Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1015/24.9T8TVD-B.L1-2
Relator: ANTÓNIO MOREIRA
Descritores: DECISÃO PROVISÓRIA
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
PROGENITORES
DIREITO DE VISITA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/26/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1- A decisão provisória a que alude o art.º 38º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível deve orientar-se pelo superior interesse da criança, encontrando-se (ainda que provisoriamente) a solução que melhor favoreça um equilibrado e são desenvolvimento da mesma.
2- O superior interesse da criança demanda a promoção do seu desenvolvimento total e completo de forma igualmente próxima com cada um dos progenitores, o que pressupõe a presença de ambos em todos os aspectos e fases desse desenvolvimento,
3- O convívio alargado da criança com cada um dos progenitores, inclusive com pernoitas com ambos, é o caminho que mais adequadamente assegura a referida presença de ambos no desenvolvimento da criança, só não devendo ser considerada tal situação quando se constate a existência de qualquer perigo para a criança decorrente desse tipo de vivência.
(Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

D.G., pai de F.G., nascida a 19/2/2024, intentou em 19/5/2024 acção de regulação das responsabilidades parentais contra L.C., mãe da referida menor, alegando em síntese que:
· Manteve uma relação com a requerida ao longo de cerca de seis anos, da qual nasceu a F.G.;
· O requerente e a requerida encontram-se separados e a viver em moradas distintas, tendo a requerida saído com a F.G. da casa de morada de família e estando a residir com a F.G. numa casa com apenas dois quartos e uma casa de banho, aí vivendo mais dois adultos, dois menores e dois cães;
· Desde que a requerida saiu com a F.G. da casa de morada de família o requerente nunca mais esteve com a menor, estando a F.G. privada de conviver com o requerente porque a requerida entende que tais convívios só podem ter lugar na sua presença e de terceiros;
· A F.G. apresenta-se sempre muita suja e com cheiro desagradável, revelando falta de cuidados e de higiene.
Conclui defendendo que a menor deve residir habitualmente consigo enquanto a requerida não reúne condições para a ter aos seus cuidados, sendo então fixado um regime de residência alternada com cada um dos progenitores, com repartição dos períodos de férias escolares e dos dias festivos, e pedindo ainda a atribuição de carácter urgente aos autos.
Após atribuição de carácter urgente aos autos, em 14/6/2024 foi realizada conferência de pais onde não se mostrou possível o acordo sobre a regulação das responsabilidades parentais.
 Mais foram aí tomadas declarações a ambos os progenitores, após o que foi fixado o seguinte regime provisório:
Da residência e do exercício das responsabilidades parentais:
1. A menor, F.G., fixa a residência junto da progenitora, a cuja guarda e cuidados fica entregue, cabendo-lhe o exercício das responsabilidades parentais quanto às questões da vida corrente da menor.
2. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da menor (nomeadamente, deslocações ao estrangeiro, orientação religiosa, escolha do estabelecimento de ensino, intervenções cirúrgicas e mudança de residência) são exercidas em comum por ambos os progenitores.
Do regime de contactos/visitas:
3. O progenitor poderá estar e ter consigo a menor todas as quartas-feiras, pernoitando com esta de quarta-feira para quinta-feira, indo para o efeito o progenitor buscar a menor na quarta-feira, até às 9h30 a casa da progenitora e entregará a menor, na quinta-feira, no mesmo local, pelas 17h30.
4. O progenitor poderá estar e ter consigo a menor aos fins-de-semana de 15 em 15 dias, de sexta-feira a segunda-feira, indo para o efeito, o progenitor recolher a menor a casa da progenitora, na sexta-feira de manhã, até às 9h30 e entregará a menor, na segunda-feira, no mesmo local, pelas 17h30.
Épocas festivas:
5. A menor passará com cada um dos progenitores o dia do seu aniversário, bem como o dia do pai e o dia da mãe.
6. O dia do aniversário da menor será passado sempre que possível com ambos os progenitores, devendo ser feita uma refeição com cada um dos progenitores.
Férias:
7. No período de ferias do Verão, cada um dos progenitores poderá passar dois períodos de uma semana, interpolados, com a criança, comunicando ao outro previamente qual o período pretendido.
Dos alimentos devidos à menor:
8. O progenitor pagará para a menor, a título de alimentos, a quantia mensal de €150,00 (cento e cinquenta euros), a entregar à progenitora até ao dia 8 de cada mês, por transferência bancária, para a conta da progenitora.
