tribunal a quo valorou como provadas.
G. Estes afirmam que, no acerto de contas por conta da venda de um imóvel da herança a Autora, tanto a Autora como os demais herdeiros receberam os valores que não lhes tinham sido distribuídos entre Janeiro de 2003 e Maio de 2004.
H. Em conclusão, o Apelante nada deve.
I. Assim, e se efectivamente o Tribunal a quo valorou as declarações dos Intervenientes Principais IM… e PS…, a matéria considerada provada estará em contradição com a decisão final, resultando depois inquinada a sentença e a sua fundamentação”.
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A autora MM… contra-alegou concluindo que deve ser negado provimento ao recurso, tendo alegado, em suma:
“(…) II. A suposta contradição entre a decisão e os seus fundamentos
Embora a Conclusão I refira expressamente que “...a matéria considerada provada estará em contradição com a decisão final...” o que verdadeiramente é equacionado no recurso não é uma contradição entre a decisão e os seus fundamentos de facto, mas sim uma contradição entre a decisão que foi proferida e a matéria de facto que deveria ter sido julgada provada, se as declarações dos Intervenientes já mencionados tivessem sido adequadamente valoradas.
Por conseguinte, não estamos perante uma arguição de nulidade da decisão, com fundamento em contradição com os seus fundamentos, nos termos do art. 615.° n.°s 1 c) e 4 do Código de Processo Civil.
III. A impugnação da decisão de facto
Nesta acção especial de prestação de contas, o R. não as apresentou no prazo que lhe foi cominado para o efeito.
Nos termos do art. 943.° n.° 1 do Código de Processo Civil, as contas foram apresentadas pela A.
Estas contas não admitem contestação, por força do disposto no art. 943.° n.° 2, onde se lê que as mesmas “...são julgadas segundo o prudente arbítrio do julgador, depois de obtidas as informações e feitas as averiguações convenientes...”
Na sequência desta apresentação das contas foram ordenadas as diligências constantes do despacho de 03.07.18.
Pela Interessada E… nada foi dito.
Por conseguinte, a matéria das contas não é controvertida, visto que a lei não admite que as mesmas sejam contestadas.
O seu julgamento é feito segundo o prudente arbítrio do julgador”.

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2. Questões a decidir:
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, a única questão a decidir é a de saber se a decisão tomada pelo tribunal recorrido deverá ser revogada, em face das declarações prestadas pelos intervenientes.
Na realidade, não invoca o apelante qualquer nulidade da decisão recorrida, mas sim, uma contradição entre o que resulta da pronúncia dos intervenientes, em requerimento de 22-05-2018, e o que foi decidido.

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3. Enquadramento fáctico:
Mostra-se relevante para a apreciação do recurso, a seguinte factualidade:
1) Por despacho de 15-01-2015 proferido nos presentes autos, foi declarado que o réu estava obrigado a prestar contas à autora, dos valores que recebeu, como representante comum – artigos 222.º e 223.º do Código das Sociedades Comerciais – das demais partes, a título de proveitos da quota no valor nominal de € 40.000,00, na sociedade “Empresa de Construções Lucol, Lda.” e a título de proveitos da quota no valor nominal de € 20.000,00, na sociedade “Agência Luso – Comercial, Lda.”, de que são cotitulares as partes destes autos, nos anos de 2003 a 2013;
2) Nos termos dessa decisão, foi determinada a notificação do réu para, nos termos do artigo 944.º, n.º 1, do CPC, proceder à apresentação de contas;
3) Por despacho de 08-07-2015, proferido nos presentes autos, não foi admitida a prestação de contas apresentada pelo réu e foi determinada a sua notificação para apresentar contas, em forma de conta-corrente, com especificação da proveniência das receitas e a aplicação das despesas, bem como o respectivo saldo;
4) Por despacho de 03-10-2017, proferido nos presentes autos, foi determinada a notificação do réu para corrigir o requerimento de apresentação de contas de 14-09-2015, com a discriminação de cada movimento a crédito ou a débito, juntando também o correspondente documento (devidamente identificado), sob pena de não o fazendo se rejeitarem as contas;
5) Por despacho de 07-11-2017, proferido nos presentes autos, foi julgado não prestadas as contas pelo réu, determinando-se a notificação da autora para, querendo, apresentar contas nos termos do artigo 943.º do CPC;
6) Em 14-05-2018 a autora apresentou requerimento de onde consta vir, em cumprimento do “disposto no art. 943° n°. 1 do C.P.C., apresentar as contas do desempenho pelo R. das funções de representante comum das quotas nas sociedades Empresa Construções Lucol, Lda. e Agência Luso Comercial, Lda., que integram a herança de JC…, pelo período compreendido entre 1 de Janeiro de 2003 (início do exercício subsequente à designação do representante comum) e 31 de Dezembro de 2013 ( fim do exercício antecedente à propositura da acção), o que faz nos seguintes termos:
1-Junta um quadro para cada um dos anos do período acima delimitado, dividido pelos meses do ano.
