Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | PEDRO MARTINS | ||
Descritores: | DOCUMENTOS JUNÇÃO OCORRÊNCIA POSTERIOR FACTOS CONCEITOS DE DIREITO SOCIEDADE COMERCIAL ADMINISTRADOR DESTITUIÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/22/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I - Um depoimento de uma testemunha, que vá no sentido do que foi alegado pela parte que a indicou, não é uma ocorrência posterior para efeitos do art.º 423/3 do CPC (junção de documentos). II – Documentos que visem pôr em causa os factos alegados nos articulados da parte que indicou a testemunha não dizem respeito a ocorrências posteriores e não podem ser juntos depois do termo legal previsto no art.º 423/2 do CPC. III - A credibilidade das testemunhas tem a ver com factos que afectam a razão da ciência invocada pela testemunha (“facto do qual resulte que a fonte de conhecimento dos factos narrados não era, ou não podia ser, a invocada”), ou que diminuem a fé que ela possa merecer (“atacando-se as qualidades da testemunha que justificariam a valoração positiva, pelo tribunal, do depoimento produzido”). Esses factos têm de ser desfavoráveis à testemunha, pois só assim ela os pode confessar ou não. A credibilidade das testemunhas não tem a ver com a falsidade do conteúdo do seu depoimento. IV – Pelo que é contraditório dizer-se que com os documentos se visa pôr em causa os factos alegados nos articulados da parte que indicou a testemunha e, ao mesmo tempo, dizer-se que com eles se visa por em causa a credibilidade das testemunhas. V - Não tem sentido tentar afastar da descrição dos factos todo o tipo de expressões que podem ser, se se quiser, entendidas como conceitos de direito. O que importa é, por um lado, que essas expressões não sejam utilizadas na descrição dos factos que incidam sobre o ponto dúbio do litígio, e que, por outro lado, sejam entendidas como descrição, com utilização de conceitos simples e inequívocos correntemente utilizados na linguagem vulgar, dos vários elementos típicos do facto. Caso contrário, aquelas expressões, devem ser retiradas da discriminação dos factos provados. VI – Os factos principais cuja verificação está sujeita à livre apreciação do julgador dão-se como provados com base em conclusões extraídas das provas produzidas ou com base em conclusões sobre factos instrumentais que permitam um juízo de presunção judicial; não é por isso que esses factos são conclusões, juízos conclusivos, conclusões jurídicas ou factos jurídicos. VII – A destituição de um administrador – feita através de um conjunto de afirmações do facto, que não se provaram serem verdadeiras nem haver razões para as considerar como tal, correspondentes a um ataque difamatório à sua honra e reputação profissional - decidida pelo AG de uma sociedade, vincula a sociedade (como acto da mesma); os membros da AG não respondem perante o administrador destituído (não se aplica o art.º 79/1 do CSC). O mesmo se passa com o acto do administrador da SGPS que decidiu reunir a AG para votar aquela destituição: o acto é da SGPS e por isso vincula-a; o administrador não responde perante o administrador destituído. VIII – As sociedades só são responsáveis pelos danos causados ao destituído, não pelos danos causados às sociedades com a má gestão pelo administrador nomeado no lugar do destituído e que indirecta ou reflexamente se repercutam neste. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados: A 06/04/2022, FMC intentou uma acção comum contra (1) C-SGPS, S.A., (2) M-S.A., e (3) RC, pedindo a condenação solidária dos réus no “pagamento ao autor dos danos de natureza patrimonial e não patrimonial provocados pela promoção e realização ilícita e dolosa de deliberação tendente à sua destituição, os quais nesta data se computam em 50.000€ a título de danos de natureza não patrimonial e de 1.376,55€ a título de perda de rendimentos e outros benefícios, a que acrescem 3.238,62€ a título de juros de mora sobre esta segunda componente patrimonial já liquidados à taxa legal desde o vencimento das respectivas obrigações até 23/03/2022 […]” Alegou para o efeito que: tomou conhecimento, por mero acaso ao fazer uma consulta ao website Publicações do Portal do Ministério da Justiça, de que fora destituído do cargo de administrador da M-SA, tendo sido nomeada em seu lugar FRC; instaurou acção de anulação das deliberações sociais em causa; nesse processo foi proferida sentença, confirmada pelo TRL, datada de 06/06/2021, julgando a acção procedente e, como consequência, declarando a nulidade das deliberações sociais aqui em causa, nomeadamente a deliberação de destituição do autor; com aquela actuação dos réus sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais, que especifica, que nesta acção pretende ver ressarcidos. Os réus contestaram, defendendo-se por excepção – dilatórias, de ineptidão da petição inicial, ilegitimidade e irregularidade do mandato e peremptórias de existência de justa causa para a destituição e de prescrição - e por impugnação, concluindo pela improcedência da acção. O autor respondeu às excepções, impugnando-as. No despacho saneador, foram julgadas improcedentes todas as excepções dilatórias, indeferida a da existência de justa causa e relegada para final a da prescrição. Na véspera (29/10/2024) da última sessão da audiência final, 15 dias depois da penúltima sessão (14/10/2024) a M-SA e o 3.º réu quiseram juntar aos autos 24 documentos. O autor opôs-se. A 30/10/2024, no início da sessão, foi proferido despacho a indeferir a junção, com a seguinte fundamentação: “ […A] junção é extemporânea não tem qualquer justificação para ser junto nesta momento, para já que todos os assuntos já eram conhecidos em sede de articulados, nenhuma novidade estas testemunhas trouxeram na audiência de julgamento que justificasse nesta altura ser admitida a junção de qual documento, documentos que há existiam e podiam ter sido juntos com os articulados respectivos, além de que para colocar em causa credibilidade de testemunhas há um procedimento próprio previsto no CPC e que por esse motivo indefiro a requerida junção que foram apresentados e determinando a sua devolução ao apresentante e em consequência também a resposta que foi apresentada em resposta.” Depois de realizada a audiência final foi proferida sentença julgando a acção parcialmente procedente e condenando os réus a pagar ao autor solidariamente (i) 1.015€, 165€, 159,62€ e 36,05€, bem como todos os juros de mora devidos desde o vencimento de cada retribuição líquida desde o final de Maio de 2019 a Dezembro de 2019, à taxa legal; e (ii) uma indemnização por danos não patrimoniais que se fixa em 15.000€, acrescida de juros desde a data da citação e até integral cumprimento; no mais os réus foram absolvidos. O réu recorreu, autonomamente, do despacho de 30/10/2024 (para que fosse revogado e substituído por outro que defira a junção do requerimento e documentos apresentados em 29/10/2024); o réu e a M-SA recorreram da sentença, impugnando a decisão da matéria de facto e a sua condenação nos pedidos. O autor contra-alegou os recursos, defendendo a improcedência dos mesmos. * Questões que importa decidir: se os documentos apresentados pelos réus deviam ter sido admitidos; se a matéria de facto deve ser alterada; se os réus não deviam ter sido condenados na indemnização por danos não patrimoniais; * Do recurso contra o indeferimento da junção de documentos O réu diz o seguinte contra tal despacho: c\ O autor, para sustentar a sua tese, indicou 3 testemunhas que, ouvidas em audiência de julgamento, depuseram sobre factos susceptíveis, em abstracto, de fundar a obrigação de indemnização por responsabilidade civil por parte do réu e da administradora da M-SA. d\ A apresentação dos documentos, visa infirmar a tese do autor, destinando-se a demonstrar a inexistência de factos susceptíveis, em abstracto, de fundar a obrigação de indemnização por responsabilidade civil por parte do réu e da administradora da M-SA. e\ O depoimento daquelas 3 testemunhas, que, ouvidas em audiência de julgamento, depuseram sobre factos susceptíveis, em abstracto, de fundar a obrigação de indemnização por responsabilidade civil por parte do réu e da administradora da ré, é uma ocorrência posterior e fez surgir a utilidade da apresentação dos documentos f\ O despacho recorrido, ao indeferir a junção dos documentos, violou o disposto no artigo 423/3 do CPC, padecendo, assim, de erro de julgamento da matéria de direito. (no corpo das alegações o réu invoca no sentido do por ele defendido, o ac. do TRP de 18/10/2021, no proc. 3221/20.6T8PNF-A.P1, e o ac. do TRG de 18/12/2016, proc. 7664/13.TBBRG-A.G1). O autor contrapõe o seguinte: a\ Os documentos apresentados pelos réus foram certeiramente ordenados desentranhar, uma vez que a sua pretendida junção foi feita fora do momento processual adequado, não havendo qualquer justificação para ultrapassar o limite previsto no artigo 423/3 do CPC; b\ Com efeito, a tentativa de juntar tais documentos visou questionar a credibilidade das testemunhas do autor, quando o incidente próprio para tal seria a contradita, que deveria ter sido suscitada imediatamente após o depoimento, conforme o artigo 522 do CPC. Os réus não deduziram esse incidente e apresentaram os documentos com atraso injustificado. c\ Pelo seu relevante interesse, realce-se que este TRL já decidiu, em acórdão de 04/06/2024, sobre questão exactamente idêntica, concluindo que o meio adequado para contestar a credibilidade de uma testemunha é a contradita, que deve ser suscitada imediatamente após o depoimento – cf. cópia de acórdão que se junta. d\ Além disso, os depoimentos das testemunhas indicadas pelos réus não constituem uma "ocorrência posterior", pois as suas declarações estavam em conformidade com os factos alegados na petição inicial. Por isso, os documentos não podem ser admitidos como uma nova prova, uma vez que não houve qualquer elemento novo ou inesperado nos depoimentos. e\ Com efeito, tudo o que foi dito pelas testemunhas sobre a gestão da administradora já estava reflectido na petição inicial, sendo matéria fáctica previsível para os réus. Assim, estes deveriam ter apresentado a documentação no momento processual adequado, não podendo agora tentar introduzi-la tardiamente. f\ A conduta dos réus configura uma tentativa de protelar o andamento do processo e viola as mais elementares regras processuais, agindo estes de forma insidiosa e abusiva. Assim, deve ser mantida a decisão de desentranhamento dos documentos e mais deve ser imposta sanção por litigância de má fé. O sumário do ac. do TRL de 04/06/2024, proc. 24787/20.5T8LSB-A.L1, tem o seguinte teor: 1\ O meio adequado para abalar a credibilidade de uma testemunha ouvida em julgamento é o instituto da contradita, que deve ser deduzido quanto termina o depoimento, podendo, até ao momento em que a decisão quanto aos factos deva ser proferida, ser apresentado documento que fundamente a contradita. 2\ Não deve ser admitida a junção de documento que visa apenas abalar a credibilidade de uma testemunha ouvida em julgamento, sem que o incidente de contradita seja deduzido previamente, por tal documento não integrar qualquer dos fundamentos para a admissão de documento fora do limite legal, nos termos do artigo 423/33 do CPC. […] O autor no corpo das alegações cita as seguintes passagens de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, CPC anotado, 3ª ed. Almedina, vol. I, páginas 541-542: “O conceito de “ocorrência posterior” que legitima a entrada de documento no processo não respeitará, por certo, a factos que constituem fundamento da acção ou da defesa (factos essenciais, na letra do artigo 5.º), pois tais factos já hão de ter sido alegados nos articulados oportunamente apresentados ou, pelo menos, por ocasião da dedução do articulado de aperfeiçoamento (artigo 590/4). Tão pouco respeita a factos supervenientes, pois a alegação desses factos deve ser acompanhada os respectivos documentos, sendo esse o meio da sua entrada nos autos (artigo 588/5). Portanto, no plano dos factos, a ocorrência posterior dirá somente respeito a factos instrumentais ou a factos relativos a pressupostos processuais.” “[…] não deve confundir-se a figura da “ocorrência posterior” a que alude o artigo 423/3 do CPC “com regimes específicos de junção de documentos, nomeadamente para instruir a impugnação de testemunhas (artigo 515) ou a contradita (artigo 521)” Apreciação: O artigo 423/1-2 do CPC, sobre o momento da apresentação dos documentos, dispõe, que eles devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes ou até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final. O art.º 423/3 dispõe que, após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior. Os réus não alegaram que a apresentação não tivesse sido possível até àquele momento, pelo que a parte da previsão que interessa é apenas a da parte final da norma, a da ocorrência posterior. É sempre expectável que as testemunhas indicadas pelas partes deponham no sentido do que foi alegado pelas partes que as indicaram. Pelo que, um depoimento de uma testemunha, nesse sentido, não é uma ocorrência posterior para efeitos do art.º 423/3 do CPC. A argumentação contrária dos réus traduz-se num absurdo: sempre que as testemunhas indicadas pelas partes depusessem no sentido do alegado pelas partes que as indicaram, verificar-se-ia uma ocorrência posterior que justificava a apresentação só então dos documentos. Pelo que, como tal é o que normalmente acontece (as testemunhas deporem no sentido do alegado pelas partes que as indicaram), seria sempre possível juntar documentos depois do limite do art.º 423/2 do CPC. Ou seja, o art.º 423/2 do CPC estabeleceria um limite e o art.º 423/3 do CPC logo a seguir afastaria esse limite. Como explicam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. 2.º, 3.ª edição, Almedina, 2017, página 241, a ocorrência posterior em causa no art.º 423/3 do CPC “trata-se […] de um facto instrumental relevante para a prova dos factos principais ou de um facto que interesse à verificação dos pressupostos processuais, casos em que o documento que prova esse facto não pode deixar de se ter formado, também ele, posteriormente.” Assim, por um lado, a junção dos documentos não podia visar demonstrar a inexistência de factos alegados pela parte que indicou a testemunha, porque esses documentos já deviam ter sido juntos com o articulado de impugnação respectivo e, por outro, os documentos não se reportavam a uma ocorrência posterior. * A invocação pelo réu dos acórdãos do TRP e do TRG mostra a contradição em que o réu incorre. Antes de mais, diga-se que no recurso, como se vê pelas conclusões, o réu não tinha referido até então a questão da credibilidade das testemunhas e não a volta a referir, embora o tenha feito no requerimento de apresentação dos documentos. Mas se o réu visa pôr em causa a credibilidade das testemunhas não está a visar demonstrar a inexistência dos factos essenciais alegados pelo autor. Pois que são duas coisas distintas. A credibilidade das testemunhas tem a ver com factos que afectam a razão da ciência invocada pela testemunha (“facto do qual resulte que a fonte de conhecimento dos factos narrados não era, ou não podia ser, a invocada”), ou que diminuem a fé que ela possa merecer (“atacando-se as qualidades da testemunha que justificariam a valoração positiva, pelo tribunal, do depoimento produzido”) (art.º 521 do CPC - as partes entre aspas vêm de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. 2.º, 3.ª edição, Almedina, 2017, páginas 406 e 407). Têm ainda de ser factos desfavoráveis à testemunha, pois só assim ela os pode confessar ou não: art.