9. As despesas médicas e medicamentosas, bem como as despesas com a creche da menor, todas desde que devidamente documentadas, são a repartir por ambos os progenitores na proporção de metade, devendo o progenitor que efectuar a despesa remeter o respectivo comprovativo, com o NIF e nome da menor, até ao final do mês em que a mesma seja efectuada e o outro progenitor deverá efectuar o pagamento no mês seguinte”.
A requerida recorre desta decisão, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem (com exclusão da reprodução dos pontos 3. a 7. do regime provisório e da reprodução dos sumários dos acórdãos identificados):
1ª Antes de mais, cumpre informar V. Exas. que aos presentes autos foi atribuído carácter urgente, por Despacho de 28.05.2024 - Ref.ª citius 161124287 (cfr. doc. n.º 1).
2ª O presente recurso interposto do douto Despacho do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte - Juízo de Família e Menores de Torres Vedras, que, por Despacho, fixou o regime provisório de Regulação das Responsabilidades Parentais relativamente à menor F.G. (cfr. doc. n.º 2).
3ª Nesta Regulação das Responsabilidades Parentais, ficou estabelecido, embora a título provisório que, o Progenitor possa estar com a filha de 4 (quatro) meses de idade, aos fins de semana de quinze em quinze dias, e também, todas as Quartas e Quintas-Feiras, durante o mês, incluído pernoita entre estes dias.
4ª Decisão com a qual, a aqui Recorrente não concorda, uma vez que, na opinião da Recorrente, o Despacho agora em crise, não atendeu convenientemente ao superior interesse da menor.
5ª Assim, o presente recurso tem por objecto a matéria de direito quanto ao superior interesse da menor, que na opinião da Recorrente foi posto em causa no Despacho proferido em 14.06.2024.
6ª A Recorrente não concorda com os pontos 3. a 7. do douto Despacho, dos quais consta que:
(…)
7ª Essencialmente porque, ficou decidida uma guarda alargada ao Progenitor, onde, poderá ter consigo a menor todas as semanas, desde as 09:30 horas de quarta‑feira até às 17:30 horas de quinta-feira, pernoitando entre estes dias, e aos fins de semana, de 15 em 15 dias o progenitor pode estar com a menor desde as 09:30 horas de sexta-feira até às 17:30 horas de segunda-feira.
8ª A menor F.G., nasceu no dia 19 de Fevereiro de 2024, um nascimento que ocorreu de forma prematura, e, tem neste momento 4 (quatro) meses de idade.
9ª A aqui Recorrente entende que, a menor não pode ser sujeita com uma idade tão precoce a andar a circular de casa em casa, como foi determinado pelo Tribunal a quo, nem deverá fazê-lo.
10ª  Neste momento a Recorrente está de licença de maternidade, o que se vai manter até ao próximo mês de Outubro, pode ter a menor a viver em casa consigo todos os dias, o que permite que fique nesta fase, e, com esta idade, mais tempo com a mãe, como vinha a acontecer.
11ª O Recorrido está a trabalhar, e, como tem acontecido nestas primeiras semanas em que já esteve com a menor, acabou por deixar a menor em casa dos avós paternos, aos cuidados destes, ou mesmo de uma funcionária, e não ao cuidado do progenitor, como seria expectável.
12ª Com a aplicabilidade deste regime de Regulação Parental, o Progenitor pelo menos em duas das semanas do mês tem a menor mais tempo com ele do que a mãe.
13ª Apesar de só terem decorrido duas semanas desde que foi decretado este regime, já são visíveis alterações na menor, quando a Recorrente recebeu a menor em sua casa, entregue pelo Recorrido, esta estava inchada, ao que parece, o Recorrido foi incapaz de estimular a bebé para conseguir fazer as suas necessidades fisiológicas, situação que é essencial nesta fase da sua vida.
14ª Apesar de não estarmos perante uma residência alternada propriamente dita, trata-se de uma residência alargada, bastante alargada mesmo, atendendo à idade da menor, o que tem contribuído para a instabilidade da bebé, que está destabilizada com estas mudanças de casa.
