Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
546/18.4TELSB-A.L1-3
Relator: CRISTINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores: DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
DIREITO DE DEFESA
REMISSÃO PARA PROMOÇÃO OU REQUERIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/20/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIMENTO
Sumário: A prolação de despachos judiciais por mera remissão para a promoção do Mº. Pº., só muito excepcionalmente cumpre as exigências do dever constitucional e legal de fundamentação, consagrados nos arts. 205º da CRP e 97º nº 5 do CPP.
Se em face da simplicidade da questão, ou da ausência de controvérsia em torno dela e por razões de urgência, de observância de prazos curtos, portanto, de economia processual e de ponderação equilibrada entre o dever de fundamentação das decisões judiciais e o princípio da proibição de actos inúteis, de harmonia com a geometria variável do dever de fundamentação, se imponha ou justifique que a mesma seja concisa cumprirá as exigências legais.
Nem os argumentos da defesa, nem os invocados pelo Mº. Pº. têm carácter vinculativo para o Tribunal, ou efeitos decisórios, quando se trate de apreciar e decidir questões que envolvem direitos, liberdades e garantias, como é o caso do pedido de extinção da medida temporária de suspensão de operações financeiras, nos termos previstos no art. 49º nº 4 da Lei 83/2017 de 18 de Agosto.
Tais decisões estão  sujeitas a contraditório prévio.
O indeferimento da pretensão do arguido com fundamento numa simples adesão à promoção do Mº. Pº., através da fórmula «pelas razões invocadas pelo Mº. Pº. que aqui se dão por reproduzidas», ou outra de sentido equivalente, não satisfaz minimamente as exigências constitucional e legal da fundamentação.
O princípio da igualdade de tratamento e de concessão de oportunidades de intervenção no processo, ao Mº. Pº. e ao arguido em que também se manifestam os princípios constitucionais das garantias de defesa, do contraditório e do direito a um processo justo e equitativo, assim como os princípios da reserva do juiz e da fundamentação, consagrados, respectivamente, nos arts. 20º nºs 1 e 4; 32º nºs 1; 2 e 5; 32º nº 4 e 205º nº 1 da CRP não se conciliam com esta forma de proferir decisões, que corresponde a uma prática processual a evitar.
A simples adesão aos argumentos do Mº. Pº. não corresponde às exigências de motivação, compleitude e objectivação, de forma clara e inteligível, das razões de facto e de direito que justificam a solução jurídica adoptada, suficientemente reveladoras de um juízo autónomo, crítico e pessoal do Juiz, nem exprime uma decisão que resulte da comparação dialética dos vários argumentos em conflito, tanto os invocados pelo arguido, como os aduzidos pelo Mº. Pº., e de cujo texto transpareça, de forma inequívoca, que o julgador, depois de ter ajuizado da pertinência, da relevância factual e jurídica de uns e de outros, de forma imparcial e equidistante, tomou uma decisão da sua própria autoria e não por simples escolha acrítica, ou, pelo menos, não objectivada numa explicação inteligível para os seus destinatários e para as autoridades judiciárias de recurso, sobre as razões por que entendeu que a argumentação de um ou de outro sujeito processual é a mais acertada para a solução da questão colocada à apreciação jurisdicional.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que integram a 3º Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I –RELATÓRIO
No Juízo de instrução Criminal de Lisboa, Juiz …, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, por decisões proferidas pela Mma Juiz de Instrução Criminal, nos dias 26.04.2019 e 10.05.2019 (cfr. fls. 583 e 607) foi decidido manter a medida de suspensão temporária de execução de operação financeira, que havia sido decretada nos autos, em 25 de Julho de 2018.
Inconformados com tais decisões, MI… e Magikmarathon – Administração e Participações Imobiliárias, Lda. interpuseram recurso destas decisões, formulando as seguintes conclusões:
1. O presente recurso tem por objeto os despachos da Meritíssima Juíza de Instrução Criminal datados de 26 de Abril de 2019 (fls. 583) e de 10 de Maio de 2019 (fls. 607 e 608).
2. Os referidos despachos tinham por objeto os requerimentos apresentados pelos ora Recorrentes, nos dias 21 de Fevereiro de 2019 e 3 de Maio de 2019, referentes ao levantamento total e parcial, das medidas de suspensão de operações bancárias decretadas a 25 de Julho de 2018.
3. Do despacho de 26 de Abril de 2019 a Meritíssima Juíza de Instrução Criminal fundamenta o indeferimento do pedido deduzido no requerimento de 21 de Fevereiro de 2019 referindo: "Como consta da promoção que antecede, com a qual se concorda inteiramente e para cujos fundamentos se remete mantêm-se fortemente indiciado que tais contas são um meio para a prática do crime de branqueamento".
4. Recorrendo à mesma técnica jurídica, no despacho de 10 de Maio de 2019, refere que "O MP- opôs-se ao levantamento da ordem de suspensão pelas razões que constam a fls. 599-601, que aqui se dão por integralmente reproduzidas".
5. Os ora Recorrentes foram notificados dos despachos ora recorridos, tendo constatado que a base argumentativa que sustentava a decisão de indeferimento dos requerimentos de 21 de Fevereiro e 3 de Maio de 2019 estava descrita em promoções do MP, das quais os aqui Recorrentes não foram notificados.
6. Nestes termos, pelo facto de os Recorrentes desconhecerem os fundamentos da Meritíssima Juíza de Instrução Criminal para o indeferimento do que haviam requerido, solicitaram, através de requerimento, a remessa das referidas promoções para efeitos de apresentação de recurso, tendo sido notificados dos mesmos apenas no dia 23 de Maio de 2019.
7. A ausência de notificação das promoções do MP e dos despachos da Meritíssima Juíza de Instrução Criminal revelam uma irregularidade processual decorrente da falta de fundamentação e pronúncia quanto a factos suscetíveis de ser impugnados em juízo pelos visados.
8. No âmbito da promoção do MP conclusa a 23 de Abril de 2019, a Exma. Procuradora da República começa por descrever o objeto do requerimento de 21 de Fevereiro de 2019 e os documentos juntos.
9. Seguidamente faz uma breve exposição fáctica do histórico de requerimentos apresentados, fazendo referência ao despacho de 24 de Janeiro de 2019, do qual os ora Recorrentes não foram notificados, cujo conteúdo se circunscrevia à manutenção da medida de suspensão de operações bancárias inicialmente decretada a 25 de Julho de 2018.
10. Situação que, aliás, tem sido recorrente ao longo do processo, cuja falta de decisão (ou notificação de uma eventual decisão) motivou a apresentação do requerimento de 21 de Fevereiro de 2019.
11. Adiante, numa tentativa de rebater a argumentação apresentada no requerimento de 21 de Fevereiro de 2019 - relativamente à desproporcionalidade da medida de suspensão de operações bancárias - a Exma. Procuradora da República remeteu a argumentação para os despachos de 20 de Novembro de 2018 e 24 de Janeiro de 2019, alegando que a fundamentação expedida se baseia nos mesmos factos elencados em requerimentos anteriores.
12. Factos que alega terem sido impugnados em decisões anteriores proferidas por despacho judicial transitado em julgado, sem mais uma vez distinguir o documento ao qual faz referência.
13. Situação que não corresponde à verdade, uma vez que em nenhum dos despachos de que até à data os Recorrentes foram notificados, consta a impugnação directa dos factos que a Exma. Procuradora da República reputa como tendo transitado em julgado.
14. O que nos leva a equacionar que essa impugnação possa constar do despacho judicial de 24 de Janeiro de 2019, com conteúdo desconhecido pelos Recorrentes, pois nunca foram notificados.
15. Assim, tem-se por infundado o argumento expedido pela Exma. Procuradora da República.
16. Ainda que assim não seja, o que não se admite e apenas se equaciona por mera cautela de patrocínio, parece-nos inelutável que perante a aplicação de medidas cautelares potencialmente lesivas de direitos e garantias constitucionalmente previstas, a argumentação tenha que se reconduzir - ainda que numa primeira instância - ao princípio previsto no artigo 18º da Constituição da República Portuguesa, que obsta a que se lese de forma arbitrária os direitos fundamentais dos visados.
17. Ademais, manifestaram-se notáveis incoerências na argumentação expedida pela Exma. Procuradora da República (que parece não ter lido o requerimento datado de 21 de Fevereiro de 2019), porquanto reputa como falso o facto descrito no artigo 24.2 do mencionado requerimento que se refere ao crime de corrupção e não ao de branqueamento de capitais como pretende fazer parecer.
18.Efectivamente, na sentença proferida a 19 de Fevereiro de 2019 na Ação Penal nº …-…,…/PR da …ª Vara Federal de Curitiba, Secção Judiciária do Paraná, o aqui Recorrente, MI…, foi condenado pela prática de crimes de lavagem de dinheiro, não tendo existido qualquer indiciação ou condenação por um crime de corrupção.
19. Ora, quando a Exma, Procuradora da República refere que "não corresponde à verdade que "no Brasil, não se procedeu à imputação do crime indiciado", fica demonstrado que não procedeu à análise integrada dos artigos mas tão só aos artigos descontextualizados da sua sequência lógica.
20. Questão que já havia sido suscitada pelo Exmo. Juiz de Instrução Criminal em despacho datado de 20 de Novembro de 2018 e que salvo melhor opinião, consubstancia um erro grosseiro de imputação criminosa de um ilícito de que o Recorrente MM… não foi condenado, ou sequer acusado, no processo que corre termos no Brasil.
21. Vem ainda a Exma. Procuradora da República referir que no decorrer do presente Inquérito foi "... reunida documentação bancária referente a todas as contas bancárias portuguesas tituladas por MI…, das sociedades detidas e controladas por si (LOVELYNOMAD e MAGIKMARATHON), de sua mulher ML… e de seus filhos A… e MM…, sendo que já constava dos autos informação fiscal referente aos mesmos".
22. Afirmação que não corresponde à verdade dos factos porquanto o Recorrente MM… não detém a sociedade LOVELYNOMAD e a sua esposa e filha, ML… e MM… não detêm qualquer sociedade em Portugal ou no Brasil.
23. Vem, ainda, a Exma. Procuradora da República indicar que as transações monetárias anteriormente sinalizadas ocorreram após os factos que são imputados ao Recorrente MM… no processo-crime que corre termos no Brasil, provenientes de contas bancárias tituladas em Paris, Malta e Miami, sem que tenha sido apresentada por este qualquer explicação legítima para o facto.
24. Mal andou, mais uma vez, a Exma. Procuradora do Ministério Público porquanto ignorou que os Recorrentes nos pontos 45º a 98º do requerimento datado de 21 de Fevereiro de 2019 apresentaram uma descrição completa e devidamente comprovada assente em prova sólida, logrando justificar a proveniência lícita dos montantes assinalados nas 4 (quatro) transferências sinalizadas pelo Ministério Público.
25. Posteriormente, verifica-se na exposição da Exma. Procuradora da República que "Encontra-se, igualmente, demonstrado que, à exceção das rendas obtidas com o arrendamento dos imóveis adquiridos com tais fundos, nem MI…, nem nenhum dos familiares que compõem o seu agregado obtiveram quaisquer outros rendimentos em Portugal que possam infirmar o facto dos fundos depositados nessa conta constituírem produto do crime de que se encontra condenado no Brasil.".
26. E que "das declarações de imposto de renda juntas pelo requerente decorre, igualmente, que os familiares de MI…, em momento anterior à transferência do seu centro de vida para Portugal, também nunca haviam auferido qualquer rendimento.".
27. Ora o Recorrente MM… e o seu agregado familiar obtiveram a autorização de residência em Portugal no ano de 2016, por força de uma atividade de investimento, tendo para o efeito adquirido uma casa de morada de família em Portugal, sita na Rua ….
28. A concretização do referido investimento implicava a transferência de fundos do seu património no Brasil e no Estrangeiro para Portugal.
29. Considerando a idade do Recorrente MM… e a necessidade de adaptação do seu agregado familiar ao mercado português, optaram por realizar um investimento no mercado imobiliário e bem assim criar as suas empresas em Portugal.
30. Note-se, não se desconsiderando ao que acima se aludiu, que o argumento central da fundamentação expedida pela Exma. Procuradora da República se circunscreve ao facto de todas as transferências realizadas após os factos que são imputados ao Recorrente na ação penal no Brasil serem ilícitas por terem origem nas vantagens indevidas nessa jurisdição recebidas.
31. Argumento que é repetido inúmeras vezes ao longo da promoção de 23 de Abril de 2019 mas cujo suporte probatório não foi, até então, apresentado aos Recorrentes.
32. Alega, ainda, a Exma. Procuradora do Ministério Público que o Recorrente MM… não se encontra a residir em Portugal, parecendo esquecer que a autorização de residência não impõe ao autorizado a permanência habitual em Portugal, nem a comunicação prévia da sua saída do país quando assim o entender fazer.
33. Mais um argumento vazio e circular expedido pela Exma. Procuradora de República que utiliza a autorização de residência do Recorrente MM… e da família como fundamento base para um alegado plano previamente orquestrado de introdução de quantias provenientes da suposta atividade ilícita numa economia legítima com o intuito de colocar o seu dinheiro a salvo da justiça brasileira.
34. Incoerência argumentativa que importa fazer notar porquanto a Exma. Procuradora da República parece ignorar o facto de o Recorrente MM… ter contas tituladas no Brasil que, inclusive, foram recentemente alvo de levantamento de medidas de suspensão de operações bancárias, tais como as decretadas em Portugal em 25 de Julho de 2018.
35. A final, a Exma. Procuradora da República vem apresentar um argumento falacioso e circular no qual procura justificar que os conhecimentos de instituições de crédito e advocacia financeira, a facilidade de mudar o seu centro de vida para outro local e os contactos provenientes da sua atividade profissional indiciam que caso a medida de suspensão de operações bancárias seja levantada o Recorrente MM… diligenciará pela dissipação de fundos.
36. Parecendo desconsiderar por completo a postura colaborativa que o Recorrente MM… mantém desde a fixação da medida de suspensão de operações bancárias, a 25 de Julho de 2018, embora em seu desfavor, quando afirma que "Tal circunstancialismo, associado à postura que tem assumido nos presentes autos, demonstra que, caso a medida de suspensão temporária de operações financeiras seja levantada, MI… facilmente diligenciará pela dissipação dos fundos objeto da mesma através de ligações internacionais e financeiras que domina, ficando os mesmos definitivamente fora do alcance da Justiça."
37. Mais, a inexistência no processo de qualquer prova que leve a formular o juízo de que no caso de levantamento da medida de suspensão de operações bancárias o Recorrente MM… diligenciará pela dissipação dos bens, aliada à vontade de colaboração, por este demonstrada ao longo do presente processo, é forçoso concluir que o argumento expedido pela Exma. Procuradora da República mereça acolhimento.
38. A promoção do Exma. Procuradora do Ministério Público termina com a consideração de que se mantêm preenchidos os pressupostos da aplicação da medida decretada, fundamentada em argumentos vagos, generalistas e sem suporte fáctico e probatório, bastando-se com a alegação de que sendo as transferências bancárias realizadas após os factos pelos quais o Recorrente MM… foi indiciado no Brasil, estão as mesmas à partida "contaminadas".
39. Argumentação que não merece qualquer acolhimento, dando-se desde já por expressa e integralmente impugnada.
40. No que respeita a promoção da Exma. Procuradora datada de 8 de Maio de 2019, é ressalvada, com urgência, a necessidade de diligenciar pela notificação dos Recorrentes quanto ao conteúdo dos despachos judiciais proferidos pela Meritíssima Juíza de Instrução Criminal.
41. Situação que, aliás, se coaduna com o acima exposto, relativamente à falta de fundamentação e pronúncia dos Requerimentos apresentados pelos Recorrentes ao longo do processo,
42. E que para além de configurar uma irregularidade processual coarta, de forma significativa, o direito ao recurso dos aqui Recorrentes,
43. Que inclusivamente se viram impedidos de recorrer do despacho da Meritíssima Juíza de Instrução Criminal alegadamente datado de 24 de Janeiro de 2019, por dele não terem sido notificados.
