Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
503/09-6
Relator: MANUEL GONÇALVES
Descritores: INTERVENÇÃO ESPONTÂNEA
OPOSIÇÃO
PRAZO DE DEFESA
CONTESTAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/02/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I- Pretendendo o interveniente associar-se com a autora, o articulado próprio que deduziu, tem a natureza da petição inicial.
II- O prazo para a parte contrária contestar a pretensão formulada, nesse articulado, será o previsto para a contestação, que é de 30 dias, uma vez que estamos perante acção ordinária.
III- O elemento literal do artigo 324º, nº 3, do Código de Processo Civil, ao usar a expressão «cumulará a oposição ao incidente com a que deduza contra o articulado», está a realçar a «oposição ao articulado», acto para o qual o prazo é mais dilatado, não estando nesse caso sujeito ao prazo mais curto (dez dias), nem tendo que praticar dois actos, em momentos diferentes (oposição ao incidente e oposição ao articulado).
(LS)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

Nos autos de acção ordinária em que é autora «H..., LDA» e em que são RR. «J...., SA e outra, requereram a intervenção principal espontânea, B.... e C...., pretendendo coligar-se com a Autora, para o que ofereceram articulado próprio.
Em 13.11.2007 (fol. 56), foi expedida notificação aos RR., para responderem à intervenção principal espontânea, nos termos do art. 324 nº 1 CPC.
Em 12.12.2007 (fol. 68), «J..., SA» apresentou articulado de «contestação ao articulado dos intervenientes».
Em 19.12.2007, foi proferido despacho (fol. 82), onde se conclui da seguinte forma: «às RR. foi enviada a notificação por ofício datado de 13.11.2007, pelo que o prazo dos dez dias terminaria no dia 26.11.2007, sendo que o acto poderia ter sido praticado nos três dias posteriores ao termo do prazo nos termos do art. 145 do PC, ou seja, até ao dia 29.11.2007.
Ora as RR., apresentaram a sua oposição/contestação ao incidente de intervenção espontânea a 12.12.2007, ou seja, fizeram-no, manifestamente, fora do prazo previsto no lei, pelo que não poderá o mesmo ser admitido, devendo, oportunamente, ser desentranhado e junto aos autos por linha, o que se decide».
Inconformada recorreu a R. «J...., SA» (fol. 85), recurso que foi admitido como agravo.
Nas alegações que apresentou, formula a agravante, as seguintes conclusões:
1- No âmbito da referida acção foi deduzida intervenção principal espontânea por B.... e C...., coligando-se os mesmos com a Autora.
2- Não pretendendo a Ré pronunciar-se relativamente ao incidente de intervenção, respectiva oportunidade ou admissibilidade, mas apenas quanto ao conteúdo da nova petição inicial, apresentou contestação exclusivamente a esta em 12 de Dezembro de 2007.
3- O prazo para se pronunciar quanto à intervenção é de 10 dias apenas nos casos em que o interveniente não apresente articulado próprio.
4- Por interpretação a contrario, caso apresente, o prazo aplicável já não será de 10 dias, mas o próprio do articulado a apresentar, conforme dispõe o art. 324 nº 3 CPC.
5- Assim, quando seja apresentado articulado próprio, a parte contrária goza do prazo próprio para a apresentação do articulado de resposta, e a este pode cumular a oposição ao incidente, não sendo à resposta ao incidente que se cumula o articulado no prazo daquele.
6- Nesta conformidade, é manifesto que o prazo concedido para a apresentação da contestação – 10 dias – não é o correcto, pelo que deve a decisão que ordenou o desentranhamento ser revogada e substituída por outra, que admita o referido articulado.
Contra alegou a agravada (H....) (fol. 25, sustentando a manutenção da decisão recorrida.
Foi proferido despacho de sustentação.
Corridos os vistos legais, há que apreciar e decidir.
FUNDAMENTAÇÃO.
Os factos com relevo para a decisão, são os constantes do relatório que antecede.
O DIREITO.
O âmbito do recurso afere-se pelas conclusões das alegações do recorrente, art. 660 nº 2, 684 nº 3 e 690 CPC.
No caso presente, suscita-se a questão de saber qual o prazo para o articulado da agravante e consequentemente, se o mesmo foi apresentado tempestivamente.
Na decisão sob recurso, entendeu-se ser de dez dias o prazo, pelo que se julgou intempestiva a contestação da pretensão deduzida por via de intervenção principal espontânea, e se ordenou o seu desentranhamento.
Com o devido respeito, afigura-se-nos não ser esse o melhor entendimento.
Em causa está incidente da instância de «intervenção principal espontânea». Trata-se de incidente já existente no C. P. C de 39. (art. 356 e segs. CPC). Na parte que nos interessa, dispunha o art. 359 que «se a intervenção tiver lugar durante o período dos articulados, pode o interveniente deduzir a sua pretensão em articulado próprio, a que a parte contrária terá o direito de responder, observando-se o que a lei dispuser quanto aos articulados do autor e do réu». No domínio deste regime, o prazo para o réu contestar o articulado do interveniente, era o resultante da lei, para a contestação. Como sublinha Alberto dos Reis (CPC anotado, Vol. I, pag.523, «o terceiro veio ao processo durante o período dos articulados e deduziu a sua pretensão em articulado próprio. Este articulado é uma verdadeira petição inicial, que tem de obedecer às regras estabelecidas para a petição inicial da causa pendente (...) Se não descobrir motivo para indeferimento liminar, deve (o juiz) mandar notificar o réu para contestar...».