15ª No seguimento do entendimento da Recorrente, existe uma vasta Jurisprudência, que contraria a decisão tomada pelo Tribunal a quo, a titulo de exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto em 13.05.2014, no processo n.º 5253/12.9TBVFR-A.P1 que quanto a esta parte esclarece que:
(…)
16ª Ou, o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, no processo n.º 3850/11.9TBSTS-A.P1, de 28.06.2016, que decidiu que:
(…)
17ª Também, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, que decidiu no mesmo sentido, no processo n.º 958/17.0T8VIS-A.C1, de 10.07.2019:
(…)
18ª Ainda, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, que decidiu no mesmo sentido no processo n.º 6098/13.4TBSXL-B.L1-8, de 30.01.2014:
(…)
19ª Por último, a Recorrente indica mais um Acórdão que vem no seguimento de muitos outros que, em casos semelhantes, vão no mesmo sentido, este proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, quanto a uma criança com três anos de idade, no âmbito do processo n.º 1655/18.5T8ACR-A.P1 de 07.05.2019 de cujo sumário consta que:
(…)
20ª Como referido, a Jurisprudência maioritariamente tem entendido que, para menores de tenra idade, como é o caso, a figura primária de referência é a da mãe, e, por isso a menor deverá ser confiada nos primeiros anos de vida à mãe, com quem manteria um vínculo afectivo e emocional mais profundo.
21ª Também a Declaração dos Direitos da Criança, refere no seu Princípio 6.º que:
“(...) salvo em circunstâncias excepcionais, a criança de tenra idade não deve ser separada da sua mãe (...).”
22ª Por tudo o acima exposto requer-se a V. Exas. seja alterada a Regulação das Responsabilidades Parentais em vigor, de forma a que, a menor passe a permanecer com a mãe, aqui Recorrente, podendo ver o pai/Recorrido durante os dias, aos fins de semana de 15 em 15 dias, mas sem pernoita, assim evitando que a menor ande a transitar entre casas, o que gera uma grande desestabilização da mesma.
O requerente apresentou alegação de resposta, aí pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Também o Ministério Público apresentou alegação de resposta, pugnando igualmente pela manutenção da decisão recorrida.
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Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, a única questão suscitada prende-se com o erro de julgamento na fixação do regime de convívios entre a menor e o requerente, pela desconsideração do superior interesse da menor em pernoitar exclusivamente com a requerida.
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A factualidade com relevo para o conhecimento do objecto do presente recurso é a que decorre das ocorrências e dinâmica processual expostas no relatório que antecede.
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Como resulta do art.º 38º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, quando não é obtido acordo na conferência de pais, impõe-se ao tribunal decidir provisoriamente sobre o pedido de regulação do exercício das responsabilidades parentais, em função dos elementos já obtidos.
Tendo presente o carácter embrionário da conferência de pais, no âmbito da tramitação do processo especial tendente à regulação do exercício das responsabilidades parentais, daí decorre que a decisão provisória há-de assentar mais em elementos indiciários resultantes da primeira intervenção processual das partes (incluindo a sua intervenção pessoal nessa conferência de pais e as declarações aí prestadas) que naqueles que pudessem resultar da realização de uma actividade instrutória completa, desde logo com recurso aos poderes inquisitórios do tribunal.
Nessa medida, o tribunal recorrido entendeu que, face aos elementos apurados, essencialmente decorrentes das declarações prestadas por cada um dos progenitores, e tendo em atenção a idade da F.G., a mesma devia continuar a residir com a requerida, mas sem prejuízo do estabelecimento de convívios alargados com o requerente, inclusive pernoitando com o mesmo em cinco noites por quinzena.
Contrapõe a requerida que a extensão de tais convívios, incluindo as pernoitas, faz com que se esteja perante um verdadeiro regime de residência alternada, com o qual não concorda tendo em atenção a idade precoce da F.G., e que desaconselha que ande “a circular de casa em casa”, por ser contrário ao seu equilíbrio e estabilidade.
É sabido da especial ligação entre a mãe e a criança durante a primeira infância, desde logo assente em aspectos nucleares como a amamentação.
E é certo que a F.G. ainda não atingiu o primeiro ano de vida, pelo que se poderia afirmar, numa primeira abordagem, que a existência de uma especial ligação entre a menor e a requerida levaria a concluir (como pretende a requerida) que as mudanças de residência frequentes colocariam em causa os cuidados a prestar à F.G., criando na mesma uma instabilidade emocional e psíquica, contrária ao seu superior interesse em manter tal especial ligação materno-infantil.