44. Do conteúdo desta promoção do Ministério Público resulta uma vez mais a mesma argumentação circular - expedida desde o início do processo -, referindo que o aqui Recorrente MM… apresenta disponibilidade financeira, pois após o decretamento da medida, a 25 de Julho de 2018, fez uma transferência para o EFG Bank em Londres no valor de € 650.000,00 (Seiscentos e cinquenta mil euros).
45. É importante aqui ressalvar que a referida transferência foi devidamente circunstanciada no requerimento de 21 de Fevereiro de 2019, acautelando contudo que a mencionada transferência ocorreu em momento anterior ao decretamento da medida de suspensão de operações bancárias e não após, como quer fazer crer a Exma. Procuradora da República.
46. Posteriormente, a Exma. Procuradora da República vem referir que a Magikmarathon não exerce qualquer atividade financeira ou comercial, servindo tão só para titular o património de MM… em Portugal.
47. Não obstante estar demonstrado nos autos, a Exma. Procuradora da República parece olvidar que a Magikmarathon - Administração e Participações Imobiliárias, Lda. tem como objeto social a compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, bem como a administração, a gestão e o arrendamento dos mesmos.
48. Razão pela qual não se entende a incoerência da argumentação expedida quanto à falta de atividade comercial da Magikmarathon, porquanto o facto de ser proprietária de um vasto património imobiliário que de momento se encontra arrendado, evidencia que a aqui Recorrente exerce, de facto, uma actividade comercial decorrente do seu objecto social.
49. Ainda no que concerne à ora Recorrente Magikmarathon, a Exma. Procuradora do Ministério Público vem referir que os contratos de empréstimo realizados pelas Sociedades MDINA REAL ESTATE e SEAOIL, "não corresponderem a um objeto contratual verdadeiro mas (...) meros justificativos formais elaborados com o fim de sustentar falsamente a licitude de transações financeiras que não têm explicação legítima" referindo adiante que "... não são suscetíveis de explicar a origem lícita de tais fundos."
50.Com efeito, e como dispõe a lei aplicável, existe a possibilidade de um sócio aumentar o capital duma sociedade mediante um "contrato de empréstimo", ficando a mesmo obrigada a restituir o montante emprestado.
 51. Os referidos "contratos de empréstimo" ocorreram entre as sociedades acima mencionadas, consubstanciando uma metodologia perfeitamente lícita e usual de aumento decapita! numa sociedade.
52. Com efeito, não se apreende o sentido da afirmação da Exma. Procuradora da República quando declara que os referidos contratos de empréstimo são "meros justificativos formais elaborados com o fim de sustentar falsamente a licitude de transações financeiras que não têm explicação legítima",
53. Parecendo subtrair-se à tarefa interpretativa que lhe é naturalisticamente dirigida, porquanto os "contratos de empréstimo" visavam unicamente o financiamento da sociedade Recorrente Magikmarathon não sendo, de per si, suficientes para fundamentara licitude ou ilicitude dos capitais transacionados.
54. Ademais, importa referir, no que concerne à alegação materializada pela Exma. Procuradora da República quanto aos fundos titulados pela aqui Recorrente Magikmarathon, que os mesmos foram devidamente circunstanciados e fundamentados com um descritivo detalhado, por anos, das transações realizada para a conta da sociedade, no artigo 88.3 do requerimento de 21 de Fevereiro de 2019.
55. Vem ainda a Exma. Procuradora da República referir que as rendas recebidas pela Magikmarathon são "... integradas no património global de MM…".
56. Salvo melhor entendimento, até à data, as contas tituladas pelos aqui Recorrentes, MM… e pela Magikmarathon, encontram-se oneradas pela mesma medida de suspensão de operações bancárias decretada a 25 de Julho de 2018.
57. Isto não obstante ser apresentada como possibilidade viável para o Ministério Público e, reflexamente, para a Meritíssima Juíza de Instrução Criminal que o produto das rendas recebidas pelo arrendamento dos imóveis titulados pela Magikmarathon possa ser utilizado para fazer face às despesas correntes dos aqui Recorrentes,
58. Pelo que é de concluir que a argumentação apresentada pela Exma. Procuradora da República demonstra-se vaga, incoerente, descontextualizada e carece manifestamente de acervo probatório sobre os factos por si alegados.
59. Mais uma vez encontra-se posto em causa o dever de fundamentação, enquanto princípio basilar do estado de direito democrático, que assume contornos ainda mais relevantes quando esteja em causa a aplicação de medidas cautelares adequadas a coartar de forma significativa direitos e garantias constitucionalmente previstas.
60. Na mesma medida, fruto das acusações claras e inequívocas que as instâncias judiciais e o Ministério Público têm vindo a imputar aos ora Recorrentes, encontra-se posto em causa o princípio da presunção de inocência, na sua consagração do in dúbio pro reo, que na mesma medida faz impelir sobre os órgãos de administração da justiça a necessidade de fundamentar as incriminações realizadas quanto aos crimes indiciados, pressupondo a fundamentação assente em prova sólidas, não se bastando com meros indícios constituídos por artigos falaciosos de blogues e demais redes de comunicação social.
61. A verdade é que as contas bancárias dos Recorrentes ainda se mantêm bloqueadas desde 25 de Julho de 2018 sem que se apresentem provas concretas da ilicitude das 4 (quatro) transações sinalizadas pela Unidade de Investigação Financeira,
62. Tendo o Ministério Público e o Juiz de Instrução Criminal ostentado como argumento central da sua tese que a ilicitude das transações emerge de terem ocorrido em momento posterior aos factos que são imputados ao Recorrente MI… na ação pena! em que é visado no Brasil.
63. Argumentação esgrimida sem nunca considerar o acervo fáctico e probatório carreado ao processo pelos Recorrentes que, inclusive, se demonstra adequado a abalar a tese sobre a qual a assentam as decisões de indeferimento objeto do presente recurso.
64. Conforme demonstrado no requerimento datado de 21 de Fevereiro de 2019, o aqui Recorrente MM…, possuí um extenso e diversificado currículo académico e profissional composto por Pós-graduações na área da engenharia do petróleo, desenvolvimento gerencial e planeamento estratégico em creditadas Universidades, Associações e Escolas Superiores no Brasil e no exterior,
65. Incorporando ainda no seu extenso palmares académico um MBA executivo no Instituto Brasileiro de Mercados de Capitais - IBMEC;
66. Toda a formação académica do Recorrente MM… garantiu-lhe um nível de vida estável, às expensas de anos de trabalho e educação de excelência, possibilitando uma obtenção de riqueza em virtude dos contratos nacionais e internacionais celebrados pelas empresas que titulava.
67. Ora, desde 1975, ano em que ingressou no mercado de trabalho, até ao presente, o Recorrente MM… teve três grandes fontes de obtenção de riqueza que, hoje, corporizam o seu património.
68. A primeira circunscreve-se aos proveitos obtidos na sua atividade profissional enquanto engenheiro e gerente da Petrobras no Brasil, desde 1975 ao ano de 2003, altura em que se aposentou, onde esteve envolvido em transações de elevada importância financeira - melhor descritas no requerimento de 21 de fevereiro de 2019, da qual ainda aufere uma pensão de reforma.
69. A estes valores acrescem os lucros e dividendos da sociedade EPGN, Engenharia Ltda., constituída em 2003 e liquidada em 2015, cuja faturação bruta ascende aos R$ 45.000.000,00, equivalente a 22.700.000,00 USD - Valores auferidos pelos serviços melhor descritos no Requerimento de 21 de Fevereiro de 2019 junto pelos aqui Recorrentes.
70. Questão que não foi devidamente analisada, quer na promoção do Ministério Público, quer na decisão da Meritíssima Juíza de Instrução Criminal, porquanto naquelas apenas é feita referência aos "... contratos em que a sociedade EPGN, ENGENHARIA LTDA participou..." alegando que tal não fundamenta o afastamento do crime de Branqueamento de Capitais, sem que consiga explicar como e em que circunstâncias e medida.
71. A terceira grande fonte de rendimento do Recorrente MM… advém com dos dividendos auferidos da sociedade TECH TRADE Corp., constituída no estrangeiro para fazer face à intensa demanda de prestação de serviços de engenharia na área do gás e do petróleo por sociedades estrangeiras.
72. Cujo padrão lucrativo assentava nas fortes relações profissionais desenvolvidas pelo aqui Recorrente com diversos técnicos, consultores e executivos de sociedades da área da engenharia e do petróleo em virtude da sua vida profissional - cujos serviços advém de contratos com empresas da área de engenharia e do petróleo localizadas no Iraque, Kuwait, Emirados Árabes Unidos, Angola, Equador, Argentina, Peru, Bolívia, Líbia e Coreia do Sul, melhor descritos no Requerimento apresentado em 21 de Fevereiro de 2019.
73. Os contactos, conhecimentos técnicos e know-how desenvolvidos ao longo de quase 40 anos de atividade, possibilitaram à TECH TRADE a obtenção de uma faturação bruta na ordem dos USD 27.000.000,00 durante os seus 13 anos de atividade, exercida no âmbito da engenharia petrolífera.
74. Factos que foram, mais uma vez, completamente negligenciados pela Exma. Procuradora da República na promoção de 23 de Abril de 2019 e pela Meritíssima Juíza de Instrução Criminal, nos despachos objeto do presente Recurso.
75. Tendo sido apenas referido, relativamente à TECH TRADE, a conclusão infundada que a mesma estaria implicada no processo lava-jato e que todos os rendimentos por ela auferidos presumiam-se de origem ilícita, inclusive aqueles que foram obtidos antes do processo que corre termos no Brasil.
76. Desconsiderando por completo os factos e o acervo probatório adequado a fundamentar a origem lícita do património obtido durante quase 40 anos de trabalho pelo Recorrente MM…, em atividades de exponencial obtenção de rendimentos.
77. Cumpre ainda referir, na sequência de uma análise global dos factos carreados ao processo, que os montantes configurados como ilícitos no processo que corre termos no Brasil já foram repatriados, provenientes de contas na Suíça tituladas pelo Recorrente MM…, e depositadas em conta judicial destinada a ressarcir o dano proveniente da alegada atividade criminosa.
78. Conclusão que seria facilmente alcançada na sequência de uma análise do processo que corre termos na jurisdição Brasileira, recorrentemente mencionada pela Exma. Procuradora da República e pela Meritíssima Juíza de Instrução Criminal.
79. Com efeito, o envolvimento do Recorrente MM… nos factos apurados no processo que corre termos na Ação Penal n. …-…/PR da … Vara Federal de Curitiba, Secção Judiciária do Paraná, circunscrevem-se a um único contrato, decorrendo tão somente daí, conforme sentença proferida em primeira instância judicial, a vantagem indevida por ele percebida oriunda da construtora Norberto Odebrecht;
80. Contrato esse, cujas operações financeiras e todas as transferências bancárias ocorreram única e exclusivamente na Suíça, tendo as autoridades helvéticas transferido toda a informação disponível nessa jurisdição para as autoridades Brasileiras, em conformidade com o acordo de cooperação internacional celebrado entre elas.
81. Do exposto decorre, inelutavelmente, que a vantagem indevida recebida pelo Recorrente MM… em virtude do mencionado contrato, bem como a imputação do crime de Branqueamento de capitais, ocorreu única e exclusivamente nessa jurisdição, inexistindo qualquer referência ou relação com recursos financeiros actualmente existentes no Brasil ou em Portugal.
82. Assim, os valores depositados na Suíça, nas duas únicas contas bancárias aí tituladas pelo Recorrente MM…, foram integralmente repatriados antes da prolação da sentença condenatória, no montante total de 7.942.527,75 USD (correspondentes a 29.560.125,42 R$), por livre e espontânea vontade do Recorrente MM…, em concordância com a postura de colaboração mantida com as autoridades Brasileiras desde 2016.
83. A este valor acresce a fiança paga no valor total de 10.000.000,00 R$ e os montantes bloqueados pela …? Vara Federal de Curitiba, Secção Judiciária do Paraná, via BACENJUD no valor de 366.020,74 R$ e manualmente no valor de 8.088.192,68 R$, o que perfaz um valor global que ascende aos 48.014.338,84 R$,
84. Ademais, da condenação acima descrita, importa notar que o Recorrente MM… foi absolvido no Brasil dos crimes de associação criminosa - não tendo sequer sido indiciado pelo crime de corrupção - pelo que não se compreende como poderá a investigação em Portugal, presidida pelo Ministério Público e sufragada pelo Juiz de Instrução Criminal, imputar o crime de corrupção ao aqui Recorrente MM....
85. No decorrer da promoção de Exma. Procuradora da República é relatada a proveniência ilícita do património titulado pelo Recorrente MM… em Portugal, com base no mesmo argumento cronológico no qual se reputa como ilícitas todas as quantias transferidas após os factos pelos quais o Recorrente MM… é acusado no Brasil.
86. Tentando contaminar os proventos de uma vida inteira de trabalho com base num facto isolado, cujo dano já foi reparado no Brasil.
87. Ora, sabendo de antemão que esse argumento é usualmente esgrimido para obstar ao levantamento da suspensão das operações bancárias decretada a 25 de Julho de 2018, os Recorrentes juntaram a processo em requerimento de 21 de Fevereiro de 2019 uma descrição completa e fundamentada em base documental que atesta a legalidade do património detido pelo Recorrente MM… e das transações anteriormente sinalizadas peio Ministério Público para Portugal.
88. Este acervo fáctico e probatório foi completamente negligenciado pela Exma. Procuradora da República e pela Meritíssima Juíza de Instrução Criminal, as quais desconsideraram a existência de documentos adequados a atestar a licitude dos fundos transacionados, não se pronunciando sobre os contratos de fecho de câmbio juntos ao requerimento apresentado a 21 de Fevereiro de 2019 e aí devidamente circunstanciados. - Vide artigo 97.5 do requerimento de 21 de Fevereiro de 2019.
89. Ora, face à falta de pronúncia e à inexistente fundamentação para a mesma, cumpre referir, ainda que sumariamente, os argumentos que à data do requerimento acima mencionado consubstanciaram os argumentos adiantados pelos aqui Recorrentes,
90. O Recorrente MM…, aqui Recorrente, para além de um empresário é também investidor, tendo ao longo de vários anos realizado diversas operações com vista à efetivação dessa posição.
91. Motivo pelo qual os rendimentos auferidos pelo Recorrente MM… durante quase 40 anos de atividade profissional foram ao longo dos anos investidos no ramo imobiliário, em instituições bancárias e em mercados e instrumentos financeiros variados.
92. Investimentos que não se realizavam unicamente no Brasil e que para tal motivaram diversas transações financeiras entre vários ordenamentos jurídicos.
93. Com efeito, para acautelar eventuais situações que pudessem constranger o intuito desses investimentos, o aqui Recorrente MM…, realizou diversos contratos de fecho de câmbio, fazendo passar as quantias a investir pela sucursal do Rio de Janeiro do Banco do Brasil, via Banco Centrai do Brasil.
94. Contratos que, voltamos a relembrar, foram juntos e devidamente circunstanciados pelos aqui Recorrentes em requerimento datado de 21 de Fevereiro de 2019 nos seus artigos 50.9 a 98.5 - para os quais remetemos toda a argumentação e acervo probatório oportunamente expedido - claramente ignorados peia Meritíssima Juíza de Instrução Criminal e pela Exma. Procuradora da República.
95. Em suma, reitera-se que o Recorrente MM… dispõe de um vasto património e de uma riqueza considerável, o que não choca, no mais elementar sentido jurídico, que as transações financeiras sinalizadas tenham tido por principal desiderato o investimento desse património em diversas jurisdições.
96. Ademais, a mais pura lógica jurídica é suficiente para fundamentar, ainda que a título indiciário, que ainda que o Recorrente MM… tivesse por objetivo a ocultação e inserção de quantias alegadamente obtidas ilicitamente em território Português não estaria a colaborar com a justiça Portuguesa para a reposição inevitável da verdade material, nem tão pouco apresentava de forma tão detalhadas os fluxos monetários provenientes dos seus investimentos.