Com as alterações de 1961, a lei (na parte que nos ocupa), passou a ter a seguinte redacção: (arr. 355) - nº 1 - «Requerida a intervenção, o juiz se não houver motivo para a rejeitar liminarmente, ordenará a notificação de ambas as partes para lhe responderem, podendo estas opor-se ao incidente, com o fundamento de que não se verifica nenhum dos casos previstos no art. 351; nº 2 - «A parte com a qual o interveniente pretende associar-se deduzirá oposição em requerimento simples e no prazo de oito dias; a parte contrária deve deduzi-la nos mesmos termos se o interveniente não tiver apresentado articulado próprio ... »; nº 3 - «Se o interveniente tiver apresentado articulado próprio, a parte contrária cumulará a oposição ao incidente com a que deduza contra a pretensão do interveniente, observando-se o que a lei dispuser quanto aos articulados do autor e do réu».
Também no domínio deste regime, no caso de haver articulado próprio, do interveniente, o prazo para o réu contestar a pretensão formulada era o da contestação. No caso de se pretender deduzir oposição apenas ao incidente (admissibilidade do incidente), o prazo era de oito dias, prazo aliás igual ao constante do art. 303 CPC, princípio geral, para a oposição nos incidentes.
A actual redacção, resulta das alterações introduzidas pelo DL 180/96 e DL 329-A/95), e não apresenta diferenças significativas relativamente à redacção anterior, sendo o texto actual o seguinte: (art. 324 nº 1, 2 e 3) – nº 1- «Requerida a intervenção, o juiz, se não houver motivo para a rejeitar liminarmente, ordena a notificação de ambas as partes primitivas para lhe responderem ...»; nº 2 - «A parte com a qual o interveniente pretende associar-se deduz oposição em requerimento simples e no prazo de 10 dias; a parte contrária deve deduzi-la nos mesmos termos, se o interveniente não tiver apresentado articulado próprio ...»; nº 3 - «Se o interveniente tiver apresentado articulado próprio, a parte contrária cumulará a oposição ao incidente com a que deduza contra o articulado do interveniente, seguindo-se os demais articulados admissíveis»
Continua a distinguir-se entre oposição ao incidente e contestação da pretensão pelo mesmo deduzida, sendo que o prazo de dez dias para a oposição ao incidente continua a coincidir com o prazo geral constante do art. 303 CPC.
Do teor da disposição legal citada, temos que a oposição contra o articulado do interveniente, terá de obedecer às características do articulado do réu (é um verdadeiro articulado - contestação), não podendo a oposição ser deduzida já por requerimento simples, «seguindo-se os demais articulados admissíveis».
Como refere Lebre de Freitas (CPC anotado, vol. I, pag. 570/571), «Ambas (as partes) se podem opor ao incidente com fundamento na sua inadmissibilidade, por não se verificar nenhum dos casos do art. 320, mas a parte contrária ao interveniente pode também; quando tenha sido apresentado articulado próprio, contestar a pretensão nele deduzida (no caso de intervenção activa) ou (no caso de intervenção passiva) replicar ou responder à contestação, consoante a forma do processo consinta um ou outro desses articulados (cfr. art. 502 e 785); (...) A oposição ao incidente por parte daquele com quem o interveniente pretenda associar-se tem sempre lugar no prazo de 10 dias, no mesmo prazo devendo ser deduzida a oposição da parte contrária se o interveniente não tiver apresentado articulado próprio (nº 2 e art. 303-2). Quando tenha sido apresentado articulado próprio, a parte contrária goza do prazo próprio para a apresentação do articulado de resposta. Em qualquer caso, aplicam-se os nº 1 e 3 do art. 303, assim como inteiramente se aplica ao incidente o disposto no art. 304».
No caso presente, pretendendo o interveniente associar-se com a autora, o articulado próprio que deduziu, tem a natureza da petição inicial. O prazo para a parte contrária contestar a pretensão formulada, nesse articulado, será o previsto para a contestação, que é de 30 dias, uma vez que estamos perante acção ordinária.
A posição expressa na decisão sob recurso, (igual posição é perfilhada por Salvador da Costa – Os Incidentes da Instância, 3ª edc. Pag.101), também, como refere a apelante, sofreria de certa incongruência, na medida em que a lei, concedendo ao réu para contestar apenas o prazo de 10 dias, acabaria por conceder ao interveniente o prazo de 15 dias para replicar, o que em face do sistema dificilmente se compreenderia, sabido que a lei faculta sempre para contestar um prazo maior do que para replicar.
O elemento literal do preceito citado, ao usar a expressão «cumulará a oposição ao incidente com a que deduza contra o articulado», está a realçar a «oposição ao articulado», acto para o qual o prazo é mais dilatado, não estando nesse caso sujeito ao prazo mais curto (dez dias), nem tendo que praticar dois actos, em momentos diferentes (oposição ao incidente e oposição ao articulado).
O recuso merece ser provido.
DECISÃO.
Em face do exposto, decide-se:
1- Conceder provimento ao recurso de agravo, revogando-se a decisão recorrida, que julgou intempestiva a apresentação da contestação da pretensão do interveniente e ordenou o seu desentranhamento, devendo os autos prosseguir seus termos, anulando-se os termos subsequentes ao acto anulado e que dele dependam;
2- Condenar a agravada nas custas.
Lisboa, 2 de Julho de 2009.
Manuel Gonçalves
Gilberto Jorge
Eduardo Sapateiro.