Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | ARMANDO MANUEL DA LUZ CORDEIRO | ||
| Descritores: | MEDICAMENTO GENÉRICO AUTORIZAÇÃO DE IMPORTAÇÃO DE MEDICAMENTO PROPRIEDADE INDUSTRIAL PATENTE TRANSMISSÃO DE DIREITOS SANÇÃO PECUNIÁRIA | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 05/08/2024 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PROCEDENTE | ||
| Sumário: | (elaborado pelo Relator): I. O art.º 3.º, n. 2, da Lei 62/2011, ao estipular que a não dedução de contestação “implica que o requerente de autorização, ou registo, de introdução no mercado do medicamento genérico não pode iniciar a sua exploração industrial ou comercial na vigência dos direitos de propriedade industrial invocados nos termos do número anterior” contem também uma limitação ao que pode ser pedido na ação prevista no n. 1, do art.º 3.º, da mesma lei. II. A eventual transmissão dos direitos concedidos pela AIM não pode ser considerada como violadora do direito de propriedade industrial, decorrente da patente do medicamento de referência, limitando-se a constituir uma atividade própria da vida económica de transmissão de valores detidos no património de entidades privadas. III. A medida inibitória prevista no artigo 3.º n.º 2 da Lei 62/2011 conjugada com a publicação da decisão que resulta do artigo 46.º do CPI, afiguram-se ser as medidas necessárias, suficientes e proporcionais à proteção dos direitos de propriedade intelectual da autora no contexto da tutela prevista no artigo 3.º n.º 2 da Lei 62/2011, não se justificando a condenação em sanção pecuniária compulsória. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa: I. RELATÓRIO: 1. LABORATORIOS LICONSA S.A. recorre da sentença na parte em que a condenou: “a) (...) a abster-se de importar, armazenar, fabricar, manipular, embalar, colocar em circulação, vender ou pôr à venda, directa ou indirectamente, quer em Portugal, quer para exportação, os seguintes medicamentos genéricos, até à caducidade do CCP 346, EP 1689370, EP 1720866 e EP 1845961: b) (…) a não transmitir a terceiros as A.I.M.’s identificadas em a) até à caducidade das patentes e CCP’s identificadas em a); c) (…) no pagamento à A. da sanção pecuniária compulsória no montante de € 20 000,00 por cada dia de atraso no cumprimento do ora determinado”. Antecedentes, tal como descritos na sentença em recurso: 2. BAYER INTELLECTUAL PROPERTY GMBH intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo especial contra LABORATORIOS LICONSA S.A., peticionando nos seguintes termos: Nestes termos e nos melhores de Direito, doutamente supridos por V. Exa., deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, condenando-se a Ré a: a) Abster-se de importar, armazenar, fabricar, manipular, embalar, colocar em circulação, vender ou pôr à venda, directa ou indirectamente, quer em Portugal, quer para exportação, os medicamentos genéricos constantes das A.I.M.’s em causa nos presentes autos, até à caducidade do CCP 346, EP 1689370, EP 1720866 e EP 1845961 objecto da presente acção; b) Abster-se de importar, armazenar, fabricar, manipular, embalar, colocar em circulação, vender ou pôr à venda, directa ou indirectamente, quer em Portugal, quer para exportação, qualquer medicamento contendo a substância activa “RIVAROXABANO”, até à caducidade do CCP 346, objecto da presente acção; c) Abster-se de importar, armazenar, fabricar, manipular, embalar, colocar em circulação, vender ou pôr à venda, directa ou indirectamente, quer em Portugal, quer para exportação, qualquer medicamento contendo a substância activa “RIVAROXABANO”, utilizado em conformidade com o âmbito de protecção das patentes EP 1689370, EP 1720866 e EP 1845961, objecto da presente acção, até à caducidade dos referidos direitos; d) Não transmitir a terceiros as A.I.M.’s em causa nos presentes autos, até à caducidade das patentes e CCPs objecto da presente acção; e) Pagar uma sanção pecuniária compulsória, à razão diária de €35.000, por cada dia de importação, armazenamento, fabrico, manipulação, embalamento, colocação em circulação e a venda, directa ou indirectamente, quer em Portugal, quer para exportação, de qualquer produto farmacêutico contendo a substância activa “RIVAROXABANO”, em infracção dos direitos de propriedade industrial da Autora e em caso de eventual incumprimento da condenação que vier a ser proferida de acordo com os pedidos supra indicados, nos termos do artigo 829.º-A do Código Civil. Alega, para tanto e em síntese, que é titular da Patente Portuguesa n.º 1261606 (que caducou no dia 11/12/2020), cujos efeitos foram estendidos pelo Certificado Complementar de Protecção n.º 346 (que estará em vigor até 2 de Abril de 2024, da Patente Portuguesa n.º 1689370 (com vigência até 13/11/2024), da Patente Portuguesa nº. 1720866 (com vigência até 13/11/2024) e da Patente Portuguesa nº. 1845961 (vigente até ao dia 19/01/2026), todos relativos à substância activa Rivaroxabano, contida no medicamento Xarelto, por si comercializado. Porém, a R. deduziu quatro pedidos de autorização de introdução no mercado para medicamentos contendo rivaroxabano como substância activa, o que constitui uma violação dos direitos da A. decorrentes do CCP 440, nos termos do artigo 102.