97. Com efeito, não se concebe como podem a Meritíssima Juíza de Instrução Criminal e a Exma. Procuradora da República pugnar pela manutenção de uma medida em Portugal, quando o facto que reputam como ilícito foi praticado noutra jurisdição e as vantagens indevidas obtidas foram caucionadas em contas na Suíça cujos valores foram já repatriados para o Brasil e depositados em conta judicial destinada a assegurar a reparação do dano causado.
98. Sendo forçoso concluir que pelo facto de inexistir qualquer relação entre o facto ilícito e as transações bancárias sinalizadas peio Ministério Público em Portugal, a prorrogação da medida de suspensão de operações bancárias, decretada a 25 de Julho de 2018, carece de fundamentação jurídica e base probatória, não se devendo bastar com uma argumentação vazia e circular de que deverão ser consideradas de proveniência ilícita todas as quantias transacionadas pelo aqui Recorrente MM…, após os factos que lhe são presumidamente imputados no processo que corre termos no Brasil.
99. Como acima tivemos oportunidade de referir, os Recorrentes foram notificados a 14 de Maio de 2019 de dois despachos da Meritíssima Juíza de Instrução Criminal, datados de 26 de Abril e 10 de Maio de 2019, cuja base argumentativa foi apresentada por remissão a promoções do MP das quais os Recorrentes não foram notificados.
100. Ora, esta falta de fundamentação e pronúncia a que acima fizemos referência, perpetradas pela Meritíssima Juíza de Instrução Criminal e pela Magistrada do Ministério Público, configuram, nos termos do disposto no artigo 118.9 do Código de Processo Penal, uma clara violação dos direitos dos Recorrentes, à qual acresce toda a conduta ofensiva de direitos, liberdades e garantias alavancadas no decretamento da medida de suspensão de operações de débito decretadas a 25 de Julho de 2018.
101. Neste sentido a técnica argumentativa da qual a Meritíssima Juíza de Instrução Criminal lançou mão nos referidos despachos, desprovida da notificação simultânea das competentes promoções do MP para as quais remete, fá-los padecer de falta de fundamentação e pronúncia relativamente aos requerimentos oferecidos pelos Recorrentes em 21 de Fevereiro e 3 de Maio de 2019.
102. O dever de fundamentação é uma garantia integrante do conceito de Estado de Direito Democrático, previsto no artigo 205.5 n,5 1 da Constituição da República Portuguesa e 97.2 n,5 5 do Código de Processo Penal, que pressupõe a densificação do substrato probatório destinado a sustentar os factos e imputações apresentados em juízo.
103. De um ponto de vista Constitucional, o 205º nº 1 da nossa Lei Fundamental prescreve, sob a epígrafe "Decisões dos Tribunais" que:
"1. As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei."
104. Conforme ensinam Jorge Miranda e Rui Medeiros, a exigência constitucional da fundamentação "cumpre uma dupla função: de "carácter subjectivo" - garantia do direito ao recurso e controlo da correcção material e formal das decisões pelos seus destinatários - e de "carácter objectivo" - pacificação social, legitimidade e autocontrole das decisões" - in Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, Pág. 70.
105. Por seu turno, o artigo 97º nº 5 do Código de Processo Penal dispõe, sob a epígrafe "Atos decisórios" que:
"1 - Os actos decisórios dos juízes tomam a forma de:
a) Sentenças, quando conhecerem afinal do objecto do processo;
b) Despachos, quando conhecerem de qualquer questão interlocutória ou quando puserem termo ao processo fora do caso previsto na alínea anterior.
2 - Os actos decisórios previstos no número anterior tomam a forma de acórdãos quando forem proferidos por um tribunal colegial.
3 - Os actos decisórios do Ministério Público tomam a forma de despachos.
4 - Os actos decisórios referidos nos números anteriores revestem os requisitos formais dos actos escritos ou orais, consoante o caso.
5 - Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão."- Destaque nosso.
106. Conforme consta do normativo transcrito, todos os actos decisórios têm de ser fundamentados, entendendo-se de forma expressa que a fundamentação tem que conter a especificação dos motivos de facto e de direito subjacentes à decisão proferida, enquanto condição essencial para a produção de efeitos dos atos decisórios.
107. Neste sentido, o despacho da Meritíssima Juíza de Instrução Criminal de 26 de Abril de 2019 refere que "Como consta da promoção que antecede, com a qual se concorda inteiramente e para cujos fundamentos se remete mantêm-se fortemente indiciado que tais contas são um meio para a prática do crime de branqueamento".
108. Recorrendo à mesma metodologia, o despacho de 10 de Maio de 2019, refere que "O opôs-se ao levantamento da ordem de suspensão pelas razões que constam a fls. 599-601, que aqui se dão por integralmente reproduzidas".
109. A técnica argumentativa de fundamentação por remissão acima transcrita da Meritíssima Juíza de Instrução Criminal consubstancia uma violação dos deveres a que está adstrita por força do artigo 205.5 Constituição da República Portuguesa e 97º nº 5 do Código de Processo Penal.
110. Tendo, assim, posto em causa o direito ao recurso dos ora Recorrentes, em virtude da conduta tergiversante alicerçada na falta de fundamentação, de facto e de direito, apresentada nos despachos judiciais de 26 de Abri! e 10 de Maio de 2019.
111. Veja-se neste sentido o aresto do Tribunal da Relação de Lisboa de 13 de Fevereiro de 2019, no âmbito do processo n.º 324/14.0TELSB-CB.L1-3, relator João Lee Ferreira, quando refere que "O despacho judicial deve (...) conter a enunciação, ainda que sucinta mas perceptível e completa, dos factos (...) bem como a exposição das razões em que se motivou a decisão de facto e a indicação das disposições legais em que se fundamenta". - Sublinhado e destaque nosso, disponível em www.dgsi.pt.
112. Ademais, importa deixar claro, na esteira do referido pelo Aresto acima mencionado que:
"O dever de fundamentação das decisões penais num Estado de Direito, além de constituir uma das fontes de legitimidade da jurisdição em geral, constitui um direito e garantia fundamental do cidadão contra a arbitrariedade no exercício do poder público.
Como se escreveu no acórdão do Tribunal Constitucional (TC) nº 55/85, citando Michele Taruffo (em "Notte sulla garanzia costituzionale delia motivazione", estudo publicado no B.F.D.U.C., vol. LV, e que impulsionou a introdução do dever de fundamen-tação no nosso texto constitucional), "a fundamentação dos actos jurisdicionais em geral, cumpre duas funções:
a) uma, de ordem endoprocessual, afirmada em leis adjectivas, e que visa essencialmente impor ao juiz um momento de verificação e controlo crítico da lógica da decisão, permitir às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação e colocar 0 tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, um juízo concordante ou divergente;
b) e outra, de ordem extraprocessual, que apenas ganha evidência com a referência, a nível constitucional, ao dever de motivação e que procura acima de tudo tornar possí-vel um controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão.".
113. Ora, ainda que se pudesse admitir que a técnica argumentativa da qual a Meritíssima Juíza de instrução Criminal lançou mão para decidir os requerimentos apresentados pelos Recorrentes a 21 de Fevereiro e 3 de Maio de 2019 possa estar fundamentada no princípio da celeridade processual, o que apenas se equaciona mas não se concede, a verdade é que se tem por elemento crucial para a validade de tal ato a notificação imediata das promoções para a qual remete 0 fundamento da sua decisão.
114. À semelhança da situação dos presentes autos, importa atentar ao decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25 de Setembro de 2017, processo nº  18/16.1T9MAC-B.G1, relator Alda Casimiro, na parte em que se refere que "Os recorrentes (...) se insurgem contra o facto de, tendo o despacho remetido para os argumentos expendidos na promoção, terem sido notificados do despacho desacompanhado da promoção, originando que eles desconheçam as razões do deferimento da promoção e impossibilitando-os de aquilatarem da bondade de tais razões." referindo ainda que "... bem se compreende, na medida em que as decisões dos juízes têm que ter na sua base um raciocínio lógico e argumentativo que possa ser entendido pelos destinatários da decisão, sob pena de não se fazer justiça."- Sublinhado e destaque nosso
115.     No que concerne aos efeitos da falta de fundamentação atente-se ao positivado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18 de Novembro de 2009, processo nº 736/03.4TOPRT-SJ.P1, relator António Gama, quando se refere que:
"A precedente irregularidade afecta o valor do acto praticado: o acto decisório é apenas uma declaração de indeferimento que não aprecia os fundamentos indicados pelo arguido no seu requerimento. No caso, e em consequência dessa omissão, é a própria ideia e eficácia do recurso que está em causa. Essa omissão tem por isso influência no exame e na decisão da causa." e "relevando a irregularidade inicialmente referenciada, relativa à falta de fundamentação do despacho recorrido, fica prejudicado o conhecimento e declaração da irregularidade subsequente. Assim, declara-se irregular, por falta de fundamentação, o despacho que apreciou o requerimento apresentado pelo arguido ordenando-se ao tribunal que o proferiu que repare a apontada omissão."- Destaque nosso.
116. Já no que diz respeito à falta de fundamentação da decisão da Meritíssima Juíza de Instrução Criminal importa atentar ainda ao disposto no Aresto do Tribunal da Relação de Lisboa, acima melhor descrito, que embora tenha por base uma questão jurídica distinta da dos presentes autos, refere quanto ao dever de fundamentação de atos decisórios que:
"O procedimento de fundamentação por mera remissão para a posição expressa pelo Ministério Público, e sem a formulação de um juízo autónomo e próprio pelo juiz, não permite supor que a oposição ao arresto tenha sido efectivamente examinada de forma equitativa por um tribunal independente e imparcial, com respeito pelos princípios da efectividade da defesa dos interesses da aqui oponente, bem como dos princípios do contraditório e da igualdade de armas ínsitos no principio do processo equitativo e previstos nos artigos 20º nºs 1 e 4 da CRP e 10º da DUDH." - Sublinhado nosso,
117. Com efeito, a decisão da Meritíssima Juíza de Instrução Criminal padece de manifesta falta de fundamentação, sendo forçoso concluir que o indeferimento dos requerimentos apresentados a 21 de Fevereiro e 3 de Maio de 2019 enfermam de irregularidade processual, ignorando por completo que a fundamentação é, num estado de direito democrático, o vetor essencial de legitimação das decisões judiciais.
118. Ora, pese embora aquilo que se alegou, a verdade dos factos é que as promoções da Exma. Procuradora da República que consubstanciam a base argumentativa daqueles despachos apresentam-se envoltas em argumentos circulares, infundados, indevidamente fundamentados e com claras omissões de pronúncia quanto a questões, factos e documentos juntos pelos ora Recorrentes.
119. No caso da falta de fundamentação circunscrita à posição expressa pelo MP, é de ulterior importância assinalar que não se procedeu à análise de documentos apresentados pelos Recorrentes, omitiram-se factos e a sua subsunção a matéria de direito e negligenciou-se a análise de questões cuja abordagem levaria, inelutavelmente, a colocar em crise a posição esgrimida pela Meritíssima Juíza de Instrução Criminal e pela Exma. Procuradora da República.
120. Como bem refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 20 de Julho de 2017, processo nº 360/12.0TAVNF.G1, relator Ausenda Gonçalves, o vício de omissão de pronúncia prende-se "com o incumprimento do dever de resolver as «questões» submetidas à apreciação do tribunal, exceptuando aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra."
121. Face ao acima exposto é inelutável que a Meritíssima Juíza de Instrução Criminal e a Exma. Procuradora da República omitiram a pronúncia sobre questões suscitadas pelos Recorrentes no requerimento apresentado em 21 de Fevereiro de 2019, cuja análise seria adequada a abalar o entendimento plasmado nos despachos judiciais, objeto do recurso.
122. Ademais, importa refutar que não passa despercebido que o argumento central apresentado pela Meritíssima Juíza de Instrução Criminal, com remissão para a promoção da Procuradora do Ministério Público de 23 de Abril de 2019, se subsume à projeção cronológica dos factos, pugnando pela ilicitude dos fundos transacionados para o ordenamento jurídico Português com base no evento de estes terem ocorrido após os factos pelos quais o Recorrente MM… é acusado no Brasil.
123. Refere a Exma. Procuradora da República que dos documentos juntos decorre que os fundos movimentados nas contas bloqueadas "...e utilizados no pagamento dos imóveis adquiridos em Portugal foram transferidos do Brasil para Portugal em data posterior à prática dos factos constantes da acusação deduzida pelo MPF contra MI… no âmbito da Ação Penal nº …-…/PR da …ª Vara Federal de Curitiba. Secção Judiciária do Paraná, tendo circulado em momento anterior; mas sempre posterior à prática dos factos que lhe são imputados nesses autos, por contas sediadas, nomeadamente, em Paris, Malta e Miami sem que tenha sido apresentada qualquer explicação legítima para tal facto"  sublinhado e destaque nosso.
124. E que deste modo "... a investigação já realizada em Portugal, vem reforçar que os fundos aqui movimentados têm origem no Brasil, em MI… e em momento posterior à prática dos factos pelos quais se encontra condenado e, como tal, mostra-se reforçada a indiciação do crime de branqueamento cometido em Portugal."-sublinhado e destaque nosso.
125. Considerando ser suficiente para fundamentar a imputação realizada o facto de que "... tal indiciação não é suficientemente contrariada pelo alegado no requerimento apresentado, nem pelos documentos juntos.,.".
126. Argumento circular e generalista que é novamente repetido quanto à pronúncia sobre a transferência com origem na conta bancária sediada em Paris, França:
"... constata-se que a mesma foi concretizada no ano seguinte à prática dos factos elencados no despacho de acusação proferido contra si no processo que corre termos no Brasil, com o intuito de colocar tais fundos fora do alcance da Justiça".
127. Note-se que os argumentos incorporados nas transcrições apresentadas foram realizados à revelia dos deveres a que a Exma. Procuradora da República está adstrita subtraindo-se à impugnação circunstanciada e devidamente fundamentada num acervo probatório consistente, dos factos apresentados pelos ora Recorrentes.
128. Ademais, apto a infirmar por completo o argumento expedido pela Exma. Procuradora da República está o tracking, devidamente fundamentado, das transações financeiras sinalizadas pelo Ministério Público através da junção de extratos bancários devidamente circunstanciados e contratos de fecho de câmbio celebrados com o Banco do Brasil, sucursal do Rio de Janeiro, via Banco Centrai do Brasil que atestam a legalidade dos fundos em momento anterior às transações financeiras para outras jurisdições.
129. Descrição que a Exma. Procuradora da República não considera ser suficientemente elucidativa, descurando mais uma vez a documentação junta, quando refere que "... a documentação junta e a narração de algumas operações financeiras, (...) não é suficiente para afastar a indiciação pelo crime de branqueamento de capitais" porquanto a que a narração do circuito financeiro não se inicia com a entrada dos fundos na esfera patrimonial de MM…, sendo apenas descrita a partir da sua saída do Brasil..."
130. Ora, não obstante este argumento já ter sido devidamente impugnado, neste recurso importa notar que mais uma vez a Exma. Procuradora da República alega factos sem os procurar fundamentar devidamente, ignorando que estio juntos a processo factos devidamente circunstanciados e com suporte probatório nos documentos juntos com o requerimento de 21 de Fevereiro de 2019 que demonstram a origem do património detido pelo Recorrente MM… desde o ano de 1975, sendo falso que a narração do circuito financeiro se inicia com a saída do dinheiro do Brasil.
131. Ainda que se admitisse o alegado pela Exma. Procuradora da República - o que apenas se conjetura por mero dever de cautela de patrocínio - tendo o dinheiro saído mediante a celebração de contratos de fecho de câmbio celebrados com o Banco do Brasil, sucursal do Rio de Janeiro, via Banco Central do Brasil, estava, de per si, demonstrada a licitude desses fundos.