2-Em cada um dos quadros são lançadas a crédito da A. e dos demais Herdeiros (Intervenientes Principais e R.) as quantias indicadas pelo R. como provenientes das sociedades em questão e a débito os valores recebidos pela A. em cada um dos meses em causa.
3-Também é indicado o saldo a favor da A. e dos demais Herdeiros (Intervenientes Principais e R.), que, transportado de ano para ano, perfaz o valor total de € 232.953,08. 
4-A A. apenas lançou a débito as quantias por ela recebidas, visto que não tem conhecimento dos valores recebidos pelos Intervenientes Principais e pelo próprio R., o que poderá determinar um acerto no saldo, no caso de tais valores existirem e deverem ser considerados.
5-As contas apresentadas apenas incidem sobre o apuramento dos créditos da A. e Intervenientes Principais sobre o R. em virtude das quantias por ele recebidas das sociedades em causa.
6-Designadamente, não estão abrangidas por estas contas as das próprias sociedades, nem aqui fica feito ou precludido qualquer juízo sobre a gestão das mesmas e os actos nelas praticados pelo R., bem como os direitos daí advenientes para a A.
7-Em consequência do que consta no n°. 4 do presente requerimento, requer a V.Exa. se digne mandar notificar os Intervenientes Principais e o R., ao abrigo do disposto no art. 943° n°. 2 do C.P.C., para que venham aos autos indicar as quantias que tenham recebido do mesmo R. no âmbito do seu desempenho como representante comum das quotas no período que é objecto das contas apresentadas”.
7) Em 22-05-2018 os intervenientes IB… e PV… apresentaram requerimento onde referem:
“1.- Bem vistas as coisas, as “contas” ora apresentadas pela A. comprovam plenamente que a pretensão deduzida na presente acção não tinha afinal qualquer fundamento válido ou justificação atendível uma vez que as referidas contas, afora algumas omissões e incorrecções das verbas a seguir anotadas, replicam e decalcam simplesmente a generalidade dos valores que a esse respeito foram oportunamente indicados pelo próprio Réu, e antes disso já o tinham também sido pela ora interveniente e cabeça-decasal  nomeada nos autos de inventário para partilha dos bens da herança aberta por óbito de JC…, no âmbito da acção de processo especial de prestação de contas que contra ela a mesma A. lhe intentou, e que correu seus termos na então …ª Vara Cível de Lisboa, sob o nº …/…, o que vale por dizer que tudo isso revela bem a total e completa inutilidade processual desta acção!
2.- Seja como for, ao contrário do que consta da listagem que acompanha o requerimento em apreço, e do período de Janeiro de 2003 a Maio de 2014, a A. recebeu a totalidade do quinhão hereditário que lhe compete de 18,75%, e portanto o valor de €3.825,00 (€225,00 x 17), quando foi feito o acerto de contas entre os interessados, na sequência da venda do prédio da Av. Duque d’Ávila, que à herança pertencia metade.