º, n.º 1 e 2 do Código da Propriedade Industrial, já que a R. não pediu, nem tão pouco obtive, o consentimento da A. para explorar, por qualquer meio, a invenção protegida pelo CCP 346. 2. A R. foi regularmente citada para a presente ação e não apresentou contestação. 3. O Tribunal da Propriedade Intelectual, proferiu a seguinte sentença: “Pelo exposto, o Tribunal julga a acção parcialmente procedente por provada e, em consequência: a) Condena a R. LABORATORIOS LICONSA S.A. a abster-se de importar, armazenar, fabricar, manipular, embalar, colocar em circulação, vender ou pôr à venda, directa ou indirectamente, quer em Portugal, quer para exportação, os seguintes medicamentos genéricos, até à caducidade do CCP 346, EP 1689370, EP 1720866 e EP 1845961: b) Condena a R. a não transmitir a terceiros as A.I.M.’s identificadas em a) até à caducidade das patentes e CCP’s identificadas em a); c) Condenar a R. no pagamento à A. da sanção pecuniária compulsória no montante de €20.000,00 por cada dia de atraso no cumprimento do ora determinado; d) Absolve a R. do demais contra si peticionado; e) Condena-se a A. nas custas devidas”. Alegações da recorrente 4. De parte da sentença referida no parágrafo anterior veio a recorrente interpor o presente recurso para o Tribunal da Relação, pedindo “deverá ser dado provimento ao presente recurso, alterando a condenação relativa à alínea a) para os termos previstos no artigo 3.º, n.º 2 da Lei 62/2011 e revogada a sentença recorrida, relativamente às alíneas b) e c), assim se fazendo justiça.”. 5. Apresentou as seguintes conclusões: I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, o qual condenou a Recorrente em: (i) «abster-se de importar, armazenar, fabricar, manipular, embalar, colocar em circulação, vender ou pôr à venda, directa ou indirectamente, quer em Portugal, quer para exportação, os seguintes medicamentos genéricos, até à caducidade do CCP 346, EP 1689370, EP 1720866 e EP 1845961; (ii) «não transmitir a terceiros as A.I.M.’s identificadas em a) até à caducidade das patentes e CCP’s identificadas em a)»; (iii) condenando também a Recorrente ao «pagamento à A. da sanção pecuniária compulsória no montante de €20.000,00 por cada dia de atraso no cumprimento do ora determinado;». II. A ação que serve de base aos presentes autos, consiste numa ação iniciada ao abrigo da Lei 62/2011. III. Para a legitimidade e procedimento da ação são estabelecidos na lei e na jurisprudência dois critérios: (i) titularidade de direitos de propriedade industrial; (ii) publicação na página eletrónica do INFARMED de concessão de AIM para medicamento de referência que incidam sobre o objeto de proteção em (i). IV. O n.º 2 do artigo 3.º da Lei 62/2011, prevê como consequência para a revelia da Ré, a condenação na proibição de iniciar a exploração industrial ou comercial na vigência dos direitos de propriedade industrial da Autora. V. A Recorrente não apresentou contestação, segura da certeza jurídica dos efeitos da sua revelia. VI. A parca fundamentação jurídica que sustenta a sentença recorrida enferma de vícios tanto na determinação da norma jurídica aplicável, como no sentido e interpretação subsumido às normas aplicáveis. VII. Não foi apresentado qualquer elemento probatório, nem alegado qualquer facto que, por isso, esteja provado, que indique violação ou ameaça concreta de violação por parte da Recorrente ao direito de propriedade industrial da Recorrida. VIII. A sentença recorrida condenou a Recorrente em pedidos que extravasam a condenação prevista na lei 62/2011 para a não apresentação de contestação, violando, assim, a interpretação sistemática da lei 62/2011 e o Estatuto do Medicamento, bem como as normas do CPI (artigos 101º a 103º). IX. A razão de ser da Lei 62/2011, que determina a cominação legal constante do artigo 3º, n.º 2, foi, assim, erradamente aplicada na sentença recorrida. X. A alegada interligação entre os atos preparatórios, de natureza maioritariamente administrativa, para comercialização de medicamento genérico (como o pedido de AIM) e o(s) direito(s) de propriedade industrial do titular de patente e/ou CCP é denominada de “patent linkage”, XI. E a lei 62/2011 veio, alegadamente, por cobro a esta prática no sistema jurídico português. XII. Pretendendo-se, assim, que a entrada e disponibilização no mercado de medicamentos genéricos seja feita no mais curto hiato temporal após a caducidade dos direitos conferidos pela patente do titular do medicamento de referência. XIII. Não obstante, não se ignora a existência de mecanismos de equilíbrio entre, por um lado, os direitos dos titulares de patente e/ou CCP e, por outro, dos utilizadores (com destaque os sistemas nacionais de saúde e a sua utilização dos medicamentos genéricos). XIV. É assim necessário, à luz do enquadramento feito, interpretar a Lei 62/2011 e a extensão das ações instauradas pelos titulares do direito de propriedade industrial contra os titulares de AIM de medicamentos genéricos. XV. O artigo 3.