Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3194/21.8T8VFX.L1-7
Relator: MICAELA SOUSA
Descritores: APRESENTAÇÃO DA PETIÇÃO INICIAL
APOIO JUDICIÁRIO
JUNÇÃO DO COMPROVATIVO
DEFERIMENTO TÁCITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1– O autor não cumpre a obrigação que decorre do disposto no artigo 552º, n.º 7 do Código de Processo Civil quando se limita a juntar, com a petição inicial, o documento comprovativo do pedido de apoio judiciário sem invocação da formação do acto tácito, sendo que é nesse momento, em que exerce o impulso processual, que se impõe demonstrar o gozo desse benefício, conforme artigo 529º, n.º 2 daquele diploma legal.

2– A previsão do artigo 560º do Código de Processo Civil é hoje imprestável para fundamentar, em todas as situações, a possibilidade de invocação do deferimento tácito após a recusa da petição inicial pela secretaria, em analogia com a possibilidade de comprovar o pagamento de taxa de justiça ou concessão do benefício de apoio judiciário, sem prejuízo de tal similitude se manter para os casos de parte não representada por mandatário judicial.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


I–RELATÓRIO:


A, CC 1......8 0 ZY1, NIF 2.......6, residente na Rua ..... ..... ....., n.º …, Casal ....., 2...-... - S. ..... ..... - A_____, em 29 de Outubro de 2021, deduziu, nos termos dos artigos 298, n.º 4, 941º, 942.º e 946º do Código de Processo Civil[1], referindo ter requerido pedido de apoio judiciário, contra B, CC 1......3 5..1, NIF 2.......4, residente na Rua ..... ....., n.º …, 2...-... - A_____, Vila ..... ....., acção especial de prestação de contas, mediante a qual pretende prestar espontaneamente contas pela circunstância de relativamente à fracção adquirida pelo requerente e pela requerida, com recurso a empréstimo, ter sido aquele quem, após a separação de ambos, desde o mês de Março de 2018, até ao mês de Setembro de 2021, tem suportado todos os pagamentos e encargos inerentes à compra da fracção, pelo que apresentou as despesas em que incorreu e formulou o seguinte pedido:
a)-A aprovação das contas com o saldo de 17 601,03 €, de acordo com as despesas indicadas e a condenação da ré a pagar ao autor metade das despesas, no valor de 8 805,01 €, a que acresce o valor 1 727,91 € referido no ponto 2 e suportado pelo autor, no total de 10 532,91 € (dez mil quinhentos e trinta e dois euros e noventa e um cêntimo), acrescidos de juros, vencidos desde o mês de Março de 2018 e vincendos até integral e efectivo pagamento, à taxa legal em vigor.
Juntamente com a petição inicial, o autor juntou, entre outros, um documento comprovativo da apresentação por si, junto do Instituto de Segurança Social, I. P. – Conselho Distrital de Lisboa, em 8 de Outubro de 2021, de requerimento de protecção jurídica – pessoa singular, com o número 126614/2021, em que solicita o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo com vista à proposição de acção judicial de prestação de contas para divisão de coisa comum (cf. Ref. Elect. 1153949).

Em 2 de Novembro de 2021 a secretaria judicial expediu uma notificação dirigida ao ilustre mandatário do autor com o seguinte conteúdo (cf. Ref. Elect. 150353786):
“Assunto: Artº 17.º da Portaria 280/2013, de 26 de agosto
Nos termos do art.º 17.º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto com as alterações introduzidas pela Portaria 170/2017, de 13 de março, fica notificado, na qualidade de Mandatário, e relativamente ao processo supra identificado, da recusa da petição inicial apresentada.
Do ato de recusa da petição inicial poderá apresentar reclamação, nos termos do n.º 1 do art.º 559.º do CPC. Decorrido o prazo para a reclamação da recusa, ou, havendo reclamação, após o trânsito em julgado da decisão que confirme o não recebimento, considera-se a peça recusada, dando-se a respetiva baixa na distribuição.
Prazo: 10 dias.”

Em 12 de Novembro de 2021, o autor dirigiu aos autos um requerimento de reclamação, nos termos do art.º 559º do CPC, onde sustentou que, não obstante o art.º 145º, n.º 1 do CPC determinar que a prática de um acto processual que exija o pagamento de taxa de justiça, demanda a junção do comprovativo desse pagamento ou da concessão do benefício de apoio judiciário, a sua falta não implica a recusa da peça processual, nos termos do n.º 3 do referido normativo legal, assim como defendeu que nos termos do art.º 25º, n.º 3 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, é suficiente a menção em tribunal da formação do acto tácito, o que invoca (cf. Ref. Elect. 11589938).

Em 16 de Novembro de 2011 foi proferido o seguinte despacho (cf. Ref. Elect. 150510547):
“O requerido a 12.11.2021, configura uma “reclamação do ato de recusa da secretaria”, a apreciar nos termos do art.º 559º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Não se nos suscitam dívidas de que se deveria recusar a presente petição inicial, uma vez que o Autor, coligado, não juntou comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida, nem juntou o comprovativo do deferimento do respectivo pedido de apoio judiciário, mas tão somente cópia do respectivo pedido de protecção jurídica, formulado em 8.10.2021 (fls. 73 e ss.), tendo a Pi dado entrada em juízo em 29.10.2021, sem tão pouco invocar, como só agora o faz (em 12.11.2021), porque só agora está decorrido o referido prazo, o deferimento tácito do pedido, pelo decurso do tempo (cfr. art.º 25º, n.º 3, 1ª parte da LAJ).
De resto, e conforme o disposto no art.º 558º, al. f) do Código de Processo Civil, só se estivermos na presença de uma das situações que elenca o art.º 552º, n.º 5 poderá o apresentante da Petição Inicial instrui-la meramente com cópias dos pedidos de apoio judiciário formulados.
Não se tratando de nenhuma dessas situações, nem razões de urgência vindo concretamente alegadas e comprovadas, pelo Autor, bem andou a secção em oficiosamente recusar o articulado de Petição Inicial.
Notifique.”