No que respeita ao exercício das responsabilidades parentais em caso de cessação da convivência entre os progenitores (nos termos do nº 2 do art.º 1911º do Código Civil), resulta do nº 5 do art.º 1906º do Código Civil que “o tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro”, resultando do seu nº 6 que “quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação da prestação de alimentos”, e resultando ainda do seu nº 8 que “o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores”.
Ou seja, tal como vem sendo afirmado pacificamente pela jurisprudência (como no acórdão de 27/1/2022 do Supremo Tribunal de Justiça, relatado por Tomé Gomes e disponível em www.dgsi.pt), “a lei consigna a prevalência do superior interesse do filho menor como critério decisório orientador na regulação do regime das responsabilidades parentais entre os progenitores separados.
O superior interesse da criança encontra-se também inscrito como vector fundamental no artigo 7.º da Declaração dos Direitos da Criança, proclamada pela Resolução da Assembleia Geral da ONU, de 20/11/1959, nos artigos 9.º, n.º 1, e 18.º, n.º 1, da Convenção Sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque, a 26/01/1990, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90, de 12/09, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 49/90, de 12-09, e no artigo 6.º, alínea a), da Convenção Europeia Sobre o Exercício dos Direitos da Criança, adoptada em Estrasburgo, a 25/01/1996, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 7/2014, de 13-12-2013 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 3/2014, de 27-01.
Nessa conformidade, o superior interesse da criança traduz-se num conceito jurídico indeterminado que visa assegurar a solução mais adequada para a criança no sentido de promover o seu desenvolvimento harmonioso físico, psíquico, intelectual e moral, especialmente em meio familiar, sendo, por isso, aferível em função das circunstâncias de cada caso”.
Dito de outra forma, o superior interesse da criança demanda a promoção do seu desenvolvimento total e completo de forma igualmente próxima com cada um dos progenitores, o que pressupõe a presença de ambos em todos os aspectos e fases desse desenvolvimento.
E, nessa medida, o legislador passou a eleger a residência alternada como meio tendencialmente apto a assegurar a presença de ambos os progenitores no desenvolvimento da criança, por reconhecer que esse é o caminho que assegura adequadamente o necessário relacionamento da criança com cada um deles.
O que é o mesmo que dizer que só não deve ser considerado o convívio alargado da criança com cada um dos progenitores, inclusive com pernoitas com ambos, quando se constate a existência de qualquer perigo para a criança decorrente desse tipo de vivência.
Isso mesmo explica Jorge Duarte Pinheiro, no seu artigo “Residência alternada – Dois pais ou uma só casa?” (disponível para consulta em www.revistadedireitocomercial.com/residencia-alternada-dois-pais-ou-uma-so-casa), aí referindo que o interesse superior da criança determina que  “em princípio, se deve decidir pela residência alternada, aplicando-se excepcionalmente a solução da residência única, isto quando não seja, em concreto, viável ou recomendável a residência alternada (por exemplo, se um dos progenitores não tem capacidade para prestar quotidianamente os cuidados de que a criança carece)”. E mais explica que “a residência única colide com o interesse do filho na “continuidade de relações, de afecto de qualidade e significativas” com o progenitor não residente e com o interesse do filho em manter também com este progenitor “relação de grande proximidade”. Na residência única, um dos progenitores é excluído do convívio corrente com o filho. Na residência alternada, ambos os progenitores podem partilhar o quotidiano com o filho, conservando e intensificando conhecimentos e sentimentos mútuos”.
Reconduzindo tais considerações ao caso concreto, logo se alcança que a pretensão da requerida de que a F.G. só conviva com o requerente em fins de semana alternados, do mesmo modo não pernoitando com este, não satisfaz objectivamente o interesse da menor em manter relações de grande proximidade com ambos os progenitores, assentes no convívio quotidiano com cada um deles.
Com efeito, a constatação de que a F.G. ainda não concluiu o primeiro ano de vida não conduz, por si só, a afirmar que a mesma não deve conviver quotidianamente com o requerente.
Por um lado, a F.G. já perfez seis meses de vida, o que significa que se encontra já a ultrapassar aquela fase do seu crescimento em que apenas “come e dorme”. Nessa medida, a fragilidade que decorre da sua tenra idade já dispensa a permanência quase integral em meio habitacional, sendo possível (e até desejável) que possa “vir à rua” e, por consequência, que possa pernoitar em mais de um meio habitacional, sem que tal circulação entre residências signifique qualquer perigo para a sua saúde ou bem-estar.