º, n.º 1 da Lei 62/2011 confere ao titular de direito de propriedade industrial de propor, nos trinta dias subsequentes à publicação na página eletrónica do INFARMED, ação contra o titular de uma autorização de introdução no mercado. XVI. Não obstante, esta previsão é uma tutela mitigada estando previsto no n.º 2 do mesmo artigo a principal consequência da procedência da referida ação «que o requerente de autorização, ou registo, de introdução no mercado do medicamento genérico não pode iniciar a sua exploração industrial ou comercial na vigência dos direitos de propriedade industrial invocados». XVII. Ora, para a condenação na proibição de iniciação de exploração industrial ou comercial cumulam dois requisitos: (i) titularidade de AIM publicado nos termos descritos; (ii) invocação de direitos de propriedade industrial por parte de um titular. XVIII. Uma interpretação sistemática das normas elencadas permite compreender que o artigo 3.º da Lei 62/2011 não deve ser interpretado no sentido de extravasar a consequência prevista para a revelia. XIX. Ou seja, interpretada no sentido de permitir a patente linkage pelos titulares de patente e/ou CCP de medicamentos de referência numa clara contravenção das normas europeias e nacionais vigentes. XX. Os titulares de direitos de propriedade industrial dispõem de vários mecanismos (p.e., providências cautelares e/ou medidas inibitórias) sobre os quais é possível, em caso de violação ou violação iminente, salvaguardarem os seus interesses. Este não é, nem nunca poderia ser, o caso numa ação como a presente. XXI. Reitera-se, o tipo de ação em causa, numa tutela jurisdicional adicional e optativa, com menos requisitos do que as restantes (não sendo necessária violação ou ameaça da mesma), não poderá, sem mais e pelo que adiante se deduzirá, exceder o quadro legal imposto. XXII. O que sucede com a condenação da Ré, ora Recorrente, na alínea a) da sentença recorrida. XXIII. Neste sentido, e tendo presente o disposto no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa com n.º de processo 301/21.4YHLSB.L2, de 3 de outubro de 2023, deverá a sentença recorrida ser revogada e a Recorrente condenada, nos termos e limites previstos na lei 62/2011, a não iniciar a sua exploração industrial ou comercial na vigência dos direitos de propriedade industrial da Recorrida. XXIV. Da sentença recorrida, resultou também a condenação da Recorrente na «não transmitir a terceiros as AIMs das Patentes e CCP identificadas em a)». XXV. Contudo, tal condenação carece, igualmente, de fundamento legal, desde logo, porque a transferência de AIM, um ato administrativo, não consubstancia nenhum dos atos de infração previstos no artigo 102º, n.º 1, do CPI, pelo que mesmo no quadro de uma ação de infração de direitos de propriedade industrial, tal condenação carece de fundamento, quanto mais no quadro de uma ação iniciada ao abrigo da Lei 62/2011. XXVI. Veja-se os Acórdãos com os n.ºs de processo: (i) 226/20.0YHLSB.L1, datado de 24 de fevereiro de 2022; (ii) 1334/17.0YRLSB-1, de 24 de abril de 2018; (iii) 470/15.2YRLSB-1, de 7 de março de 2017; e (iv) 1158/13.4YRLSB-1, de 2 de dezembro de 2014, todos do Tribunal da Relação de Lisboa, cujo entendimento aqui reproduzimos para todos os efeitos legais. XXVII. Deverá assim, pela falta de interesse em agir nos pedidos que extravasem o previsto no n.º 2 do artigo 3.º da Lei 62/2011, bem como pela interpretação sistemática da Lei 62/2011, do CPI e do Decreto-Lei 176/2006, ser revogada a sentença recorrida quanto ao ponto b). XXVIII. A Recorrida ainda peticionou a condenação da Recorrente no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória ao abrigo do disposto no artigo 829.º - A do Código Civil (CC), pedido este julgado procedente, embora com montante diverso do inicialmente peticionado. XXIX. Sucede que, em primeiro lugar, não estão reunidos os pressupostos para a fixação de sanção pecuniária compulsória, na medida em que nem sequer foram alegados na petição inicial quaisquer atos de infração de direitos de propriedade industrial, ou ameaça desses mesmos direitos, XXX. E a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória tem por natureza a necessidade de impor um determinado ónus a uma parte que não cumpra uma determinada conduta prevista na lei, o que não é, de todo, o caso da ora Recorrente. XXXI. Em segundo lugar, e sem conceder, nunca a fixação de tal valor poderia ocorrer nos termos e pelos métodos de cálculo efetuados. XXXII. Vejam-se, neste sentido, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa com os n.ºs de processo: (i) 301/21.4YHLSB.L2, de 3 de outubro de 2023; (ii) 1334/17.0YRLSB-1, de 24 de abril de 2018; e (iii) 470/15.2YRLSB-1, de 7 de março de 2017. XXXIII. À luz do exposto, entende-se que a consequência prevista no artigo 3.