Inconformado com esta decisão, o autor interpõe o presente recurso cujas alegações concluiu do seguinte modo (cf. Ref. Elect. 11626190):
a)-A Constituição da República Portuguesa, arts. 20.º, n.º 1 e 161.º, al. c), e a Lei asseguram a todos, sem excepção, o acesso aos tribunais que não pode ser negado por insuficiência económica.
b)-E, o artigo 25.º, n.º 1, da Lei 34/2004, de 29-07, na redacção da Lei 47/2007, de 28/08, fixa o prazo máximo para conclusão do procedimento administrativo em 30 (trinta) dias.
c)-O n.º 2, do mesmo preceito, diz: - Decorrido o prazo referido no número anterior sem que tenha sido proferida decisão considera-se tacitamente deferido e concedido o pedido de protecção jurídica.
d)-E, o n.º 3, da norma fixa: (…) é suficiente a menção em tribunal da formação do acto tácito (…)
e)-O apelante invocou o deferimento tácito perante o tribunal a quo, por ser sua competência funcional e por ter sido excedido o prazo legal para a decisão pelo ISS.
f)-1–Existe deferimento tácito quando a lei ou regulamento determine que a ausência de notificação da decisão final sobre pretensão dirigida a órgão competente dentro do prazo legal tem o valor de deferimento.
2– Considera-se que há deferimento tácito se a notificação do ato não for expedida até ao primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo da decisão. (art. 130.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo).
g)-Segundo o CPC, o apelante deve comprovar o pagamento da taxa de justiça aquando da petição, salvo quando junta o requerimento comprovativo de ter requerido o apoio judiciário, ainda não foi concedido (artigos 558.º, n.º 1, al. f), ex vi n.º 9, do 552.º e n.º 3, do 642.º, todos do CPC.
h)-Nas situações em que se encontre pendente o pedido de apoio judiciário sem que exista ainda decisão (final) por parte da Segurança Social, não será de aplicar o disposto no artigo 558.º alínea f) do NCPC.
Acórdão do TRL Proc. 6650/07.7TDLSB.L1-5
Acórdão do TRL, Proc. 1385/13.4TVLSB.L1.
Acórdão do TRL, Proc. 2645/13.0TBBRR.L1-6
Acórdão do TRL Proc. 1257/16.0T8VFX.L1, todos in www.dgsi.pt

i)-Mas, (....) a falta de junção do documento referido no n.º 1, não implica a recusa da peça processual [(....) (art. 145.º, n.º 3, do CPC).
j)-A recusa da PI pelo tribunal a quo viola o artigo 25.º, n.ºs 1 a 3, da Lei 34/2004, de 29/07 e a Lei 41/2013, de 26/06, pois não enferma de qualquer vício e cumpre a Lei, razão por que se requer ao Tribunal ad quem a citação da Ré.
Conclui pedindo a revogação da decisão recorrida e a declaração do deferimento tácito do apoio judiciário, com a consequente citação da ré.
Em 25 de Novembro de 2021 foi proferido despacho que admitiu o recurso e ordenou a citação da ré para os termos do recurso, como para os da causa, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 559º, n.º 2 e 641º, n.º 7 do CPC (cf. Ref. Elect. 150629596).
Porém, os autos foram remetidos a este Tribunal Superior sem cumprimento do ordenado, pelo que, em 8 de Janeiro de 2022, foi determinada a sua baixa à 1ª instância para citação da ré (cf. Ref. Elect. 17864427).
Citada a ré, deduziu esta contestação mas nada disse quanto aos termos do presente recurso (cf. Ref. Elect. 12051818), tendo os autos sido remetidos novamente a esta Relação.
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II–OBJECTO DO RECURSO

Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do CPC é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª Edição, pág. 95.
Assim, perante as conclusões da alegação do apelante, a questão a apreciar cinge-se a saber se a petição inicial deveria ter sido recusada por falta de apresentação do documento comprovativo da concessão do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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III–FUNDAMENTAÇÃO