Por outro lado, a circunstância de a F.G. já estar na segunda metade do seu primeiro ano de vida significa que começa já a interagir com o meio que a rodeia. O que é o mesmo que afirmar que a manutenção de uma relação quotidiana apenas com a requerida reduz tal possibilidade de interacção, com tudo o que isso significa em termos de prejuízo para o desenvolvimento da F.G.
Dito de forma mais simples, inexistindo qualquer elemento concreto que permita afirmar que os convívios quotidianos da F.G. com o requerente são prejudiciais a tal desenvolvimento, a idade que a mesma apresenta aconselha a que conviva com o requerente, do mesmo modo que convive com a requerida, porque só assim estão asseguradas as relações de grande proximidade com ambos os progenitores.
Ou seja, o superior interesse da F.G. determina a necessidade de tais convívios frequentes, incluindo as pernoitas da mesma com o requerente, de modo em tudo semelhante ao que se passaria se se estivesse perante a residência alternada da mesma com cada um dos progenitores.
Tal posição é aquela que vem sendo afirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, como no acórdão de 30/11/2021 (relatado por Pedro de Lima Gonçalves e disponível em www.dgsi.pt), quando aí se refere que a ausência de verificação de quaisquer incapacidades educativas por parte dos progenitores, aliadas à constatação de iguais ligações de afecto ao menor, conduzem ao estabelecimento da residência alternada deste, “atendendo a que: i) as responsabilidades parentais são exercidas no interesse do menor; ii) o objectivo final é obter o contacto, tão próximo quanto possível, do menor com os seus progenitores, de modo a que o menor possa usufruir em pleno, e em termos paritários, do afecto, apoio e segurança que cada um deles lhe proporcionará”, e sendo ainda que “o superior interesse da criança integra uma orientação para o julgador perante o caso concreto, no sentido de que a primazia deve ser dada à figura da criança, nomeadamente ao direito de manter relações gratificantes e estáveis com ambos os progenitores”.
Do mesmo modo, no já referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/1/2022 ficou afirmado que “no caso de progenitores separados, nem sempre se mostra fácil estabelecer um modo de convivência concomitante do filho com ambos os pais, levando, não raras vezes, a que o filho tenha de residir com um deles, assegurando-se um regime de visitas ou de convívio com o outro”, mais se explicando que é “precisamente para esse tipo de situações que o artigo 1906.º, n.ºs 6 e 8, do CC elege o modelo de guarda conjunta e residência alternada do filho com os dois progenitores como meio privilegiado de proporcionar uma ampla convivência entre o filho e cada um dos progenitores, bem como a partilha das responsabilidades parentais por parte destes”, e advertindo-se ainda que “só assim não será se, atentas, nomeadamente, as aptidões, as capacidades e a disponibilidade de cada progenitor, o superior interesse do filho o não aconselhar”.
Também no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 18/6/2019 (relatado por Ana Rodrigues da Silva e disponível em www.dgsi.pt), ficou referido que, “no que se refere à residência da criança, tem-se verificado uma evolução doutrinária e jurisprudencial no sentido da consagração da residência alternada como a solução mais adequada para o desenvolvimento das crianças, desde que respeitadas as condições mínimas de adequação ao caso concreto e afastados os casos de violência ou de maus tratos a menores”, mais se constatando que “a jurisprudência maioritária admite a residência alternada, mesmo em situações de falta de acordo entre os pais, por ambos pretenderem a residência exclusiva, fundando-a, além do mais, no princípio da igualdade entre os progenitores e no superior interesse da criança”, remetendo-se para a resenha jurisprudencial e doutrinária efectuada no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 7/8/2017 (relatado pelo ora segundo adjunto, proferido no processo 835/17.5T8SXL-A e disponível em https://outrosacordaostrp.com).
E neste acórdão de 7/8/2017 é explicado que “se nada houver contra ou a favor de nenhum dos progenitores, (…) não se deve determinar a residência do filho com a mãe apenas por ele ter uma ‘tenra’ idade, no caso 20 meses”, afirmando-se ainda que “de resto, não se vê que, para efeitos do princípio VI da Declaração dos Direitos da Criança, resolução da AG das NU 1386 (XIV), de 20/11/1959 [… salvo em circunstâncias excepcionais, a criança de tenra idade não deve ser separada da sua mãe. …], se deva considerar que a alternância de residências por metades da semana (…) pudesse corresponder à separação da criança da mãe”.