º, n.º 2 da Lei 62/2011 é a medida proporcional e suficiente para o direito a acautelar, sendo todo o excesso (onde se inclui a aplicação de sanção pecuniária compulsória) um extravaso da razão de ser das normas jurídicas nacionais, especialmente interpretadas de acordo com o normativo europeu. XXXIV. Face ao exposto, para boa aplicação da justiça, deverá ser revogada a sentença recorrida nos pontos a), c) e d) e proferida decisão que condene a Recorrente na cominação prevista na lei 62/2011 para a não apresentação de contestação. 6. A recorrida, em resposta, pede que “deve ser negado provimento ao recurso apresentado pela Apelante”. II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO: Como é pacífico, o Tribunal tem de resolver questões e não apreciar argumentos; e as questões são as que resultam das conclusões das alegações do recorrente. Acresce que este Tribunal de recurso, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, não conhece questões novas, isto é, questões que não tenham sido apreciadas pelo Tribunal recorrido. Primeiramente há que apurar o que pretende, de facto, a recorrente uma vez que, como vimos, no pedido formulado neste recurso expressamente requer “deverá ser dado provimento ao presente recurso, alterando a condenação relativa à alínea a) para os termos previstos no artigo 3.º, n.º 2 da Lei 62/2011 e revogada a sentença recorrida, relativamente às alíneas b) e c), assim se fazendo justiça” (são nossos os destaque). Enquanto na conclusão XXXIV indica que “Face ao exposto, para boa aplicação da justiça, deverá ser revogada a sentença recorrida nos pontos a), c) e d) e proferida decisão que condene a Recorrente na cominação prevista na lei 62/2011 para a não apresentação de contestação” (são nossos os destaques). Apesar desta confusão, podemos concluir com segurança, atenta a condenação, que o que a recorrente pretende é o que consta do pedido formulado no final das suas alegações de recurso, após as conclusões, ou seja “deverá ser dado provimento ao presente recurso, alterando a condenação relativa à alínea a) para os termos previstos no artigo 3.º, n.º 2 da Lei 62/2011 e revogada a sentença recorrida, relativamente às alíneas b) e c).” As questões a decidir são as seguintes 1. A sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao condenar para além do permitido pelo artigo n.º 2 do artigo 3.º da Lei 62/2011? 2. Estão reunidos os pressupostos para a fixação de sanção pecuniária compulsória? E o montante fixado é adequado? III: Fundamentação A. Os Factos Na sentença recorrida quanto aos factos considerados provados fez-se constar o seguinte: “Atendendo a que a R. devidamente citada, não apresentou contestação, consideraram-se confessados os factos alegados pela A. na petição inicial, ao abrigo do disposto no artigo 567.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.” Referindo, em nota de rodapé: “Aqui expressamente adoptando a posição seguida nos acórdãos, a título meramente exemplificativo, do Tribunal da Relação de Évora, de 20-12-2018, processo n.º 1402/17.9T8BJA.E1 e do Tribunal da Relação de Coimbra, de 29-01-2019, processo n.º 1129/18.4T8GRD.C1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, que dispensam a enunciação da factualidade apurada. Perante tal conclusão, os factos alegados na petição inicial considerados provados, atendendo a que a própria autora refere expressamente que “Esta acção é intentada com base no regime instituído pela Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, que criou um regime de composição dos litígios emergentes de direitos de propriedade industrial quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos”, são os seguintes[1]: 1. A Autora faz parte de um dos maiores grupos multinacionais farmacêuticos do mundo – conhecido por BAYER. (artigo da petição n. 11) 2. A Ré, Laboratorios Liconsa S.A.é uma sociedade comercial que se dedica à indústria e comércio de produtos farmacêuticos. (artigo da petição n. 89) 3. Encontram-se na titularidade da Autora: a.- CERTIFICADO COMPLEMENTAR DE PROTECÇÃO N.º 346, concedido com base na PATENTE EUROPEIA N.º 1261606, ambos com a epígrafe “OXAZOLIDINONAS SUBSTITUÍDAS E A SUA UTILIZAÇÃO NA ÁREA DA COAGULAÇÃO SANGUÍNEA”, relativo ao “RIVAROXABANO”, b.- PATENTE EUROPEIA N.º 1689370, com a epígrafe “MÉTODO PARA A PREPARAÇÃO DE UMA COMPOSIÇÃO FARMACÊUTICA SÓLIDA PARA ADMINISTRAÇÃO ORAL QUE COMPREENDE 5-CLORO-N- ({(5S)-2-OXO-3-[4-(3-OXO-4-MORFOLINIL)-FENIL]-1,3-OXAZOLIDINA- 5-IL}-METIL)-2-TIOFENOCARBOXAMIDA”. c.- PATENTE EUROPEIA N.º 1720866, com a epígrafe “PROCESSO DE PRODUÇÃO”. d.- PATENTE EUROPEIA N.º 1845961, com a epígrafe “TRATAMENTO DE DISTÚRBIOS TROMBOEMBÓLICOS COM RIVAROXABANO”. (artigo da petição n. 2). 