132. No que concerne à alegada ilicitude das quantias transacionadas a Exma. Procuradora da República vem referir que "não é fornecida explicação para o facto dos fundos terem sido retirados do Brasil efeitos circular por França, Miami (...)" evidenciando uma "clara intenção de ocultar a sua origem e de os colocar fora do alcance da Justiça Brasileira" .
133. Alegação que, mais uma vez não é devidamente fundamentada, e que comprova, inelutavelmente que não se atentou ao conteúdo do Requerimento apresentado em 21 de Fevereiro de 2019,
134. Uma vez que aí é demonstrado, através de uma descrição circunstanciada e devidamente comprovada documentalmente, que o propósito dessas transações recaía, unicamente, na intenção de investimento em mercados e instrumentos financeiros.
135. Intenção que não choca o mais elementar sentido jurídico dado a extensão do património titulado pelo Recorrente MM…, fruto de quase 40 anos de atividade profissional no sector da engenharia e do petróleo, por todo o mundo.
136. A tudo acima mencionado acresce um argumento fundamental para demonstração da licitude das transações efetuadas para Portugal, dado que desde 2016, data em que o Recorrente MM… iniciou a sua colaboração com o Ministério Público Federai no Brasil, foram repatriados das contas por si tituladas na Suíça para conta judicial no Brasil, as quantias auferidas a título de vantagem indevida pelos factos imputados ao Recorrente MM… na Ação Penal que corre termos no Brasil.
137. Os Recorrentes juntaram aos autos documentos com o propósito único de comprovar a licitude das transações financeiras sinalizadas - Veja-se, a título de exemplo os contratos de fecho de câmbio aliados a uma discrição circunstanciada das referidas transferências - que foram ignorados pela Exma. Procuradora da República e pela Meritíssima juíza de Instrução Criminal.
138. Sendo os mesmos adequados a abalar, significativamente, a posição que de forma prévia e infundamentada conceberam face aos Recorrentes, personalizando, em plena oposição ao sufragado por um Estado de Direito Democrático, um princípio de presunção de culpa!
139. Em face do exposto, é forçoso concluir que a Meritíssima Juíza de Instrução Criminal e a Exma. Procuradora da República não se pronunciaram quanto a questões fulcrais para a boa decisão da causa, cuja falta levou ao despacho de indeferimento objeto do presente recurso, mantendo por mais 3 meses uma lesão desnecessária, desadequada e desproporcional à dignidade do Recorrente MM… e à liberdade de iniciativa económica dos aqui Recorrentes.
140. A medida decretada coarta de forma significativa os direitos e garantias fundamentais constitucionalmente previstas do ora Recorrentes, entre os quais o princípio da dignidade da pessoa humana, na sua manifestação de uma vivência condigna, o direito de propriedade e de liberdade de iniciativa económica.
141. Ora, contrariamente ao alegado pela Exma. Procuradora da República, a aplicação de medidas cautelares desta espécie deve pressupor, enquanto primeira linha argumentativa, uma análise à luz dos princípios constitucionais tendentes a vedar a arbitrariedade e a falta de fundamentação na sua aplicação.
142. Motivo pelo qual se afigura como indispensável para a aplicação e prorrogação da referida medida a sua análise à luz do artigo 18.s da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe "Força Jurídica", nas suas manifestações de necessidade, adequação e proporcionalidade da restrição de direitos fundamentais.
143. A Exma. Procuradora da República vem referir que a análise desta questão se subsume, em todas as peças processuais até então apresentadas pelos ora Recorrentes, à alegação dos mesmos factos.
144. Salvo o devido respeito, a exposição realizada pela Exma. Procuradora da República em relação à presente questão não corresponde à verdade e revela uma notável falta de análise ao conteúdo e objeto dos requerimentos apresentados até à data.
145. Ora, apesar de ser recorrente a menção à desproporcionalidade da medida aplicada a verdade é que a mesma coloca em causa direitos fundamentais, exigindo, de per si, uma análise à luz da Constituição da República Portuguesa
146. E que não se argumente que em virtude dos contornos assumidos pelo presente litígio, que decorre em estreita cooperação com jurisdição Brasileira, a lei Portuguesa não deverá ser aplicada relativamente às medidas cautelares imputadas aos Recorrentes.
147. Com efeito, a Lei nº 144/99, de 31 de agosto, da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, da qual emergiram os processos que nesta jurisdição correm termos contra os Recorrentes, prevê no seu artigo 146º e que:
"1 - O pedido de auxílio solicitado a Portugal é cumprido em conformidade com a lei portuguesa.
2 - Quando o Estado estrangeiro o solicite expressamente ou na decorrência de acordo, tratado ou convenção internacional, o auxílio pode ser prestado em conformidade com a legislação desse Estado, desde que não contrarie os princípios fundamentais do direito português e não cause graves prejuízos aos intervenientes no processo.
3 - 0 auxílio é recusado se respeitar a acto não permitido pela legislação portuguesa ou susceptível de implicar sanções de carácter penal ou disciplinar."
148. A exposição deste normativo torna despicienda uma incursão detalhada sobre a mencionada lei para que se alcance a conclusão de que as medidas aplicadas põem em causa princípios fundamentais do direito português, implicando sanções de caracter penal.
149. Em primeiro lugar, os contornos sob os quais se procedeu à imputação da aplicação da medida de suspensão de operações bancárias atenta contra o princípio non bis in idem, no qual se veda quer a dupla condenação, quer a aplicação de pena ou medida de segurança pela verificação da mesma conduta em diferentes países ou jurisdições, assegurado, na nossa jurisdição, pelos artigos 14º nº 7 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966, 4º do protocolo n° 7 da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, datado de 22 de Novembro de 1984, 50º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e 299, nº 5, da Constituição da República Portuguesa.
150. Ora, apesar de o Recorrente MM… não ter ainda sido condenado por sentença transitada em julgado pela prática de qualquer crime, as medidas aplicadas demonstram uma atitude persecutória do Ministério Público e da Meritíssima Juíza de Instrução Criminal que forçosamente, e sem qualquer suporte probatório, incorrem desde 25 de Julho de 2018 em verdadeiras condenações.
151. Ademais, uma análise detalhada da motivação subjacente à aplicação da medida decretada leva-nos a indiciar a necessidade de assegurar o ressarcimento do dano que eventualmente possa vir a ser verificado no Brasil, pelos factos de que aí é acusado.
152. No entanto, importa notar que recentemente as contas do Recorrente MM… no Brasil foram desbloqueadas, além do facto de já terem sido repatriados e depositados em conta judicial Brasileira quase 50 Milhões de Reais, dos 97 Milhões devidos a título de responsabilidade solidária por todos os sujeitos envolvidos.
153. Sendo que o facto ilícito que se demonstra subjacente à repatriação acima descrita, ocorreu com base num único contrato para contas tituladas na Suíça.
154. Ora, o regime legal da Lei nº 83/2017 de 18 de Agosto, exige que as operações bancárias estejam, pelo menos, associadas a fundos provenientes ou relacionados com a prática de atividades criminosas,
155. Por seu turno, o artigo 4º da Lei n.2 5/2002 dispõe que a medida de suspensão de operações bancárias, não deve ser qualificada como uma medida cautelar mas antes como um meio especial de recolha de prova.
156. Neste sentido, tendo o facto ilícito sido praticado no Brasil e a vantagem indevida depositada na Suíça, não se consegue entender a conexão entre as contas tituladas pelo Recorrente em Portugal e os fundos provenientes da atividade criminosa, porquanto os mesmos já foram repatriados e depositados em conta judicial!
157. Questão que a Meritíssima Juíza de instrução Criminal e a Exma. Procuradora da República continuam a negligenciar, adensando a sua componente lesiva com base nesta nova prorrogação do prazo da medida de suspensão de operações bancárias decretada a 25 de Julho de 2018.
158. A decisão em causa atenta contra a jurisprudência positivada no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10 de Janeiro de 2012, processo nº 69/10.6TELSB-A.LI relativamente à onerosidade típica de um meio de recolha de prova, uma vez que "ultrapassa os limites inultrapassáveis (... ) de um qualquer meio de recolha de prova, é manifesta e exacerbadamente onerosa para o Recorrente na medida em que, como demonstrado, é excessiva e desproporcional."- disponível em www.dgsi.pt. Destaque e Sublinhado nosso.
159. No que concerne à ausência, já rebatida, do nexo de causalidade entre a atividade criminosa e os valores depositados em contas tituladas pelos Recorrentes em Portugal, subjaz ainda referir, no seguimento do pugnado pelo Aresto do Tribunal da Relação de Lisboa de 10 de Janeiro de 2012, que "só se "branqueia" dinheiro se provier de actividades primitivamente ilícitas; pelo que será sempre necessário, mesmo para efeitos de aplicação da medida de suspensão em causa, demonstrar que este concreto dinheiro proveio daquelas concretas infracções, o que não sucede, manifestamente, in casu" - Sublinhado e destaque nosso de um contributo jurisprudencial que merece total acolhimento nos presentes autos.
160. Quantias que, reitera-se, são provenientes do exercício de uma atividade profissional de quase 40 anos num sector extremamente lucrativo e das respetivas poupanças,
161. Não estando, de forma alguma, relacionados com os factos ilícitos praticados na Suíça e indiciados no Brasil, cuja impossibilidade de uso, disposição e fruição impelem, sobre a medida aplicada, uma injustificada e extrema onerosidade, prejudicando de forma intolerável os mais elementares direitos dos Recorrentes.
162. Como é referido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14 de Fevereiro de 2019, acima melhor descrito, "é inegável que a protecção dos direitos e garantias só é pensável e exequível à custa da sua próprio e inevitável limitação e restrição e que a busca da verdade material é, no processo penal, um dever ético e jurídico, não pode olvidar-se que há limites inultrapassáveis e que quando se lança mão de um qualquer meio de recolha de prova, sobretudo quando se trata de um meio intrusivo, há que ter em conta que ele deve ser o menos oneroso possível para os direitos do visado e não excessivo relativamente às finalidades para que é produzido."- Extraído do despacho de indeferimento da decisão sob recurso. Destaque e sublinhado nosso. 
163. Ora, a medida de suspensão de operações bancárias decretada nos presentes autos a 25 de Julho de 2018, não visa, nem nunca visou, a obtenção de prova mediante uma análise detalhada das transações bancárias realizadas e recebidas pelos ora Recorrentes.
164. Como decorre da promoção da Exma. Procuradora da República de 23 de Abril de 2019, na qual a Meritíssima Juíza de Instrução Criminal fundamentou o indeferimento do pedido realizado pelos Recorrentes no requerimento de 21 de Fevereiro, a medida decretada visa obstar a que os fundos objeto da mesma sejam "... colocados fora do alcance da justiça, o que obstará à recuperação do produto do crime e serão reintroduzidos definitivamente na economia legítima.".
165. O que demonstra, sem margem para dúvidas, que o intuito da medida decretada é a de prevenir a dissipação do património reputado como ilícito e não a de obter qualquer tipo de prova.
166. Cabe questionar se não estamos perante um verdadeiro arresto preventivo encapotado, sob a alçada legitimante, de uma medida especial de obtenção de prova,
167. Isto é, se com a aplicação da medida de suspensão de operações de débito não se estará a imputar, antecipadamente e em total contravenção legal, uma medida de coação aos Recorrentes.
168.     A factualidade exposta demonstra inelutavelmente o que acima se questionou, motivo peio qual deverá ser revogada a medida aplicada por não estar adstrita aos pressupostos legais da sua aplicação.
169. No que diz respeito à lesão de direitos fundamentais, a aplicação da referida medida está a vedar, em duas vertentes, e de forma injustificada, o direito à propriedade privada, previsto nos termos do disposto no artigo 62º da Constituição da República Portuguesa, sendo os Requerentes MM… e Magikmarathon, impedidos de usufruir do seu património financeiro e imobiliário.
170. Como bem refere João Pacheco de Amorim em "Direito de Propriedade Privada e Garantia Constitucional da Propriedade de Meios de Produção", publicado no Boletim de Ciências Económicas da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, "... a noção de direito de propriedade, em abstrato, designa num primeiro momento "uma relação privada de uma pessoa ou entidade com determinados bens", de que resulta para os demais consociados, num segundo momento ou dimensão, um dever de abstenção ou de não perturbação, uma obrigação universal de respeito."- Disponível em https://digítafis- dsp.uc.pt/bitstream.
171. Daqui depreende-se que a doutrina define o direito de propriedade com referência aos poderes conferidos ao seu titular, já que, como refere Carvalho Fernandes, "a essência da propriedade reside na sua aptidão para abarcar a generalidade dos poderes que permitam o total aproveitamento da utilidade de uma coisa, o que lhe dá carácter de exclusividade" - Disponível em Lições de Direitos Reais, Quid Juris, Sociedade Editora, Lisboa, 2009, pág. 333-334.
172. O conjunto de poderes conferidos por esta prerrogativa constitucional prende-se essencialmente com quatro componentes. Como referem João Gomes Canotilho e Vital Moreira o direito de propriedade confere a liberdade de "... de adquirir bens; (b) a liberdade de usar e fruir dos bens de que se é proprietário; (c) a liberdade de os transmitir; (d) o direito de não ser privado deles." Podendo aqui incluir-se ainda, segundo os autores "... o direito de reaver os bens sobre os quais se mantém o direito de propriedade..." - Vide J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, pág. 800.
173. Como propugna João Pacheco Amorim, não obstante a dificuldade da sua inclusão em determinado espectro devidamente circunscrito, "pelo menos cinco significados distintos de propriedade: o de (i) tudo o que um particular tenha legitimamente adquirido, e que por isso passa a estar na sua livre disponibilidade, o de (ii) direitos patrimoniais em geral, o de (iii) direitos reais (todos eles), o de (iv) um direito real específico — o direito real máximo ou pleno (o direito de propriedade) — e o de (v) objeto de um direito real".
174. Motivo pelo qual se reputa como indiscutível que o património financeiro está inserido neste conceito constitucional amplo que alcança em geral todos os direitos subjetivos de conteúdo patrimonial,
175. E que no caso concreto se encontra posto em causa pela medida de suspensão de operações bancárias decretada a 25 de Julho de 2018, que vedou de forma desnecessária, desadequada e desproporcionai o acesso ao património financeiro dos aqui Recorrentes,
176. Obstando a que possam ser cumpridas as obrigações fiscais e contratuais da Magikmarathon e lesando de forma irremediável o conceito nuclear da dignidade da pessoa humana do Recorrente MM… e da sua família, colocando em causa o direito a uma vivência condigna enquanto corolário do Estado de Direito Democrático.
177.E que não se venha referir, como o fez a Exma. Procuradora da República, que os imóveis titulados pelos ora Recorrentes, entre os quais a casa de morada de família do Recorrente MM…, não se encontram habitados ou devidamente administrados, com base no argumento de que o Recorrente MM… se encontra fora de Portugal, desconsiderando que contra ele corre uma ação penal no Brasil e que o não uso da propriedade, é efetivamente um poder conferido ao seu titular.
 178. Questão que é confirmada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.02.2013, quando refere - citando Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. III, 2ª ed., pág. 104 - que "em relação ao direito de propriedade, como direito em princípio absoluto (cf. art. 1305º), é praticamente Impossível distinguir o uso do não uso, pois que o não uso é uma das formas pelas quais, na plenitude de poderes que a lei lhe confere, o proprietário pode exercer o seu direito. Por outras palavras, o não uso (ressalvada a específica hipótese do art. 1397.2) é uma forma de uso como qualquer outra". - Processo nº 806/07.OTBTND.Cl.Sl, relator Serra Baptista, disponível em www.dgsi.pt com destaque e sublinhado nosso.
179. A verdade incontornável é que estamos perante um conjunto de atentados gravosos à esfera jurídica dos aqui Recorrentes limitando, para além do uso, fruição e disposição da sua propriedade, direitos que contendem, diretamente, com a liberdade de iniciativa económica privada.