3.1.–FUNDAMENTOS DE FACTO
Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais que se evidenciam do relatório supra.
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3.2.–APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
O autor/recorrente sustenta que o despacho colocado em crise, que confirmou a recusa da petição inicial pela secretaria judicial com fundamento na falta de apresentação do comprovativo do pagamento da taxa de justiça ou de concessão do benefício de apoio judiciário, deve ser revogado, porquanto, apesar de ter apresentado um requerimento de protecção jurídica sem invocar o deferimento tácito, fê-lo porque à data ainda não havia decorrido o prazo para que este se formasse; mais refere que se mostra violado o disposto no art.º 9º, n.º 5 da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, que alude à comprovação do pedido ou concessão do benefício de apoio judiciário e, bem assim, o n.º 3 do art. 145º do CPC, que determina que a falta de junção do documento referido no n.º 1 não implica recusa da peça processual; mais argumenta que invocou o deferimento tácito em sede de reclamação relativa à recusa da petição inicial, pois que antes não o poderia invocar perante a secretaria; louva-se ainda em jurisprudência dos tribunais superiores que entende justificar que a secretaria não deve recusar o recebimento da petição inicial quando o apoio judiciário tenha sido pedido mas a Segurança Social não se haja pronunciado.
Sob a epígrafe “Requisitos da petição inicial”, o art.º 552º do CPC, na redacção introduzida pelo DL n.º 97/2019, de 26 de Junho, em vigor (cf. art.º 5º, n.º 1) à data da interposição da presente acção (29 de Outubro de 2021), no seu n.º 1, enumera o conteúdo obrigatório da petição inicial.
Os nºs 2 a 5 dispõem agora sobre a identificação das partes, em concreto, sobre a identificação das partes que sejam pessoa colectiva.
O n.º 6 estabelece a necessidade de o autor indicar, no final da petição, o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova, podendo vir a alterar o requerimento probatório inicialmente apresentado, caso o réu conteste, na réplica, se a esta houver lugar, ou no prazo de 10 dias a contar da notificação da contestação.
Acrescenta, por sua vez, o n.º 7 do citado normativo legal que o autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa daquele pagamento, o que deve ser conjugado com o n.º 9 que estatui: Sendo requerida a citação nos termos do artigo 561.º, e faltando, à data da apresentação da petição em juízo, menos de cinco dias para o termo do prazo de caducidade ou ocorrendo outra razão de urgência, deve o autor comprovar que requereu o pedido de apoio judiciário mas este ainda não foi concedido, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º ou, sendo a petição inicial apresentada por uma das formas previstas nas alíneas a) a c) do n.º 7 do artigo 144.º, através da junção do respetivo documento comprovativo.”
E aduz ainda o n.º 10 que:No caso previsto no número anterior, o autor deve efetuar o pagamento da taxa de justiça no prazo de 10 dias a contar da data da notificação da decisão definitiva que indefira o pedido de apoio judiciário, sob pena de desentranhamento da petição inicial apresentada, salvo se o indeferimento do pedido de apoio judiciário só for notificado depois de efetuada a citação do réu.”
O art.º 558.º do CPC, sob a epígrafeRecusa da petição pela secretaria”, elenca os casos em que a secretaria recusa o recebimento da petição inicial, indicando por escrito o fundamento da rejeição, referenciando as situações em que tal pode ocorrer, constando da sua alínea f) o seguinte: “Não tenha sido comprovado o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão de apoio judiciário, exceto no caso previsto no n.º 9 do artigo 552.º;”.
Significa isto que, não sendo comprovado o pagamento da taxa de justiça inicial, torna-se necessário, para impedir a recusa pela secretaria, apresentar logo com a petição, documento comprovativo da concessão do apoio judiciário, ou o requerimento comprovativo da pendência desse pedido caso se verifique alguma das seguintes situações:
i.-for requerida a citação urgente prevista no art.º 561º, n.º 1 do CPC;
ii.-à data da apresentação da petição em juízo faltarem menos de cinco dias para o termo do prazo de caducidade;
iii.-ocorra outra razão de urgência.
No caso em apreço, verifica-se que o recorrente não juntou com a petição inicial documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial ou da concessão do benefício de apoio judiciário.
Com efeito, com a petição inicial foi apenas apresentado, para além dos demais documentos, um documento comprovativo da entrega junto do Instituto de Segurança Social do requerimento de protecção jurídica por ele formulado, que recebeu o n.º 126614/2021, com data de entrada nesses serviços de 8 de Outubro de 2021, por meio do qual requereu a concessão de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, para propor acção de prestação de contas.
No texto do articulado, o recorrente não invocou expressamente a verificação de qualquer das circunstâncias excepcionais mencionadas no n.º 9 do art.º 552º do CPC, limitando-se a referir no intróito da petição inicial, a seguir à identificação do autor, que este deduzia a acção “com pedido de apoio judiciário já requerido” e, no final, que juntava “documento de protecção jurídica”.
In casu, o reclamante não requereu inicialmente a citação urgente, nem invocou qualquer outra razão de urgência, assim como não convocou a formação de acto tácito de deferimento do pedido de apoio judiciário, pelo que a mera junção do documento comprovativo do pedido formulado não se afigurava bastante para se ter por cumprida a exigência decorrente do n.º 6 do art.º 552º do CPC e consequentemente ser recebida a petição inicial, o que determinou a recusa desta pela secretaria, em 2 de Novembro de 2021.
Posteriormente, deduzida reclamação pelo autor, o tribunal recorrido confirmou a recusa da petição inicial, considerando que a formação do acto tácito de deferimento do pedido de concessão de apoio judiciário deveria ter sido invocada na petição inicial, o que não sucedeu porque tal ainda não se tinha verificado, pelo que não podia o demandante juntar apenas o comprovativo do requerimento de protecção jurídica, por não ocorrer qualquer uma das situações mencionadas no n.º 9 (e não 5 como se refere na decisão recorrida) do art.º 552º do CPC.
O apelante insurge-se contra este entendimento invocando, em primeiro lugar, a falta de atendibilidade pelo tribunal recorrido do disposto no art.º 9º da Portaria n.º 280/2013, de 20 de Setembro, na redacção que lhe foi dada pela Portaria n.º 170/2017, de 25 de Maio, sem que, porém, se consiga perceber qual o alcance que confere a tal normativo para ter a virtualidade de interferir na apreciação da questão que ora se impõe solucionar, qual seja, se a apresentação do documento comprovativo do requerimento de protecção jurídica, sem que tenha ainda sido proferida decisão pela Segurança Social e sem que tenham decorrido os trinta dias mencionados no art.º 25º, n.º 1 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, que aprovou o Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais[2], é suficiente para se ter por cumprida a exigência do n.º 6 do art.º 552º do CPC.

Com efeito, dispõe o art. 9º da Portaria n.º 280/2013, de 20 de Setembro, sobre o pagamento da taxa de justiça e do benefício de apoio judiciário, nos seguintes termos:
1- O responsável pelo prévio pagamento da taxa de justiça ou de outra quantia devida a título de custas, de multa ou outra penalidade deve indicar, em campo próprio dos formulários de apresentação de peça processual constantes do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, a referência que consta do documento único de cobrança (DUC), encontrando-se dispensado de juntar ao processo o respetivo documento comprovativo do pagamento.
2-Nos casos referidos no número anterior, a comprovação do prévio pagamento é efetuada automaticamente por comunicação entre o Sistema de Cobranças do Estado, o sistema informático de registo das custas processuais e o sistema informático de suporte à atividade dos tribunais.
3-Nos casos em que cabe à secretaria notificar o responsável para o pagamento da taxa de justiça ou de outra quantia devida a título de custas, de multa ou outra penalidade, e seja emitida guia acompanhada de DUC para esse efeito, a comprovação do pagamento efetua-se automaticamente por simples comunicação eletrónica entre os sistemas referidos no número anterior, estando o responsável pelo pagamento dispensado de indicar, nos termos do n.º 1, a referência que consta do DUC.
4-Nos casos em que a lei exija a junção de documento comprovativo do pagamento das quantias a que se refere o n.º 1, o mesmo é apresentado por transmissão eletrónica de dados, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º
5-O pedido ou a concessão do benefício do apoio judiciário são comprovados através da apresentação, por transmissão eletrónica de dados, dos correspondentes documentos comprovativos, nos termos definidos para os restantes documentos na alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º.”