4. A Ré requereu junto da INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P., em 2 de Dezembro de 2022 (publicadas em 8 de Dezembro de 2022), a concessão das Autorizações de Introdução no Mercado para os seus medicamento genéricos contendo “RIVAROXABANO”, como substância ativa, para Portugal, nos termos que constam da publicação no site https://app.infarmed.pt/listpmg/default.aspx, conforme a tabela seguinte: (artigo da petição n. 90) 5. Tendo as referidas A.I.M.s sido publicadas em 8 de Dezembro de 2022 - (artigo da petição n. 4) B. O Direito 1ª questão A sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao condenar para além do permitido pelo artigo n.º 2 do artigo 3.º da Lei 62/2011? Como a sentença expressamente indica, a aplicação do regime previsto na Lei 62/2011 apenas teve como consequência a procedência e condenação nos pedidos a) e d): “Deste modo, face à factualidade apurada e o que dispõe o artigo 3.º, n.º 2 da Lei n.º 62/2011, os pedidos deduzidos em a) e d) serão julgados totalmente procedentes. Porém, quanto aos pedidos deduzidos em b) e c) já não será assim. Isto porque não resultou provado – nem foi alegado, já agora - que tenham sido submetidos quaisquer outros pedidos de autorização de introdução no mercado por parte da R. e por referência ao CCP e às EP’s de que a A. é titular. Como tal, falece um dos pressupostos de que depende a estatuição do artigo 3.º, n.º 2 da Lei n.º 62/2011 e improcede, inevitavelmente, nesta parte, o peticionado”. Os pedidos, recorda-se, eram os seguintes: a) Abster-se de importar, armazenar, fabricar, manipular, embalar, colocar em circulação, vender ou pôr à venda, directa ou indirectamente, quer em Portugal, quer para exportação, os medicamentos genéricos constantes das A.I.M.’s em causa nos presentes autos, até à caducidade do CCP 346, EP 1689370, EP 1720866 e EP 1845961 objecto da presente acção; b) Abster-se de importar, armazenar, fabricar, manipular, embalar, colocar em circulação, vender ou pôr à venda, directa ou indirectamente, quer em Portugal, quer para exportação, qualquer medicamento contendo a substância activa “RIVAROXABANO”, até à caducidade do CCP 346, objecto da presente acção; c) Abster-se de importar, armazenar, fabricar, manipular, embalar, colocar em circulação, vender ou pôr à venda, directa ou indirectamente, quer em Portugal, quer para exportação, qualquer medicamento contendo a substância activa “RIVAROXABANO”, utilizado em conformidade com o âmbito de protecção das patentes EP 1689370, EP 1720866 e EP 1845961, objecto da presente acção, até à caducidade dos referidos direitos; d) Não transmitir a terceiros as A.I.M.’s em causa nos presentes autos, até à caducidade das patentes e CCPs objecto da presente acção; e) Pagar uma sanção pecuniária compulsória, à razão diária de € 35.000, por cada dia de importação, armazenamento, fabrico, manipulação, embalamento, colocação em circulação e a venda, directa ou indirectamente, quer em Portugal, quer para exportação, de qualquer produto farmacêutico contendo a substância activa “RIVAROXABANO”, em infracção dos direitos de propriedade industrial da Autora e em caso de eventual incumprimento da condenação que vier a ser proferida de acordo com os pedidos supra indicados, nos termos do artigo 829.º-A do Código Civil. A condenação, como vimos, limitou-se ao seguinte: a) Condena a R. LABORATORIOS LICONSA S.A. a abster-se de importar, armazenar, fabricar, manipular, embalar, colocar em circulação, vender ou pôr à venda, directa ou indirectamente, quer em Portugal, quer para exportação, os seguintes medicamentos genéricos, até à caducidade do CCP 346, EP 1689370, EP 1720866 e EP 1845961: b) Condena a R. a não transmitir a terceiros as A.I.M.’s identificadas em a) até à caducidade das patentes e CCP’s identificadas em a); c) Condenar a R. no pagamento à A. da sanção pecuniária compulsória no montante de €20.000,00 por cada dia de atraso no cumprimento do ora determinado.” Tendo absolvido do demais (alínea “d”) Ou seja, o que diferencia a condenação dos pedidos é, na alínea “a”, a sua restrição aos documentos constantes da tabela por contraposição aos pedidos que abrangiam “qualquer medicamento contendo a substância activa “RIVAROXABANO até à caducidade do CCP 346,” e “qualquer medicamento contendo a substância activa “RIVAROXABANO”, utilizado em conformidade com o âmbito de protecção das patentes EP 1689370, EP 1720866 e EP 1845961”. A alínea “b” da condenação mantém, por coerência lógica, a remissão para “as A.I.M.’s identificadas em a)”. Segundo a recorrente, a sentença condenou para além do que é permitido pelo disposto no 3.º, n. 2, da Lei 62/2011. Vejamos. O art.º 3.º, n. 2, da Lei 62/2011, estipula que a não dedução de contestação “implica que o requerente de autorização, ou registo, de introdução no mercado do medicamento genérico não pode iniciar a sua exploração industrial ou comercial na vigência dos direitos de propriedade industrial invocados nos termos do número anterior.” É entendimento pacífico na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que “O legislador utilizando esta técnica, ao estabelecer que a não dedução de contestação implica que o requerente de autorização, ou registo, de introdução no mercado do medicamento genérico não pode iniciar a sua exploração industrial ou comercial na vigência dos direitos de propriedade industrial invocados, não pretendeu criar uma cominação automática que afaste o julgador do dever de decidir “conforme for de direito” como o exige o art.