º 522/2 do CPC (Se a contradita dever ser recebida, é ouvida a testemunha sobre a matéria alegada; quando esta não seja confessada […]). A credibilidade das testemunhas não tem a ver com a falsidade do conteúdo do seu depoimento. Como explicam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “não se trata de atacar o conteúdo do depoimento, fazendo valer a sua falsidade, mas de invocar novos factos (acessórios) que, sendo exteriores ao depoimento, ponham em causa a razão de ciência invocada pela testemunha ou a fé que ela possa merecer, destruindo ou enfraquecendo o depoimento prestado […]” (ob. cit., pág. 406). Ou seja, não tem sentido dizer que com os documentos se visa demonstrar a inexistência de factos alegados pela parte que indicou a testemunha, e ao mesmo tempo, dizer-se que com eles se visa pôr em causa a credibilidade das testemunhas. * Por fim, quando se quer “invocar novos factos (acessórios) que, sendo exteriores ao depoimento, ponham em causa a razão de ciência invocada pela testemunha ou a fé que ela possa merecer, destruindo ou enfraquecendo o depoimento prestado […]” tem de se deduzir o incidente de contradita “quando o depoimento termina” (art.º 522/1), isto é, “logo após a produção do depoimento” (mesmos autores, obra citada, pág. 407). E é na sequência desse incidente que, se a testemunha não confessar os factos, é possível juntar documentos para prova dos factos então alegados (art.º 522/2-3 do CPC). Pelo que, estivesse realmente o réu a querer pôr em causa a credibilidade das testemunhas, teria que ter deduzido o incidente de contradita, o que ele não fez, pelo que nunca poderia juntar documentos respeitantes a quaisquer circunstâncias capazes de abalar a credibilidade dos depoimentos. Pelo que o despacho recorrido fez bem ao indeferir a pretendida junção dos documentos. * Estão dados como provados os seguintes factos que interessam à decisão das outras questões: 1\ A ré SGPS é uma sociedade que tem como objecto a gestão de participações sociais noutras sociedades, encontrando-se devidamente constituída e legalizada para o desenvolvimento dessa actividade. 2\ A ré M-SA é uma sociedade que se dedica ao comércio de venda de máquinas e acessórios. 3\ O 3.º réu era, até 07/01/2020, administrador único da SGPS e também administrador da M-SA. 4\ O autor e o 3.º réu são irmãos do mesmo pai e mãe. 5\ Por motivos de desavença familiar, o autor dirigiu ao réu uma proposta que, entre outros pontos, apresentava várias opções, passando pela venda da sua participação na SGPS ao réu, pela venda das sociedades a terceiros ou, na ausência de qualquer consenso e perante a irredutibilidade no reconhecimento dos seus direitos, pela dissolução das sociedades, que seriam as melhores soluções para resolver uma situação de verdadeiro impasse decorrente de o capital social da SGPS ser detido a 50%/50% pelos dois irmãos. 6\ Essa “divisão” (proposta pelo autor enquanto accionista da SGPS) poderia inclusive passar pela atribuição ao réu da marca MSA, para que este pudesse continuar a desenvolver os negócios como bem entendesse. 7\ E seria confortavelmente executável mediante a alocação de património e recursos financeiros da M-SA que se encontram disponíveis para o efeito. 8\ O que foi recusado pelo réu. 9\ Por essa razão e porque em 2018 e inícios de 2019 o caminho levado por esta administração indiciava que não iria dar bons resultados o autor, na sua qualidade de Presidente da Mesa da Assembleia Geral, convocou uma assembleia geral da SGPS. 10\ A dita reunião foi agendada para o dia 17/01/2019, pelas 11h, a realizar na sede social. 11\ Tendo ficado desde logo agendada 2ª data para o dia 05/02/2019, pelas 11h. 12\ Como ordem de trabalhos constava: Ponto 1 - Discutir e deliberar sobre a nomeação dos órgãos sociais para o quadriénio 2019/2022; Ponto 2 – Discutir e deliberar sobre outros assuntos do interesse para a sociedade. 13\ Apesar de ter recebido a convocatória, o réu não compareceu na primeira data. 14\ Pelo que o autor, como presidente da mesa da assembleia, encerrou os trabalhos e decidiu que a reunião deveria ter lugar na 2.ª data agendada. 15\ Nessa data, considerou-se presente o 3.º réu, que se fez representar por FRC e por advogado. 16\ Nessa reunião, o autor propôs a não recondução do réu como administrador da SGPS e que ele próprio, autor, fosse nomeado como administrador em sua substituição. 17\ O réu votou contra ambas as propostas. 18\ O autor voltou a convocar a reunião da AG da SGPS com a mesma ordem de trabalhos. 19\ Tal reunião foi convocada para o dia 30/04/2019, pelas 10h, na sede da sociedade. 20\ O autor organizou e disponibilizou os elementos de informação exigidos pelo Código das Sociedades Comerciais, juntamente com as correspondentes propostas de deliberação. 21\ O réu fez-se representar na mencionada reunião por FRC e pelo mesmo advogado. 22\ O autor, na sua qualidade de accionista representado pelo seu mandatário apresentou a proposta, acompanhada da fundamentação que entendeu adequada para a deliberação de nomeação de membros dos órgãos sociais que consta da acta cuja cópia corresponde ao doc. 10 da PI. 23\ O autor/accionista propôs a não recondução do réu e sua nomeação como administrador ou, caso esta última não fosse aceite, propôs a nomeação de JP como administrador. 24\ Para a Mesa da AG propôs a sua nomeação e a recondução do fiscal único. 25\ O representante do accionista réu votou contra todas as propostas, pelo que não foi nomeada nenhuma pessoa para os órgãos sociais. 26\ Após a realização dessa reunião da AG da SGPS (de 30/04/2019), sem que de tal lhe tivesse sido dado qualquer conhecimento por qualquer dos réus, nem antes nem mesmo no decurso daquela reunião ou sequer após a mesma, veio o autor a aperceber-se, por mero acaso ao fazer uma consulta ao website Publicações do Portal do Ministério da Justiça, de que fora destituído do cargo de administrador da M-SA. 27\ E que, em sua substituição, fora nomeada FRC. 28\ A dita destituição foi objecto de registo comercial com data de 29/04/2019 e publicada na mesma data naquele website. 29\ O autor instaurou tempestivamente acção de anulação das deliberações sociais em causa, a qual foi distribuída sob o proc. 9679/19.9T8LSB, junto do Juízo de Comércio – Juiz 7, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa. 30\ Foi proferida sentença, datada de 06/06/2021, julgando a acção procedente e, como consequência, declarando a nulidade das deliberações sociais aqui em causa, nomeadamente a deliberação de destituição do autor. 31\ Nessa sentença considerou-se como provado que: 1/ O autor e o réu são irmãos. 2/ A SGPS (1.ª ré) é uma sociedade que tem como objecto a gestão de participações sociais noutras sociedades. 3/ O autor e o réu detêm cada um 50% do capital social da SGPS. 4/ A M-SA (2.ª ré) é uma sociedade que se dedica ao comércio de venda de máquinas e acessórios. 5/ A SGPS detém a totalidade do capital social da M-SA. 6/ Nos termos do artigo 16 do Estatuto da M-SA o Conselho de Administração é composto por dois administradores. 7/ Em 26/04/2019 foi lavrada acta notarial […], com o seguinte teor: “No dia 26/04/2019, pelas 12h45, no meu Cartório Notarial (...) perante mim, respectiva Notária, reuniu a Assembleia Geral da M-SA. Estava presente: [o réu] na qualidade de Presidente da Mesa da AG da referida sociedade e de administrador único da SGPS.” (...) A sessão foi presidida pelo PM da AG, [o réu] (...). O PM da AG verificou que a sociedade sua representada é a única accionista da M-SA, detendo a sua representada 150 mil acções, com o valor nominal de 750.000€. Como representante da accionista única decidiu reunir, sem observância de formalidades previstas, ao abrigo do artigo 54, ex vi artigo 377/1 do Código das Sociedades Comerciais, e que a acta da mesma fosse lavrada por Notário, em instrumento avulso, nos termos do artigo 63/6 do CSC, tendo manifestado a vontade de que a assembleia se constitua e delibere sobre os seguintes pontos: Ponto 1: Destituição, com efeitos a partir de 26/04/2019, [do autor] do cargo de membro do Conselho de Administração da sociedade. Ponto 2: designação (para completar o mandato em curso), de FRC, para o exercício do cargo de membro do CA da sociedade. O PM da AG declarou validamente constituída a reunião em AG e aberta a respectiva sessão. Dada a conexão entre os dois pontos, decidiu serem os mesmos apreciados e decididos em conjunto. Considerando que: (a) Nos termos do contrato de Sociedade o CA é composto por dois administradores; (b) O CA da Sociedade é composto actualmente pelos [autor e réu]; (c) Desde já há algum tempo, não existe qualquer intervenção construtiva, contributo, definição de directrizes ou trabalho prestado pelo [autor] na gestão da Sociedade, nomeadamente no que toca a: apresentação de propostas para objectivos comerciais e estratégicos da Sociedade; análise da actividade, mercado e sector em que a Sociedade se insere, bem como de eventos susceptíveis de originar potenciais riscos que possam pôr em causa a continuidade da sociedade e intervenções ou sugestão de medidas a esse respeito; análise e mensuração dos possíveis impactos de potenciais riscos e/ou de eventos inesperados, no seguimento da tomada de conhecimento dos mesmos e contributos quanto a possíveis soluções e alternativas, designadamente para recuperação de perdas de facturação; definição, acompanhamento e controlo da execução das medidas de gestão e de directrizes de administração e consequente avaliação da sua eficácia; avaliação periódica das estratégias adoptadas e apresentação das propostas de alteração que se mostrem necessárias; (d) O [autor] tem vindo a perturbar reiteradamente os trabalhadores da Sociedade, criticando e desvalorizando sem critério a situação actual da Sociedade e a continuidade da respectiva actividade, o que tem contribuído para destruir valor e para a criação de um sentimento de insegurança e desconforto dos trabalhadores; (e) O [autor] tem demonstrado directamente a vários trabalhadores da Sociedade a sua indisponibilidade para a resolução de quaisquer situações que pudessem estar relacionadas com a continuidade da actividade da Sociedade, intitulando-se, junto dos mesmos, “administrador não executivo”, sem correspondência com as obrigações que assumiu quando foi eleito para o cargo; (f) O [autor] tem-se vindo a aproveitar, em benefício próprio, de bens da Sociedade e a utilizar, abusivamente, os poderes de que dispõe; (g) O [autor] requereu e viu ser-lhe deferida a passagem à situação de reforma, não tendo dado conhecimento de tal facto à Sociedade; (h) A gestão corrente da Sociedade tem vindo a ser assegurada pelo [réu], com o auxílio da directora da Sociedade, FRC, sem qualquer contributo válido ou construtivo do [autor], que recusa o diálogo a este respeito e, por várias vezes, manifestou o seu propósito de terminar a actividade, fechar e liquidar a Sociedade; (i) A manutenção do [autor] enquanto administrador representa uma contingência séria para o desenvolvimento presente e futuro da actividade da Sociedade para a preservação dos seus activos, decide a accionista única: (a) destituir, com efeitos a partir do presente dia 26/04/2019, o [autor] do cargo de membro do CA da Sociedade. (b) designar (para completar o mandato em curso), FRC (...) para o exercício do cargo de membro do CA da Sociedade, de forma a perfazer o número de administradores fixado no contrato. Nada mais havendo a tratar, o PMAG deu por terminados os trabalhos às 13h45. (...)" 32\ Como consequência, foi decidido julgar “a presente acção procedente e em consequência: i\ declaro nulas as deliberações do administrador único da M-SA tomadas no dia 26/04/2019, nos termos da qual decidiu convocar e reunir a assembleia geral da M-SA e proceder à destituição do autor do cargo de administrador e nomear em sua substituição FRC; ii\ declaro nulas as deliberações da assembleia geral da M-SA, tomadas no dia 26/04/2019, nos termos das quais foi o autor destituído e nomeado em sua substituição FRC; 33\ Inconformada, a M-SA interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que em acórdão de 11/01/2022, veio a confirmar in totum a sentença recorrida. 34\ Tal aresto transitou em julgado no dia 16/02/2022. 35\ Em particular, foi considerado no dito aresto que “Desde logo, quando a convocação da Assembleia Geral da M-SA padece de nulidade, por ter sido tomada pelo Administrador Único extravasando as competências que lhe são atribuídas por Lei (e por preceitos imperativos desta), forçoso é concluir que a deliberação da Assembleia Geral da M-SA padece ela própria de nulidade, por ter na sua génese tal vício, configurando, no caso concreto, o abuso de Direito na vertente de violação do administrador dos deveres que lhe são impostos pelo art.º 64 do CSC, ao agir abusando das competências que lhe estão atribuídas por Lei, integrando-se assim na previsão da alínea (d) do art.º 56 do CSC: “cujo conteúdo, directamente ou por actos de outros órgãos que determine ou permita, seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios.” 36\ Os réus assim o fizeram com intuito de prejudicar o autor (e sua filha, que era trabalhadora da M-SA) e com a manifesta intenção de beneficiar a filha do réu, FRC. 37\ A administradora nomeada, na altura com 25 anos acabados de completar, não tinha qualquer experiência profissional de gestão de empresas. 38\ A empresa tinha à data um quadro de pessoal de vinte pessoas e considerável património. 39\ O réu não convocou antecipadamente o autor para a reunião da assembleia geral. 40\ Nem lhe deu previamente a conhecer que iria reunir a assembleia geral para o destituir. 41\ Tendo agido de forma oculta. 42\ Só em 08/05/2019 – 12 dias após a deliberação de destituição e 8 dias passados sobre a reunião da Assembleia Geral de 30/04/2019 – o réu enviou ao autor um email, comunicando a sua destituição acompanhada da respectiva cópia do texto integral que havia enviado também através de carta registada com aviso de recepção, anexando cópia da acta da Assembleia Geral onde a mesma havia sido por ele deliberada. 43\ O réu ordenou adicionalmente que o autor deveria proceder à entrega de todos os bens propriedade da sociedade que se encontravam na sua posse estabelecendo o prazo de entrega para tal e nomeando a funcionária à qual estes deveriam ser entregues. 44\ Tudo com a correspondente subscrição da nova administração composta pelo pai e filha, RC e FRC. 45\ Este email, completo com os ditos anexos, foi enviado em conhecimento para os endereços contabilidade@ e fin@ utilizados por trabalhadores da sociedade. 46\ Pretenderam dessa forma retirar-lhe o benefício de utilização dos 2 carros que lhe estão atribuídos, a par dos dois atribuídos ao réu. 47\ Foi desde sempre acordado entre os dois irmãos que seriam atribuídos 2 veículos a cada um para utilização de acordo com as suas conveniências pessoais. 48\ Viu-se o autor privado de usufruir daquele benefício e obrigado a prescindir da utilização dos dois veículos que ao tempo lhe estavam atribuídos, na medida em que deixaram de ter a sua situação regularizada, em termos de seguros e de inspecção obrigatória, não podendo, por isso, circular legalmente. 49\ Do que advieram prejuízos e despesas acrescidas para o autor, que teve de adquirir um veículo próprio para as suas deslocações. 50\ A 07/05/2019, o réu e sua filha FRC comunicarem à filha do autor, FC, a extinção do posto de trabalho desta na M-SA através de email que também enviaram com os referidos endereços em conhecimento. 51\ O autor, na qualidade de Presidente da mesa da assembleia geral da SGPS, voltou a convocar nova Assembleia Geral, que se realizou a 11/06/2019, tendo como ponto único de ordem de trabalhos: Discutir e deliberar sobre a destituição do [réu] do cargo de administrador da sociedade, com fundamento em justa causa. 