A mera leitura desta norma permite constatar que dispõe sobre os termos em que a prova do prévio pagamento de taxa de justiça devida ou de concessão do benefício de apoio judiciário deve ser efectuada e sobre o modo como os documentos que os comprovam devem ser remetidos ao processo, sendo que o n.º 5 estatui, precisamente, que essa comprovação é feita através da apresentação, por transmissão electrónica de dados, dos correspondentes documentos comprovativos, remetendo para a alínea b) do n.º 1 do art.º 6º, que determina que tais documentos são anexados em ficheiros, de forma individualizada (em consonância, aliás, com o estatuído no art.º 144º do CPC, sobre a apresentação dos actos processuais em juízo que, por regra, deve ser efecuada por via electrónica).
Note-se que a referência ao pedido ou a concessão do benefício de apoio judiciário em nada corrobora a pretensão recursória do apelante – caso seja essa a sua intenção –, no sentido de que o cumprimento do estatuído no art.º 552º, n.º 6 do CPC se basta com a apresentação do comprovativo do requerimento de protecção jurídica, porquanto tal previsão apenas abrange a possibilidade de estar em causa uma das situações mencionadas no n.º 9 daquele normativo legal que, conforme se referiu, não se verifica nos autos, não tendo sido invocada pelo autor qualquer razão de urgência que justificasse a mera junção daquele requerimento.
Mas o apelante vem ainda sustentar que o n.º 3 do art. 145º do CPC refere que a falta de junção do documento mencionado no seu n.º 1 não implica a recusa da peça processual, o que faz, porém, sem reproduzir na íntegra o texto daquela norma legal.

Sobre a comprovação do pagamento de taxa de justiça dispõe o art.º 145º do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 97/2019, de 26 de Julho, do seguinte modo:
1- Quando a prática de um ato processual exija o pagamento de taxa de justiça, nos termos fixados pelo Regulamento das Custas Processuais, deve ser comprovado o seu prévio pagamento ou a concessão do benefício do apoio judiciário, salvo se, neste último caso, essa concessão já se encontrar comprovada nos autos.
2-A comprovação de pagamento de taxa de justiça de valor inferior ao devido, nos termos do Regulamento das Custas Processuais, equivale à falta de comprovação.
3- Sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a falta de comprovação do pagamento referido no n.º 1 ou da concessão do benefício do apoio judiciário não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua comprovação nos 10 dias subsequentes à prática do ato processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos artigos 570.º e 642.º
4-O prévio pagamento da taxa de justiça ou a concessão do benefício do apoio judiciário são comprovados:
a)- Quando o ato processual seja praticado por via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º;
b)- Quando o ato processual seja praticado por uma das formas previstas nas alíneas a) a c) do n.º 7 do artigo anterior, através da junção do documento comprovativo do prévio pagamento ou da concessão do benefício do apoio judiciário.
5- Sempre que se trate de causa que não importe a constituição de mandatário, e o ato tenha sido praticado diretamente pela parte, é a parte notificada para que proceda à junção de comprovativo de pagamento ou da concessão de apoio judiciário, sob pena de ficar sujeita às cominações legais.”

A propósito deste artigo refere o professor Miguel Teixeira de Sousa[3]:
1- O artigo regula a comprovação do pagamento da taxa de justiça ou da concessão de apoio judiciário. […]
(b)- A taxa de justiça deve ser paga por quem demande – isto é, tenha participação activa – na qualidade de autor ou de réu, de exequente ou de executado, de requerente ou de requerido, de recorrente ou recorrido ou de interveniente principal (art. 530.º, n.º 1 e 2; tb art. 552.º, n.º 7, 570.º, 642.º e 724.º, n.º 4, al. c)) […]
4- (a)- O n.º 1 determina a obrigação da comprovação da taxa de justiça ou da concessão de apoio judiciário. (b) O n.º 4 regula os modos de comprovação do pagamento da taxa de justiça ou da concessão de apoio judiciário. (c) Quando o acto processual seja praticado por via electrónica, o documento comprovativo deve ser apresentado por transmissão electrónica de dados (n.º 4, al. b); art. 9.º, n.º 4, RTE).
5- (a)- A falta da comprovação do pagamento da taxa de justiça devida pela entrega de p.i. ou de requerimento executivo ou da concessão de apoio judiciário ao autor ou exequente implica a sua recusa pela secretaria (n.º 3 1.ª parte; art. 558.º, n.º 1, al. f), e 725.º, n.º 1, al. e)). (b) Quanto a outros actos (contestação do réu e interposição de recurso), a falta de comprovação do pagamento da taxa de justiça ou da concessão de apoio judiciário não implica a recusa da peça processual, mas a parte deve proceder à comprovação do pagamento da taxa de justiça ou da concessão de apoio judiciário nos 10 dias posteriores (n.º 3); o preceito “não concede à parte um prazo adicional de 10 dias para efectuar o pagamento da taxa de justiça, após a prática do ato, facultando apenas a possibilidade de comprovar o pagamento nos 10 dias subsequentes” (RG 7/5/2020 (233/13)).”
Daqui decorre, como é evidente, que o n.º 3 do art.º 145º do CPC ressalva expressamente as normas específicas aplicáveis à petição inicial, decorrentes do estatuído nos art.ºs 558º, f), 559º e 560º do CPC, no confronto com as previstas para a apresentação de outras peças processuais, como é o caso da contestação ou interposição de recurso, pelo que a referência constante do n.º 3 do art.º 145º do CPC de que a falta de junção do documento comprovativo do pagamento de taxa de justiça ou de concessão do benefício de apoio judiciário não determina a recusa da peça processual não tem, manifestamente, aplicabilidade no caso da petição inicial.
Assim, no caso de a falta de comprovação do pagamento da taxa de justiça respeitar ao autor, o art. 558.º, n.º 1, al. f), CPC impõe a rejeição da petição inicial.
E, à luz da actual redacção do art.º 560º do CPC, como refere Miguel Teixeira de Sousa, “o autor só pode sanar esta falta aproveitando os efeitos que a entrega da petição inicial iria produzir se não estiver representado por mandatário judicial. No caso de se verificar esta representação, não está excluído, como é claro, que o mandatário possa apresentar uma nova petição inicial acompanhado do comprovativo do pagamento da taxa de justiça, mas, nessa hipótese, não se ficciona (com as consequências acima referidas) que esta nova petição deu entrada na data em que a primeira foi entregue.” – cf. A (muito estranha) nova redacção do art. 560.º CPC, pp. 5-6.[4]
Neste caso, dado que o autor está representado por mandatário judicial e a petição inicial foi apresentada por via electrónica, uma vez recusada a petição inicial, aquele não beneficia da possibilidade de apresentar outra petição ou juntar o documento a que se refere a primeira parte do disposto na alínea f) do artigo 558.º, dentro dos 10 dias subsequentes à recusa de recebimento, ou à notificação da decisão judicial que a haja confirmado, considerando-se a acção proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo.
No entanto, confrontado com a recusa da petição inicial, o autor, em sede de reclamação, veio então invocar a formação de acto tácito de deferimento do pedido de protecção jurídica, referindo estarem já decorridos trinta e seis dias sobre a data da apresentação do requerimento sem que a Segurança Social tivesse proferido decisão.
Sustenta o apelante que tendo invocado a formação de acto tácito, o tribunal recorrido deveria ter seguido a jurisprudência dos tribunais superiores que afasta a aplicação do art.º 558º, f) do CPC nas situações em que esteja pendente o pedido de apoio judiciário sem que exista decisão final, devendo sobreporem-se as normas que emanam do RADT relativamente às decorrentes da Portaria n.º 280/2013, que determinaram a recusa da petição inicial.