Do mesmo modo, e quanto ao argumento de que a residência alternada “relativa a um filho, de tenra idade, com 20 meses de idade, é prejudicial a este, porque lhe provoca desestabilização nas rotinas e horários e afectos do filho e lhe cria instabilidade, desconfiança e desconforto”, ainda que nesse acórdão se admita genericamente “alguma desestabilização nas rotinas e horários [que] será criada pela residência alternada”, não deixa de se salientar que “essa desestabilização já resultou da separação”, e se manterá em caso de “determinação da residência apenas com a mãe”, mas sendo que “muito mais importante que a manutenção das rotinas e horários, já prejudicados pela separação, é a manutenção da relação muito próxima com o pai, que a residência apenas com a mãe vai prejudicar irremediavelmente”.
Do mesmo modo, ainda, no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 19/11/2020 (relatado por Carlos Castelo Branco e disponível em www.dgsi.pt), depois de se recuperar e acompanhar o posicionamento doutrinário e jurisprudencial maioritário demonstrado no referido acórdão de 7/8/2017, conclui-se que:
I) Na decisão – ainda que provisória - sobre o exercício das responsabilidades parentais, em caso de divórcio, o tribunal procede de harmonia com o interesse da criança, incluindo o de manter uma relação de proximidade com os dois progenitores, devendo privilegiar a decisão que favoreça amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles (cfr. artigo 1906.º, n.º 7, do CC).
II) O direito de visita deve ser entendido como o direito da criança a se relacionar, conviver e a ter contacto com o progenitor a quem não se encontre atribuída a guarda, constituindo, para o progenitor em questão, um poder-dever de se relacionar e conviver com o seu filho, fundamental para a manutenção dos laços afectivos entre ambos e para o completo e harmonioso desenvolvimento e formação da personalidade da criança.
III) A negação ou restrição do direito de visita só se justificará quando ocorra fundamento que justifique a aplicação de uma medida limitativa do exercício das responsabilidades parentais (artigo 1918º do CC) ou uma medida inibitória do exercício de tais responsabilidades (artigo 1915º do CC), devendo a restrição ser proporcional à salvaguarda do interesse da criança e a negação constituir a medida de último termo, incumbindo ao progenitor que pretende impedir as visitas, o ónus de prova de que este convívio é prejudicial para a criança.
IV) Não se verificando motivo para impedir ou restringir as visitas, devem ser possibilitados ao progenitor não guardião amplos contactos com a criança que permitam que o mesmo possa continuar a exercer, cabalmente, as suas responsabilidades parentais para com o filho.
V) No caso dos autos, o interesse superior das crianças, quer na vivência com ambos os pais, quer na convivência entre irmãos, não justifica a adopção de um regime provisório mais restrito que implique o impedimento de pernoita daquelas na residência do progenitor não guardião”.
Em suma, é certo que a determinação dos convívios alargados da F.G. com o requerente, constante do regime provisório instituído pela decisão recorrida, representa materialmente uma solução muito próxima da residência alternada, tendo presente que a cada período quinzenal a mesma passa períodos diurnos sensivelmente idênticos com o requerente e com a requerida, pernoitando ainda com o requerente por cinco vezes em cada um desses períodos quinzenais.
Todavia, não é de acolher a argumentação apresentada pela requerida para sustentar que não pode haver lugar a essa forma de convívios alargados da F.G. com o requerente, porque desrespeita o superior interesse da mesma decorrente da sua tenra idade e da instabilidade provocada pelas mudanças constantes entre as duas residências (da requerida e do requerente), na exacta medida em que os eventuais inconvenientes decorrentes dessas mudanças decorrem desde logo da cessação da vida em comum entre o requerente e a requerida, do mesmo modo não ultrapassando os graves riscos que representaria para o desenvolvimento da F.G. a circunstância de residir apenas com a requerida e de conviver com o requerente apenas em fins de semana alternados, em período diurno e sem qualquer pernoita.
O que faz concluir, sem necessidade de ulteriores considerações, que improcedem na sua totalidade as conclusões do recurso da requerida, não sendo de fazer qualquer censura à decisão recorrida.
***
DECISÃO
Em face do exposto julga-se improcedente o recurso e mantém-se a decisão recorrida.
Custas do recurso pela recorrente.

26 de Setembro de 2024
António Moreira
Vaz Gomes
Pedro Martins