52\ Depois de ter recebido a convocatória para essa Assembleia Geral, o réu cedeu o usufruto das suas acções na SGPS à filha FRC, para que esta pudesse votar, tendo a respectiva escritura de constituição de usufruto temporário sido outorgada em 04/06/2019. 53\ Munida dessa escritura, FRC compareceu naquela Assembleia Geral e, valendo-se da sua novel qualidade de usufrutuária, pôde votar e fê-lo contra a referida deliberação que, por isso, não foi aprovada. 54\ O autor sentiu desgosto e sofrimento profundos sentidos por qualquer homem de bem, honrado e trabalhador, que, ao cabo de mais de 40 anos do seu desempenho profissional. 55\ 56\ O afastamento da gestão da sociedade, de cariz familiar e à qual o ligam também laços de natureza afectiva na medida em que foi fundada pelo seu pai, a quem sempre acompanhou e com quem aprendeu os meandros do negócio, que também é seu e que viu crescer e prosperar com a sua contribuição e esforços causou-lhe angústia e tristeza. 57\ A M-SA (estava escrito SGPS, o que é lapso evidente - TRL) perdeu valor comercial, tendo perdido representações, fornecedores, clientes e trabalhadores após a nomeação da nova administração. 58\ O réu pretendeu arredar o autor da sociedade de forma a coarctar-lhe todo e qualquer poder ou sequer influência nos destinos das sociedades. 59\ A M-SA foi constituída em 1976 por MC (pai do autor e do réu), tendo como actividades principais o comércio de peças e acessórios para veículos de duas rodas, bem como a comercialização destes e resulta da transformação em sociedade de uma empresa em nome individual iniciada há 80 anos por MC. 60\ A dita sociedade foi criada e mantida com cunho eminentemente familiar pelo pai, como forma de prover ao sustento e criação de riqueza para a família e ser por isso mesmo um património a deixar para os seus filhos e gerações vindouras. 61\ Como reflexo desta estrutura familiar, a sociedade tinha três administradores - pai, autor e réu. 62\ Sempre foi prática da empresa e seus sócios que todas as decisões fossem tomadas e assumidas por todos os sócios, especialmente as mais relevantes para a sua vida, como operações relativas ao seu capital, instalações, desenvolvimento de linhas de negócio, e equipamentos necessários ao seu funcionamento. 63\ Este quadro de empresa familiar não se alterou com a criação da SGPS, que teve lugar no ano de 1995. 64\ Ficou perfeitamente assente e acordado entre todos os accionistas que o modus faciendi da actividade empresarial não se alteraria - como não alterou durante largos anos. 65\ O capital social da SGPS era detido exclusivamente pelo autor, réu e seu pai. 66\ Em partes rigorosamente iguais. 67\ E a administração da SGPS foi deixada a cargo de um só administrador, o réu. 68\ Concomitante com a escritura de constituição da SGPS, foi outorgada uma procuração na qual foram conferidos ao autor amplos poderes para agir em representação daquela sociedade. 69\ Tendo o autor ficado com o cargo de Presidente da Mesa da Assembleia Geral. 70\ Todas as decisões, quer na SGPS, quer na “operacional M-SA”, eram tomadas de comum acordo entre todos e todo o capital era detido em partes iguais. 71\ Como continuou a ser após a morte do pai. 72\ Com efeito, a partir da morte deste, o capital social passou a pertencer em exclusivo ao autor e ao réu, em partes iguais (50% - 50%). 73\ Os resultados positivos da sociedade foi o resultado do esforço de distribuição e captação de clientes e vendedores em Portugal desenvolvido pelo pai e, depois, pelo autor, sendo que o réu, por vocação, se dedicava mais à monitorização da actividade desenvolvida pelos outros dois, sempre só a partir do escritório da sociedade. 74\ O volume de vendas da M-SA registado ao longo dos anos foi de: 2012 - 3.589.683 €; 2013 - 3.554.809 € 2014 - 3.996.463 € 2015 - 4.000.735 € 2016 - 3.438.668 € 2017 - 3.414.380 € 2018 - 2.654.170 € 2019 – 1.779.680 € 75\ E os resultados líquidos do exercício foram: 2012 – 98.882€ 2013 – 109.391€ 2014 – 157.495€ 2015 – 132.842€ 2016 – 45.594€ 2017 – 12.651€ 2019 – (negativo) 69.262€. 2020 – 89.047€ para o qual contribuiu um resultado extraordinário e irrepetível, resultante de uma compensação por decisão unilateral do fornecedor de cessação de representação – Produtos Bridgestone, no valor de 212.927,41€. 76\ De acordo com a acta da reunião da Assembleia Geral da M-SA realizada a 07/01/2022, o contabilista certificado […] confirmou que, à data de 30/11/2021 […] o valor de vendas e prestação de serviços encontrava-se em cerca de 877.000€. 77\ A M-SA perdeu a representação da Ky. 78 \ O autor passou a sofrer de ansiedade, alterações do sono e do humor, sintomas que o levaram a recorrer a acompanhamento clínico. 79\ Por força de todo o processo conducente à destituição e tudo o que a circundou, pelos factos e acusações que lhe foram dirigidos, o autor passou a sentir-se, não só muito desgostoso como também com um profundo sentimento de revolta e mágoa. 80\ O autor sempre viveu uma vida honrada, sem qualquer problema de qualquer ordem, bem integrado na comunidade perante a qual sempre fez questão de aparecer e de gozar da consideração devidas a um homem honrado, capaz e trabalhador, tendo sempre demonstrado as mais elevadas capacidades e habilitações para gerir uma empresa durante mais de 40 anos. 81\ Ademais, sempre prezou a consideração social de que gozava graças à sua impoluta postura de homem de valores morais que sempre o nortearam. 82\ Possuidor desta conduta e deste perfil de personalidade teve de suportar ser confrontado com uma acusação de uma suposta “justa causa” de destituição, mas ainda assim humilhante e vexatória sendo ademais publicitada a cessação de funções por “destituição” e assim se manteve desde Abril de 2019 até ao trânsito em julgado da sentença que ocorreu em Fevereiro de 2022. 83 \ A SGPS, segundo últimas contas aprovadas relativas ao exercício de 2017, tem um capital próprio de 2.875.937,31€. 84 \ A M-SA, segundo as últimas contas aprovadas relativas ao exercício de 2019 tem um capital próprio de 4.574.189,37€. 85\ De acordo com as últimas contas elaboradas pela administração da M-SA, esta tem em “disponibilidades de caixa” a soma de 2.445.294€. 86\ No respeitante à rúbrica “outros rendimentos em espécie cf. art.º 24 IRS” constam dos registos contabilísticos da sociedade que o autor (à semelhança do outro administrador, o réu) recebia anualmente a verba de 1.015€ a título de “outros rendimentos em espécie” e ao abrigo do disposto no art.º 24 do Código IRS, que deveriam ter sido pagos até 31/12/2019. 87\ Uma das componentes de retribuição do cargo de administrador era o pagamento do prémio de seguro de saúde que foi cortado ao autor, sem qualquer aviso prévio. 88\ Em consequência, o autor teve de contratar outro seguro de saúde, para o que teve de despender as quantias de 165€, 159,62€ e 36,05€ no período de 25/10/2019 a 31/12/2019. 89\ O réu sempre participou de forma activa e proactiva nesse mesmo esforço no desenvolvimento das sociedades. 90 \ O autor sempre desempenhou a sua actividade diária no principal armazém da sociedade, situado na Rua C, em Lisboa. 91\ Local onde tratava da expedição da mercadoria, da relação com os clientes, acompanhamento de comerciais. 92\ Por motivos não apurados, FC desentendeu-se com ROC. 93\ FC queixou-se junto do autor, que, acto contínuo, manifestou ao mencionado ROC o seu desagrado pelo modo como o mesmo terá alegadamente agido perante a sua filha, solicitando ainda ao réu a sua intervenção neste assunto. 94\ Perante a recusa do réu em intervir o autor ficou ofendido com o mesmo, iniciando-se o conflito familiar. 95\ FRC integrou a M-SA em Fevereiro de 2018. 96\ FRC é licenciada em Economia e mestre em Finanças, contando, ainda mesmo antes de se tornar trabalhadora da M-SA, no respectivo curriculum vitae, com a actividade de consultora da Polícia Judiciária, Forensic Senior Analyst da KPMG Portugal, tendo igualmente colaborado com a KPMG UK em projectos baseados e sedeados em Edimburgo e Londres e de Forensic Senior Consultant da PWC Portugal. 97\ ROC deixou de prestar trabalho à M-SA a partir do dia 11/07/2018 por motivos e interesses profissionais. 98\ Correu termos no Juízo de Comércio de Lisboa – Juiz 1, proc. 20063/21.4T8LSB, processo em que figurava o autor como autor e a SGPS como ré, acção especial de nomeação de órgãos sociais. 99\ O autor tem em sua posse o livro de actas da SGPS, recusando, após devida e repetida interpelação, a fornecer ou devolver o mesmo ao local onde pertence por direito próprio, a sede social da SGPS. 100\ A 23/03/2022 foi liquidada [ao autor] a quantia líquida de 16.341,25€, correspondente ao valor de 31.090€ depois de deduzidos os respectivos impostos sobre o rendimento de pessoas singulares e contribuições para a Segurança Social, quantia essa que diz respeito às retribuições devidas pelo exercício do cargo de administrador da M-SA desde a data da cessação de funções de administrador da dita sociedade até final do mandato, 31/12/2019. * Da impugnação da decisão da matéria de facto Dizem os réus que o objecto dos autos consiste em decidir se existiu, ou não, violação de direitos subjectivos do autor, isto é, saber se o autor sofreu danos não patrimoniais que imponham a tutela (artigo 496 do Código Civil); sendo este o objecto da acção, os factos provados 54 a 58 e 78 a 81, constituem matéria de direito, insusceptível de ser incluída na fundamentação de facto da sentença (artigo 607, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil), pelo que os mesmos devem ter-se por não escritos, pois a questão a decidir nos autos, está, precisamente, dependente do significado real das expressões que constam deles: desgosto, sofrimento, homem de bem, honrado e trabalhador, imagem e reputação, afastamento, laços de natureza afectiva na medida em que foi fundada pelo seu pai, meandros do negócio, que também é seu e viu crescer e prosperar, contribuição, esforços, angústia e tristeza, perdeu, valor comercial, representações, fornecedores, clientes e trabalhadores, pretendeu arredar, coarctar todo e qualquer poder ou sequer influência nos destinos das sociedades, ansiedade, alterações do sono e do humor, acompanhamento clínico, desgostoso, profundo, sentimento de revolta e mágoa, vida honrada, bem integrado na comunidade, gozar da consideração devida a homem honrado, capaz e trabalhador, mais elevadas capacidades e habilitações, impoluta postura de homem de valores morais que sempre o nortearam. Apreciação: Lebre de Freitas ensina (A acção declarativa comum…, 5.ª edição, 2023, Gestlagal, respectivamente páginas 232, 233, 232, nota 42, 233-234, notas 45 e 46 e também nota 9 da pág. 175, e Introdução, n.º II.5 (3), pág. 158 da 5.ª edição de 2023 da Gestlegal, e A confissão, n.º 4.2.3, páginas 52 a 55 da edição de 1991 da Coimbra Editora) que “a norma jurídica decompõe-se em previsão (hipótese de facto, fatispécie ou Tatbestand) e estatuição (efeito jurídico)”. “A previsão legal e, em certa medida, a própria estatuição recorrem, por sua vez, a tipos de facto, gerais e abstractos, e descrevem-nos utilizando conceitos de direito, que resultam do tratamento de outros tipos de facto por outras normas do sistema, como seu efeito jurídico. A pura descrição dos factos, a que depois, se aplica a norma jurídica, deve abstrair, não só do efeito da norma, mas também dos conceitos utilizados na operação de subsunção. […]” “O facto é um acontecimento ou circunstância do mundo exterior ou da vida íntima do homem, pertencente ao passado ou ao presente [em nota acrescenta: Também ocorrências virtuais (factos hipotéticos) podem, em certos casos, ser objecto de prova, embora constituam rigorosamente juízos de facto e não propriamente factos (João Antunes Varela, Manual de processo civil, 2ª edição, Coimbra Editora, 1985, páginas 408-409). […]], concretamente definido no tempo e no espaço e como tal apresentando as características de objecto (designadamente, da alegação processual e da prova feita em juízo).” “Mas - continua - […] na descrição corrente dos factos da vida são utilizados conceitos jurídicos vulgarizados […]. Por isso, é admissível a utilização, pelas partes nos articulados e pelo juiz na decisão de facto, de conceitos jurídicos simples e inequívocos, correntemente utilizados na linguagem vulgar, desde que não incidam sobre o ponto dúbio do litígio. […]” Para além disso lembra que “a pura descrição dos factos, a que depois, se aplica a norma jurídica” […] “não deixa [normalmente - TRL] de conter alguns conceitos também jurídicos. Assim, por exemplo, no caso de uma compra e venda, diz que “[a] descrição concreta da hipótese de facto do art.º 879 CC pode ser esta: A e B, no dia x, puseram-se de acordo em que a peça de mobiliário y, ao primeiro pertencente, passaria imediatamente a pertencer ao segundo, que, em contrapartida, entregaria ao primeiro, para lhe ficarem pertencendo, 10.000€.” Ora, acrescenta, são também conceitos jurídicos as expressões: “acordo, pertencente, pertencendo; de certo modo, entregaria”. Em suma: não tem sentido tentar afastar da descrição dos factos todo o tipo de expressões que podem ser, se se quiser, entendidas como conceitos de direito. O que importa é, por um lado, que essas expressões não sejam utilizadas na descrição dos factos que incidam sobre o ponto dúbio do litígio, e que, por outro lado, na descrição dos outros factos, sejam entendidos como descrição, com utilização de conceitos simples e inequívocos correntemente utilizados na linguagem vulgar, dos vários elementos típicos do facto. Ou, pondo em termos positivos o que consta do ponto IV do sumário da decisão singular do STJ de 24/02/2020, proc. 6516/18.5T8CBR.C1.S1, os enunciados que contribuam para a categorização ou compreensão intelectiva de determinada realidade de facto e estejam providos da objectividade necessária à identificação dos elementos individualizadores dessa realidade como espécie de facto singular, devem ser tidos como matéria susceptível de um juízo probatório factual. No caso das expressões colocadas em causa pelos réus, nenhumas delas são utilizadas nos conceitos de direito que constam da previsão do art.º 496/1 do CC: “danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” (é o que também diz o autor desta acção na resposta às alegações do recurso) e todas elas são conceitos simples e inequívocos correntemente utilizados na linguagem vulgar (é o que também diz o autor desta acção na resposta às alegações do recurso), para a descrição daquilo que aconteceu em concreto no caso. Em termos simples, não se vê como é que estes factos poderiam ser descritos de outra maneira. Mas há ainda que ter em conta que uma das normas a aplicar, no caso dos autos, é a do art.