180. Ora, a liberdade de "iniciativa económica privada" está prevista no artigo 61º da Constituição, sob a epígrafe "Iniciativa privada, cooperativa e autogestionária", dispondo no seu nº 1, para o que nos interessa que "A iniciativa económica privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral".
181. Como ensinam José Gomes Canotilho e Vital Moreira, o preceito acima descrito "contempla as diversas formas constitucionalmente tipificadas de iniciativa económica não pública" - in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., revista, Coimbra, 1993, pp. 325 e segs.),
182. Garantindo e demonstrando que a iniciativa económica privada não se reconduz unicamente a um princípio de organização económica, mas antes a um direito fundamentai integrante da livre disposição do propriedade e património individual.
 183. A limitação a este princípio constitucionalmente garantido que só poderá ocorrer "nos quadros definidos pela Constituição e pela lei", evidencia, em primeira linha, que não estamos perante um direito absoluto no panorama constitucional Português.
184. 0 que não afasta a necessidade de fundamentação, nos termos legais e constitucionais exigidos para a sua limitação, que devem emergir de uma análise concreta do thema decidendum porquanto os vetores de limitação desta prerrogativa constitucional não estão tout court positivados na nossa Constituição.
185. Esta consideração mais ampla decorre da inexistência de limites fixos constitucionalmente garantidos, que ainda assim garante a impossibilidade de aniquilar um mínimo de conteúdo útil, constitucionalmente relevante, impondo, na mesma medida a necessidade de fundamentação expressa exigida para limitação de direitos fundamentais.
186. Ora, a medida de suspensão de operações bancárias aplicada a 25 de Julho de 2018, obsta a que os Recorrentes recorram às contas bancárias de que são titulares, coartando  significativamente o seu direito à propriedade privada, porquanto não podem, usar e dispor do património monetário por eles detido,
187.     O que inviabiliza, por sua vez, o desenvolvimento da atividade económica iniciada pela sociedade Magikmarathon, coartando a possibilidade de fazer face às suas obrigações fiscais e aos deveres emergentes dos contratos celebrados com os seus fornecedores e credores.
188.     Situação que levará, invariavelmente e de forma irreversível, à declaração de insolvência da ora Recorrente, Magikmarathon, por incumprimento das obrigações a que está adstrita, assim como a execuções de ordem fiscal, por falta de pagamento dos impostos.
189. Com efeito, e em decorrência lógica do mencionado supra, a medida de suspensão de operações bancárias demonstra-se adequada a pôr em causa o princípio da dignidade da pessoa humana, "proclamado logo no artigo 1º da Constituição e decorrente, igualmente, da ideia de Estado de direito democrático consignado no seu artigo 2º, e ainda aflorado no artigo 63º nºs 1 e 3, da mesma CRP, que garante a todos o direito à segurança social e comete ao sistema de segurança social a proteção dos cidadãos em todas as situações de falta ou diminuição de meios de subsistência (...) implica o reconhecimento do direito ou da garantia a um mínimo de existência condigna" - Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 296/2015, publicado no Diário da República nº 114/2015, Série I de 2015-06-15, disponível em https://dre.pt.
190.     Garantia que se alarga ao aqui Recorrente MM… que apesar de não ser um cidadão nacional, adquiriu a autorização de residência em virtude de um investimento avultado, devidamente circunstanciado no requerimento apresentado a 21 de Fevereiro de 2019, assim como nas restantes peças que figuram dos presentes autos.
191. Com efeito, demonstrada que está a violação dos direitos e garantias fundamentais dos Recorrentes, previstas nos artigos 1º, 61º e 62º da Constituição da República Portuguesa, subjaz agora atender, em virtude de uma correta abordagem jurídica, se as medidas aplicadas se coadunam com princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18º da nossa Lei Fundamental, aferindo se no caso concreto seria admissível a restrição dos direitos fundamentais acima mencionados.
192. Ora, o n.º 1 do artigo 18º da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe "Força Jurídica" dispõe que: "Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.", entre as quais o Juiz de Instrução Criminal, o Ministério Público e a Polícia Judiciária, relativamente aos atos processuais inseridos no escopo da sua competência material.
193. Já o nº 2  do artigo 18º, que materializa a inscrição normativa-constitucional do Princípio da Proporcionalidade impõe que: "A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos."
194. Ora, do lado diametralmente oposto aos direitos coartados aos aqui Recorrentes está o interesse constitucionalmente protegido na realização da justiça, que no caso concreto se subsume aos factos pelos quais o Recorrente MM… é acusado na ação penal que corre termos no Brasil e que fundamenta, como decorre do alegado pela Exma. Procuradora da República, a ilicitude dos fundos transacionados e investidos em Portugal.
195. Questão já acima analisada e devidamente impugnada porquanto se apresenta consubstanciada em argumentos circulares, generalistas e indevidamente fundamentados - ao contrário das alegações expedidas pelos Recorrentes no requerimento de 21 de Fevereiro de 2019.
196. Ora, se transpusermos o texto legal do artigo 18.5 da nossa Lei Fundamental para o caso concreto, dúvidas inexistem que as medidas de controlo e suspensão de movimentos bancários aplicadas aos ora Recorrentes, nos termos e com a extensão com que foram aplicadas, apresentam-se altamente restritivas dos seus direitos fundamentais.
197. Como é referido no Acórdão do Tribunal Constitucional n5 632/2008 de 23-12- 2008, "... a ideia de proporção ou proibição do excesso - que, em Estado de direito, vincula as acções de todos os poderes públicos - refere-se fundamentalmente à necessidade de uma relação equilibrada entre meios e fins: as acções estaduais não devem, para realizar os seus fins, empregar meios que se cifrem, pelo seu peso, em encargos excessivos (e, portanto, não equilibrados) para as pessoas a quem se destinem."
198. 0 acima descrito poderá ser devidamente sumariado através de uma análise, ainda que sumária, aos três subprincípios do princípio da proporcionalidade, nas suas manifestações de adequação, exigibilidade e justa medida - nomenclatura utilizada pelo Tribunal Constitucional.
199. 0 subprincípio da adequação dispõe que as medidas potencialmente restritivas de direitos, liberdades e garantias devem cifrar-se como um meio idóneo para a prossecução dos fins a que se dirigem, sem que ponham em causa, de forma arbitrária, outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos.
200. Por seu turno, o subprincípio da exigibilidade refere que essas medidas restritivas têm de se demonstrar necessárias e exigíveis para a obtenção dos fins visados, pelo facto de o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar esse desiderato.
201.Este é o exame crucial que se prende diretamente, numa relação de prejudicialidade, com as especificidades do caso concreto, dado que é através do mesmo que se avalia a existência, ou inexistência, na situação da vida, de entre as várias possibilidades idóneas para a realização do fim pretendido, a mais benigna ou menos onerosa para os direitos, liberdades e garantias dos sujeitos visados.
202. Já o subprincípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito impõe que não se poderão adotar medidas excessivas e desproporcionais para a obtenção dos fins pretendidos visados, medindo-se "... a relação concretamente existente entre a carga coactiva decorrente da medida adoptada e o peso específico do ganho de interesse público que com tal medida se visa alcançar". - De acordo com o preceituado no aresto acima indicado.
203. Os 3 subprincípios sucedem-se numa ordem lógica do mais abstrato ao mais concreto, pelo que a formulação de um juízo negativo relativamente ao teste anterior prejudica a aplicação dos seguintes.
204. Com efeito, as medidas de suspensão de operações bancárias decretadas a 25 de Julho de 2018, não são necessárias para alcançar o objetivo pretendido.
205. Assim, tais medidas não são exigíveis para obtenção do desiderato desejado pois o prejuízo emergente do bloqueio de contas dos Recorrentes é muito superior à necessidade de prevenção ou investigação das transferências de capitais - que reitere-se não é propósito da medida decretada como consta da promoção da Magistrada do Ministério Público de 23 de Abril de 2019 - uma vez que a serem mantidas levarão, impreterivelmente, à insolvência da ora Recorrente Magikmarathon e, consequentemente, a grandes perdas patrimoniais do Recorrente MM… e do seu agregado familiar.
206. Pese embora esteja demonstrada a desproporcionalidade das medidas aplicadas a 25 de Julho de 2018, não é despiciendo referir que de um ponto de vista do subprincípio da justa medida, as mesmas não se configuram como proporcionais, dada a discrepância de tratamento punitivo verificada entre o processo pendente no Brasil, de onde emergiu o pedido de cooperação internacional e onde o tratamento punitivo não assumiu os contornos restritivos de direitos legais e fundamentais como os aqui constatados, e o presente processo em Portugal.
207.Pelo exposto, é forçoso concluir que as medidas aplicadas não são proporcionais, nem tão pouco necessárias para acautelar a continuação de uma alegada atividade criminosa,
208. Sendo, ao invés, propicias a alimentar o incumprimento de obrigações fiscais e contratuais da ora Recorrente, Magikmarathon, levando, a curto prazo, à sua insolvência.
209. E se o que se referiu não for suficiente para demonstrar a inconstitucionalidade, por violação expressa do princípio da proporcionalidade, de uma medida decretada em desprimor da prevalência clara de direitos constitucionalmente consagrados, a duração e o circunstancialismo com que a mesma foi aplicada certamente o será.
210. No dia 25 de Julho de 2018 foi decretada a medida de suspensão de operações bancárias, visando as contas do Recorrente MM… e da sua esposa, Sr.5 ML…, e da Magikmarathon.
211. No cômputo geral a medida mantem-se aplicada, ininterruptamente, há cerca de 11 meses, sem que tivesse sido renovada, no fim do prazo para a qual foi decretada.
212. Note-se que em resposta aos requerimentos apresentados em Outubro de 2018 pelos ora Recorrentes e pela Sr.5 ML…, os aqui Recorrentes foram notificados a 27 de Novembro de 2018 do despacho de indeferimento do Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal, na qual se mantinha a medida decretada sem indicação do respetivo prazo.
213. Em primeiro lugar, note-se que o Meritíssimo Juiz de instrução Criminal continua a fundamentar a continuidade da referida medida com base numa mera suspeita, sem qualquer suporte probatório.
214. E fê-lo incorrendo no mesmo vício que o Ministério Público, desconsiderando, por completo, que as referidas medidas foram decretadas com base em artigos noticiosos de blogs da internet e alertas da Unidade de Investigação Financeira, embora sem a necessária apresentação de suporte fáctico e probatório.
215. Motivo pelo qual, dúvidas inexistem que a lei impõe que a aplicação de medidas de coação ou de garantia patrimonial, adequadas a coartar direitos fundamentais constitucionalmente consagrados, deva ser fundamentada em provas que, ainda que indiciárias, justifiquem a sua aplicação e/ou prorrogação.
216. Ademais, sendo as medidas aplicadas adequadas a coartar direitos, liberdades e garantias constitucionalmente previstas, não basta uma mera suspeita, como é aliás referido no despacho do Meritíssimo Juiz de 27 de Novembro de 2018, para fundamentar a aplicação da referida medida.
217.     Repita-se o conteúdo do aresto do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de Julho de 2016, processo nº 244/11,TELSB-G.L1-9, relator Antero Luís, na parte em que refere que:
"falar em "hipótese" (...) e não dizer nada é rigorosamente a mesma coisa" e "invoca o despacho recorrido que os "valores transitados" em contas bancárias do Recorrente A... (fls 35) e os valores que "se suspeita integrarem a [suai esfera patrimonial" (fls 38) rondarão os 80 milhões de euros. Trata-se de uma afirmação que sem mais levar-nos-ia ao limite de pensar que é crime só por si quem tem dinheiro. Que significado tem dizer-se isto sem demonstrar a proveniência ilícita desse dinheiro. Nenhum, pode ter esse ou mais!" - Com realce nosso. Disponível em www.dgsi.pt
218. Mais, nesse mesmo acórdão pugna-se pela necessidade intransigente de uma correta concretização factual alicerçada num acervo probatório consistente e que deixar de fora esta explicação fundamental, implica deixar de "...fora os termos que permitam a sua ligação aos requisitos típicos daqueles ou de outros crimes. Esta narração era decisiva para se concluir, em concreto, que se trata de irregularidades criminais. O que não se verificou!".
219. Note-se que ao longo da presente motivação de recurso em momento algum se colocou em causa o grau de indiciação necessário para o decretamento da medida de suspensão de operações bancárias decretada a 25 de Julho de 2018.
220. Isto porque como bem refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de Maio de 2019, processo n.2 963/18.0TELSB-B.L1-5, relator Viera Lamim, "Quanto aos indícios exigíveis, estando em causa um instrumento de recolha de prova, não faria sentido que fosse legalmente exigida a existência dessa forte indiciação, sob pena de se inverter a lógica do instrumento em causa, pois o que com ele se visa é exactamente a recolha de prova."
221. O que se exige, e como aliás decorre dos princípios constitucionais exaustivamente referidos, é que a indiciação, ainda que reduzida, seja devidamente fundamentada num acervo fáctico e probatório consistente, não se bastando por alegações vazias de significado provenientes de artigos noticiosos e suspeitas infundadas que, em sede de requerimentos anteriores, foram devidamente desconstruídas, justificadas e, infelizmente, negligenciadas pelas instâncias competentes,
222. As quais depositaram toda a sua fundamentação num argumento estritamente cronológico, reputando como ilícitos os fundos transferidos para Portugal porquanto ocorrem em momento póstumo aos factos pelos quais o Recorrente MM… á acusado no Brasil.
223. Face ao exposto, na ausência da concretização fáctica e probatória dos elementos que constituem o tipo objetivo de ilícito ou, no limite, de que depende a aplicação da medida de coação ou garantia patrimonial, toda a argumentação apresentada até então pelas instâncias decisórias cai por terra, devendo, a referida medida ser revogada.
224. Ademais, importa voltar a referir, que a medida de suspensão de operações bancárias foi inicialmente decretada a 25 de Julho de 2018 por um período de 3 meses, não tendo sido prorrogada, atempadamente, no finai do prazo indicado, sem que os aqui Recorrentes tenham pedido a revogação da mesma.
225. Situação que, de per si, revela a falta de fundamentação com que as instâncias decisórias têm brindado os aqui Recorrentes ao longo dos presentes autos e que aliada à falta de pronúncia e à desproporcionalidade da medida decretada, torna forçoso concluir que a mesma deva ser revogada.
E concluíram, pedindo:
Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, requer-se seja dado total provimento ao presente recurso e, em consequência da procedência do mesmo, seja revogada a medida de suspensão de operações bancárias decretada a 25 de Julho de 2018,
a) Por se reputar como desproporcional, desadequada e desnecessária em face do disposto nos artigos lº; 18º; 61º e 62º da Constituição da República Portuguesa;
b) Por manifesta falta de fundamentação para a manutenção da medida e, bem assim, por falta de pronúncia relativamente aos factos e acervo probatório carreado ao processo pelos Recorrentes nos requerimentos apresentados a 21 de Fevereiro e 3 de Maio de 2019, nos termos do disposto nos artigos 205º da Constituição da República Portuguesa e 97º nº 5 do Código de Processo Penal; e
c) Por se tratar de uma verdadeira medida cautelar, em prejuízo do disposto no artigo 4º da Lei nº 5/2002 que qualifica a medida de suspensão de operações bancárias como um meio especial de recolha de prova.
Admitido o recurso, o Mº. Pº. respondeu, no sentido da improcedência do recurso e da manutenção das decisões recorridas, por considerar, em síntese, que:
As mesmas não padecem de qualquer vício de forma, bastando-se a exigência legal de fundamentação com a mera adesão aos argumentos aduzidos pelo Mº. Pº. em resposta aos requerimentos dos arguidos MM… e Magikmarathon de 21 de Fevereiro e de 3 de Maio de 2019, na medida em que tais promoções se encontravam exaustivamente fundamentadas;
Que os pressupostos de aplicação da medida de suspensão de operações bancárias não só se mantêm, como se mostram reforçados, estando a mesma fundamentada e sendo proporcional aos indícios da prática do crime de branqueamento já recolhidos, bem como à gravidade desse ilícito.