Tal jurisprudência, contudo, foi lavrada na vigência do art.º 560º do CPC, na redacção anterior ao DL 97/2019, de 26 de Julho, que prescrevia o seguinte:O autor pode apresentar outra petição ou juntar o documento a que se refere a primeira parte do disposto na alínea f) do artigo 558.º, dentro dos 10 dias subsequentes à recusa de recebimento ou de distribuição da petição, ou à notificação da decisão judicial que a haja confirmado, considerando-se a ação proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo.”

Ora, na vigência dessa redacção, recusada a petição inicial, fora dos casos previstos no n.º 5 (actual n.º 9) do art.º 552º do CPC, poderia o autor reagir mediante reclamação para o juiz, assim como podia, nos termos do mencionado art.º 560º, juntar o documento a que alude a alínea f) do art.º 558º, dentro dos 10 dias subsequentes à recusa de recebimento ou da notificação judicial que a haja confirmado, considerando-se a acção proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo.
Assim, naquelas situações em que realmente é obrigatória a apresentação do documento comprovativo da concessão do apoio judiciário, a falta de apresentação desse documento tinha como resultado final, nos casos de recusa da petição pela secretaria ou de subsequente recusa da distribuição (cf. art. 207º, n.º 1 do CPC), a possibilidade de o autor juntar aos autos o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça, considerando-se a acção proposta na data da apresentação da petição inicial recusada.
Neste caso, o autor não fez uma coisa nem outra, mas veio reclamar invocando então a formação de acto tácito de deferimento do pedido de apoio judiciário que deduzira.
Este colectivo já entendeu, em situação similar, que vindo o autor invocar, em sede de reclamação, a formação de acto tácito, compete ao tribunal averiguar sobre a sua efectiva verificação antes da prolação de decisão sobre a reclamação da recusa da petição inicial, o que se fez considerando que se a lei concedia ao autor a possibilidade de, no prazo de 10 dias após a recusa da petição inicial, juntar o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida, não existia razão bastante para não admitir que, demonstrada a formulação do pedido de apoio judiciário, a convocação da formação do acto tácito pudesse ser efectuada nesse mesmo prazo e, mais do que isso, em contexto de reclamação do acto de recusa – cf. acórdão proferido no processo 935/19.7T8LRS.L1, em 23 de Março de 2021[5].

Todavia, tal razão deixou, entretanto, de subsistir, porquanto em situações como a dos autos, em que o autor está representado por mandatário judicial, não beneficia da possibilidade de sanação da irregularidade decorrente da falta de apresentação do documento comprovativo do pagamento de taxa de justiça ou da concessão do benefício de apoio judiciário, no prazo de dez dias subsequentes à recusa da petição inicial.
Seguro é que em face da actual redacção do art.º 560º do CPC a posição do autor está bastante mais agravada, pois que em caso de recusa da petição inicial com fundamento na alínea f) do art.º 558º do CPC, estando aquele representado por mandatário judicial, não terá a oportunidade de sanar o vício e beneficiar dos efeitos processuais e substantivos da interposição da acção reportados à data da apresentação da petição inicial recusada.

Com efeito, como se refere no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27-05-2021, processo n.º 99/21.6BEFUN[6]:
“[…] o atual regime constante do artigo 560.º do CPC, é bastante mais restritivo e penalizador, em relação à redação anterior, porquanto, depois da rejeição da petição inicial pela secretaria ou do indeferimento dessa petição pelo juiz, só pode ser apresentada uma nova petição, com salvaguarda dos efeitos que a petição rejeitada ou indeferida produziria, se esta não tiver sido apresentada por mandatário judicial. Noutra formulação, dir-se-á que sempre que o articulado inicial seja subscrito por mandatário judicial, o disposto no citado normativo exclui que a apresentação de uma nova petição inicial possa retroagir à data da apresentação da petição rejeitada ou indeferida.”