º 484 do CC: Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados. Ora, o facto provado sob 55 diz expressamente: a sua [do autor] imagem e reputação foram afectados. Pelo que se tem de reconhecer, em relação a este ponto de facto, que ele é apenas a reprodução, quase textual, dos conceitos jurídicos utilizados pela própria norma que decide o ponto dúbio do litígio e que aliás não são simples nem inequívocos. É assim matéria de direito e como tal não devia ter sido feita constar dos factos provados. Portanto, o ponto 55 da matéria dita de facto deve ser eliminado, porque é apenas matéria de direito. * Dos juízos conclusivos Na mesma linha do que dizem em relação à matéria de direito (tanto que citam acórdãos que apontam nesse sentido: ac. do TRG de 31/03/2022, proc. 294/19.8T8MAC.G1: IV – […] na fundamentação de facto da sentença apenas devem constar os factos julgados provados e não provados, dela devendo ser expurgados todos os que constituem matéria susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que engloba os juízos de valor ou conclusivos. V - Os factos conclusivos não podem integrar a matéria de facto quando estão directamente relacionados com o thema decidendum, impedem a percepção da realidade concreta, e/ou ditam por si mesmo a solução jurídica do caso, normalmente através da formulação de um juízo de valor; ac. do STJ de 29/04/2015, proc. 306/12.6TTCVL.C1.S1: […] II – A selecção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos. Caso contrário, as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante. […]), os réus entendem que um facto que tenha natureza conclusiva deverá ter-se por não escrito, sendo que, segundo eles, um facto tem natureza conclusiva quando, sendo claramente opinativo e valorativo, ou por isso mesmo, é, manifestamente, uma conclusão, ou um conjunto de conclusões que envolvem um juízo sobre um conjunto de factos, não constituindo um facto em si mesmo. E entendem que tal é o caso do que consta dos pontos sob 36, 37, 54 a 58 e 80 a 82 dos factos provados. Dizem relativamente a estes pontos que não existem nos autos quaisquer factos provados sobre os quais possa assentar as conclusões que constam deles, pelo que eles devem ter-se por não escritos. Isto à excepção do ponto 82, em relação ao qual dizem que ele deve ficar com a seguinte redacção: A destituição do autor por justa causa constou da certidão do registo comercial da M-SA entre as datas de Abril de 2019 e Fevereiro de 2022. Em relação a 37, acrescentam que existe um facto provado nos autos que põe em crise a conclusão que dele consta, que é o facto 96, que narra a experiência académica e profissional de FRC, contrariando a conclusão em como a mesma carecia de experiência. Em relação a 55, acrescentam que mesmo que constasse dos autos a opinião ou avaliação social de terceiros em relação ao autor, sempre se questionaria se essa avaliação ou opinião não passa de uma interpretação subjectiva de factos e, como tal, também ela uma própria conclusão. Em relação ao facto 57, acrescentam a conclusão é totalmente desprovida de sentido atento (i) o facto de a SGPS ser apenas uma sociedade de gestão de participações sociais, não prosseguindo, directamente, qualquer actividade comercial, sendo essa alegada perda impossível uma vez que não se pode perder aquilo que nunca se teve e (ii) o facto de a nova administração nunca ter sido nomeada para conduzir e gerir a SGPS. Em relação a 58, acrescentam que como o autor nunca deixou de ser accionista e titular de acções representativas de 50% do capital social da SGPS não se pode concluir que o réu pretendeu arredar o autor da sociedade. Em relação a 80, acrescentam que ficou provado [ou melhor: é um dos factos que os réus mais à frente pretendem aditar aos factos provados] que a quebra de vendas, perda de representações, fornecedores e clientes da M-SA teve início no período em que o autor exerceu as funções de administrador. Apreciação: Note-se que os réus não dizem que não há prova dos factos em causa, nem, salvo excepções que serão tratadas expressamente, põem em causa a prova indicada pela sentença para o efeito, nem indicam prova em sentido contrário, mas sim que não há factos provados que suportem as conclusões que dizem constar dos pontos de facto em causa. Pelo que, o que está em causa, na lógica dos réus, é a natureza conclusiva dos pontos de facto, que os réus afirmam ou pressupõem demonstrada; e como entendem que uma conclusão é uma conclusão jurídica, entendem que elas não são permitidas. Por isso, é que citam os acórdãos referidos, que se referem a conclusões jurídicas. Ora, uma conclusão jurídica é uma conclusão a que se chega com a aplicação dos factos a regras jurídicas; e não é nada disso que se passa nos factos em causa. O máximo que se pode dizer é que o tribunal recorrido chegou àqueles factos com base em conclusões extraídas das provas produzidas ou com base em juízos de presunção judicial permitidos pelas conclusões sobre factos instrumentais (parafraseou-se passagem de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. 2, pág. 705). Nos termos da já referida decisão singular do STJ de 24/02/2020, 6516/18.5T8CBR.C1.S1: “as ilações extraídas de determinados resultados probatórios ou de factos instrumentais no sentido da comprovação de factos essenciais, ainda que por via de uma inferência conclusiva, integram o próprio juízo de facto.” Ou nos termos do acórdão do STJ de 14/07/2021, proc. 19035/17.8T8PRT.P1.S1: Torna-se patente que o julgamento da matéria de facto implica quase sempre que o julgador formule juízos conclusivos, obrigando-o a sintetizar ou a separar os materiais que lhe são apresentados através das provas. Insiste-se: o que a lei veda ao julgador da matéria de facto é a formulação de juízos sobre questões de direito, sancionando a infracção desta proibição com o considerar tal tipo de juízos como não escritos. […N]ão pode perder‑se de vista que é praticamente impossível formular questões rigorosamente simples, que não tragam em si implicados, o mais das vezes, juízos conclusivos sobre outros elementos de facto; e assim, desde que se trate de realidades apreensíveis e compreensíveis pelos sentidos e pelo intelecto dos homens, não deve aceitar‑se que uma pretensa ortodoxia na organização da base instrutória impeça a sua quesitação, sob pena de a resolução judicial dos litígios ir perdendo progressivamente o contacto com a realidade da vida e assentar cada vez mais em abstracções (e subtilezas jurídicas) distantes dos interesses legítimos que o direito e os tribunais têm o dever de proteger. E quem diz quesitação diz também, logicamente, estabelecimento da resposta, isto é, incorporação do correspondente facto no processo através da exteriorização da convicção do julgador, formada sobre a livre apreciação das provas produzidas (ac. do STJ de 13/11/2007, proc. 07A3060). Ou ainda, nos termos do voto de vencido do ac. do STJ de 28/01/2016, proc. 1715/12.6TTPRT.P1.S1: [C]ertos elementos, apesar de algum pendor conclusivo, podem servir ainda assim para retractar a realidade, sendo facilmente apreendidos com esse sentido. Veja-se: o que consta de 36 é um evento do foro interno do réu, um facto interno, que é um facto como qualquer outro [neste sentido, Lebre de Freitas e Antunes Varela, obras e locais citados, e por exemplo, o ac. do STJ acabado de citar (de 14/07/2021, proc. 19035/17.8T8PRT.P1.S1): Este Tribunal tem afirmado que factos psicológicos podem ser alegados e objecto de prova: “à questão de saber se realidades de natureza psicológica podem ou não integrar realidades de facto tem a jurisprudência do STJ dado resposta positiva, considerando que “factos são não só os acontecimentos externos, mas também os estados emocionais e os eventos do foro interno, psíquico” (ac. do STJ de 17/12/2019, proc. 756/13.0TVPRT.P2.S1). […] [Os factos impugnados] “relevam para a dimensão do dano não patrimonial sofrido pelo autor, mas […] por si mesmos não determinam a solução do caso, porquanto no nosso sistema jurídico não basta, em regra, provar o dano ou a causalidade para que haja responsabilidade civil, sendo normalmente necessárias a ilicitude e a culpa do agente. Em suma, não vislumbramos nada de conclusivo na alegação do dano sofrido]; o que consta de 37 é um facto que se concluiu ter-se verificado com base na prova de factos instrumentais e que não têm de constar da discriminação dos factos provados (a discriminação a que se refere o art.º 607/3 do CPC, só diz respeito aos factos principais): se houve testemunhas ou documentos ou regras da experiência comum que permitem concluir que a filha do réu não tinha qualquer experiência de formação profissional, então o facto pode dar-se como provado. Também o que consta de 54, 56 e 57 são factos a que se chegou com base em factos instrumentais que existem ou não existem (é uma questão de prova e de impugnação da decisão da matéria de facto). O que consta de 58 é outro facto interno. Também são factos o que consta de 80 a 82. Assim, não há razão, por aqui, para eliminar tais factos nem para reduzir ou alterar a redacção do que consta de 82. Quanto ao mais: O facto 37 não é posto em causa pelo facto 96, já que dizem respeito a realidades distintas: o facto 37 fala da experiência profissional de gestão de empresas e o 96 fala da actividade dela como consultora e analista (o autor diz o mesmo nas contra-alegações do recurso). Quanto a 55, apesar de já estar eliminado, saliente-se que a argumentação dos réus revela que eles não põem em causa a existência de prova dos factos que suportam a matéria em causa. Quanto a 57 e 58, os réus tentam aproveitar-se de um erro evidente de redacção (no facto 57 foi trocado M-SA por SGPS, sendo que o facto 58 se refere ao facto 57) já corrigido oficiosamente. Quanto a 80: já que os réus não põem directamente em causa o facto 80, a decisão da questão passa, primeiro, por apurar se se pode dizer que está provado o que os réus dizem mais à frente, pelo que se relega para esse momento a decisão. * Os réus consideram incorrectamente julgado o facto provado 73, por estar em contradição com o facto 89, pelo que, no entender deles, o facto provado 73 deve ser considerado não provado. O autor responde, por um lado, que se verificasse a contradição assinalada, não haveria razão para que fosse o facto 73 a ser dado como não provado e que, para se ver que não há contradição, bastaria fundir numa só passagem as referências ao réu que constam desses dois pontos de facto; e diz que nesse sentido vai a fundamentação que o tribunal recorrido dá para a decisão. Apreciação: Não há realmente contradição, pois que o facto 89 surge como complemento da 1.ª parte do facto 73 e, por isso, a 2.ª parte do facto 73 não tem o sentido que lhe parece ser dado pela 1.ª parte do facto 73. Pelo que, em vez de ser contraditório com o facto 89, a 2.º parte do facto 73, devido ao facto 89, torna-se apenas a explicitação de como é que o réu participava no mesmo esforço que o autor. * Os réus entendem que os factos constantes dos artigos 290 e 291 da petição inicial do autor estão provados por força dos documentos 23 e 24 e porque o autor os confessou. Os factos são: 290: A 23/03/2022 foi liquidada a quantia líquida de 16.341,25€, correspondente ao valor de 31.090€ depois de deduzidos os respectivos impostos sobre o rendimento de pessoas singulares e contribuições para a Segurança Social e 291: Esta quantia recebida diz respeito às retribuições devidas pelo exercício do cargo de administrador da M-SA desde a data da cessação de funções de Administrador da dita sociedade até final do mandato, 31/12/2019. E dizem que estes factos são relevantes pois dos mesmos resulta que ao autor já foi paga a quantia de 31.090€, devida a título de remunerações que o mesmo presumivelmente receberia até ao final do período para que foi eleito administrador da M-SA, acrescida de juros de mora. O autor faz a precisão de que só pode ter confessado factos que lhe fossem desfavoráveis, pois é esse o sentido de qualquer “confissão” (art.º 352 do CC). Como esses factos foram alegados pelo autor não lhe são desfavoráveis nem podem constituir objecto de confissão. Por outro lado, diz que estes factos nada de novo trazem à decisão da causa. Por fim, a não se entender assim, então ter-se-á de dar como provado o que também consta do art.º 291 da PI, ou seja: que a cessação teve na sua base uma deliberação de destituição que foi declarada ilegal, nula e de nenhum efeito em consequência de sentença transitada em julgado no âmbito do processo 9679/19.9T8LSB. Apreciação: A precisão feita pelo autor é inócua. O que interessa é que ele não põe em causa que aqueles factos estejam provados, sendo que a prova deles é inequívoca, já que o autor os alegou e o réu não os pôs em causa, tanto que os está a tentar aproveitar. Por outro lado, também o acrescento que o autor propõe é inócuo, porque a matéria em causa já consta dos factos 29 e 30. Falta saber se os factos são relevantes. Para já vai presumir-se que sim, pelo que se decide pelo aditamento daqueles factos aos provados, como ponto 100, sem prejuízo de melhor estudo quando se estiver a decidir o recurso sobre matéria de Direito. * Os réus consideram, com base no depoimento de parte do réu, nas declarações de parte da legal representante da M-SA, FRC (filha do réu), e com base no depoimento da testemunha MA (mulher do réu) que o facto provado 73 devia ter sido dado como não provado e que as alegações de facto dadas como não provados sob (e), (f), (g), (h), (i), (j) e (o) deviam ter sido dadas como provados. Aquelas alegações de facto dadas como não provadas têm o seguinte teor: (e) Por negociação exclusiva do réu com a KI, após a realização de diversas viagens do mesmo para reuniões e visitas a diferentes fábricas, a M-SA torna-se, juntamente com Itália, no primeiro importador KI na Europa. (f) A KI España, à data designada KIM, foi criada e formalizada pelo réu, sendo o respectivo capital social dividido entre o mesmo e EK, detendo o autor, na presente data, o cargo de administrador. (g) Trata-se de uma sociedade extremamente bem sucedida, sempre no topo da tabela de vendas do mercado espanhol e com excelente facturação, apesar da ausência de intervenção, esforço e dedicação do autor na mesma, o qual permanecia, como permanece, totalmente alheio e distanciado dos negócios pese embora o cargo assumido. (h) Cabendo ao réu, e sempre, toda a responsabilidade na representação e definição do interesse de ambos no seio daquela sociedade, sendo ele, réu, o interlocutor, negociador, conhecedor e estratega. (i) O réu sempre foi o responsável por toda e qualquer negociação com fornecedores, assim como sempre foi o responsável pelas várias e variadas deslocações ao estrangeiro para visitas a feiras internacionais e outros compromissos profissionais, sendo, deste modo, o responsável pela obtenção de novas marcas para a M-SA. (j) Função que, em 2018, passou formalmente a desempenhar acompanhado da sua filha, FRC, a qual, e na verdade, desde muito nova sempre acompanhou o seu pai a estas reuniões e contactos com os fornecedores da M-SA; e (o) No processo de tomada de decisões estratégicas no seio do Conselho de Administração, a qual sempre foi levada a cabo pelo pai do autor e do réu e também por este, filho primogénito. Os réus acrescentam que a decisão recorrida considerou como provado o facto 73, com a fundamentação seguinte: […] E tendo presente tal objectivo, não temos dúvidas que a actuação de todos foi importante. Do pai e dos filhos, cujo esforço conjunto permitiu criar uma empresa sólida e reconhecida, como referiram as testemunhas ouvidas. Não só o trabalho e empenho de um, mas de todos. Cada um desempenhando o seu papel.» E considerou não provados as alegações dos factos referidos acima com a fundamentação seguinte: […] Quanto aos factos que se dão como não provados, entende o tribunal que não foi feita prova (nos termos supra exarados) sobre os mesmos sobre quem recaia o ónus da prova (art.