3.- Os intervenientes ora requerentes receberam, como os demais interessados, os exactos montantes que lhes cabiam, de acordo com os respectivos quinhões hereditários, sendo 25% de IM… e 18,75% de cada um dos quatro filhos.
4.- E requerendo-se igualmente a junção deste aos autos”.

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4. Enquadramento jurídico:
Como se referiu apenas cumpre apreciar a questão de saber se a decisão tomada pelo tribunal recorrido deverá ser revogada, em face das declarações prestadas pelos intervenientes no âmbito do requerimento apresentado em 22-05-2018.
Ora, importa desde já referir que, por um lado, nos encontramos perante um processo especial de prestação de contas e, por outro lado, que no concreto âmbito dos autos, foi devolvido à autora o direito de apresentar contas, em função da não apresentação devida de contas pelo réu.
Assim, nos termos do artigo 941.º do CPC, a acção de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las (ou por quem tenha o dever de prestá-las) e tem por objecto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios (função inicial ou declarativa) e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se (função de prestação de contas) – neste sentido, vd. Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Almedina, 1.ª edição, p. 648.
Requerida a prestação de contas, o requerido poderá negar a sua obrigação de prestar contas (por não existir entre ele e o requerente qualquer relação em virtude da qual as tenha de prestar, porque já as prestou, etc.), bem como suscitar outras questões. Decidido que esteja que o requerido tem de prestar contas, seguir-se-á a fase da prestação de contas propriamente dita.
No caso, apenas está em questão a questão referente à justeza da condenação no saldo apurado pelo Tribunal e, não a obrigação de prestação de contas pelo réu. E, nem sequer, qualquer questão adveniente da circunstância de tal prestação de contas ter sido devolvida, nos termos legais, à autora.
Como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16-12-2015 (Processo 423/08.7TBLMG.C1, relatora SÍLVIA PIRES):
“I – Nos termos do disposto no art.º 941º do C. P. Civil a acção de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objecto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se.
II - A acção especial de prestação de contas, cuja finalidade é o apuramento do saldo resultante da receita e da despesa, com a consequente condenação no pagamento do mesmo, tem a sua regulamentação no C. P. Civil.
III - Declarada que está a obrigação do Réu prestar contas, o processo prossegue com vista ao julgamento das mesmas, e consequente apuramento do saldo, que constituirá, no caso de existir, a condenação daquele que foi obrigado a prestá-las”.
Relativamente à prestação de contas pelo autor, refere-se nesse mesmo Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16-12-2015 (Processo 423/08.7TBLMG.C1, relatora SÍLVIA PIRES) que:
“IV - Este processo prevê na sua tramitação e no caso de prestação forçada de contas, como é o caso dos autos, que não tendo o Réu prestado as contas elas sejam prestadas pelo Autor sem que às mesmas possa ser deduzida contestação – art.º 943º do C. P. Civil.
V - Estas contas apresentadas pelo Autor são julgadas segundo o prudente arbítrio do julgador, depois de obtidas as informações e feitas as averiguações convenientes, podendo ser incumbida pessoa idónea para dar parecer sobre todas ou parte das verbas inscritas pelo Autor – art.º 943º, nº 2, do C. P. Civil.
VI - Não admitindo este tipo de acção que o apuramento das receitas e das despesas em causa seja feito em incidente de liquidação de sentença, pois tal esvaziaria o processo do seu conteúdo específico, a lei determina que o apuramento desse saldo seja feito, na ausência de prova consistente, pelo juiz com recurso ao seu prudente arbítrio e às regras da experiência, conforme decorre do nº 5 do art.º 945º do C. P. Civil, poder este que lhe é cometido com vista a que as contas sejam julgadas com base em elementos dotados de um mínimo de consistência.