Aí se alerta também para a possível violação do princípio da igualdade das partes, de que dá conta Miguel Teixeira de Sousa, in A (muito estranha)…, pág. 6:

“O que, salvo melhor opinião, não respeita o princípio da igualdade das partes é:
Admitir-se a sanação do fundamento da rejeição ou do indeferimento liminar da petição inicial apenas quando o autor não esteja representado por mandatário judicial; nesta hipótese, a discriminação verifica-se entre autores que litigam em nome próprio (que beneficiam de um regime de sanação) e autores representados por advogados (que não beneficiam de um idêntico regime);
Admitir-se a sanação do fundamento da rejeição ou do indeferimento liminar da petição inicial apenas quando o autor, não representado por advogado, não a tenha entregue por via electrónica; nesta situação, a discriminação ocorre entre autores não representados por advogado que não tenham apresentado a petição inicial por via electrónica (que beneficiam da sanação do vício) e autores que, também não estando representados por advogado, tenham entregue a petição por essa via (que não beneficiam dessa sanação);
Excluir-se a sanação do fundamento da rejeição ou do indeferimento liminar da petição inicial, mas admitir-se a sanação de um idêntico vício quando se verifique em relação à contestação (e a um possível pedido reconvencional) do réu; nesta hipótese, a discriminação verifica-se entre autores (que não beneficiam de um regime de sanação quando estiverem representados por advogado) e réus (que beneficiam sempre desse regime).”
Para além disso, o professor M. Teixeira de Sousa alerta ainda, no mencionado texto[7], para a manifesta contradição desta opção legislativa face à evolução do processo civil no sentido da prevalência do fundo sobre a forma, pois que a opção pela não sanação do vício e a eventual impossibilidade da tutela do direito por motivos formais decorrente da actual redacção do art.º 560º do CPC contraria a tendência para o aproveitamento dos actos processuais com vista a que o processo termine com uma decisão sobre o mérito.
Não obstante os efeitos da alteração legislativa entretanto ocorrida, certo é que o legislador manteve no art. 552º, n.º 7 do CPC a exigência de que, com a apresentação da petição inicial, seja comprovado o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo.
De acordo com o disposto no art.º 18º, n.º 2 do RADT, o apoio judiciário deve ser requerido antes da primeira intervenção processual, salvo se a situação de insuficiência económica for superveniente, caso em que deve ser requerido antes da primeira intervenção processual que ocorra após o conhecimento da situação de insuficiência económica.
Acrescenta o n.º 3 desse dispositivo legal que se se verificar insuficiência económica superveniente, suspende-se o prazo para pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo até à decisão definitiva do pedido de apoio judiciário, aplicando-se o disposto para a situação de nomeação de patrono.
A lei de apoio judiciário não fixa, pois, um prazo concreto para a dedução da pretensão, exigindo apenas que esta tenha lugar antes da primeira intervenção processual do requerente.
Não sobram dúvidas que o apelante formulou o pedido antes da propositura da acção.
Há quem admita que as normas do RADT, constituindo normas especiais, criam um regime de excepção, que justifica a aplicação da suspensão da exigibilidade do pagamento, tal como prevista no actual n.º 9 do art. 552º do CPC.

Veja-se, neste sentido, ainda que por referência à norma do art. 467º, n.º 5 do CPC de 1961 e ponderando o então ainda vigente art.º 476º (correspondente ao art. 560º do CPC de 2013, na sua redacção inicial), o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20-04-2010, relatora Maria do Rosário Gonçalves, processo n.º 6612/09.0TVLSB.L1-1:
“Na lei de apoio judiciário não se fixa um prazo concreto para formular a pretensão, sendo apenas necessário que ocorra antes da primeira intervenção processual do requerente.
Ora, a apelante formulou o pedido antes da propositura da acção, ainda que na véspera e, na altura da entrada da petição inicial, embora se desconhecesse se iria ser ou não concedido, dúvida já não havia que tinha sido formulado o pedido correspondente.
Não sendo o Tribunal quem aprecia um tal pedido, mas os serviços da Segurança Social, nos termos constantes do nº 2 do art. 24º da Lei 47/2007, de 28 de Agosto, o autor que pretenda beneficiar da dispensa de pagamento da taxa de justiça deve juntar à petição inicial documento comprovativo da apresentação do respectivo pedido.
Deste modo, tais normas especiais criam um regime de excepção, com a aplicação das mesmas regras de suspensão da exigibilidade de pagamento, aludidas no nº 5 do art. 467º do CPC, ou seja, verifica-se uma tal excepção para além daquela, em qualquer acção, desde que esteja pendente um pedido de apoio judiciário, o qual constitui um procedimento autónomo.
O nº. 1 do art. 150º-A do CPC, refere que, quando a prática de um acto processual exija o pagamento de taxa de justiça, nos termos fixados pelo Regulamento das Custas Processuais, deve ser junto o documento comprovativo do seu prévio pagamento ou da concessão do benefício do apoio judiciário. […]
A expressão de «concessão do benefício do apoio judiciário», tem que ser conjugada com a lei de acesso ao direito e aos tribunais, pois, não faria sentido que esta permitisse a formulação do pedido de apoio antes da primeira intervenção processual do requerente, para logo, desde que a acção desse entrada no dia seguinte àquela pretensão, se penalizasse aquele com a não admissão da sua peça processual, por não ter havido um despacho imediato.
O acesso ao direito e aos tribunais é um direito constitucionalmente consagrado, com mecanismos próprios para ser posto em prática, não podendo a lei ordinária conflituar com tal princípio.
Mas, mesmo nos casos de recusa do recebimento da petição, nomeadamente o da alínea f) do art. 474º do CPC, o art. 476º do mesmo normativo estabeleceu que, o autor pode apresentar outra petição ou juntar o documento a que se refere a primeira parte do disposto na alínea f) daquele, dentro dos 10 dias subsequentes à recusa do recebimento ou de distribuição da petição, ou à notificação da decisão judicial que a haja confirmado, considerando-se a acção proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo.
A considerar-se que a mera apresentação do comprovativo do pedido de apoio judiciário formulado não era suficiente, ainda assim, não haveria lugar à recusa imediata da petição com o consequente desentranhamento, pois, sempre poderia a parte vir proceder à junção do documento em falta no prazo de 10 dias, de acordo com este último preceito e também nos termos do disposto no nº 3 do art. 150º-A do CPC., ou ainda, beneficiar da estipulação de um prazo a convite do juiz, perante o explanado nos nºs 1 e 2 do art. 265º do CPC.
A situação configurada nos autos, a determinar o desentranhamento da petição, acabava por ser ainda mais gravosa para a parte, do que aquelas situações em que a petição inicial não viesse acompanhada de qualquer documento, pois, nestes casos, sempre seria concedido um prazo para apresentação dos mesmos, enquanto aqui nem tal oportunidade ocorria.”