º 342 do CC). Depois os réus dizem que as alegações de facto resultam claramente provadas por aqueles três elementos de prova pessoal de que passam a transcrever passagens em cerca de 24 páginas (48 a 72). Após os réus repetem que resulta claramente provado desses 3 elementos de prova que, contrariamente ao entendimento do tribunal, está provado o que consta daquelas alegações de facto. Acrescentam que, atenta a prova produzida, é insustentável dar como provado o que consta do facto 73, quando não é isso que resulta da prova gravada e quando nem sequer é isso que resulta da própria fundamentação de facto constante na decisão recorrida. Apreciação: Antes de mais note-se que tudo o que se deixa dito atrás, como alegações dos réus, foi tudo o que eles disseram sobre o assunto, e que se trata, claramente, de um círculo vicioso, sem uma linha sequer de qualquer argumentação a não ser a afirmação repetida de que da prova produzida – sendo que eles apenas referem aqueles três elementos de prova: réu, filha e mulher – resultam provadas as alegações de facto em causa e não provado o facto 73. Começando pelo facto 73, não é verdade que o tribunal apenas o tenha fundamentado com a passagem citada pelos réus. A fundamentação do tribunal foi, sim, a seguinte, na parte útil à questão: Em sede de audiência de julgamento teve o tribunal a oportunidade de ouvir e inquirir os principais envolvidos na situação ajuizada, o autor, a administradora da M-SA e o réu. Como não podia deixar de ser, cada uma das partes trouxe a juízo, e relatou os factos, que expressavam as posições processuais assumidas, sendo, porém, mais notório uma tentativa, pelos réus, de total desconsideração do autor e do seu contributo para o desempenho das sociedades durante o período em que as relações familiares seguiam a contento. A administradora da M-SA, FRC, referiu que tudo corria bem até 2015, data que corresponde à entrada da filha do autor, FC, na M-SA, balizando nessa data o início dos problemas familiares. Limitou-se a confirmar os factos a que foi ouvida e vertidos na contestação, desconsiderando o papel do autor, enaltecendo a posição do réu, seu pai, na determinação do sucesso das sociedades, declarando uma miríade de situações – alegado aproveitamento dos bens da empresa, manutenção do cartão de crédito (nunca usado anote-se), aquisição de carros pelo autor – querendo fazer perpassar a ideia de que o autor havia agido contra a prossecução de um interesse societário, sendo notório o desapreço que nutre por este. Declarações secundadas pelo réu, que a dado passo acaba por admitir que “ambos beneficiavam das mesmas regalias, na qualidade de administradores da M-SA”. Este prestou declarações de forma revoltada, tentando fugir às perguntas colocadas, respondendo às perguntas fazendo sempre as mesmas alusões, colado às declarações prestadas por FRC. As suas declarações afiguraram-se pouco isentas, sendo notória a grande litigiosidade existente entre os irmãos. As declarações do autor também foram litigiosas, sendo clara a animosidade existente, porém, a sua descrição dos factos é, quanto a nós, mais consentânea com as regras de experiência comum. Com efeito, a M-SA é uma empresa familiar, criada pelo pai do autor e do réu, com o intuito de gerar riqueza e para ser passada como legado para as gerações futuras. Nisso, todas as partes foram unânimes. E tendo presente tal objectivo, não temos dúvidas que a actuação de todos foi importante. Do pai e dos filhos, cujo esforço conjunto permitiu criar uma empresa sólida e reconhecida, como referiram as testemunhas ouvidas. Não só o trabalho e empenho de um, mas de todos. Cada um desempenhando o seu papel. E nisso parece-nos mais crível a imagem apresentada pelo autor, que disso mesmo deu nota, que todos geriam e todos administravam, e que as coisas só começaram a correr mal com a “entrada dos filhos”. E desenganem-se as partes se não cremos que a gestão é tão importante como o marketing, o apoio ao cliente ou as vendas. É a soma das partes que faz o todo. E essa paridade é notória nos benefícios atribuídos a ambos. Os dois tinham carros da empresa para seu uso, tinham despesas pagas, tinham seguros de saúde… […] […] Tudo são os benefícios que o autor e o réu retiravam em igualdade de circunstâncias pelo labor que desenvolviam a favor das sociedades, primeiro da M-SA e depois também da SGPS. […] […] Quanto a esta matéria também se valorou o depoimento da testemunha MBC, esposa do autor, que nos descreveu, de forma emotiva, mas credível, esta mesma realidade de igualdade entre os irmãos, de distribuição de tarefas, de paridade societária. […] No que concerne ao papel que cada um dos administradores desempenhava na M-SA o tribunal para além do que acima se deixa dito, valorou também o depoimento da testemunha CN, administrativa na M-SA, que nos descreveu esta dicotomia de funções, assegurando que se vivia “um ambiente de empresa familiar”, que era “uma empresa que tinha saúde financeira, muito movimento, facturavam muito”. O mesmo cenário apresentou a testemunha MJ, ex-técnica oficial de contas da M-SA. Uma empresa com bom ambiente familiar, com muitos clientes, com autor a desempenhar funções na área das vendas e acompanhamento de clientes e o réu na área de cobranças e pagamentos. […] Prestou um depoimento claro, conciso e concretizado, em nada prejudicado pelo facto de a testemunha ter tido um processo judicial contra a M-SA por despedimento ilícito. A testemunha AP, empresário e dono da L, descreveu o autor como sendo uma pessoa que “defendia os interesses da M-SA”, com ele tendo mantido uma relação profissional e de amizade sedimentada ao longo dos anos apesar de serem concorrentes no mercado. Referiu que a M-SA nunca teve problemas em cumprir os objectivos das marcas e não recorda qualquer problema com clientes. Depôs de forma idónea e isenta. Ora, sendo esta a fundamentação do tribunal, com recurso a vários elementos de prova, nenhuns indicados pelos réus, não vale como impugnação da decisão deste ponto de facto dizer que o facto não resulta da prova gravada nem da fundamentação de facto da sentença: os réus não dizem porque é que aquilo que foi dito pelas pessoas que depuseram sobre o assunto, inclusive duas testemunhas que não são o autor nem a mulher, não serve para prova do facto 73. Quanto às alegações de facto não provadas, os réus tentam prová-las apenas com os 3 elementos de prova pessoal já indicados (réu, filha e mulher), não indicando para o efeito qualquer outro elemento de prova, uma testemunha ou um documento que seja (e isto mesmo em relação a f\ e primeira parte de g\ cuja prova naturalmente deveria ser feita com um mínima de documentação). Ora, o que foi dito pelo réu, pela filha e pela mulher, sem qualquer apoio em qualquer documento apesar da matéria a que dizem respeito, nem apoio em qualquer outro elemento de prova, não convence minimamente do que consta daquelas alegações de facto: é fácil ao réu dizer que fez e está a fazer tudo, é responsável por tudo, tudo foi bem feito, tudo está a correr bem e é fácil à filha e à mulher confirmarem tudo isso, mas, para convencerem, tem de haver algum dado objectivo, independente do réu, da filha e da mulher, que também aponte no mesmo sentido. Ora, não há nenhum indicado. Isto para além de que mesmo a mulher e a filha do réu não invocam em concreto as razões pelas quais poderiam saber daquilo que falam, tanto mais que a mulher não trabalhava na M-SA e a filha só entrou para a M-SA em 2018. Mais ou menos no mesmo sentido vão as contra-alegações do autor. Em suma: não há razões para eliminar dos factos provados o facto 73 e não há razões para aditar aos factos provados as alegações de facto (e), (f), (g), (h), (i), (j) e (o). * Os réus consideram que os factos provados sob 54, 55, 56, 78 e 79 deviam ter sido dados como não provados. O concreto meio probatório que assim o imponha, segundo eles, é o depoimento da testemunha SIS. Dizem que o tribunal a quo considerou como provados estes factos com a fundamentação seguinte […] e passam a citar passagens de tal fundamentação que tratam de “outro grande tema do julgamento realizado”, qual seja “a mudança de rumo das sociedades e quais os factos/factores que estiveram na génese da actual trajectória descendente (que todas as testemunhas confirmaram e que resulta dos documentos coligidos nos autos).” Dentro das passagens citadas da fundamentação da convicção do tribunal, sobre este tema, constam os seguintes dois §§ que realmente se reportam a estes factos: Prova-se igualmente que este declínio [situação económico-financeira das sociedades] terá gerado no autor ansiedade e sentimento de impotência por nada poder fazer para inverter esta trajectória e evitar que o legado do seu pai fosse destruído. Ansiedade e depressão testemunhadas quer pela testemunha MBC, pela vivência diária que usufrui com o autor quer pela testemunha SIS, médico psiquiatra do autor. Depois os réus continuam com o seguinte: Isto é, a decisão recorrida, ao considerar como provados os factos, louvou-se nos depoimentos das testemunhas MBC e do médico SIS, pese embora a primeira das testemunhas seja mulher do autor, e pese embora nem sequer resulte estabelecido do depoimento da segunda testemunha qualquer nexo de causalidade entre os alegados factos ilícitos e os alegados estados de ansiedade e sentimento de impotência do autor. Testemunha esta (MBC) que, apesar de ter formalmente prestado o seu depoimento nos presentes autos na qualidade de testemunha, acabou, na verdade, atento o grau de parentesco que a liga ao autor e atento o facto de prestar depoimento em todas as acções judiciais (dezenas) instauradas pelo autor, por prestar, substancialmente, um «depoimento de parte», o que a torna, em boa verdade, uma verdadeira «testemunha profissional», não existindo qualquer tipo de credibilidade no seu depoimento. Por outro lado, os depoimentos das testemunhas CN, MJ e JA não têm qualquer credibilidade, muito menos aquela que a decisão recorrida lhes atribuiu, uma vez que essas testemunhas não passam de um «clube» ou «irmandade» de antigos trabalhadores formado pelo autor, inimigos dos réus, que se dedicaram à instauração de acções judiciais sem fundamento contra as SGPS M-SA ou que obrigaram a M-SA a instaurar acções judiciais contra os mesmos, e que se dedicam a prestar depoimento em todas (ou quase todas) as acções judiciais, incluindo processos-crime, instauradas pelo autor contra os réus. E como funciona esse «clube» ou «irmandade» de antigos trabalhadores formado pelo autor? Funciona de uma forma muito simples: os ex-trabalhadores são arrolados pelo autor como testemunhas; nesses depoimentos são maioritariamente narradas interpretações de factos que vão variando consoante o objecto do processo e consoante o interesse aí prosseguido pelo autor; nesses depoimentos o trabalho do réu é sempre desvalorizado; nesses depoimentos o suposto trabalho do autor é sempre valorizado; e nesses depoimentos é sempre assacada responsabilidade à administradora da M-SA pela situação económico-financeira das sociedades, pese embora seja evidente (analisada a prova documental) que a quebra de vendas, perda de clientes, fornecedores e representações comerciais se iniciou ainda quando o autor exercia as funções de administrador, e pese embora seja evidente (analisada a prova documental) que a quebra de vendas, perda de clientes, fornecedores e representações comerciais se iniciou antes da entrada de FRC na M-SA (ocorrida em 2018 e com nomeação para a administração ocorrida apenas em 26/04/2019). E tudo isto apesar de a testemunha JA ter deixado de prestar trabalho para a M-SA durante 2018, e apesar de a legal representante da M-SA, FRC, ter sido nomeada administradora apenas em 26/04/2019 (facto provado 7), isto é, em data posterior à cessação de funções por parte da aludida testemunha. E tudo isto apesar de a testemunha CN ter sido abrangida por procedimento de despedimento colectivo encetado pela M-SA e de a testemunha MJ ter instaurado no Juízo do Trabalho de Lisboa acção contra a M-SA e SGPS para reconhecimento da existência de contrato de trabalho e pagamento de supostos créditos laborais no montante de cerca de 250.000€, a qual foi julgada totalmente improcedente. Assim, é por demais evidente que apesar de terem prestado depoimento, nos presentes autos, formalmente, na qualidade de testemunhas, os ex-trabalhadores CN, MJ e JA, que são membros activos do «clube» ou «irmandade» de ex-trabalhadores da M-SA acabaram por prestar, substancialmente, um «depoimento de parte», o que, naturalmente, retira qualquer credibilidade aos respectivos depoimentos. Assim, os factos 54, 55, 56, 78 e 79 resultam não provados, atento o disposto no artigo 342/1 do Código Civil, desde logo, por força (ou por falta dela) do depoimento da testemunha SIS. E depois de citarem passagens de tal depoimento concluem: Aqui chegados, na verdade, o que resulta do depoimento é que o (suposto) diagnóstico de ansiedade, alterações do sono e do humor teve por base as declarações prestadas pelo próprio autor à testemunha, e não uma constatação de sintomas e sinais específicos por recurso às legis artis médicas. Na verdade, do depoimento da acima mencionada testemunha não se retira qualquer nexo de causalidade entre, por um lado, a destituição do autor e os supostos actos de má gestão praticados pelo réu e, por outro lado, e a (suposta) ansiedade, alterações do sono e do humor. E, na verdade, esta mesmíssima testemunha, quando inquirida no âmbito do processo 563/21.7T9LSB, processo que corre termos no Juízo Local Criminal de Lisboa – Juiz 4, em que o autor é assistente e o réu é arguido, afirmou que a causa desses alegados sintomas do autor no recebimento de emails… Assim, os danos que o autor alegadamente sofre têm diferentes fontes, consoante o interesse e o processo judicial em questão… O autor contrapõe quanto a isto além do mais o seguinte: A ignorância é, quando ignorada pelo próprio ignorante, muito atrevida. O que os réus alegam sobre a testemunha Dr. SIS, reputado Médico Psiquiatra da nossa praça com largos anos de impoluta prática clínica nos nossos hospitais, é o mais claro exemplo […]. Os réus desconhecem, decididamente por aos mesmos não se conhecer qualquer competência na área da medicina, que qualquer diagnóstico clínico assenta preciosamente na anamnese, na história clínica, ou seja, dito por outras palavras, no que o paciente conta ao seu médico. São os chamados sintomas. E sintomas são um “Fenómeno provocado no organismo por uma doença e que é sentido pelo doente. Os sintomas, ao contrário dos sinais, são essencialmente subjectivos. É em grande parte pelo conjunto e pela sucessão dos sintomas e dos sinais que se diagnosticam as doenças.” In Dicionário Enciclopédico de Medicina, A. Céu Coutinho, 3ª ed., 1978, 2122. São, portanto, os sintomas (queixas do próprio doente ou transmitidas por outrem nos casos em que o próprio doente está impedido de o fazer) a base do juízo que guia o clínico em direcção ao diagnóstico e à consequente e almejada terapêutica. Nada mais será preciso acrescentar para elucidar os réus quanto ao rigor da testemunha Dr. SIS na aplicação da legis artis médica, rigor esse que foi, de forma insultuosa, posto em causa pelos réus de passo que tentavam extrair conclusões tergiversadas do trecho que eles mesmos transcreveram do depoimento desta testemunha. De resto, analisando todo o depoimento do Dr. SIS extrai-se que esta testemunha disse, enquanto médico e no exercício da medicina, o que lhe competia dizer em relação a um seu doente sem entrar em campo reservado ao segredo profissional. E, portanto, disse que os sintomas que o paciente lhe relatou e da observação que fez são compatíveis com uma determinada patologia. Apreciação: O que está em causa nos factos 54 a 56, 78 e 79 são os danos não patrimoniais do autor devido à actuação dos réus. Não têm nada a ver com a matéria de facto a que se referem os réus quando põem em causa o depoimento das testemunhas CN, MJ e JA, isto é, com “a mudança de rumo das sociedades e quais os factos/factores que estiveram na génese da actual trajectória descendente. É, por isso, totalmente irrelevante tudo o que os réus dizem sobre a questão e sobre o depoimento das testemunhas (sendo por isso também irrelevante a resposta do autor nesta parte). Isto para além de estar errada a argumentação dos réus relativamente a estas testemunhas, porque o que eles alegam sobre a matéria tem a ver com a credibilidade das testemunhas, pelo que deviam ter deduzido a questão em incidente de contradita e não fizeram. Para além de se referirem a matéria que teria de constar de documentos que não foram nunca apresentados (é também o que o autor diz, no essencial). Sendo que os réus têm perfeita consciência disto tudo porque começam por dizer que “o concreto meio probatório que assim o impunha [dar como não provados os factos] é o depoimento da testemunha SIS”, depois invocam dois §§ da fundamentação do tribunal a dizer claramente que relativamente a esta matéria o tribunal só se serviu do depoimento da mulher do autor e do do médico, depois continuam a argumentação com um § reconhecendo isto mesmo e terminam a argumentação com 5 §§ em que referem que os factos em causa (não) estão provados por força do depoimento do médico. Resta então o que os réus dizem sobre o depoimento da mulher e sobre o depoimento do médico. Quanto ao depoimento da mulher do autor, vale de novo o que se acabou de dizer: o que os réus atacam é a sua credibilidade, com base em argumentos que teriam de ser deduzidos em contradita e baseados em documentos, que não deduziram nem apresentaram, sendo portanto inócuo tudo o que dizem a respeito. Quanto ao depoimento do médico, parte da argumentação dos réus tem de novo a ver com a credibilidade do que ele diz, valendo, quanto a isto, o que se acabou de dizer quanto à mulher (o autor também refere isto nas contra-alegações). Quanto à parte restante que dedicam ao depoimento do médico, vale evidentemente o que foi dito pelo autor, sendo que as passagens citadas de tal depoimento pelos réus confirmam, ao contrário do que os réus defendem, o valor deste depoimento que lhe foi dado pela sentença recorrida. Pelo que também aqui improcede a impugnação da decisão da matéria de facto (sem prejuízo do ‘facto’ 55 já ter sido eliminado). * Do recurso sobre matéria de Direito Da prescrição A sentença recorrida tem a seguinte fundamentação de Direito, quanto à prescrição: Prevê o art.