VII - Na economia da acção especial de prestação de contas o prudente arbítrio inscreve-se na apreciação das provas pelo juiz, devendo este utilizar dados da experiência comum, permitindo-lhe valorar a prova trazida para os autos em termos bastante mais flexíveis do que numa mera análise estrita da prova, segundo os critérios de certeza judicial.
VIII - Na concretização desse raciocínio há-de o juiz atender à verosimilhança do facto em apreciação, sendo verosímil o que corresponde ao funcionamento normal das coisas, às regras da experiência e ao senso comum, numa apreciação sensata e prudente.
IX - Neste julgamento que o tribunal tem de fazer das contas apresentadas pelo Autor na falta de apresentação das mesmas pelo obrigado à sua prestação, o tribunal não pode ter as mesmas exigências de rigor que teria nas que tivessem sido apresen­tadas pelo devedor, pois o requerente da prestação forçada de contas, na maior parte dos casos, não disporá nem conseguirá obter os documentos comprovativos das receitas e despesas realizadas por outrem durante um período de tempo mais ou menos longo”.
Como refere Lopes do Rego (Comentários ao Código de Processo Civil, Almedina, 1ª edição, p. 135), “o “prudente arbítrio” do julgador tem de ser entendido como pressupondo uma apreciação jurisdicional necessariamente “não arbitrária”, efectuada segundo critérios de ponderação e razoabilidade, que oriente os critérios de conveniência e oportunidade que estão na sua base sempre em função da realização dos fins do processo”.
Assim, o artigo 943.º, n.º 2, do CPC “não impõe obrigatoriamente, quaisquer que sejam as circunstâncias, a obtenção de informações, a realização de averiguações, ou a nomeação de pessoa para dar parecer, o que dependerá do caso concreto” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06-10-2016, Processo 5533-03.4TBALM.L2-2, relatora MARIA JOSÉ MOURO).
Ora, volvendo ao caso dos autos verificamos na sentença recorrida que o Tribunal apreciou, precisamente, entre outros elementos, o teor da pronúncia dos intervenientes, referindo, em particular, o seguinte:
“(…) Proferida decisão condenatória do Réu na prestação de contas peticionada na supracitada decisão de 15.01.15, o mesmo não lhe deu cumprimento, vindo a ser proferido despacho de 07.11.2017 , fls 589/590, em que se julgaram não prestadas as contas pelo Réu, e deferida a sua prestação à Autora (art. 943º C.P. Civil)..
Posteriormente e em colaboração a favor da tarefa da Autora, o Réu veio em 11.01.18, fls 597/601, juntar mapas demonstrativos das quantias que auferiu na qualidade de representante comum dos cotitulares das ditas quotas.
Entretanto, por requerimento de 14.05.2018 fls 612/618 a Autora apresentou contas, relativamente às duas participações sociais ajuizadas e aos anos de 2003 a 2013, justificando-se que em cada um dos quadros lançou a crédito de todos os herdeiros ora partes, as quantias indicadas pelo R. como provenientes das sociedades em questão, e a débito os valores recebidos por si A. nos meses que refere, para concluir por uma receita global de € 282.050,00, despesas de € 49.096,92 e saldo de € 232.953,08.
Pronunciando-se sobre tais contas 22.05.18, fls 620/621, os II. I… e P… dizem que as receitas vão no sentido do que o Réu já dissera, e que o Autor recebeu € 225,00 por mês entre Janeiro de 2003 e Maio de 2004, onde ele indica zero euros, invocando acordo entre as partes correlacionado com a partilha de outro bem (imóvel) do acervo hereditário, de que todos incluindo a A. foram beneficiários, na proporção dos respectivos quinhões, sem indicarem quantitativos, no essencial o subscrito pelo Réu no seu requerimento de 23.05.18 (fls 622/623).