º 567 nº 2 parte final do CPC, sendo este segmento do art.º 3º nº 2 da Lei 62/2911 tão só uma concretização das exigências colocadas ao julgador pela lei geral e uma advertência para o que pode ser pedido na ação para o TPI – a proibição de o requerente da autorização ou registo, de introdução no mercado do medicamento genérico iniciar a sua exploração industrial ou comercial na vigência dos direitos de propriedade industrial invocados.[2]“ (são nossos os destaques). Assim, é correta a afirmação da recorrente quando alega que a sentença “condenou a Recorrente em pedidos que extravasam a condenação prevista na lei 62/2011 para a não apresentação de contestação.” Pois, o que a lei dispõe é que o não contestante deixa de poder iniciar a sua exploração industrial ou comercial. Sendo que as atividades de “importar, armazenar, fabricar, manipular, embalar, colocar em circulação” serão preparatórias de tal início e não o início em si mesmo. Num caso em tudo semelhante ao presente, esta secção da PICRS, no acórdão 301/21.4YHLSB.L2 (citado pela recorrente) diz-se, e com inteira pertinência, e nossa concordância, que “Com efeito, na falta de contestação, o Tribunal só pode ordenar a proibição de a ré iniciar a exploração industrial ou comercial do medicamento genérico visado pelas AIMs conferidas à ré, mencionadas no facto provado c) da decisão recorrida (cf. parágrafo 12). No que toca aos pedidos que ultrapassam o jus prohibendi previsto no artigo 3.º n.º 2 da Lei 62/2011, a sua procedência depende da alegação e prova da existência de infracção, nomeadamente através da tutela judicial alternativa prevista nos artigos 345.º ou 349.º do CPI, mas nos presentes autos não foi alegada a existência de tal infracção. (são nossos os destaques). Ora, no caso presente, a autora restringiu o objeto do processo à aplicação do regime especial previsto na referida Lei 62/2011. A invocação pela recorrida da alegação de factos geradores de iminência de lesão dos seus direitos tem de ser entendida apenas no âmbito de aplicação da referida Lei 62/2011, atendendo às dúvidas jurisprudenciais existentes quanto aos requisitos da ação prevista neste Lei 62/2011, em concreto quanto ao interesse em agir. Veja-se, a este propósito, o acórdão do STJ de 07.03.2023[3] (proferido no processo 2/22.6YHLSB.L1.S1), com extenso resumo de tal problemática. Ou seja, a invocação da autora de que a Ré tem intenção de lançar os seus medicamentos genéricos contendo “RIVAROXABANO” no mercado português antes da caducidade do CCP 346 da Autora que tem como patente base a EP 1261606, EP 1689370, EP 1720866 e EP 1845961. (artigos da petição n. 111 e 99), apenas relevam para que se tenha por verificado o interesse em agir, que parte da jurisprudência considerava ser condição necessária para o acesso ao regime da Lei 62/2011. Assim, dos factos acima descritos, em síntese e para o que agora importa, resultou provado que a autora, ora recorrida, é titular de quatro CCP e patentes; que a ré requereu junto do INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P., quatro Autorizações de Introdução no Mercado (A.I.M.) dos medicamentos contendo a substância ativa “RIVAROXABANO”, as quais foram publicadas. Estão assim demonstrados os direitos de propriedade industrial da autora (ora recorrida) e, ainda, que a ré procedeu ao pedido de autorização de introdução no mercado de medicamentos genéricos contendo “RIVAROXABANO”, o que foi publicitado na página eletrónica do INFARMED. Perante estes factos e o previsto no art.º 3.º, n. 2, da Lei 62/2011, podemos concluir que a ré deve ser condenada apenas na proibição de iniciar a sua exploração industrial ou comercial na vigência dos direitos de propriedade industrial invocados. Ou seja, e atento o pedido, deve ser condenada, unicamente a abster-se de vender ou pôr à venda, directa ou indirectamente, quer em Portugal, quer para exportação, os seguintes medicamentos genéricos, até à caducidade do CCP 346, EP 1689370, EP 1720866 e EP 1845961: Insurge-se, ainda, a ré quanto à condenação de “não transmitir a terceiros as A.I.M.’s identificadas em a) até à caducidade das patentes e CCP’s identificadas em a)”. Aponta a recorrida que esta condenação visa igualmente, proteger o seu direito, “na medida em que a Apelante, ao abrigo do disposto no artigo 37.