º 498/1 do CC que: o direito de indemnização prescreve no prazo de 3 anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso. Ora, a lesão ocorreu em 26/04/2019 data da deliberação que procedeu à destituição do autor, tendo este tido conhecimento da pelo menos a partir de 29/04/2019, data do registo público. A presente acção entrou em juízo em 06/04/2022, tendo os réus sido citados em 27/04/2022. Sem mais considerações, facilmente se constata que o direito do autor não se encontra prescrito (mesmo sem contabilizar o regime excepcional de suspensão da prescrição estabelecido devido à pandemia do Covid19). Os réus dizem o seguinte contra isto: 38\ Atento o exposto nos artigos 195, 228, 229, 231, 232 e 233, da petição inicial, é por demais evidente que a causa de pedir consistiu na alegação da prática de factos ilícitos e culposos por parte dos réus, susceptíveis, em abstracto, de fundar a obrigação de indemnização por responsabilidade civil, em momento anterior ao ano de 2019. 39\ Nos termos do disposto no artigo 498/1 do CC, este alegado direito do autor a indemnização há muito se encontra prescrito, uma vez que, por um lado, de acordo com a alegação oferecida pelo autor, naqueles artigos da PI, desde, pelo menos, o ano de 2015 que o réu e a administradora da M-SA (que não é parte na acção e só entrou na M-SA em 2018), vêm, em abstracto e na tese do autor, alegadamente praticando factos ilícitos e culposos subsumíveis ao instituto da responsabilidade civil extracontratual, e uma vez que, por outro lado, a presente acção deu entrada em juízo no dia 06/04/2022. O autor contrapõe que: O objecto da acção (integrado pelo pedido e pela causa de pedir) radica, todo ele, num conjunto de deliberações que foram tomadas no dia 26/04/2019. Tudo o demais que é alegado pelo autor, em particular os factos que se localizam antes daquela data, apenas têm como função e utilidade providenciar um enquadramento dos danos que se vieram a verificar a partir dessa data. O facto ilícito ocorreu em 26/04/2019, pois é com a deliberação dessa data que se cristaliza a prática do acto ilícito que veio a produzir os danos. O direito de indemnização é formado por um conjunto dos pressupostos: apenas no momento em que o lesado toma conhecimento de todos estes pressupostos (ainda que desconheça a identidade do causador e da extensão dos danos) é que começa a correr o prazo de prescrição. Ou melhor, só após a realização de outra assembleia geral, a de 30/04/2019, é que o autor tomou conhecimento da deliberação que promoveu a sua destituição. Portanto, o prazo de prescrição apenas começou a correr a partir do dia 30 ou, no pior dos cenários, a 26/04/2019. São apenas os danos causados pelas deliberações de Abril de 2019 que o autor invoca nesta acção como fundamento da obrigação de indemnizar. Os restantes danos, e não só reportados a períodos anteriores a Abril de 2019, pois que também se foram verificando ao longo do tempo não são objecto desta acção. Apreciação: Tendo a acção apenas por fim, como consta expressamente do pedido, uma indemnização por “danos de natureza patrimonial e não patrimonial provocados pela promoção e realização ilícita e dolosa de deliberação tendente à sua destituição” deliberação que ocorreu a 26/04/2019, no máximo apenas a partir de 26/04/2019 se podia ter iniciado o prazo de prescrição de 3 anos previsto art.º 498/1 do CC desse direito, pois que este não se pode ter formado antes. Tendo a acção sido intentada a 06/04/2022 e interrompendo-se a prescrição pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente, ou se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida (sendo implicitamente requerida com a PI), por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias (art.º 323/1-2 do CC), conclui-se que, no caso dos autos, em que nada se sabe porque é que a citação não ocorreu antes e por isso não pode ser imputável ao autor, a prescrição tem-se por interrompida a 11/04/2022, muitos dias antes dos 3 anos contados desde 26/04/2019. Pelo que é a sentença está certa. * Da responsabilidade civil Quanto ao mais, a sentença recorrida tem a seguinte fundamentação de Direito, em síntese: Os réus agiram de forma ilícita quando destituíram o autor da forma como o fizeram (alias o que foi reconhecido por decisão judicial quanto à ilegalidade do procedimento). E culposa porquanto era-lhes exigível actuação diversa na conformação da sua actuação. Com esta actuação violaram direitos pessoais do autor – direito à realização pessoal e o direito à integridade psicológica e física. Causando-lhe danos quer patrimoniais – traduzidos nas retribuições que este deixou de auferir e prejuízos – e danos não patrimoniais – traduzidos no sofrimento e angústia pela destituição injustificada, no desespero e sentimento de impotência ao ver o legado do pai a ser destruído sem possibilidade de intervenção. Danos esses que não teriam ocorrido não fora a lesão consumada. Pelo que se mostram reunidos os pressupostos para que seja arbitrada uma indemnização ao autor Quanto aos danos patrimoniais, pede o autor: o pagamento de 1.015€ a título de “outros rendimentos em espécie” e ao abrigo do disposto no art.º 24 do Código IRS, que deveriam ter sido pagos até 31/12/2019; os valores pagos a título de contrato se seguro contratado - as quantias de 165€, 159,62€ e 36,05€; e juros de todos os salários e demais retribuições com os correspondentes juros, retribuições estas que deveriam ter sido pagos mensalmente desde final de Maio de 2019 até 31/12/2019 sobre os valores ilíquidos devidos; tudo no valor de 4 615.17€. Atenta a factualidade apurada, o autor tem direito ao ressarcimento destes valores, sendo que os juros devem ser contabilizados sobre o valor líquido a receber, por ser este o valor que deveria ter sido pago em cada momento ao autor. Danos não patrimoniais Existe um dano não patrimonial sempre que é ofendido objectivamente um bem imaterial, cujo valor é insusceptível de ser avaliado pecuniariamente, sendo certo que a indemnização visa proporcionar ao lesado “uma compensação ou benefício de ordem material (a única possível) que lhe permita obter os prazeres ou distracções, porventura de ordem espiritual, que, de algum modo, atenuem a sua dor” - cf. Pessoa Jorge, Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, 1972, pág. 375. Atento o exposto, na fixação da indemnização determina o artigo 496/3 do CC, que se atenda à equidade, ou seja, no caso concreto, a solução mais ajustada e consentânea da busca da justiça material. Entendemos, como alguma mais recente jurisprudência que, a compensação deve ser expressiva e não simplesmente simbólica. Assim, considerando os danos que se provam: ansiedade, alterações do sono e do humor, sintomas que o levaram a recorrer a acompanhamento clínico; por força de todo o processo conducente à destituição e tudo o que a circundou, pelos factos e acusações que lhe foram dirigidos, o autor passou a sentir-se, não só muito desgostoso como também com um profundo sentimento de revolta e mágoa; o autor sempre viveu uma vida honrada, sem qualquer problema de qualquer ordem, bem integrado na comunidade perante a qual sempre fez questão de aparecer e de gozar da consideração devidas a um homem honrado, capaz e trabalhador, tendo sempre demonstrado as mais elevadas capacidades e habilitações para gerir uma empresa durante mais de 40 anos; ademais, sempre prezou a consideração social de que gozava graças à sua impoluta postura de homem de valores morais que sempre o nortearam; possuidor desta conduta e deste perfil de personalidade teve de suportar ser confrontado com uma acusação de uma suposta “justa causa” de destituição, mas ainda assim humilhante e vexatória sendo ademais publicitada a cessação de funções por “destituição” e assim se manteve desde Abril de 2019 até ao trânsito em julgado da sentença que ocorreu em Fev.2022. Os réus dizem o seguinte contra isto: 41\ O autor invocou como causa de pedir o decidido na sentença proferida no processo 9679/19.9T8LSB, que declarou a nulidade da deliberação do administrador único da SGPS em realizar AG da M-SA para destituir o autor, por violação do disposto no artigo 411/1-b do CSC; e que declarou a nulidade da deliberação tomada em AG da M-SA que procedeu à nomeação dos respectivos órgãos sociais, por violação do disposto no artigo 56/1-d do CSC, assentando, assim, a sua pretensão na circunstância de ser devido montante indemnizatório como consequência jurídica das nulidades declaradas. 42\43 Aquelas declarações de nulidade das deliberações não constituem pressuposto da responsabilidade civil (facto ilícito), uma vez que a violação dos aludidos artigos 411/1-b e 56/1-d do CSC tem como consequência jurídica a fixação do alcance duma relação de repristinação (devolução do autor à qualidade de administrador da M-SA) e não tem como consequência jurídica uma obrigação de indemnizar, pelo que a sentença padece desse erro de Direito. 44\ No caso de destituição do administrador não há lugar à fixação de indemnização por alegados danos não patrimoniais sofridos na sequência daquela destituição. 45\ Caso assim não se entenda, só são ressarcíeis danos não patrimoniais cuja gravidade justifique a tutela do direito, nos termos do disposto no artigo 496/1 do CC; os supostos danos não patrimoniais dados como provados (factos 54 a 55 e 80 a 82) reconduzem-se a expressões vagas, lamentos genéricos e putativos estados de espírito, não se retirando dos mesmos qualquer supressão ou violação de bens jurídicos não patrimoniais, a reclamar a intervenção ou tutela da ordem jurídica, ou justificando o ressarcimento de danos não patrimoniais, muito menos na medida (15.000€) determinada pelo tribunal a quo. 46\ Uma hipotética indemnização para ressarcimento de danos está limitada ao montante das remunerações que o autor presumivelmente receberia até ao final do período para que foi eleito, razão pela qual nunca a indemnização poderá exceder o montante das remunerações que o autor presumivelmente receberia até ao final do período para que foi eleito, ou seja, 31/12/2019, significando isto que o montante indemnizatório estará, inevitavelmente, limitado ao montante de 24.872€ (3.109€ x 8 meses – Maio a Dez2019). 47\48\ O tribunal a quo, ao arrepio do estipulado no artigo 405/3 [é lapso evidente: quiseram escrever 403/5] do CSC, e ao arrepio da boa interpretação do dito artigo feita por doutrina e jurisprudência, condenou os réus no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais que fixou em 15.000, apesar de ter sido paga ao autor a quantia de 31.090€, devida a título de remunerações que o mesmo presumivelmente receberia até ao final do período para que foi eleito, pelo que a sentença padece de erro de julgamento da matéria de direito por violação do disposto nos artigos 496/1 do CC e 403/5 do CSC. 49\ O autor alegou a prática de factos ilícitos e culposos por parte do réu e da administradora da M-SA (que nem é parte na presente acção), susceptíveis, em abstracto, de fundar a obrigação de indemnização por responsabilidade civil e por danos causados à M-SA (artigos 28, 34, 82, 83, 89 a 92, 195 a 197 e 199 a 209 da PI), ou seja, a causa de pedir consistiu na alegação da prática de factos ilícitos e culposos por parte dos réus que afectaram, segundo a sua tese, o património social da M-SA e SGPS e o fundamento factual do tribunal a quo para a condenação também passou pela demonstração desses factos (factos provados 74, 75 e 77). 50\ Da alegação do autor e dos factos dados como provados vislumbra-se que o autor, na verdade, limita-se a assacar a prática de má gestão das sociedades ao réu e a FRC (que não é parte na presente acção) e vislumbra-se que a actuação do réu somente terá a ver com as sociedades – note-se que mesmo as deliberações em causa nos autos foram tomadas pelos respectivos órgãos sociais (tendo o réu agido em representação) e destinavam-se a produzir efeitos jurídicos nas próprias sociedades e não no autor ou em terceiros – pelo que qualquer responsabilização, a existir, terá de ser assacada a estas, uma vez que não foi causado directamente qualquer dano ao autor, sendo certo que só os danos directamente causados aos sócios e a terceiros – aqueles causados em termos que não são interferidos pela presença da sociedades – são abarcados pelo escopo do artigo 79/1 do CSC. 51\52\ Acresce que, por um lado, uma hipotética violação dos deveres constantes do artigo 64 do CSC (tal como vem alegado pelo autor) responsabilizaria o réu perante as próprias sociedades, não sendo essa putativa violação idónea para caracterizar como ilícita a conduta do mesmo para efeitos do disposto no artigo 79/1 do CSC e, por outro lado, a qualidade invocada pelo autor para fundamentar o dever do réu no pagamento de indemnização é a de administrador e não accionista da M-SA. Nestes termos a sentença padece de erro de julgamento da matéria de direito por violação do disposto no artigo 79/1 do CSC. 53\54 Na quantificação de indemnização por danos não patrimoniais, mediante recurso à equidade, devem ponderar-se, nomeadamente, os valores fixados noutras decisões jurisprudenciais; o tribunal a quo arbitrou uma indemnização em valor 7,5 vezes superior àquele que o STJ (ac. de 29/04/2021 no processo 229/16.0T8PVZ.P2.S1) arbitrou a gerente por destituição sem justa causa, isto é, o valor de 2.000€, sendo certo que o STJ arbitrou aquele valor tendo como paradigma os seguintes factos: perturbação, sentimentos negativos, preocupação de carácter financeiro e resultante da destituição e toma de antidepressivos. Nestes termos, a sentença, padece de erro de julgamento da matéria de direito por violação do disposto no artigo 566/2 do CC. Apreciação: Os réus não o dizem nas conclusões, mas o raciocínio deles, na primeira argumentação (conclusões 41 a 43), é o seguinte: os efeitos da declaração de nulidade e da anulação de um dado acto são só os previstos no art.