O que se descreveu aconselha a que se reitere que não interessam directamente a esta acção, as contas a prestar pelo cabeça de casal do acervo hereditária em que se inserem as duas participações sociais ajuizadas, pela razão de a obrigação do R. em apreciação tem natureza contratual, não decorre de comando legal, e também não consta que o mesmo desempenha essas funções, sem embargo de o resultado desta prestação de contas, relevar para a prestação similar do cabeça de casal, do mesmo modo que o saldo das contas das ditas sociedades são a fonte das receitas objecto da nossa análise nesta lide.
Ainda, também não nos interessa saber de proveitos que o Réu possa ter recebido das ditas sociedades a outro título, mormente como remuneração de trabalho prestado ás mesmas.
Posto isto, valoramos as afirmações do R. e dos II. I… e P…, de que as despesas descritas pela Autor (que só se iniciam em Junho de 2004) e ela quantifica num total de € 49.096,92, correspondem ao seu quinhão de 18,75 %, e correspondentemente se haverá de concluir que houve também despesas idênticas com entrega ao conjunto dos outros interessados, e nesta proporção, num total de € 261.850,24 (€ 49.096.92 : 0,1875), o que significa receitas de € 282.050,00 e despesas somando € 261.850,24 60, e assim haverá um saldo devedor de € 20.199,76, do Réu para com as demais partes no âmbito do acervo hereditário de filhos de JC…, a título de proveitos da quota no valor nominal de € 40.000,00, na sociedade comercial, com a firma “Empresa de Construções Lucol,Lda”, e a título de proveitos da quota com o valor nominal de € 20.000,00, na sociedade comercial com a firma “Agência Luso – Comercial,Lda”, de que são cotitulares as partes nestes autos, nos anos de 2003 a 2013, medida da procedência da acção”.
Ou seja: O Tribunal valorou positivamente o declarado pela autora – que, aliás, no requerimento apresentado em 04-06-2018, impugna a pronúncia dos intervenientes - , mas dele extraiu, de acordo com as regras da experiência e de forma compatível com a posição de cada herdeiro relativamente à administração do seu património por terceiro, consequências para os demais interessados, chegando à conclusão de que, se a autora declara ter recebido € 49.096,92, para uma quota de 18,75%, o valor de recebimento total – correspondente a 100% dos herdeiros – perfez, tão só, € 261.850,24.
Assim, vê-se que, de facto, ao contrário do que sustenta o apelante, o Tribunal recorrido considerou, segundo o seu prudente arbítrio, com a consistência possível, que ainda subsistiu uma diferença entre os recebimentos e os pagamentos aos herdeiros, precisamente no valor encontrado.
A valoração do declarado pelos intervenientes, ainda que nos termos conducentes ao decidido, em conjugação com as contas apresentadas pela autora não se mostra incompatível com o normativo do artigo 943.º do CPC, nem com os termos a que presidia a decisão prudente do Tribunal.
Em conclusão: Considerando as contas apresentadas pela autora, decorrente do incumprimento de um ónus que o réu não observou, verifica-se que do alegado pelo apelante não decorre que, não obstante o pagamento já referenciado pelos intervenientes, não subsista por pagar aos herdeiros o valor considerado na sentença recorrida, pelo que, não ocorre a “contradição” invocada pelo apelante.
Por outras palavras, não inquina a decisão recorrida - antes se insere no âmbito do prudente arbítrio apreciativo do Tribunal - a circunstância de o julgador, por presunção judicial (cfr. artigo 349.º do CC) - , ter apurado as despesas de todos os interessados, com base nos valores que a autora, ao prestar contas, declarou ter recebido, ainda que tais declarações não coincidam com o declarado por outros interessados.
Assim, a apelação deverá ser julgada improcedente, inexistindo motivo para a alteração da decisão do Tribunal recorrido.

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5. Decisão:
Em face do exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e em confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo do apelante.
Notifique e registe.

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Lisboa, 24 de Outubro de 2019.

Carlos Castelo Branco - Relator
Lúcia Celeste da Fonseca Sousa -1.ª Adjunta
Luciano Farinha Alves - 2.º Adjunto