Que está demonstrado nos autos que nem MI…, nem nenhum dos seus familiares auferiram rendimentos em Portugal, independentes do património transferido do Brasil.
O mesmo sucede com as sociedades Magikmarathon e Lovelynomad, as quais têm como atividade a gestão e prestação de serviços relacionados com os imóveis adquiridos em Portugal com os fundos transferidos do Brasil e sobre os quais existem indícios de que constituam produto da prática de crime.
As rendas auferidas pelo arrendamento desses imóveis estão a ser recebidas pela Magikmarathon e, indiretamente, por MI… e sua família, não correspondendo à verdade que essa empresa não disponha de fundos para exercer os seus fins.
Em momento anterior à aplicação desta medida, MI… transferiu para conta sediada no EFG Private Bank Limited, em Londres, € 650.000,00, os quais não foram recuperados pela Justiça, pelo que também não colhe a alegação de que este não dispõe de fundos para o seu sustento.
A aplicação da medida de suspensão temporária de operação financeira não depende da constituição como arguido dos intervenientes, mas apenas se exige que sobre os ativos objeto da medida recaia suspeita de que constituam produto da prática de crime de branqueamento ou outro, o que se verifica, até porque se encontra suficientemente demonstrado que tais ativos pertencem e são controlados por MI… e este último está condenado pela prática desse ilícito.
Pese embora refira pretender colaborar com a Justiça e assegure a inexistência de perigo de deslocação dos seus ativos para local fora do alcance da Justiça, em nenhum momento MI… informou os presentes autos de que, juntamente com a sua família, voltara a residir no Brasil, sendo que tal facto apenas foi conhecido da investigação vários meses mais tarde.
Tal sucedeu, igualmente, no Brasil, país que abandonou no passado, na sequência do conhecimento de que corria termos investigação criminal contra si, tendo deslocado o seu centro de vida e da sua família para Portugal de modo a colocar-se e ao seu património fora do alcance da Justiça Brasileira.
Na sentença condenatória proferida no Brasil não foi reconhecida a sua colaboração com a Justiça, tendo-se considerado, pelo contrário, que não tinha prestado contributo válido nem para o esclarecimento dos factos, nem para a deteção de património.
Sobre MI… incide, ainda, uma responsabilidade financeira penal perante a Justiça do Brasil, correspondente ao produto do crime e à multa em que foi condenado, no valor de R$ 45.634.639,16, correspondente a €10.044.823,82, não sendo verdade que o património já apreendido é suficiente para restituir tal valor.
Importa prosseguir a presente investigação, em articulação com as Autoridades Judiciárias Brasileiras, sendo que mesmo que se conclua que não foi cometido crime de branqueamento autónomo em Portugal, os fundos objeto da medida decretada sempre serão alocados ao processo em que MI… está condenado no Brasil, de acordo com o já solicitado por essas autoridades.
A presente investigação apenas não tem avançado com maior celeridade porque os Recorrentes apresentam reiteradamente requerimentos e, por outro lado, MI… deixou o país, sem disso ter dado conhecimento aos autos, obstando à sua audição nestes autos acerca dos factos, sem que se recorra à expedição de carta rogatória.
Caso a medida de suspensão seja levantada, os fundos objeto da mesma serão imediatamente colocados fora do alcance da Justiça, o que obstará à recuperação do produto do crime e serão reintroduzidos definitivamente na economia legítima.
Remetido o apenso de recurso, devidamente instruído a este Tribunal, na vista a que se refere o art. 416º do CPP, o Mº. Pº. acompanhou argumentação do Mº. Pº. em primeira instância, no sentido da manutenção das decisões recorridas.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Do âmbito do recurso e questões a decidir:
De acordo com o preceituado nos arts. 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o tribunal está obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem o recorrente e dos vícios previstos no art. 410º nº 2 do CPP, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito.
Umas e outras definem, pois, o objecto do recurso (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061 e Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28.12.1995).
Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º por remissão do art. 424º nº 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art. 412º do CPP, a que se seguem os vícios enumerados no art. 410º nº 2 do mesmo diploma;
Finalmente, as questões relativas à matéria de Direito.
Seguindo esta ordem lógica, em face dos fundamentos do recurso apresentados nas conclusões, as questões que cumpre apreciar, no presente recurso, são as seguintes:
Irregularidade das decisões de fls. 583 e de fls. 607 e 608 por falta de fundamentação;
Nulidade das mesmas decisões por omissão de pronúncia;
Proveniência lícita dos rendimentos e de todo o património dos recorrentes;
Violação do princípio da proporcionalidade com a manutenção das medidas de suspensão de operações bancárias ordenadas em 25 de Julho de 2018 e mantidas através daqueles despachos de fls. 583 e de fls. 607 e 608;
Violação do princípio ne bis in idem, em virtude de condenação penal já proferida pela justiça federal brasileira.
2.2. Fundamentação de facto:
Antes da análise das questões colocadas no presente recurso, importa ter em consideração a seguinte a factualidade:
Por despacho datado de 24.07.2018, o Mº. Pº. invocando o disposto no art. 48º n° l da Lei 83/2017 de 18 de Agosto foi determinada pelo Ministério Público a suspensão temporária de operações financeiras relativamente a todas as contas bancárias e activos titulados por MI… e Magikmarathon, Administração e Participações Imobiliárias Lda.
Com data de 25.07.2018, nos termos do disposto no art.49° do mesmo diploma legal, foi promovida ao Mmo. JIC a confirmação judicial dessa medida.
Tal promoção foi redigida com o seguinte conteúdo (transcrição):
«As circunstâncias invocadas nas comunicações de transacções suspeitas (CTS), as constantes das notícias juntas aos autos e do pedido de cooperação internacional (v.g. da acusação do MPF do Brasil contra MI…), as quais se dão aqui por reproduzidas por economia processual (considerando o prazo em curso), fazem suspeitar que os intervenientes nas operações comunicadas e/ou descritas no relatório da UIF se encontram a utilizar o sistema financeiro português para camuflar a origem ilícita de fundos pecuniários, com o intuito de os introduzir na economia legítima e, consequentemente, a prática de, pelo menos, crime de branqueamento.
«MI… foi, no dia 13 de junho de 2018, acusado pelo MPF do Brasil (fis. 68 e 69 da acusação junta aos autos):
«- pela prática, no período compreendido entre 19/04/2011 e 10/10/2012, por 19 vezes, em continuidade delitiva (artigo 71/CP), do delito de lavagem de capitais, previsto no artigo 1º, caput e § 4º, da Lei n° 9.613/98; pela prática, no período compreendido entre 26/04/2011 e 12/10/2012, por 18 vezes, em continuidade delitiva (artigo 71/CP), do delito de lavagem de capitais, previsto no artigo 1º, caput e § 4º, da Lei n° 9.613/98";
«- pela prática, pelo menos entre 19/04/2011 e 12/10/2012, do delito de associação criminosa, previsto no artigo 288, caput, do Código Penal."
«A final dessa acusação, o MPF requereu que fosse "decretado o perdimento do produto e proveito dos crimes, ou do seu equivalente, incluindo aí os numerários bloqueados em contas e investimentos bancários e os montantes em espécie apreendidos em cumprimento aos mandados de busca e apreensão, no montante de R$ 93.307.405,75295, correspondente ao valor total dos numerários ilícitos "lavados" pelos denunciados a partir das condutas objeto do item "3.2.1.1" da presente denúncia, relacionadas às transferências efetuadas pelo Grupo ODEBRECHT à conta titularizada por MM…, com sua destinação nos termos do artigo 7º, § Iº da Lei n° 9.613/98;
«f) sem prejuízo do disposto na alínea anterior, a determinação da perda, em favor da União, do montante de R$ 43.355.000,00296, correspondente ao valor total dos numerários ilícitos "lavados" pelos denunciados a partir das condutas objeto do item "3.2.1.2" da presente denúncia, relacionadas às transferências efetuadas a partir de conta titularizada por MM… à conta titularizada por AT…, com sua destinação nos termos do artigo 7º, § I º, da Lei n° 9.613/98".
«MI… confessou crimes e colocou à disposição da Justiça US$ 1,2 milhões em valores repatriados da Suíça".
«Conforme informou o MPF, "na Declaração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física referente ao ano calendário 2016, o acusado declarou possuir património, na data da caracterização da condição de não residente, isto é, 01/07/2016, no valor de R$ 62.705.225,90, quantia insuficiente para o pagamento dos valores acima mencionados em caso de condenação".
«Porém, a fls.2 do relatório da UIF consta que a sucursal de Miami terá informado que os fundos movimentados nessa conta foram transferidos no decorrer do ano de 2013, tendo tido origem numa conta titulada pelo MI… em Paris, França.
«Conforme ainda informação da UIF (fis. 2), MI… é titular de uma conta na CGD em seu nome com um saldo contabilístico de cerca de €744.000,00, "resultado de um crédito de uma transferência de € 730.000,00 em 19/07/2018, com origem no "Banco do Brasil" - sucursal em Miami, tendo como ordenador o próprio MI…."
«Ou seja, MI… transferiu tais fundos de Paris para Miami no ano seguinte aos factos elencados na acusação contra si deduzida no Brasil e já ser referido (em 2015) na operação LAVA-JATO, pelo que se indicia fortemente que os mesmos constituem proventos dos crimes aí imputados a si (branqueamento e associação criminosa) e a outros (v.g. corrupção).
«Segundo notícia de 23 de maio de 2017, "Citado em 2015 em investigações do MPF na Lava Jato, o engenheiro MI… fundou em Malta, em janeiro do ano passado, a Lusoil Project Management Limited. A firma foi aberta em sociedade com a Trident Corporate Services, empresa que oferece serviços financeiros e aparece relacionada a outras 72 companhias registradas no país. Na mesma época, foi criada a Seaoil Project Management Limited, com a Lusoil entre os sócios. O endereço dado por MM… foi o de um sobrado na Rua …, em Lisboa.
«O engenheiro foi citado em documentos do MPF porque a empresa EPGN Engenharia, controlada por ele, recebeu, entre 2006 e 2013, cerca de R$ 28,6 milhões de consórcios e empreiteiras investigadas por repasse de propina a dirigentes da Petrobras, apesar de ter um quadro que não passou de três funcionários."
«Também segundo a UIF (fis. 3 do respetivo relatório), a conta da MAGIKMARATHON LDA (sociedade da qual MI… é sócio-gerente, cfr. fis.4 desse relatório) regista atualmente um saldo de cerca de €1.075.689,00, o qual resulta sobretudo do crédito de €700.000,00, no dia 11/05/2018, com origem numa conta do LOMBARD BANK de Malta, ordenada pela sociedade MDINA REAL ESTATE e com o descritivo shareholder loan" (empréstimo a sócio). 
«Ainda a fis. 2 do relatório da U1F, mais consta que MI… já tinha sido alvo de averiguações por parte desta UIF no decorrer de 2017, na altura devido a operações numa conta D.O. sediada no "Novo Banco" (NB), uma transferência em 17/07/2017, no valor de 700.000,00€, proveniente de uma conta sediada no "Lombard Bank Malta PLC", em Malta, tendo como ordenante o próprio MI…. Posteriormente a esse movimento, foi feita uma transferência, a débito, para uma conta do interveniente, sediada no "EFG Private Bank Limited", em Londres, no valor de 650.000,00€.
«Ou seja, MI… transferiu tais fundos para Malta em data posterior aos factos elencados na acusação contra si deduzida no Brasil e às notícias que o referiam, já em 2015, como investigado na LAVA-JATO, pelo que, ao invés do que refere a UIF, a origem da sua situação patrimonial e financeira atual não resulta, pelo menos decisivamente, dos investimentos que fez em Portugal (sendo que o que importa esclarecer é a origem dos fundos e não se os mesmos são ou não compatíveis com aquela situação).
«Além disso, MI… abriu uma conta no BPI em julho de 2016, tendo investido em dezembro desse ano €1.135.649,81 num seguro de capitalização dessa FF, montante esse transferido da conta titulada por si na CGD (cfr.fls. 3 do relatório UIF).
«De notar que parte significativa dos fundos em causa (v.g. os que se encontram na CGD e BANCO DO BRASIL) foi transferida para diversas IFs (instituições financeiras) em Portugal já após a acusação deduzida pelo MPF contra MI….
«Ao final do dia de ontem, o MPF solicitou a cooperação das autoridades judiciárias portuguesas informando que "o acusado, não prestou informações acerca de eventuais contas bancárias mantidas naquele país" (Malta).
«Nesse pedido consta, ainda, que o MPF "requereu o perdimento dos valores auferidos pelo acusado por meio da prática criminosa por ele perpetrada, estimados no valor de R$ 136.662.405,75, conforme documento anexo. De outro canto, na Declaração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física referente ao ano calendário 2016, o acusado declarou possuir património, na data da caracterização da condição de não residente, isto é, 01/07/2016, no valor de R$62.705.225,90, quantia insuficiente para o pagamento dos valores acima mencionados em caso de condenação."
«Mesmo somando ao valor repatriado da Suíça para o Brasil o dos fundos pecuniários detidos em Portugal por MI…, ainda assim fica-se muito aquém do que obteve com a conduta criminosa pela qual foi acusado no Brasil.
«Perante o exposto e considerando as sérias dúvidas que permanecem sobre a origem das quantias pecuniárias em causa, impõe-se averiguar os reais motivos subjacentes às operações financeiras realizadas, bem como a origem dos fundos com vista a dissipar ou a confirmar a suspeita da prática dos aludidos crimes.
«Enquanto decorrer tal investigação, importa impedir que os referidos fundos se dissipem e sejam introduzidos em beneficio do(s) agente(s) dos factos na economia legítima.
Caso não sejam objecto de medida de suspensão de operação financeira nos termos do art. 49° da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, as quantias em causa poderão ser transferidas para outras contas (como já ocorreu para uma em Londres com €650.000,00 que se encontravam depositados no NOVO BANCO), ficando definitivamente fora do alcance da Justiça nacional e permitindo-se a consumação do crime de branqueamento.
«Em conformidade, ao abrigo dos arts. 48° n.º 1, 2 als. a) e b) e 3 al. a) e 49° da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, e art. 4º n.º 4 da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, promove-se que seja judicialmente confirmada a suspensão provisória decretada pelo Ministério Público a 24/07/2018 (...)" - cfr. fls. 50 a 58.
Com base em tal promoção, no dia 26.07.2018, foi proferido o seguinte despacho pelo Mmo. JIC:
"Pelos fundamentos consignados no despacho de fls. 51/58, que, por nos merecerem concordância, aqui se dão por reproduzidos:
a) Valida-se a decisão que determinou a sujeição do processo a segredo de justiça, nos termos e para os efeitos do artigo 86°, n.º 3, do Código de Processo Penal; 
b) Confirma-se a suspensão provisória de todas as operações a débito sobre as contas e produtos financeiros elencados a fls. 57, i) e ii), por um período de 3 (três) meses." (cfr. fls. 101 e 102).
Em resultado desta decisão, ficaram bloqueados os seguintes produtos financeiros e contas bancárias, nos seguintes valores pecuniários:
- Conta n° … do NOVO BANCO - € 14.823,20;
- Seguro BES VIDA com o n° de contrato/apólice …/… - € 25.798,71;
- Seguro BES VIDA com o n.º de contrato/apólice …/… - € 26.158,37;
- Conta n° …-… do BPT - € 50,00;
- Conta n ° …-… do BPI - 749.983,95 USD;
- Certificado de seguro de capitalização do BPI - € 1.136.061,31;
- Conta n 0 … da CGD - € 5.000,00;
- Conta n.º … da CGD - € 742.867,65;
- Conta n.º PT… do Banco do Brasil - € 721.307,61;
- CDCL… do Banco do Brasil - € 5.021,60 (cfr. fls. 101 e 102).
Por despacho datado de 25.10.2018 foi judicialmente prorrogada a medida de suspensão com base nos seguintes fundamentos:
"Mantém-se os fundamentos que determinaram a suspensão de operações a débito, continuando os autos a realização de diligências em cooperação com a Justiça Brasileira.