º 289 do CC: o efeito retroactivo de dever ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente. Os réus não têm razão e por isso não citam nenhuma doutrina ou jurisprudência que apoie semelhante entendimento. O art.º 289 do CC não diz que todos os efeitos da nulidade são o dever de restituição. Fala apenas deste efeito, mas não diz que é o único. E sempre se entendeu que, para além dele, podia ocorrer ainda a obrigação de indemnização de danos causados com o mesmo acto que provoca a nulidade. Por exemplo, Maria Clara Sottomayor, no Comentário ao CC, Parte Geral, 2.ª edição, 2023, UCPE/FD anotação 7 ao art.º 289, páginas 873-874: “Juntamente com os deveres de restituição pode ser pedida pela parte lesada pelo contrato inválido e ordenada pelo Tribunal uma indemnização por perdas e danos, com base nas regras gerais da responsabilidade civil por factos ilícitos (arts. 483.º e ss.) ou no instituto da culpa in contrahendo (art.º 227º). Pense-se nas situações em que a causa de invalidade consista num facto ilícito e culposo para efeitos de responsabilidade civil: por exemplo, a anulação de um negócio jurídico por coacção moral (arts. 255 e 256), em que a ameaça ilícita proveniente da contraparte constitui um facto ilícito civil gerador de danos patrimoniais e não patrimoniais ou a anulação de um negócio com base em dolo (arts. 253 e 254), em que tenha havido, como geralmente será o caso, nos preliminares ou na formação do contrato, violação culposa das regras da boa-fé susceptível de causar danos à parte cuja vontade foi viciada por dolo.” No mesmo sentido, o autor cita uma série de acórdãos do STJ, mas para situações de resolução dos contratos. * Para a segunda argumentação (conclusão 44), os réus invocam a posição de Coutinho de Abreu (Código das Sociedades Comerciais em Comentário», Almedina, Coimbra, págs. 390 e 391). Os réus não dizem qual é o volume do CSC em Comentário que contém a passagem citada daquele autor, e também não dizem qual é o artigo do CSC que é alvo daquele Comentário. O artigo é o art.º 403 do CSC e o vol. é o VI, que é de 2013, do IDET/Almedina. Nestas páginas 390 e 391, na parte que importa, aquele autor diz o seguinte: “Mas já não são compensáveis os danos não patrimoniais (sofrimento psíquico ou desgosto) causados pelo facto lícito-destituição sem justa causa. Ainda que se admita a compensação de danos não patrimoniais no domínio da responsabilidade por factos lícitos (somente quando a lei estabeleça?). Desde logo é muito duvidoso que a simples destituição, por si só, possa causar danos não patrimoniais - o administrador sabe (ou deve saber) que está sujeito a ser substituído, devendo, portanto estar preparado para a consumação desse risco; por outro lado, a existirem, tais danos não terão gravidade suficiente para merecerem a tutela do direito (cf. art.º 496/1 do CC). Contudo, a sociedade pode ter de compensar danos não patrimoniais. Não simplesmente, repita-se, por ter destituído sem justa causa, mas pelo modo como o fez: v.g., alegou infundadamente, ciente do sem fundamento, a violação de deveres ou a inaptidão do administrador. Aqui, a par do facto lícito-destituição, há actuação ilícita e culposa da sociedade, ataque difamatório à honra ou reputação profissional do administrador. Há, pois, fundamento autónomo de responsabilidade (v., designadamente, os arts. 483 e 484 do CC), não previsto no art.º 403/5. A compensação destes danos não patrimoniais não está sujeita aos limites indicados neste preceito societário.” Portanto, este Professor admite dois fundamentos distintos de responsabilidade da sociedade: para os danos patrimoniais, a via da responsabilidade por destituição sem justa causa (art.º 403/5 do CSC). Para os danos não patrimoniais, a responsabilidade por ataque difamatório à honra ou reputação do administrador (arts. 483 e 484 do CC), ou seja, pelo modo como a destituição foi feita. Ora, o pedido do autor é o pagamento de uma indemnização por “danos de natureza patrimonial e não patrimonial provocados pela promoção e realização ilícita e dolosa de deliberação tendente à sua destituição”, pelo que, quanto aos danos não patrimoniais, se pode dizer que o autor está a basear o seu pedido na responsabilidade civil comum (arts. 483 e 484 do CC). E os factos alegados tiveram essencialmente a ver com a demonstração de que a destituição se baseava na alegação infundada, ciente da sua falta de fundamento, da violação de deveres e da inaptidão do administrador: ou seja, no ataque difamatório à honra ou reputação profissional do administrador/autor. Por outro lado, o ac. do STJ invocado pelos réus mais à frente, 29/04/2021 no processo 229/16.0T8PVZ.P2.S1, refere que a jurisprudência do STJ tem dito que o limite do art.º 403/5 do CSC também engloba os danos não patrimoniais – o acórdão do STJ refere-se ao artigo 257 do CSC que se refere às sociedades por quotas, mas pode-se aplicar ao art.º 403 quanto às sociedades anónimas; veja-se: “E a verdade é que, no caso da destituição do gerente sem justa causa, o nº 7 do citado art.º 257 prevê expressamente a obrigação de indemnizar o gerente pelos danos sofridos em consequência dessa destituição, não fazendo qualquer distinção entre danos patrimoniais e não patrimoniais, pelo que nenhum impedimento legal existe quanto à compensação destes últimos danos, que, juntamente com os danos patrimoniais, ficam sujeitos ao limite máximo para a indemnização aí previsto [10], tal como constitui entendimento deste STJ, conforme se vê dos acórdãos de 27/10/1994 [11], de 20/01/1999 [12], de 11/07/2006 (proc. 06B988) e de 29/01/2014 (proc. 548/06.3TBARC.P1.S1) [13].” Mas a norma aplica-se à destituição lícita; e, portanto, nos casos em que a destituição se concretiza validamente. Daí, também, os termos utilizados por aquele Professor quanto ao primeiro fundamento. Ora, no caso, não se verificou uma destituição lícita, mas ilícita, pelo que a norma em causa não tem aplicação. Pelo que as passagens citadas pelos réus daquele Prof. e pelo ac. do STJ, afastam o argumento avançado pelos réus e afastam também a invocação do limite do art.º 403/5 do CSC (conclusões 46 a 48). Vai mais ou menos no mesmo sentido, a argumentação do autor nas contra-alegações. * Nas conclusões 49 a 52, os réus estão a dizer, por um lado, que estão a ser condenados pela prática de factos (grosso modo: má gestão) que alegadamente prejudicaram as sociedades rés e não o autor. Ora, por esses danos apenas responderia o réu e apenas perante a sociedade e não perante o autor. Ou seja, estando em causa danos provocados na sociedade, o art.º 79/1 do CSC, invocado pelo autor, não se aplica. No art.º 79/1 do CSC estão em causa só os danos directamente causados aos sócios e a terceiros, e não os danos causados à sociedade e que se possam repercutir nos sócios e terceiros. E o autor não está a pedir danos como sócio, mas por ter sido destituído como administrador (e pelo modo como foi destituído). No meio disto tudo, ainda dizem que a responsabilidade é das rés, em nome de quem o réu actuou, e não do réu [como decorre, nesta lógica, do art.º 72/1 do CSC]. No corpo das alegações, os réus citam, no sentido de que os danos em causa não podem ser os danos na sociedade, Ana Filipa Duarte Ferreira (A responsabilidade civil dos administradores perante sócios e terceiros – o conceito de dano causado do artigo 79 do CSC, pág. 44, mas trata-se de um erro, visto que a passagem citada é da tese de mestrado de Beatriz Carvalho Aires, A Responsabilidade Civil dos Administradores nas Sociedades Comerciais, ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa Outubro, 2018, pág. 18): “Quanto aos danos provocados, estes devem ser directamente causados na esfera jurídica dos sócios ou terceiros e não na sociedade. Se os prejuízos do acto lesivo do administrador afectarem o património social, que só indirectamente afectarão os sócios ou terceiros, tal não servirá de fundamento para tornar o administrador responsável para com eles, pois os danos a tutelar são, directa e imediatamente, os dos sócios e terceiros em geral.” Citam ainda Menezes Cordeiro (Da Responsabilidade Civil dos Administradores de Sociedades Comerciais, pág. 496, [Lex, 1997]), embora com erro, já que da parte citada, com aspas, do autor, é apenas uma pequena parte; o ac. do TRP de 05/11/2011 [com erro, o ac. será de 2001, proc. 0151236]; o ac. do STJ de 23/05/2002, proc. 02B1152; o ac. do TRL de 13/01/2011, proc. 26108/09.9T2SNT-A.L1-2; e o ac. do TRG de 02/11/2023, proc. 5543/21.0T8BRG-A.G1. Posto isto, Os réus têm parcialmente razão, mas apenas no sentido de os danos que estão em causa no art.º 79/1 do CSC serem os danos causados aos sócios ou a terceiros, não os danos causados à sociedade e que tenham reflexos no património dos sócios. E nesse sentido vai a doutrina e jurisprudência que citam apesar dos erros indicados. No mesmo sentido, Coutinho de Abreu (Comentário, vol. I, pág. 911) esclarece que “o dano há-de incidir directamente no património do sócio ou de terceiro. Não releva o dano meramente reflexo, derivado do dano sofrido (directamente) pela sociedade. […]. Nestes casos […] têm cabimento as acções sociais de responsabilidade (art.º 75, s.) […] não as acções individuais do sócio ou de terceiros para a indemnização dos mesmos; o administrador responderá tão-só para com a sociedade.” No mesmo sentido, também Nuno Manuel Pinto Oliveira, Responsabilidade civil dos administradores, Coimbra Editora, 2015, páginas 134 a 137, que aliás defende que a norma é a consagração do regime geral e não um regime especial, pois que, citando Antunes Varela, Das obrigações em geral, vol. I, 10.ª edição, Almedina, 2000, págs. 620-621, em regra só “tem direito a uma indemnização o titular do direito ou do interesse imediatamente lesado com a violação da disposição legal, não o terceiro que só reflexa ou mediatamente seja prejudicado”. Mas no pedido feito, o autor, ao referir-se aos “danos […] provocados pela promoção e realização ilícita e dolosa de deliberação tendente à sua destituição”, apenas pôs em jogo as responsabilidades por destituição. Pelo que o pedido do autor não tem a ver com (i) a actuação do réu como administrador para além da que se refere àquela destituição e ao modo como foi feita, (ii) os danos que, como accionista da SGPS, lhe possam ter sido provocados indirectamente pela má gestão da sociedades (neste sentido, nesta parte, o autor nas contra-alegações diz: os danos sofridos e que o autor vem pedir a reparação localizam-se na esfera jurídica deste e não na esfera jurídica das sociedades). É certo que a seguir o autor invocou muitos outros danos para além daqueles (e, nas contra-alegações, o autor continua a falar neles: “216. Mais: essa decisão do réu, ao instrumentalizar de má fé as sociedades dos autos para provocar danos directos ao autor, veio também a redundar numa perda monstruosa do valor da sociedade (basta olhar para os resultados não impugnados pelos recorrentes), determinando que a sociedade venha a estar reduzida a escombros, o que naturalmente contribuiu para todo o estado anímico depressivo e desgostoso do autor.”) E a sentença, no início da sua fundamentação, referiu-se, como danos não patrimoniais, ao desespero e sentimento de impotência ao ver o legado do pai a ser destruído sem possibilidade de intervenção, parecendo que estava a dar relevo à má gestão da M-SA. Apesar disso, a sentença, ao condenar os réus, limitou-se aos danos causados pelo modo como a destituição foi feita: veja-se a descrição constante do último § da sentença transcrito. Pelo que a sentença não condenou os réus pelos danos provocados na sociedade, nem pelos danos causados ao autor como sócio/accionista da SGPS (de resto, nem o tribunal cível seria competente para tal acção, isto é, do autor como sócio, pois que o competente seria o juízo do comércio – Coutinho de Abreu, Comentário citado, vol. I, pág. 913; no mesmo sentido, vai o estudo de Filipe Cassiano dos Santos, RLJ 153/4043, Nov/Dez2023, páginas 124 a 150). * Por outro lado, a afirmação de que o réu apenas responderia perante as sociedades está certa apenas no que se refere aos danos provocados às sociedades, não aos danos provocados ao autor pelo modo como a destituição foi feita. Antes de mais, note-se que as nomas do CSC que regulam as consequências da destituição – artigos 257 e 403 – têm a ver com a destituição lícita, que produz os efeitos queridos. Daí que tratem da responsabilidade da sociedade para com os administradores. E daí que as acções sejam propostas contra as sociedades. Quando se está perante uma destituição ilícita, essas normas não são aplicáveis, pelo que não podem ser invocadas para a solução dos efeitos da destituição ilícita. Perante uma destituição ilícita que tem na sua base a actuação dos administradores no exercício das suas funções, quem responde, em princípio, são as sociedades. Note-se que a actuação das sociedades faz-se através dos titulares dos seus órgãos (administradores, sócios em AG) e, por isso, são elas que ficam vinculada por eles, e não os titulares dos órgãos. Isto sem prejuízo de, em certas hipóteses, as sociedades poderem vir a ter que responder pelo actos praticados por titulares dos órgãos (com desenvolvimento, veja-se Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, vol. II, Das sociedades, 8.ª edição de 2024, reimpressão de 2025, págs. 573-596, referindo-se a, entre muitos outros, aos artigos 260/1 e 409/1 do CSC; e, por exemplo, Oliveira Ascensão, Direito Comercial, vol. IV, Sociedades Comerciais, Lisboa, 1993, páginas 311 a 324, e Direito Civil, Teoria Geral, vol. II, Coimbra Editora, 1999, páginas 254 e 255, embora quanto à representação em geral (e sem aceitar a figura da representação orgânica), lembrando, por um lado, que “o contraponto da imputação do comportamento ao representado está na imunização do representante ao acto praticado. Sobre ele não se repercutem os efeitos desse acto”, mas, por outro lado, que “uma coisa é o representante ficar vinculado, outra é ele poder ser responsável.”; com desenvolvimento sobre o assunto, ainda Oliveira Ascensão, DCTG, vol. I, Coimbra Editora, 1997, páginas 244-249; assim, a responsabilidade do administrador, em termos gerais, para Oliveira Ascensão, tendo em conta as 3 obras citadas, decorrerá de ele, embora no exercício da sua função, ter causado dolosamente lesão nos direitos de terceiro ultrapassando os limites que são toleráveis na sua conduta como representante, de tal modo que os actos não dizem respeito à sociedade, e de a sociedade não ficar vinculada, embora possa responder por eles). É o que resulta, directamente quanto à responsabilidade, dos artigos 6/5 e 79/1 do CSC. Do 1.º: A sociedade responde civilmente pelos actos ou omissões de quem legalmente a represente, nos termos em que os comitentes respondem pelos actos ou omissões dos comissários. Do 2.º: Os gerentes ou administradores respondem também, nos termos gerais, para com os sócios e terceiros pelos danos que directamente lhes causarem no exercício das suas funções. (Note-se o paralelismo destes artigos com os artigos 165 e 500 do CC). Daí que Coutinho de Abreu, Comentário, vol. I, pág. 121 diga: O art.º 6°, 5, obriga a uma reflexão introdutória. As sociedades comerciais são representadas organicamente pelos membros dos órgãos de representação. Quando esses membros actuam nessa qualidade e vinculam a sociedade, é a própria sociedade que actua. Os actos ou omissões não são actos ou omissões dos representantes da sociedade, mas sim desta. Nesses casos, a sociedade responde civilmente por acto seu. Não tem lugar a aplicação do n° 5. Contudo, se os membros dos órgãos de representação de sociedades comerciais actuam com excesso ou com abuso de poderes de representação e a sociedade não fica vinculada, julgamos que o art.