Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | SUSANA SILVEIRA | ||
Descritores: | TEMPESTIVIDADE DO RECURSO PARTE REPRESENTADA POR MANDATÁRIO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 08/13/2025 | ||
Votação: | DECISÃO INDIVIDUAL | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECLAMAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | Sumário: I. A acção judicial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento tem, por imposição do disposto no art. 26.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo do Trabalho, natureza urgente, donde deriva, de entre outros, o efeito do encurtamento do prazo para interposição de recurso, prazo que, por apelo ao disposto no art. 80.º, n.º 2, do mesmo diploma adjectivo, é de apenas 15 dias, sem prejuízo de a ele poder acrescer o prazo de 10 dias caso o recurso tenha por objecto a reapreciação da prova gravada (n.º 3 do art. 80.º). II. O art. 24.º, n.º 4, do Código de Processo do Trabalho, constitui norma que, pela sua inserção sistemática, é transversal a todas as acções laborais, independentemente da sua natureza ou dos direitos que delas sejam objecto, daí que qualquer prazo destinado à prática de acto processual se conte a partir da notificação ao respectivo mandatário. III. Tendo a sentença proferida em acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento sido notificada à mandatária da trabalhadora no 30 de Maio de 2025, é extemporâneo o recurso interposto no dia 4 de Julho de 2025, sendo indiferente a data da notificação da sentença à parte. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | I. Relatório 1. AA intentou contra “GSD Serviços Médicos, Lda.” acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, sob a forma do processo especial. 2. Instruída a causa, veio a ser proferida sentença cujo dispositivo é o seguinte: «Pelo exposto, decide-se: a. Pela improcedência do pedido de declaração da ilicitude do despedimento da Autora e dos pedidos que dela dependiam, designadamente de reintegração e de pagamento das retribuições intercalares; b. Reconhecer o crédito da Autora, a senhora AA, sobre a Ré, a GSD Serviços Médicos, Lda., pela quantia ilíquida de 4.731,48 de juros de mora à dita taxa legal desde o vencimento até integral pagamento; c. Operar a compensação deste com o titulado pela Reconvinda, nos termos sobreditos, considerando extinto o crédito da Reconvinte sobre esta; d. Absolver, no mais, a Reconvinda do pedido». 3. A sentença data de 23 de Maio de 2025 e foi notificada às partes e aos seus Ils. Mandatários por ofício com data certificada citius de 26 de Maio de 2025. 4. A trabalhadora, inconformada com a sentença proferida, dela interpôs recurso, assim procedendo por requerimento que ajuizou aos 4 de Julho de 2025, anunciando, neste requerimento, que o recurso tinha em «vista (…) impugnar a matéria de facto e de direito». 5. O Mm.º Juiz a quo, por despacho datado de 7 de Julho de 2025, não admitiu o recurso interposto, assim decidindo com arrimo na seguinte fundamentação: «Os presentes autos assumem natureza urgente (artigo 26.º, n.º 1, alínea a), do CPT). O prazo para a interposição de recurso é, por isso, de 15 dias, acrescido de 10 dias se tiver por objecto a reapreciação da prova gravada (artigo 80.º, n.º 2 e 3). A sentença dos autos foi notificada por expediente remetido a 26-5-2025. Desse modo, o prazo para a interposição de recurso, mesmo se para reapreciação da prova gravada, terminou no dia 23-6-2025 (a 26-6-2025, se considerarmos os 3 dias de multa). Porém, o recurso apenas deu entrada no dia 4-7-2025. Foi, por isso, apresentado fora de tempo». 6. Irresignada com o despacho de não admissão do recurso, trabalhadora, e ora reclamante, dele reclamou, alinhando, em abono da sua pretensão, como segue: «1. A ora reclamante propôs uma ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento junto do Juízo do Trabalho de Sintra. 2. No âmbito do referido processo, foi proferida sentença, notificada aos mandatários e às partes, tendo a Autora sido notificada a 09-06-2025. 3. Neste seguimento, a Autora interpôs recurso daquela decisão a 04/07/2025, isto é, dentro do prazo de 15 dias concedido para o recurso das decisões em processos especiais, acrescido do prazo de 10 dias, uma vez que é impugnada a matéria de facto. 4. Sucede que, o referido recurso foi indeferido por alegada extemporaneidade, já que a mandatária da Autora foi notificada a 29-05-2025. 5. Ora, é sabido que o processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento tem normas especificas e de proteção do trabalhador. 6. Neste sentido, é também sabido que, como acontece com os prazos do processo penal, estes só se iniciam após a última notificação das partes. 7. É manifesto que o legislador, ao impor que a contagem dos prazos se faça desta forma, pretendeu oferecer uma garantia de defesa mais sólida em situações de maior vulnerabilidade para uma das partes, como acontece com o Arguido no processo penal e com o Trabalhador nos processos especiais de impugnação da regularidade e licitude do despedimento. 