Pelo exposto, determino a manutenção por mais 3 meses da medida de suspensão determinada. Oficie em conformidade e após devolva ao MP." (fls.323).
Com data de 21 de Fevereiro de 2019, MI… e Magikmarathon apresentaram novo requerimento solicitando, novamente, que a medida de suspensão fosse revogada por se considerar ser a mesma desproporcional, desrazoável e por se considerar que a origem lícita do património objecto da mesma estava comprovada (cfr. fls.459 a 513).
Em resposta a este requerimento, com data de 24 de abril de 2019, o MP promoveu o seguinte (cfr. fls. 571 a 580) (transcrição): 
Prorrogação do prazo de suspensão temporária da execução de operações financeiras a débito/requerimento de fls. 461
MI… e Magikmarathon, Administração e Participações Imobiliárias Lda. vêm requerer a revogação da medida de suspensão temporária de execução de operações financeiras decretada nos autos, por considerarem estar comprovada a licitude dos fundos objeto dessa medida e por entenderem que a mesma é desproporcional e desrazoável.
Em anexo a esse requerimento, juntaram os seguintes documentos:
- Documento 1: Escritura referente à aquisição do imóvel sito na Rua …, n.º …, em Lisboa;
- Documentos 2, 3 e 4: Cópia de cheques emitidos para pagamento do preço de aquisição desse imóvel;
- Documento 5: Declaração emitida pelo Banco do Brasil em Portugal declarando que em 03.07.2015 recebeu uma transferência com origem no Brasil no valor de €1.999.840,00 para crédito na conta n.º …, titulada por MI… e confirmando a emissão dos cheques emitidos para pagamento do imóvel;
- Documento 6: Cópia de certificados de habilitações literárias de MI…;
- Documento 7; Documentação referente à constituição da sociedade EPGN-ENGENHARIA LTDA.;
- Documento 8: Cópia de documentos impressos, sem logótipo, sem data e sem qualquer indicação referente ao seu emitente e destinatário, referentes a elaboração de proposta de serviços de instalação de plataformas com recomendações relativas à sua elaboração e outros relacionados com o mesmo tema, assim como outros cujo objeto é a prestação de serviços por essa sociedade;
- Documento 9: Cópia de declarações de impostos referentes à prestação de serviços pela sociedade EPGN ENGENHARIA LTDA e de contas referentes à mesma sociedade; 
- Documentos 10 a 13 e 16 a 20, 25 a 28: Documentação bancária;
- Documento 14: Declaração da Receita Federal do Brasil no sentido de que MI… declarou em 11 de julho de 2016, pelas 17:12:28 que se tornou não residente no Brasil em 01.07.2016;
- Documentos 21 e 22: Certificado de Registo e outros documentos referente à sociedade MDINA REAL ESTATE LIMITED;
- Documentos 23 e 24: Certificado de Registo e outros documentos referente à sociedade SEAOIL PROJECT MANAGEMENT LIMITED;
- Documentos 25 a 30: Cópias de Declarações Anuais de Imposto de Renda referentes aos anos de 2010 a 2016 e a MI… e seu agregado familiar;
- Documento 31: Cópia de Declarações Anuais de Capitais Brasileiros no Exterior ao Banco Central do Brasil emitidas pelo Banco do Brasil referentes a MI… e aos anos de 2012 a 2015.
Por despacho judicial datado de 20 de novembro de 2018 (cfr. fls. 372), em resposta a requerimentos formulados por ML… e MAGIKMARATHON, ADMINISTRAÇÃO E PARTICIPAÇÕES LDA., nos quais era alegada a desproporcionalidade e desadequação da medida de suspensão temporária de operação financeira e o facto da sua manutenção ser infundada, foi determinada a manutenção da vigência dessa medida.
Segundo esses requerimentos, a falta de fundamentação da medida assentava na alegação de que a requerente ML… e MI… tinham vindo para Portugal devido à instabilidade política e financeira que se vivia no Brasil e à circunstância dos fundos transferidos para Portugal terem origem no Banco do Brasil e que tal seria do conhecimento dessa instituição financeira e do MPF.
A desproporcionalidade e desadequação da medida alicerçava-se na alegação de que as Autoridades Judiciárias Portuguesas não poderiam aplicar no âmbito de um processo de cooperação judiciária internacional solicitado pelo Brasil, medidas mais gravosas em Portugal do que aquelas que foram aplicadas no processo de onde emergiu o pedido de cooperação do Brasil, de acordo com o art.4° da Lei da Convenção de Auxílio judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da CPLP, sendo a medida aplicada demasiado gravosa por atentar contra os princípios basilares de um Estado de Direito, previstos no art. l8° da CRP e no n.º 2 do art.4° da referida Convenção.
No referido despacho judicial datado de 20 de novembro de 2018, foi entendido pela Mma. JIC que estava indiciada a prática de crime de branqueamento de capitais cometido em Portugal em inquérito autónomo português e que, por outro lado, não se afigurava que os requerentes possuíssem bens, atividades ou rendimentos próprios obtidos em Portugal que justificassem os valores depositados nas contas portuguesas, antes sendo plausível, em termos ainda a apurar, que tal património fosse proveniente da atividade ilícita desenvolvida por MM… e que, como tal, deveria ser perdido a favor do Estado Português ou Brasileiro, concluindo que estavam preenchidos todos os pressupostos de aplicação da medida de suspensão decretada, pelo que se decidia manter a sua vigência (cfr. fls. 372 e 373).
Tal medida foi, igualmente, mantida por despacho judicial datado de 24 de janeiro de 2019 (cfr. fls. 397).
No requerimento ora apresentado, começa-se por alegar que a manutenção da medida de suspensão no despacho judicial datado de 27 de novembro de 2018 carece de fundamentação jurídica concreta e lesa os direitos constitucionais dos requerentes, estando tal alegação alicerçada nos mesmíssimos fundamentos invocados nos requerimentos que precederam a prolação desse despacho judicial - a desproporcionalidade e a desadequação da medida decretada.
Ora, salvo o devido respeito, tais questões já foram oportunamente decididas por despacho judicial transitado em julgado, relativamente ao qual não foi apresentado recurso pelo que, salvo melhor opinião, não poderão ser novamente apreciados judicialmente.
Com efeito, pese embora seja legítimo aos requerentes requererem a revogação da medida decretada a todo o tempo, tal pedido terá necessariamente de assentar em novos fundamentos que tenham de ser ponderados pelo Juiz de modo a sustentarem uma modificação da decisão judicial anteriormente proferida, o que não sucede relativamente ao alegado, entre outros, desde o art lº a 18° e 99° a 139° do requerimento ora apresentado.
Do mesmo modo, a partir do art. 19º a 23° do referido requerimento são alegados factos referentes a oposição a medida de apreensão de imóveis que não foi decretada nos presentes autos mas no âmbito de pedido de cooperação judiciária expedido pelas Autoridades Judiciárias Brasileiras de que, oportunamente, se juntará certidão pelo que, relativamente à mesma, não se vê como poderá ser judicialmente apreciada nesta sede, sendo certo que o facto de a mesma ter sido decretada na sequência de pedido formulado pelo Ministério Público Federal com vista à declaração de tal património perdido a favor do Estado afim de ser recuperado o produto do crime, apenas vem reforçar a prova indiciaria contra os requerentes.
Relativamente ao alegado no art. 24° do requerimento, constata-se que no dia 19 de fevereiro de 2019 foi proferida sentença na Ação Penal n° …-…/PR da …ª Vara Federal de Curitiba, Secção Judiciária do Paraná que condenou MI… na pena de seis anos e oito meses de prisão pela prática de crimes de lavagem de dinheiro sendo que, por ordem judicial emitida nesses autos, o mesmo está obrigado a permanecer no Brasil, pelo que não corresponde à verdade que "no Brasil, não se procedeu à imputação do crime indiciado".
O conhecimento de tais factos adveio das Autoridades Judiciárias Brasileiras, aguardando-se o envio formal aos presentes autos da referida sentença.
Por outro lado, no decurso do presente inquérito, foi, entretanto, reunida documentação bancária referente a todas as contas bancárias portuguesas tituladas por MI…, das sociedades detidas e controladas por si (LOVELYNOMAD e MAGIKEMARATHON), de sua mulher ML… e de seus filhos A… e MM…, sendo que já constava dos autos informação fiscal referente aos mesmos.
Dessa documentação, designadamente da análise das entradas e saídas de fundos nessas contas, decorre que os fundos movimentados nessas contas e utilizados no pagamento dos imóveis adquiridos em Portugal foram transferidos do Brasil para Portugal em data posterior à prática dos factos constantes da acusação deduzida pelo MPF contra MI… no âmbito Ação Penal n.º …-…/PR da …ª Vara Federal de Curitiba, Secção Judiciária do Paraná, tendo circulado em momento anterior, mas sempre posterior à prática dos factos que lhe são imputados nesses autos, por contas sediadas, nomeadamente, em Paris, Malta e Miami sem que tenha sido apresentada qualquer explicação legítima para tal facto.
Encontra-se, igualmente, demonstrado que, à exceção das rendas obtidas com o arrendamento dos imóveis adquiridos com tais fundos, nem MI…, nem nenhum dos familiares que compõem o seu agregado obtiveram quaisquer outros rendimentos em Portugal que possam infirmar o facto dos fundos depositados nessa conta constituírem produto do crime de que se encontra condenado no Brasil.
Das declarações de imposto de renda juntas pelo requerente decorre, igualmente, que os familiares de MI…, em momento anterior à transferência do seu centro de vida para Portugal, também nunca haviam auferido qualquer rendimento.
Deste modo, a investigação já realizada em Portugal, vem reforçar que os fundos aqui movimentados têm origem no Brasil, em MI… e em momento posterior à prática dos factos pelos quais se encontra condenado e, como tal, mostra-se reforçada a indiciação do crime de branqueamento cometido em Portugal.
E tal indiciação não é suficientemente contrariada pelo alegado no requerimento apresentado, nem pelos documentos juntos, importando, por ora, prosseguir a presente investigação.
Assim, a partir do art. 35° desse requerimento, enumeram-se as habilitações académicas e as funções profissionais que MI… exerceu até 2003 na Petrobras.
Mais se refere que, no período compreendido entre 2003 e 2015, recebeu lucros e dividendos da sociedade EPGN, Engenharia Ltda. e entre 2013 e 2017 da TECH TRADE CORP.
Desde logo, a esse respeito assinala-se que, de acordo com a documentação processual remetida pelas Autoridades Judiciárias Brasileiras referente à Ação Penal n.º …-…/PR da …ª Vara Federal de Curitiba, Secção Judiciária do Paraná, que se encontra junta aos autos, a TECH TRADE CORPORATION foi utilizada por MI… para encobrir pagamentos ilícitos realizados pela ODEBRECHT no âmbito dos contratos celebrados pela PETROBRAS, referindo-se, designadamente, que:
"(...) Verifica-se, nesse sentido, a realização pelo Grupo ODEBRECHT S.A., no âmbito do contrato de prestação de serviços de SMS firmados pela empresa com a Petrobras, 19 transações bancárias no montante total de US$ 24.750.000,00, no interregno de 19/04/2011 a 10/10/2012, para a conta indicada por MM… (em nome da offshore TECH TRADE) a partir de contas mantidas em nome das offshores MAGNA INTERNATIONAL CORP., INNOVATION RESEARCH ENGINEER1NG AND DEVELOPMENT LTS, KLIENPELD SERVICES LTD e SELECT ENGINEERING, CONSULTING AND SERVICES INC.
Com a finalidade de conceder lastro à operação, foi celebrado contrato fictício entre as empresas offshores MAGNA INTERNATIONAL e a TECH TRADE CORPORATION. O instrumento contratual firmado entre a MAGNA INTERNATIONAL e a TECH TRADE CORPORATION é datado de 02/06/2011, momento posterior à celebração do contrato entre a CONSTRUTORA NORBERTO ODEBRECHT e a PETROBAS, corroborando o entendimento de que seriam as vantagens espúrias oferecidas/prometidas a e solicitadas/ aceites por AT… repassadas apenas se a empresa fosse, de fato, contratada para a execução do contrato. O valor da suposta prestação de serviços por parte da TECH TRADE CORPORATION corresponde, exatamente, a US$ 24.750.000,00, o mesmo valor de propina acertado com AT… e efetivamente pago a MM…. No documento consta ainda expressa referência à conta da TECH TRADE CORPORATION no Banco Julius Baer na Suíça para que fossem os pagamentos efetuados.
Dando continuidade ao repasse de valores MM… (Valendo-se da offshore TECH TRADE) transferiu também como forma de pagamento de propina o montante de US$11.500.000,00 a AT…, beneficiário da offshore CHELFORD PROMOTIONS S.A. no interregno de 26/04/2011 a 12/10/2012." (cfr. fls.9)."
Tais factos encontram-se, igualmente, detalhados e com indicação da respetiva prova no despacho de acusação (denúncia) formulado no processo criminal que corre termos no Brasil que se encontra, igualmente, junta aos autos. 
Ou seja, logo nesta parte o invocado pelo requerente vem ao encontro dos factos que se consideram indiciados nos autos, ao invés de lograr infirmar a convicção que suportou a medida decretada.
Por outro lado, pese embora sejam enumerados os contratos em que a sociedade EPGN, ENGENHARIA LTDA participou e proventos obtidos, tal não afasta, por ora, a indiciação pelo crime de branqueamento até porque, no contexto dos factos, não está afastada (muito pelo contrário) a possibilidade das contas bancárias e a contabilidade dessa sociedade terem sido utilizadas para a circulação ilícita de fundos recebidos pelos favores prestados no branqueamento dos fundos ilicitamente obtidos da PETROBRÁS, à semelhança do esquema montado com a TECH TRADE.
A partir do art. 45°, é narrada a circulação de fundos.
Contudo, pese embora a documentação junta e a narração de algumas operações financeiras, afigura-se que tal não é suficiente para afastar a indiciação pelo crime de branqueamento.
E que a narração do circuito financeiro não se inicia com a entrada dos fundos na esfera patrimonial de MM…, sendo apenas descrita a partir da sua saída do Brasil e pretendendo-se que a sua entrada na esfera patrimonial de MI… fique justificada pela mera invocação genérica dos proventos auferidos na sua carreira profissional que, como já consta de sentença de condenação, envolveu o recebimento de avultadas quantias com origem ilícita.
Relativamente à verdadeira origem dos fundos não é fornecida explicação devidamente fundada que permita contrariar os fortes indícios reunidos nos autos quanto à origem criminosa dos fundos despendidos por MI… em Portugal e que circularam nas suas contas, nas da sua família e nas das sociedades MAGIKMARATHON, LOVEYNOMAD, SEAOIL PROJECT MANAGEMENT LIMITES e MDINA REAL ESTATE LIMITED.
Do mesmo modo, não é fornecida explicação para o facto dos fundos terem sido retirados do Brasil e feitos circular por França, Miami e através de sociedades sediadas em Malta que afaste a indiciação de uma clara intenção de ocultar a sua origem e de os colocar fora do alcance da Justiça Brasileira. 
Concretamente, em relação à transferência com origem em conta bancária sediada em Paris, França, para conta sediada no banco do Brasil em Miami e da transferência de €730.000,00 dessa conta para a sua conta da CGD constata-se que a mesma foi concretizada no ano seguinte à prática dos factos elencados no despacho de acusação proferido contra si no processo que corre termos no Brasil, obviamente com o intuito de colocar tais fundos fora do alcance da Justiça.
Do mesmo modo, foram realizadas para a conta portuguesa do Novo Banco de MM…, com origem em contas tituladas pelas sociedades SEAOIL e MDINA REAL SATAE sediadas em Malta, cerca de €1.800.000,00, sendo que cerca de €700.000,00 desse valor foi posteriormente transferido para conta sediada em Londres no EFG - Private Banking.
Como decorre dos autos, tais sociedades pertencem a MI… e foram constituídas pelo mesmo a partir de Portugal com a colaboração dos seus advogados e da sociedade Trident Trust.