º do Estatuto do Medicamento, pode transferir as A.I.M.’s dos seus medicamentos genéricos, a que respeita o presente processo. Tal actuação colocaria em causa a utilidade da presente acção, na medida em que implicaria a inviabilização do exercício dos direitos de propriedade industrial da Autora, ora Apelada, contra o terceiro adquirente”. Entendemos, contudo, que a razão assiste à recorrente e por concordarmos integralmente, limitamo-nos a citar o Ac. desta Relação de Lisboa de 9.1.2020, proferido no âmbito do processo 2970/19.6YRLSB-6 [4]: “A transmissão de um valor económico existente no património da (…), no caso o valor que os direitos concedidos pela AIM constituem, consiste na transmissão desses direitos nos precisos termos em que existem no seu património, porventura limitados pelos direitos de propriedade industrial da Demandante nos termos pretendidos nesta acção. A tal não obsta o facto de o eventual adquirente não ser parte na acção, uma vez que a decisão a proferir produzirá efeitos quanto a ele, nos termos do artigo 263.º, n.º 3, do CPC: a sentença produz efeitos em relação ao adquirente, ainda que este não intervenha no processo. Cremos ser uniforme a jurisprudência nesse sentido, citando-se, por todos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Maio de 2018, proferido no processo 889/17.4YRLSB.S1 (Távora Victor) ou de 20 de Maio de 2015 proferido no processo 747/13.1YRLSB.S1 (Orlando Afonso), e os acórdãos desta Relação de 24 de Abril de 2018 proferido no processo 1334/17.2YRLSB-1 (Manuel Marques), de 7 de Março de 2017 proferido no processo 470/15.2YRLSB-1 (Pedro Brighton) e de 2 de Dezembro de 2014 proferido no processo 1158/13.4YRLSB (Maria do Rosário Barbosa). Refere o acórdão do STJ de 20 de Maio de 2015 que a transmissão dos direitos concedidos pela AIM não pode ser considerada como violadora daqueles direitos, limitando-se a constituir uma actividade própria da vida económica de transmissão de valores detidos no património de entidades privadas. Também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Maio de 2018 menciona que a concessão de AIM de um genérico não constitui, por si só, violação do direito de propriedade industrial decorrente da patente do medicamento de referência, não se inserindo, por isso, em nenhuma das actuações proibidas pela previsão do art.º 101.º, n.º 2, do CPI, pelo que, a transmissão dessa AIM para terceiros – não permitindo iniciar a exploração industrial ou comercial dos medicamentos – também não integra nenhuma das condutas tidas pelo legislador como violadoras do exclusivo que o CCP outorga. Diversa é a posição do acórdão desta Relação de 4 de Fevereiro de 2016 proferido no processo 138/15.0YRLSB.L1-8 (Sacarrão Martins) (4) mas também diversa era a situação que dirimiu. Nesse acórdão a situação colocada não era a de transmissão de uma mera autorização de exploração de um medicamento, mas a de transmissão com a AIM do processo de fabrico que não era de conhecimento geral e estava protegido pela patente invocada. Por isso, decidiu a Relação que a transmissão era ela própria violadora dos direitos de propriedade industrial invocados. Não é essa a situação dos autos. Improcede a pretensão de proibição de transmissão dos direitos concedidos pela AIM.” Vimos já que, neste caso os factos são totalmente omissos quanto à venda da AIM a terceiros, embora a autora especule nesse sentido. Assim, a eventual venda surge, também, nestes autos como uma atividade própria da vida económica de transmissão de valores detidos no património de entidades privadas, sem violação do exclusivo que o CCP outorga. Acresce que, como acima deixámos exposto, a decisão a proferir produzirá efeitos quanto ao adquirente, nos termos do artigo 263.º, n.º 3, do CPC. Concluímos, pois, que também esta condenação não se mostra justificada nem pelo regime previsto no art.º 3.º, n. 2, da Lei 62/2011, nem pelo âmbito dos direitos da autora na defesa da sua patente (ou CCP), devendo igualmente ser revogada. A segunda questão é a de saber se estão reunidos os pressupostos para a fixação de sanção pecuniária compulsória, na afirmativa, apurar se o montante fixado é adequado. A sentença recorrida justificou a condenação na sanção pecuniária compulsória no montante de €20.000,00 por cada dia de atraso no cumprimento do ora determinado com os seguintes fundamentos: “Prescreve o artigo 829.º-A, n.º 1 do Código Civil que Nas obrigações de facto infungível, positivo ou negativo, (…) o Tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme o que for mais conveniente às circunstâncias do caso. Estabelece o seu n.º 2 que A sanção pecuniária compulsória prevista no número anterior será fixada segundo critérios de razoabilidade (…). Nesta sede, temos como relevante que as vendas do medicamento Xarelto desde o ano de 2014 até ao dia 31 de Dezembro de 2018 ascenderam o valor de €128.431.917,00. Porém, nada mais se apurou quanto ao lucro efectivamente obtido ou qual a quota de mercado que a R. podia obter com a introdução do medicamento genérico no mercado. Assim sendo, verificados que se encontram os pressupostos de que depende a sua fixação pelo Tribunal, partindo de critérios de razoabilidade, atendendo a este circunstancialismo e não olvidando que esta sanção tem como objectivo compelir o devedor ao cumprimento da obrigação a que foi condenado, por se reputar justo e adequado, fixa-se como sanção pecuniária compulsória a quantia de €20.000,00 por cada dia de atraso em que a R. não cumpra o determinado pelo Tribunal, procedendo parcialmente o peticionado nesta sede.” (são nossos os destaques) É indiscutível que, nos termos previstos na lei civil – o citado art.