8. Neste sentido, é manifesto que o que o processo penal pretendeu salvaguardar a garantia de dar conhecimento efetivo aos arguidos de modo a não pôr em causa o exercício ou possibilidade de exercício do seu legítimo direito de defesa, constitucionalmente consagrado no artigo 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, pelo menos nos momentos e atos mais significativos cujo desconhecimento efetivo poderia resultar na preterição dessa garantia fundamental. 9. Ora, é inegável que o a decisão final de um processo de impugnação da regularidade e licitude do despedimento é um dos momentos mais cruciais para a defesa dos direitos do trabalhador em causa. 10. A isto acresce o facto de todo o processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento ser equiparado ao processo penal, sendo totalmente incoerente que se exclua desta equiparação um elemento tão essencial como a contagem de prazos para o exercício de defesa do trabalhador. 11. Até porque não se vislumbra outro motivo para que o legislador tenha considerado ser necessário notificar também as partes (para além dos seus mandatários) senão o de garantir a segurança do exercício do seu direito de defesa. 12. Ademais, a decisão de indeferimento do recurso da ora reclamante teve por base a aplicação do disposto no artigo 24º do Código de Processo do Trabalho, sendo certo que o referido preceito se aplica à generalidade das ações de trabalho. 13. Ora, é manifesto que o processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento não é uma ação genérica, pelo que também não se afigura lógico que se apliquem as regras gerais do processo de trabalho, principalmente quando estas são manifestamente mais desfavoráveis ao trabalhador. 14. Por outro lado, e se assim se pretender interpretar, a ação proposta pela ora reclamante foi totalmente improcedente, tendo a primeira instância considerado que a situação em análise não configurava um despedimento ilícito. 15. Neste sentido, sempre se poderia dizer que, inexistindo uma decisão que qualificasse o sucedido como despedimento ilícito, deixaria também de fazer sentido a aplicação por equiparação das normas do processo penal e, consequentemente, a existência de uma maior preocupação com o direito que o trabalhador tem de se defender, podendo, assim, ser legítima a aplicação do disposto no artigo 24º do CPT. 16. Contudo, se assim for, sempre terá de se concordar que deixamos de estar na presença de um processo especial para passarmos a estar na presença de um processo comum e, assim sendo, os prazos de recurso passam de 15 para 30 dias, pelo que se reitera que o direito de recorrer da decisão foi instaurado dentro do prazo legal, o que se requer. (…)». 7. A ré apresentou resposta à reclamação, pugnando pela sua inadmissibilidade, por um lado, e, por outro, pela sua improcedência. 8. Instruído o presente apenso de reclamação com os elementos relevantes e ordenada a sua subida a esta Relação, cumpre apreciar e decidir. * II. Os factos Os factos necessários à resolução da reclamação apresentada resultam, na sua essencialidade, do relatório que supra se elaborou. * III. Objecto da Reclamação A questão que, essencialmente, cumpre apreciar prende-se a tempestividade do recurso interposto pela reclamante, mas não que sem antes nos detenhamos sobre a invocada inadmissibilidade do acto praticado. * IV. Fundamentação 1. Na sua resposta à reclamação, aduz a ré que a reclamante «apresentou a sua reclamação por simples requerimento junto aos autos principais, e não por apenso, não tendo junto qualquer documentação ao seu requerimento», o que, no seu ver, se traduz no desrespeito do preceituado no art. 643.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. 1.1. Dispõe o art. 643.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que «[d]o despacho que não admita o recurso pode o recorrente reclamar para o tribunal que seria competente para dele conhecer no prazo de 10 dias contados da notificação da decisão». Uma vez apresentada a reclamação e dada oportunidade à parte contrária para, querendo, a ela responder, a reclamação é «autuada por apenso aos autos principais e é sempre instruída com o requerimento de interposição de recurso e as alegações, a decisão recorrida e o despacho objeto de reclamação» (n.º 3 do mesmo art. 643.º). Do que vem de ser dito e resulta da lei processual, parece-nos, com todo o respeito, que a lei não impõe ou determina que a parte que reclama tenha que apresentar o requerimento de reclamação por apenso e, ainda menos, que o tenha que instruir com as peças processuais pertinentes. Tratam-se, no nosso ver, estes de actos da secção de processos que, uma vez apresentada a reclamação, deverá proceder à sua autuação por apenso e, bem assim, à sua instrução com o requerimento de interposição de recurso, as alegações, a decisão recorrida e o despacho objeto de reclamação. Ainda que porventura assim não fosse, o mero incumprimento de um rito puramente processual ou formal não teria por efeito a inadmissibilidade do acto praticado pela parte, mas antes o convite a que aperfeiçoasse a sua pretensão, senão mesmo o suprimento do acto pelo tribunal, numa clara e evidente prevalência que a substância deve ter sempre sobre a forma. No presente caso, a reclamação, uma vez apresentada, foi autuada por apenso e instruída com as peças processuais pertinentes, não se surpreendendo nos autos que nos foram sujeitos qualquer vício, designadamente de forma, que impeça a sua apreciação. Nesta medida, a reclamação não padece de qualquer vício de forma, daí que inexista razão para que, em substância, não seja apreciada, assim se desatendendo a pretensão da ré. 2. O recurso interposto pela reclamante foi-o da sentença proferida no âmbito de acção judicial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, acção que, por imposição do disposto no art. 26.