º 6.º, 5, ainda se poderá aplicar. Aí, os actos e omissões já não podem ser vistos como actos ou omissões da sociedade, mas ainda assim a sociedade poderá ter que responder pelos danos causados. Ora, no caso o réu não teve nenhuma actuação por si, mas apenas como administrador única da SGPS (1.ª ré) – facto 31/7: Como representante da accionista única decidiu reunir, sem observância de formalidades previstas, ao abrigo do artigo 54, ex vi artigo 377/1 do CSC […], tendo manifestado a vontade de que a assembleia se constitua e delibere sobre os seguintes pontos: Ponto 1: Destituição, com efeitos a partir de 26/04/2019, [do autor] do cargo de membro do Conselho de Administração da sociedade. Ponto 2: designação (para completar o mandato em curso), de FRC, para o exercício do cargo de membro do CA da sociedade. O PM da AG declarou validamente constituída a reunião em AG e aberta a respectiva sessão. Dada a conexão entre os dois pontos, decidiu serem os mesmos apreciados e decididos em conjunto - e como titular único da AG da M-SA (2.ª ré) - Considerando que: […] decide a accionista única: (a) destituir, com efeitos a partir do presente dia 26/04/2019, o [autor] do cargo de membro do CA da Sociedade. […]. Ou seja, a destituição nem sequer decorreu de um acto do réu como administrador da SGPS ou da M-SA, mas sim de um acto da AG da M-SA. O acto é da própria M-SA e não do réu. O autor põe as coisas noutros termos e continua a invocar o art.º 79/1 do CSC como parcial fundamento da sua pretensão, até porque esta é a via de que se serve para responsabilizar também o 3.º réu. Fá-lo, por inúmeras vezes e com várias versões. Numa delas, diz, no essencial: “[…O] acto lesivo ocorre a montante do processo deliberativo, imediata e directamente corporizado na pessoa do réu que actuou, usando e abusando da sua qualidade de administrador único da SGPS, que por sua vez detinha a totalidade do capital social da M-SA. Acresce que a responsabilidade do réu também resulta do disposto no art.º 79/1 do CSC. Portanto, é mais que evidente que existe um nexo de imputação directa da responsabilidade civil ao réu e, depois, por decorrência e por aplicação dos preceitos previstos no art.º 83, 491 e 501 do CSC, bem como do disposto no art.º 500 do CC, das sociedades SGPS e M-SA. Mas não tem razão: a destituição ilícita do autor decorreu de uma deliberação da AG da M-SA, tomada pelo réu como representante do único accionista da M-SA, e não por si próprio. Foi esta decisão da AG da M-SA que consubstancia o modo como foi feita a destituição, com a alegação infundada, violação de deveres ou a inaptidão do administrador. É esta a actuação ilícita e culposa - ataque difamatório à honra ou reputação profissional do administrador - que levou à destituição do autor; actuação que é da sociedade e não do réu. A sociedade ficou vinculada pela actuação do seu órgão, AG, a responsabilidade é da sociedade e não do réu. Aliás, mesmo a actuação anterior preparatória de tal deliberação, é também de uma sociedade, a SGPS, que fica vinculada pela actuação do seu administrador único, também réu. Tudo isto quer dizer que nesta parte os réus têm razão e que a condenação do 3.º réu, por si, não devia ter ocorrido. Não deixa de ser significativo que, apesar dos extensos articulados do autor, não seja invocado por este um único caso – vindo da doutrina ou da jurisprudência - de responsabilidade civil dos próprios administradores, pessoas físicas, por destituição ilícita de outros administradores. E todas as acções a que se referem os acórdãos citados por Coutinho de Abreu, no Curso citado, pág. 639, nota 1726, com pedidos de declaração de nulidade de deliberações de sociedades comerciais por destituição abusiva de gerentes/administradores foram todas interpostas só contra as sociedades e não também contra os administradores: do TRP de 17/06/1997, CJ97.III, pág. 220 (= 9720001, aqui só sumário); do TRE de 17/01/2013, proc. 2387/08.8TBFAR; do TRL de 04/06/2019, proc. 1573/10.5TYLSB.L1-1; do TRL de 08/02/2022, proc. 3264/20.0T8VFX.L1-1; do TRC de 25/01/2021, proc. 2047/18.1T8VIS.C1; do TRG de 15/12/2022, proc. 783/20.1T8BRG.G1. Um caso – embora sem ter a ver com deliberações abusivas de destituição de gerente - em que um gerente respondeu directamente perante um sócio-gerente (e o que parece ter sido tido em conta foi a posição de sócio e não de gerente), é lembrado por Sérgio Frazão Baptista, As experiências decisório-judicativa e doutrinária sobre a responsabilidade civil dos administradores perante sócios e terceiro, publicado na Direito das Sociedades em Revista, 2025, vol. 33, é o do ac. do STJ de 14/2/2013, proc. 2542/07.8TBOER.L1.S1, mas para fazer a observação crítica de que “[p]arece […] evidente que se operou uma responsabilização para com a sócia fundada em danos meramente reflexos. Cremos […], que, no caso em apreço, deveria ter havido apenas lugar à acção social (como de resto, também, sucedeu [a acção também tinha sido intentada contra a sociedade - TRL]).” Aliás, o art.º 79 do CSC, refere-se aos sócios e a terceiros, e o autor, destituído como administrador, não é um terceiro (neste sentido, Coutinho de Abreu, Comentário citado, vol. I, pág. 906: Terceiros são os sujeitos que não são a sociedade, nem os administradores, nem os sócios […]). Mais ou menos no mesmo sentido veja-se o ac. do STJ de 09/05/2024, proc. 9452/18.1T8PRT.P1.S1 (confirmando um outro, do TRP de 13/09/2023 no mesmo sentido): XVIII - A responsabilidade imputada aos administradores das sociedades comerciais segundo a previsão do artigo 79.º, nº1, do CSC, suportado no regime legal da responsabilidade civil extracontratual, exige a verificação de todos pressupostos previstos no artigo 483.º do CC. XIX - Da factualidade provada não se extrai, acção própria, concreta e exclusiva atribuída aos réus administradores das rés sociedades comerciais, capaz de produzir desvio ao princípio do direito societário, segundo o qual os actos praticados pelo órgão de administração são de imputar na esfera jurídica da pessoa colectiva. * Falta a questão do montante indemnizatório (conclusões 45 e 53-54). Para o que se terá de ter em conta que, como se viu acima, os danos não patrimoniais são só os decorrentes do modo como a destituição foi feita, isto é, no essencial através de um conjunto de afirmações (do facto 31(7)) que se vê que a sentença recorrida entendeu como correspondendo a um ataque difamatório à honra e reputação profissional do administrador/autor. O art.º 484 do CC diz que: Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados. As afirmações constantes da 1.ª metade de (d), as de (e), (f) e (g) e a 2ª de (h) do facto provado sob 31\7, são um conjunto de imputação de factos capazes de prejudicar o bom nome do autor no âmbito da actividade que exercia, do que o réu, como órgão da SGPS e da M-SA, tem necessariamente consciência (para a distinção de factos e juízos de valor, servimo-nos principalmente da comparação com o caso Freitas Rangel v. Portugal decidido pelo ac. do TEDH de 11/01/2022, proc. 78873/2013, ou melhor, do comentário de Joaquim de Sousa Ribeiro, na RLJ 153, Julho/Agosto de 2022, n.º 4035, especialmente páginas 361-363, dizendo que as declarações de que “obtêm documentos de processos para os jornalistas publicarem, trocam esses documentos nos cafés, às escâncaras, se puderem ajudar a violar o segredo de justiça, fornecem mesmo documentos”, “não é expressão de uma opinião, é declaração redonda de um facto. Reporta-se a uma acção humana no mundo externo, que se verificou ou não se verificou, sendo, como tal, de realização qualificável como verdadeira ou como falsa e, portanto, susceptível de comprovação que não foi feita.”) Já o que consta da 2.ª metade de (d) e de (i) do facto 31\7 são meros juízo de valor sem relevo para os efeitos do art.º 484 do CC. Vários autores chamam a atenção para a hipótese de o juízo de valor poder relevar para os efeitos dos arts. 483 e 70 do CC, isto é, que eles podem pôr em causa a honra pessoal, imagem que cada pessoa tem de si própria - Elsa Vaz de Sequeira / Carolina Martins Correia, Comentário ao CC, Direito das obrigações, Das obrigações em geral, UCP/FD/UCE, 2018, pág. 287/8II; Henrique de Sousa Antunes, Direito das Obrigações, 2025, Almedina, pág. 457; Rui Mascarenhas de Ataíde, Direito da Responsabilidade Civil, Gestlegal, 2023, págs. 200 a 209; parece que noutro sentido aponta o que Filipe Albuquerque de Matos escreve na pág. 302, nota 515, do seu Responsabilidade civil por ofensa ao crédito ou ao bom nome, Almedina, 2011 -; mesmo que fosse assim, no caso, aqueles juízos de valor, opinião de um administrador sobre o que o outro está a ou pode vir a causar à sociedade, para mais tendo em consideração aquilo que vai ser dito quanto às afirmações (c) não pode ser visto como ofendendo ilicitamente a imagem que o último tem de si próprio, mas antes como um juízo crítico aceitável. As afirmações constantes de (c), repetidas parcialmente nas duas últimas de (h) não têm nada de especial, e estão no limite de um inócuo juízo de valor, pois que no essencial o autor admite (art.º 195 da PI) que “desde que o réu tomou as “rédeas” da sociedade M-SA (o que começou no ano de 2015 […] que se vem assistindo ao afundamento galopante desta sociedade […]” (daí que nos factos 74 e 75 se fale num volume de vendas a diminuir a partir de 2016 e nos resultados líquidos do exercício a diminuir desde 2015, o que o autor imputava à administração do réu), o que equivale a dizer que ele, autor, desde 2015, pouco teve a ver com administração da sociedade e nos factos provados não consta nada decisivo para se imputar a culpa de tal apenas ao réu. Se fosse feita a prova da verdade das afirmações, elas não seriam ilícitas (Sinde Monteiro, Rudimentos da Responsabilidade Civil, na Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, 2005, II, páginas 386 e 387; contra, Pires de Lima e Antunes Varela, CC anotado, vol. I, 3.ª edição, Coimbra Editora, 1982, pág. 459; e Menezes Cordeiro, Tratado de Direito civil português, II, Direito das obrigações, tomo III, 2010, Almedina, págs. 555-557) ou, segundo outros, só seriam lícitas se se verificasse um interesse legítimo na sua divulgação (mesmas autoras, pág. 287/9I, e Henrique Sousa Antunes, obra citada, pág. 459; pela forma como põe a questão e exemplo que dá também parece ir neste sentido, Rui Mascarenhas Ataíde, obra citada, págs. 201-202). A prova da verdade ou da veracidade das afirmações cabia aos réus e não se mostra feita (no sentido de que o ónus da prova cabe ao que faz a afirmação ou divulgação, veja-se expressamente Sinde Monteiro; a posição dos outros autores citados vai no mesmo sentido, mas por considerarem a questão pela via da exceptio veritatis). No caso, tudo isto só tira relevo ao que consta da 3.ª parte de 31\7-h, pois que é a única afirmação de que se prova a verdade, tendo em consideração o facto provado sob 5. As imputações poderiam considerar-se também justificadas pelo facto de provirem de quem tem o direito ou o interesse legítimo de avaliar a conduta de outrem para o efeito de o afastar de uma função que desempenha para defesa dos interesses que representa, mas tendo em conta que quem as fez foi o titular do órgão da ré M-SA (como membro único da AG), com possibilidade de acesso a todos os elementos de prova das afirmações, tinha que ter provado a verdade delas para que a justificação funcionasse. O que consta da 1.ª metade de (d), (e), (f) e mesmo (g) – neste caso tendo em conta que as pessoas que leriam tais afirmações, dada a sua qualidade profissional, sabiam o que é que tal queria significar: uma maior despesa da M-SA em contribuições para a Segurança Social devido à displicência do autor – é um conjunto de afirmações medianamente graves, mesmo no contexto de uma disputa familiar (factos 5 e 97, desenvolvidos noutros). A sentença ainda dá relevo à forma como a destituição foi feita, dizendo que tal “foi reconhecido por decisão judicial quanto à ilegalidade do procedimento”. Portanto está a referir-se aos factos 29 a 36 e 58, isto é, ao facto de a sociedade M-SA ter destituído em AG o autor na sequência de um procedimento ilícito de convocação da AG pelo réu como administrador da SGPS que teve em vista prejudicar o autor. E ainda refere “tudo o que [à destituição] circundou”. Implicitamente está a referir-se aos factos 9 a 28 e 39 a 42, isto é, ao facto de a destituição ter sido feita de modo a não poder ser conhecida do autor nas condições necessárias a que este a pudesse pôr em causa da melhor forma e quando estava a decorrer um processo em sentido contrário. E ainda se refere, por último, ao facto de ter sido publicitada a cessação de funções por “destituição” (factos 43 a 45), situação que assim se manteve desde Abril de 2019 até ao trânsito em julgado da sentença que ocorreu em Fev2022. A publicidade é relevante. Mas trata-se de uma publicidade interna, pelo menos parte dela com destino a pessoas relativamente às quais, dadas as funções que tinham na sociedade, tinham de ter conhecimento da destituição (as contabilidade), e de qualquer modo todos eles eram trabalhadores da M-SA, que já tinham necessariamente conhecimento do conflito entre os irmãos e que os conheciam bem, pelo que sabiam dar o devido peso às afirmações e divulgações feitas. Tendo tudo isto em consideração e o disposto nos artigos 496/4 e 494 do CC, designadamente o facto de os danos terem sido provocados no âmbito de uma disputa familiar e com conhecimento apenas nesse âmbito e no de num quadro organizacional diminuto, com acusações que são apenas medianamente graves e o grau grave da culpa e da actuação do réu (titular dos órgãos das rés) e o carácter ilícito da destituição e o tempo pelo qual esta se prolongou de facto, julga-se que a indemnização não deve ter o valor atribuído pela sentença recorrida, mas deve ser reduzido para um valor mais baixo, de apenas 5.000€ (teve-se em conta o caso paralelo jurisprudencial invocado pelos réus, de que o dos autos é apenas um pouco mais grave. A indemnização dos danos não patrimoniais causados ao autor, como vítima de uma destituição ilícita, não pode ser uma forma de o compensar dos danos que ele entende terem sido causados ao património das duas rés e que não são objecto destes autos. * Três réus foram condenados a pagar 16.375,67€; 2 deles recorreram para não serem condenados em nada. A indemnização vai ser diminuída para 5.375.67€ e passam a ser responsáveis pelo pagamento apenas 2 dos réus. Assim sendo, os réus decaíram quanto à manutenção da condenação de 2 dos 3 réus e quanto à diminuição da indemnização apenas para 32,88% do valor concedido. De ponto de vista oposto, temos que o autor passou a beneficiar de uma condenação de apenas 2 de 3 réus e de 5.375,67€ em vez de 16.375,67€. Por tudo isto, considera-se que o decaimento da ré (já que o réu é absolvido) no recurso pode ser valorado em 22%. * Pelo exposto, julga-se o recurso de 14/11/2024 do 3.º réu improcedente, com custas, na vertente de custas de parte, pelo réu. E julga-se o recurso de 09/01/2025 da ré M-SA e do 3.º réu parcialmente procedente, (i) revogando-se a sentença recorrida na parte em que também condenou o 3.º réu a pagar ao autor a indemnização, 3.º réu que assim vai agora absolvido; e (ii) diminuindo-se para 5.000€ o valor da indemnização por danos não patrimoniais a pagar solidariamente pelas rés sociedades ao autor, mantendo-se no mais a sentença recorrida. Custas do recurso, na vertente de custas de parte, pela ré M-SA em 22% e pelo autor em 78%. Lisboa, 22/05/2025 Pedro Martins João Paulo Raposo Paulo Fernandes da Silva |