º 829.º-A do CC –, a sanção pecuniária compulsória só é admissível quando estão em causa prestações de facto infungível (positivo ou negativo)[5] e no caso a obrigação é de prestação de facto negativo, na modalidade de abstenção da prática de determinados atos relacionados com a exploração do medicamento genérico, antes da caducidade da proteção atribuída pelos CCP 346, EP 1689370, EP 1720866 e EP 1845961 (abstenção de “vender ou pôr à venda”). A sentença fixou o montante da sanção compulsória em €20.000,00 por cada dia de atraso no cumprimento do ora determinado. Esta secção da PICRS, no acórdão 301/21.4YHLSB.L2, já acima citado, também já se pronunciou quanto a esta questão. Uma vez que não há motivos para nos afastarmos do então decidido limitamo-nos a repetir o que ali foi dito: 37. O sistema de tutela judicial previsto na Lei 110/2018 de 10 de Dezembro, que simultaneamente alterou o artigo 3.º da Lei 62/2011 e aprovou o novo CPI, prevê a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias nos artigos 345.º n.º 4 e 349.º n.º 4 do CPI, em conformidade com a Directiva 2004/48/CE, ou seja, desde que exista violação actual ou iminente de um direito de propriedade intelectual. Porém, não prevê idêntica sanção no caso de ser judicialmente ordenada a proibição resultante do artigo 3.º da Lei 62/2011. 38. À luz da Directiva 2001/83/CE, que dissociou a concessão da AIM de medicamentos genéricos dos direitos de propriedade intelectual sobre os medicamentos de referência que lhes correspondem, em particular do seu artigo 10.º n.º 6, que prevê a licitude de certos requisitos práticos levados a cabo pelo titular da AIM durante o período de vigência da patente, assim como dos princípios da proporcionalidade e da necessidade, que devem reger a aplicação das medidas de protecção dos direitos de propriedade intelectual, consagrados no artigo 3.º da Directiva 2004/48/CE, não se afigura existir justificação plausível, nomeadamente de interesse público, nem analogia substancial de situações, uma vez que não existe violação actual ou iminente dos direitos de propriedade intelectual da autora, para conferir uma protecção acrescida aos direitos conferidos pelas patentes e/ou CCPs, determinada por via jurisprudencial, através da aplicação analógica, seja do artigo 349.º n.º 4 do CPI, seja do artigo 829.º A do CC, na situação prevista no artigo 3.º n.º 2 da Lei 62/2011, em causa nos presentes autos. 39. No caso em análise, a medida inibitória que resulta do jus prohibendi previsto no artigo 3.º n.º 2 da Lei 62/2011 conjugada com a publicação da decisão que resulta do artigo 46.º do CPI, afiguram-se ser as medidas necessárias, suficientes e proporcionais à protecção dos direitos de propriedade intelectual da autora no contexto da tutela prevista no artigo 3.º n.º 2 da Lei 62/2011, interpretado à luz do disposto no artigo 3.º da Directiva 2004/48/CE. Assim sendo, como entendemos que é, também esta condenação da ré no pagamento à A. da sanção pecuniária compulsória no montante de €20.000,00, tem de ser revogada. As custas quer da ação quer deste recurso devem ser suportadas integralmente pela autora atendendo a ter ficado vencida no recurso, à falta de contestação da ré à ação e ao disposto no art.º 535.º, n.ºs 1 e 2, al. a), do Código de Processo Civil. III. DECISÃO: Pelo exposto, julgamos o recurso totalmente procedente e A. Condenamos a ré LABORATORIOS LICONSA S.A. a abster-se de vender ou pôr à venda, direta ou indiretamente, quer em Portugal, quer para exportação, os seguintes medicamentos genéricos, até à caducidade do CCP 346, EP 1689370, EP 1720866 e EP 1845961 B. revogamos as restantes condenações. Custas da ação e do recurso integralmente pela recorrida. Cumpra-se o disposto no artigo 34.º, n. 5, do CPI aplicável ex vi art.º 46.º do mesmo diploma, após trânsito e baixa dos autos. Lisboa, 8/5/2024 A.M. Luz Cordeiro Eleonora Viegas Alexandre Au-Yong Oliveira _______________________________________________________ [1] Factos essenciais, complementares ou instrumentais dos essenciais com reporte às regras de repartição do ónus da prova (arts. 5.º, n. 1 e 2, al. a), 552.º, n. 1, al. d), 572.º, al. c), 607.º, n. 4 do CPC). [2] Ac. STJ de 9.12.2021 (proferido no proc. 225/20.2YHLSB.S1), disponível in www.dgsi.pt [3] cf. igualmente o ac. STJ de 29.11.2022, proferido no processo 104/22.9 YRLSB.S1, disponíveis in www.dgsi.pr, [4] Disponível in www.dgsi.pt [5] Cf. para mais desenvolvimentos o citado acórdão da Relação de Lisboa de 9.1.2020, proferido no âmbito do processo 2970/19.6YRLSB-6. |