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo do Trabalho, tem natureza urgente. Deriva da natureza urgente da acção, de entre outros, o encurtamento de alguns prazos processuais, de entre eles o do recurso que, por apelo ao disposto no art. 80.º, n.º 2, do mesmo diploma adjectivo, é de apenas 15 dias, sem prejuízo de a ele poder acrescer o prazo de 10 dias caso o recurso tenha por objecto a reapreciação da prova gravada (n.º 3 do art. 80.º). Doutro passo, por expressa determinação do art. 24.º, n.º 4, do Código de Processo do Trabalho, e sem prejuízo de a decisão final que seja proferida em qualquer acção juslaboral dever ser, também, notificada às partes que nela intervenham, qualquer prazo destinado à prática de acto processual conta-se a partir da notificação ao respectivo mandatário. Trata-se esta de norma que, pela sua inserção sistemática, é transversal a todas as acções laborais, independentemente da sua natureza ou dos direitos que delas sejam objecto. O mesmo é dizer que, neste conspecto, cobra expressa aplicação o disposto no n.º 1 do art. 1.º do Código de Processo do Trabalho, não se estando em presença de qualquer caso omisso que reclame o recurso à legislação processual comum, civil ou penal. 2.1. Na acção em apreço foi proferida sentença datada de 23 de Maio de 2025, sentença que foi notificada às partes e aos seus Ils. Mandatários por ofícios com data certificada pelo citius de 26 de Maio de 2025, a significar que o prazo para eventual interposição de recurso iniciou a sua contagem no dia 30 de Maio de 2025 (art. 248.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sendo apenas relevante, neste conspecto e como vimos, a da notificação dos mandatários das partes. Desta feita, o recurso a interpor da sentença proferida nos autos teria que obedecer, em regra, ao prazo previsto no art. 80.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho, isto é, 15 dias, podendo ainda a este prazo acrescer o de 10 dias se no seu objecto se incluísse o pedido de reapreciação da prova gravada. A reclamante anunciou, no seu requerimento de interposição de recurso, que no seu objecto se incluía, também, o pedido de reapreciação da prova gravada. Nesta conformidade, o prazo para a interposição do recurso terminou no dia 23 de Junho de 2025, podendo o acto ainda ser praticado em um dos três dias úteis subsequentes caso fosse paga a multa a que alude o art. 139.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, isto é, até ao dia 26 de Junho de 2025. No presente caso, o recurso apenas foi ajuizado no dia 4 de Julho de 2025, isto é, muito para além do prazo que, para o efeito, a parte dispunha, como, e bem, anota o Mm.º Juiz a quo no despacho reclamado. É indiferente, in casu e conforme se teve o ensejo de referir, que a reclamante haja sido notificada da decisão final em data posterior à da sua mandatária, posto que a contagem do prazo para a prática de qualquer acto – nele se incluindo o recurso – se inicia na data da notificação do mandatário, não cobrando aplicação, por razões que se nos afiguram evidentes, as normas que regulam o processo penal (cuja natureza, ao contrário do sugerido pela reclamante, de todo é transponível para o processo laboral. O processo laboral é um processo de partes, cuja iniciativa e prossecução lhes compete, sem prejuízo dos actos oficiosos cuja prática compete ao tribunal, nada tendo em comum com o processo penal, cuja iniciativa, por razões de ordem pública, compete ao Ministério Público). Dir-se-á, ainda, em jeito de conclusão, que não se surpreende qualquer semelhança entre o rito processual da acção especial da regularidade e licitude do despedimento – cuja iniciativa é do trabalhador que não se conforma com o despedimento que foi objecto – e o rito do processo penal, muito menos qualquer semelhança apta a naquela arredar a geral e transversal aplicação do já citado art. 24.º, n.º 4, do Código de Processo do Trabalho. Doutro passo, o desfecho da acção não influencia a sua natureza: seja a acção procedente ou seja a acção improcedente, a sua natureza urgente mantém-se, sendo-lhe, por conseguinte, aplicáveis as pertinentes regras, designadamente em matéria de recurso e prazo para a sua interposição. Ante o exposto, indefere-se, pelo exposto, a reclamação, mantendo-se o despacho que não admitiu o recurso interposto pela reclamante aos 4 de Julho de 2025. 3. Porque ficou vencida na reclamação, incumbe à reclamante o pagamento das custas respectivas, sem prejuízo do apoio judiciário que porventura beneficie (art. 527.º, ns. 1 e 2, do Código de Processo Civil) * V. Decisão Por tudo quanto se deixou exposto, indefere-se a reclamação, mantendo-se o despacho que não admitiu o recurso interposto pela reclamante. * Custas a cargo da reclamante, sem prejuízo do apoio judiciário que porventura beneficie. * Notifique. Lisboa, 13 de Agosto de 2025 Susana Silveira |