Sustentando a inaplicabilidade do art. 558º, f) do CPC às situações em que a acção é proposta numa altura em que o pedido de apoio judiciário já foi formulado junto da Segurança Social, mas ainda não foi decidido, vide ainda o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28-11-2013, relatora Fátima Galante, processo n.º 2645/13.0TBBRR.L1-6:
“Ainda assim, justifica-se, nos casos em que o apoio tenha sido pedido mas a Segurança Social não se haja pronunciado quanto à sua concessão, que a secretaria não deva recusar o seu recebimento. O que legislador terá pretendido evitar foi o recurso aos tribunais sem que se mostrassem pagas as respectivas custas, evitando actos da secretaria e dos magistrados que se viessem a revelar inúteis.
Já nos casos em que a acção dá entrada em momento anterior à decisão de concessão ou não do benefício de apoio judiciário, o autor, antes de intentar a acção teve que realizar diligências, o que não se coaduna com um desinteresse processual. Ademais tal solução é acolhida pela própria lei quando, faltando menos de cinco dias para o termo do prazo de caducidade ou ocorrendo outra razão de urgência, deve o autor apresentar documento comprovativo do pedido de apoio judiciário requerido, mas ainda não concedido, sendo a petição inicial é admitida sem que exista qualquer segurança jurídica que o apoio venha a ser concedido ou, na negativa, que o autor proceda ao pagamento devido.
Por outro lado, nenhum prejuízo resulta para a contraparte ou, pelo menos, não resultará prejuízo superior ao decorrente de uma citação prévia.”

E, ainda que sem tomar posição expressa sobre a questão, mas parecendo aderir a esta posição, a que alude, atente-se no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16-10-2014, relator Jorge Loureiro, processo n.º 273/14.1TTCBR-A.C1.
Atente-se, contudo, que esta jurisprudência foi tirada na vigência do art.º 560º do CPC, na sua redacção original, que admitia a genérica possibilidade de junção do documento comprovativo do pagamento de taxa de justiça nos dez dias subsequentes à recusa, possibilidade que, actualmente, continua a subsistir mas apenas para os casos em que a parte não está representada por mandatário judicial ou a petição inicial seja apresentada por uma das formas previstas nas alíneas a) a c) do n.º 7 do art.º 144º do CPC.
Ora, o legislador do DL n.º 97/2019, de 26 de Julho não podia deixar de conhecer as normas emergentes do RADT e, ainda assim, continuou a manter na nova redacção do art.º 552º do CPC, agora no seu n.º 7, a exigência de apresentação do documento comprovativo da concessão do benefício de apoio judiciário e não apenas o documento que ateste a formulação de tal pretensão. De igual modo, manteve a suficiência da apresentação deste último para os casos expressamente mencionados no n.º 9 daquele normativo legal, que aqui se não verificam. Para além disso, manteve também a recusa da petição inicial, mesmo com os efeitos mais gravosos decorrentes da redacção actual do art.º 560º do CPC, para as situações em que não fosse comprovado o prévio pagamento da taxa de justiça ou da concessão da protecção jurídica.

Daqui se retira que foi intenção do legislador cominar com a sanção de recusa da petição inicial o incumprimento do estatuído no n.º 7 do art.º 552º do CPC, não bastando para afastar tal consequência a junção de um requerimento de protecção jurídica quando, ao momento da prática do acto processual ainda nem decorrera o prazo para que os serviços da Segurança Social se pronunciassem sobre o pedido formulado, o que inviabilizava sequer a ponderação da formação de acto tácito.

Com efeito, decorre do estatuído no art.º 25º, n.º 1 da RADT queO prazo para a conclusão do procedimento administrativo e decisão sobre o pedido de protecção jurídica é de 30 dias, é contínuo, não se suspende durante as férias judiciais e, se terminar em dia em que os serviços da segurança social estejam encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte.”

Por sua vez, o n.º 2 desta disposição legal estabelece que “Decorrido o prazo referido no número anterior sem que tenha sido proferida uma decisão, considera-se tacitamente deferido e concedido o pedido de protecção jurídica.”

No caso em apreço, o autor, depois de ter apresentado juntamente com a petição inicial o documento comprovativo do requerimento de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos junto da Segurança Social, veio invocar apenas em sede de reclamação que sobre tal pedido não tinha recaído decisão no prazo de trinta dias.

Compete ao dirigente máximo dos serviços de segurança social da área de residência ou sede do requerente proferir a decisão sobre concessão ou não de protecção jurídica (cf. art. 20º, n.º 1 do RADT), decisão que tem a natureza de um acto administrativo.
Não tendo a administração proferido decisão no âmbito desse procedimento administrativo, decorrido o prazo estabelecido no RADT, dá-se, por consequência, a formação de acto tácito, conforme legalmente previsto, bastando para a sua prevalência em juízo a menção desse facto.

Com efeito, conforme se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6-07-2017, relatora Ondina Carmo Alves, processo n.º 31756/16.8T8LSB.L1-2:
Como ensina FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, Vol. III (1989), 262, a lei atribui ao silêncio da Administração o significado de acto tácito positivo: perante um pedido de um particular e decorrido um certo prazo sem que o órgão administrativo competente se pronuncie, a lei considera que o pedido feito foi satisfeito. O silêncio vale como manifestação tácita de vontade da Administração em sentido positivo para o particular.

E, refere SALVADOR DA COSTA, ob. cit, 180, que a menção em tribunal da formação do acto tácito, previsto no artigo 25º, 3, LAJ, para justificar em juízo a dispensa de pagamento da taxa de justiça e dos demais encargos com o processo, satisfaz-se com a informação prestada em juízo pelo requerente de que se formou o acto tácito de deferimento, através de instrumento escrito onde refira e comprove a data da apresentação do pedido de apoio judiciário e a sua não decisão no prazo de 30 dias.

Resulta, é certo, do artigo 23º, nºs 2 e 3 da L.A.J. que haverá sempre lugar a audiência prévia do requerente, a qual é exigida sempre que esteja proposta uma decisão de indeferimento ou de deferimento parcial, devendo o requerente ser notificado para se pronunciar, com a cominação de que a proposta de decisão se converte em decisão definitiva, não havendo lugar a nova notificação.

É que, o facto de existir um prazo a partir do qual se presume o deferimento tácito da pretensão formulada, não obsta a que, posteriormente, a competente entidade aprecie e indefira a referida pretensão, expressamente, porquanto pode ser revogado o acto de deferimento tácito com fundamento na sua ilegalidade, tendo em consideração a circunstância de o requerente não estar em condições objetivas para poder beneficiar da protecção jurídica na modalidade por si requerida e, notificado para efeitos de audiência prévia, não se se haja pronunciado no prazo que lhe foi concedido, conforme se dispõe no artigo 23.º, n.º 1 da Lei 34/2004, na redação da Lei n.º 47/2007, de 28/08.”

Devendo a invocação da formação do acto tácito ter tido lugar logo na petição inicial, sucede que, nessa data, tal não podia ter sido alegado, porquanto ainda não haviam decorrido os mencionados trinta dias a que se reporta o art.º 25º, n.º 1 do RADT.

Logo, o autor não cumpriu cabalmente a obrigação que para si decorria do disposto no art. 552º, n.º 7 do CPC, ao limitar-se a juntar, com a petição inicial, o documento comprovativo do pedido de apoio judiciário sem invocação da formação do acto tácito, sendo certo que era nesse momento, em que exerceu o impulso processual, que se impunha demonstrar o gozo desse benefício (cf. art. 529º, n.º 2 do CPC).

Além disso, como acima se referiu, a previsão do art.º 560º do CPC é hoje imprestável para fundamentar, em todas as situações, a possibilidade de invocação do deferimento tácito após a recusa da petição inicial pela secretaria, em analogia com a possibilidade de comprovar o pagamento de taxa de justiça ou concessão do benefício de apoio judiciário, sem prejuízo de tal similitude se manter para os casos de parte não representada por mandatário judicial.

Acresce que a jurisprudência convocada pelo recorrente no sentido da aceitação da petição inicial apenas com a junção do documento comprovativo da dedução da pretensão de apoio judiciário junto da Segurança Social, por regra, contempla situações em que a petição inicial não foi recusada pela secretaria judicial, situação não expressamente regulada pela legislação processual civil – cf. neste sentido, acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 28-03-2019, processo n-º 309/16.1T8CMN-B.G; do Tribunal da Relação de Coimbra de 16-10-20214, processo n.º 273/14.1TTCBR-A.C1; do Tribunal da Relação do Porto de 20-09-2021, processo n.º 1266/21.8T8PNF.P1 e de 23-11-2017, processo n.º 5087/15.9T8LOU-A.P1.

Em consonância, não podendo o recorrente louvar-se, sequer, na alegada possibilidade de sanar a falta de comprovação do prévio pagamento da taxa de justiça ou concessão do benefício de apoio judiciário para justificar a invocação da formação do acto tácito de deferimento do pedido de protecção jurídica apenas na sequência da recusa da petição inicial, para além do eventual deferimento tácito – aliás, não comprovado - não poder ter tido lugar aquando da prática do acto, importa reconhecer que o recorrente não cumpriu a obrigação que sobre si impendia decorrente do estatuído no n.º 7 do art.º 552º do CPC, o que justificou a recusa da petição inicial (cf. alínea f) do art.º 558º do CPC), que se deve manter.

Improcede, como tal, o presente recurso, devendo manter-se inalterada a decisão recorrida.
***

Das Custas
De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art. 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais[8], considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
O recurso interposto pelo autor improcede totalmente.
A ré/recorrida não influenciou a decisão recorrida nem a decisão deste recurso.
Estando paga a taxa de justiça devida pela interposição do recurso porque o recorrente procedeu ao seu pagamento (cf. Ref. Elect. 11626190) e ninguém contra-alegou, e como o recurso não envolveu a realização de despesas (encargos), não há lugar ao pagamento de custas em qualquer das suas vertentes (cf. art. 529º, n.º 4 do CPC).
***

IV–DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar improcedente a apelação, mantendo, em consequência, a decisão recorrida.
Sem custas.
*


Lisboa, 7 de Julho de 2022[9]



Micaela Marisa da Silva Sousa
Cristina Silva Maximiano
Amélia Alves Ribeiro



[1]Adiante designado pela sigla CPC.
[2]Adiante designado pela sigla RADT.
[3]In CPC Online acessível em https://drive.google.com/file/d/1qzde5c6tXYwvik4b5A5uZkrBCbmwLLrP/view.
[4]Blog IPPC, entrada de 2-09-2019, acessível em https://blogippc.blogspot.com/search?q=A+%28muito+estranha%29+nova+redac%C3%A7%C3%A3o+do+art.+560.%C2%BA+CPC.
[5]Por ora, do que se conhece, inédito.
[6]Acessível na Base de Dados do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt, onde se encontram disponíveis todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem.
[7]Cf. página 7.
[8]Adiante designado pela sigla RCP.
[9]Acórdão assinado digitalmente – cf. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.