No que se refere à MAGIKMARATHON, como o próprio requerente narra, as contas dessa sociedade foram exclusivamente alimentadas por créditos com origem em contas tituladas por MM… e pelas sociedades SEAOIL e MDINA REAL ESTATE.
Ora, a MAGIKMARATHON, a SEAOIL e a MEDINA REAL ESTATE foram constituídas por MM… quando já se encontrava em Portugal e decidiu montar uma nova estrutura societária que lhe permitisse circular o seu dinheiro e reintroduzi-lo na economia legítima através da aquisição de imóveis.
A SEAOIL e a MDINA REAL ESTATE são sociedades offshore, constituídas em Malta, sem nenhuma atividade e por cujas contas bancárias apenas circulam fundos com origem em MM….
Nestes termos, os alegados "contratos de empréstimo" dessas sociedades com a MAGIKMARATHON, que supostamente fundamentam o crédito de valores nas contas desta última sociedade, por não corresponderem a um objeto contratual verdadeiro mas consubstanciarem meros justificativos formais elaborados com o fim de sustentar falsamente a licitude de transações financeiras que não têm explicação legítima, não são suscetíveis de explicar a origem lícita de tais fundos.
É manifesto que ao fazer passar os fundos por essas contas antes de os fazer entrar nas contas da MAGIKMARATHON sob o chapéu de "contratos de empréstimos" entre duas sociedades, MM… não pretende outra coisa que não apagar a sua pessoa da origem e circulação desses fundos de modo a que se mantivessem fora do alcance da Justiça, não permitindo os elementos recolhidos nos autos, por ora, chegar a conclusão diversa.
Salienta-se, igualmente, o facto de, contrariamente ao referido no requerimento, não corresponder à verdade que as contas portuguesas e os imóveis adquiridos em Portugal tenham sido comunicados ao MPF, sendo que a documentação ora junta (cfr. Documento 31) apenas demonstra que o Banco de Brasil (e não MI…) declarou as contas existentes nesse banco ao Banco Central do Brasil.
Assim, tal declaração não só não foi feita pelo requerente, não foi dirigida ao MPF (desconhecendo-se se o Banco Central do Brasil a terá comunicado ao MPF), como deixou de fora as restantes contas bancárias e o património imobiliário, entretanto, adquirido em nome de sociedades.
No mesmo requerimento, refere-se que a motivação de MI… quando transferiu o seu centro de vida e da sua família para Portugal foi "o clima de instabilidade e insegurança que se vivia no Brasil".
Ora, se assim foi, apesar de ter logrado obter autorização de residência em Portugal e se ter tornado cidadão estrangeiro habilitado com título de residência em Portugal, de validade igual ou superior a um ano, a verdade é que MI… vive atualmente no Brasil com a sua família.
Tal alegação não é, assim, suficiente para afastar a convicção de que a transferência do seu património para Portugal teve como escopo colocá-lo a salvo da Justiça Brasileira.
Mais se constata que MI… nunca informou espontaneamente os autos de que já não estava a residir em Portugal. Assim, apenas a fls.533, no dia 25 de março de 2019, na sequência de notificação do MP realizada após a entrada do presente requerimento, tal informação foi prestada pelos advogados do requerente.
Não pode, igualmente, deixar de se salientar que na resposta a essa notificação, apesar de ser feita referência à Ação Penal n.º …-…/PR da …a Vara Federal de Curitiba, Secção Judiciária do Paraná e se informar que MI…, por ordem emitida nesses autos, estava obrigado a permanecer no Brasil, foi omitido que no dia 19 de fevereiro de 2019 fora proferida sentença que o condenou nesses autos na pena de seis anos e oito meses de prisão pela prática de crimes de lavagem de dinheiro.
Com efeito, como já se referiu, o conhecimento de tal facto adveio das Autoridades Judiciárias Brasileiras, aguardando-se o envio formal aos autos da referida sentença.
Do mesmo modo, conforme relato defls.534, a solicitação do MP foi realizada deslocação à morada indicada como sendo a residência habitual do requerente em Portugal e morada de família, tendo- se apurado que a mesma não se encontra habitada e está a ser gerida por um terceiro, factualidade que é, igualmente, contrária ao referido na resposta à notificação de fls.533.
Ora, não só o requerente saiu do Brasil na sequência de mandado de detenção emitido contra si, tal como se descreve na nossa promoção de fls.533, como voltou para esse país e nunca informou os autos da sua localização, factualidade que revela que a qualquer momento MI… e sua família transferirão facilmente o seu centro de vida para local desconhecido, ficando fora do alcance da Justiça.
Tal possibilidade mostra-se reforçada pelo facto de MI… nunca ter residido com permanência em Portugal, nem aqui manter outros laços que não o seu acervo patrimonial e, tal como já se encontra demonstrado nos autos, ter ligações e contactos em múltiplos países, deslocar-se facilmente de Estado para Estado e recorrer com muita agilidade a serviços de advocacia financeira e a instituições de crédito localizadas em diferentes pontos do mundo para ocultar e movimentar o seu património.
Tal circunstancialismo, associado à postura que tem assumido nos presentes autos, demonstra que, caso a medida de suspensão temporária de operações financeiras seja levantada, MI… facilmente diligenciará pela dissipação dos fundos objeto da mesma através das ligações internacionais e financeiras que domina, ficando os mesmos definitivamente fora do alcance da Justiça.
Finalmente, estando em causa uma medida necessariamente temporária e, por outro lado, sendo previsível a sua declaração de perdimento a favor do Estado, em Portugal ou no Brasil não se vê como poderá ser qualificada de desproporcional, desadequada ou inadmissível.
Por todo o exposto e pelos fundamentos constantes da nossa promoção de fls.359 a 366, que se mantém atuais e aqui se dão por integralmente reproduzidos, considera-se que:
-Se mantém preenchidos todos pressupostos de aplicação da medida decretada, estando a mesma fundamentada e sendo proporcional aos indícios da prática do crime de branqueamento já recolhidos, bem com à gravidade desse ilícito;
-Caso essa medida seja levantada, os fundos objeto da mesma serão imediatamente colocados fora do alcance da Justiça, o que obstará à recuperação do produto do crime e serão reintroduzidos definitivamente na economia legítima.
Em conformidade, promove-se que a medida de suspensão temporária de operações financeiras seja mantida e que seja decretada a sua prorrogação nos termos do disposto no art. 49°, n.º 2 da Lei n.º 83/2017 de 18 de agosto por mais três meses.»
Com data de 26.04.2019, a Mma. JIC proferiu o seguinte despacho (cfr. fls.583) (transcrição):
Nos presentes autos foi determinada a suspensão de movimentos a débito sobre as contas do requerido e/ou a este associadas.
Neste momento a investigação encontra-se ainda em curso e mantêm-se os fundamentos que determinaram suspensão.
Como consta da promoção que antecede, com a qual se concorda inteiramente e para cujos fundamentos se remete mantêm-se fortemente indiciado que tais contas são um meio para a prática do crime de branqueamento. 
Pelo exposto, determino a manutenção por mais 3 meses da medida de suspensão de operações a débito aplicada indeferindo-se o requerido."
Com data de 3.05.2019, desta vez em nome da MAGIKMARATHON foi apresentado novo requerimento no qual requereu que a medida de suspensão fosse levantada por manifesta falta de justificação e pelo dano irreparável para a Requerente (cfr. fls. 590 a 597).
Relativamente a tal requerimento, com data de 08.05.2019, o MP promoveu o seguinte (cfr. fls. 599 a 601) (transcrição):
(...) A fls.590 veio a requerente MAGIKMARATHON juntar novo requerimento a requerer o levantamento da medida de suspensão temporária de execução de operação financeira.
Alega, em suma, não dispor de fundos para fazer face às despesas dos imóveis titulados por essa sociedade e, por essa razão, correr o risco de entrar em situação de insolvência MAGIKMARATHON, bem como que a medida decretada colide com os direitos da requerente e que se encontra prescrita.
A requerente insurge-se, igualmente, contra a medida de apreensão de imóveis que não foi decretada no âmbito dos presentes autos.
Finaliza requerendo, mais uma vez, o levantamento da medida de suspensão temporária de execução de operações financeiras.
No que concerne à alegação da requerente no sentido de que não dispõe de fundos para fazer face ao pagamento de encargos dos imóveis titulados pela MAGIKMARATHON, verifica-se que tal já foi alegado no requerimento dirigido ao MP, apresentado a 21 de agosto de 2018, a fls.129, mais concretamente nos arts.15° e ss.
Relativamente ao alegado foi oportunamente decidido pelo MP indeferir o requerido por se ter considerado que, em momento prévio à suspensão de operações a débito, MI… transferira, pelo menos, €650.000.00 para conta sediada no EFG Private Bank Limited, em Londres, não estando demonstrada a sua incapacidade financeira para acorrer aos encargos financeiros da MAGIKMARATHON.
Efetivamente, conforme se encontra demonstrado nos autos, esta sociedade é detida na sua totalidade por MI…, tendo sido utilizada pelo mesmo para titular em Portugal o seu património imobiliário, não exercendo uma atividade comercial autónoma, antes se inserindo na esfera patrimonial do seu titular, que exerce controlo total sobre a mesma, pelo que a existência de tais fundos, não abrangidos pela medida decretada, afasta a alegada incapacidade financeira.
Por outro lado, conforme o próprio requerente admite, tal património imobiliário, dada a sua localização e qualidade, encontra-se arrendado por valores muito substanciais e as respetivas rendas são recebidas pela MAGIKMARATHON e integradas no património global de MI….
Ora, perante tais rendimentos não se vê como concluir que essa sociedade não dispõe de fundos para fazer face aos encargos alegados.
Forçoso será, assim, concluir que caso a requerente entre em situação de insolvência, tal não se deve à medida decretada mas a uma gestão deliberada da sociedade dirigida a esse objetivo.
Igualmente se conclui que, por ter sido oportunamente prorrogada, a medida de suspensão temporária de operação financeira não se encontra "prescrita".
No que concerne aos restantes fundamentos alegados, remete-se para o explanado nas nossas promoções de fls.359 a 366 e 571 a 580, por se considerar que responde adequadamente e exaustivamente ao invocado, afigurando-se desnecessárias outras considerações.
Assim, por todo o exposto e pelos fundamentos constantes da nossa promoção de fls. 359 a 366 e 571 a 580, que se mantém atuais e aqui se dão por integralmente reproduzidos, considera-se que:
- Se mantém preenchidos todos pressupostos de aplicação da medida decretada, estando a mesma vigente, fundamentada e sendo proporcional aos indícios da prática do crime de branqueamento já recolhidos, bem com à gravidade desse ilícito; 
- Caso essa medida seja levantada, os fundos objeto da mesma serão imediatamente colocados fora do alcance da Justiça, o que obstará à recuperação do produto do crime e serão reintroduzidos definitivamente na economia legítima.
Em conformidade, promove-se que a medida de suspensão temporária de operações financeiras seja mantida.
Com data de 10.05.2019, foi proferido o seguinte despacho judicial (cfr. fls.607 e 608) (transcrição):
Requerimento de fls. 590-597:
Magikmarathon, Administração e Participações Imobiliárias, Eda. veio requerer o levantamento da ordem de suspensão em vigor, alegadamente por necessitar de fundos para o pagamento de IMF dos imóveis que possui em Portugal, no valor global de €6.828,60 (primeira prestação).
O M° P° opôs-se ao levantamento da ordem de suspensão pelas razões que constam a fls. 599 - 601, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
A ordem de suspensão das operações bancárias em causa foi revista e prorrogada no passado dia 26/4, mantendo-se todos os fundamentos vertidos em tal despacho.
Assim, e porque nada se alterou desde a última apreciação, indefiro o requerido e mantenho a ordem de suspensão nos termos determinados.
2.3. Apreciação do mérito do recurso
A primeira questão que cumpre apreciar e decidir, de acordo com a ordem sequencial acima mencionada, refere-se à falta de fundamentação das decisões recorridas.
A fundamentação das decisões judiciais implica, em geral, um processo argumentativo de justificação da afirmação de que a determinados factos é aplicável uma determinada solução jurídica, através da enumeração e explicitação das razões de facto e de direito determinantes da convicção de que aquele determinado conjunto factual é o que resulta demonstrado e de que aquele enquadramento jurídico corresponde à solução de direito aplicável, em suma, que aqueles são o conteúdo e o sentido correctos da decisão.
Numa dimensão endoprocessual, a fundamentação serve propósitos de clareza e compreensão pelos seus destinatários, essenciais ao cumprimento da decisão e ainda de controlo da legalidade da actividade jurisdicional e do acerto e justiça da decisão, pelas autoridades judiciárias de recurso.
Numa vertente extraprocessual, as exigências de fundamentação assumem-se como um mecanismo de legitimação democrática dos próprios Tribunais e da administração da Justiça.
«A consagração constitucional do princípio da fundamentação das decisões judiciais é uma garantia do processo judicial, no sentido de um procedimento justo e adequado de acesso ao direito e de realização do direito. Mas é sobretudo o reconhecimento de que os tribunais, constitucionalmente investidos do poder de julgar, em nome do povo, têm que dar conta do modo como exercem esse poder através da fundamentação das suas decisões, assim se legitimando a sua própria função.» (Mouraz Lopes, “Gestão Processual: Tópicos para um incremento da qualidade da decisão judicial”, in Julgar, n.º 10, janeiro-abril 2010, p. 143. No mesmo sentido, Rogério Bellentani Zavarize, A Fundamentação das Decisões judiciais. 1 ed. – Campinas/SP: Millennium, 2004, p.123; Lenio Luiz Streck e Igor Raatz, O Dever de Fundamentação das Decisões Judiciais sob o Olhar da Crítica Hermenêutica do Direito, doi:10.12662/2447-6641oj.v15i20.p160-179.2017, Julho de 2017, https://www.researchgate.net/publication/322218024; Michele Taruffo, Il controllo di razionalità della decisione fra logica, retorica e dialettica  https://iris.unipv.it/handle/11571/210955?mode=full.47#record, Francesco Conte, Il Significato constituzionale dell´obblligo di motivazione. In: Grinover, Ada Pelegrini; Dinamarco, Cândido Rangel; Watanabe, Kazuo (Coord.) págs. 30-31, https://books.google.pt e Jorge Miranda e Rui Medeiros, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p.70).
O dever de fundamentação das decisões judiciais, seja qual for a jurisdição em que sejam proferidas, é, pois, um dos alicerces do Estado de Direito Democrático, na medida em que assegura que o processo seja justo e equitativo, de harmonia com o disposto no art. 20º nºs 4 e 5 da Constituição, em face da aptidão do princípio da motivação para impedir a arbitrariedade e a descriminação, bem assim, para conferir imparcialidade às decisões, assegurando, por esta via, o respeito pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos seus destinatários, em sintonia com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da proporcionalidade, nos termos dos arts. 2º; 13º e 18º da Constituição, respectivamente.
Em suma, o princípio da exigência de fundamentação assume-se como garantia da imparcialidade do juiz, do controle da legalidade da decisão, e da possibilidade de impugnação das decisões, a par da possibilidade de controle do exercício do poder judiciário fora do contexto processual, por parte do povo em nome de quem deve ser feita a administração da justiça, no contexto de uma concepção democrática do poder e do Estado de Direito.
«O dever de fundamentação das decisões jurisdicionais, (…) decorre para nós, em última instância, do dever que recai sobre o Estado de banir a arbitrariedade do exercício dos poderes públicos, ou socorrendo-nos de uma imagem civilística, do dever que qualquer mandatário tem de apresentação de contas aos mandantes. Com efeito, os órgãos de soberania, numa correcta concepção de Estado de Direito Democrático, não são sedes de poder, mas veículos de formação e manifestação da vontade do soberano, ou seja, do Povo, titular último de todo o poder temporal» (Saragoça da Matta, Direito Processual Penal, 1988/9, Secção de Textos da FDUC p. 261).
«(…) O dever de fundamentação transporta para o domínio do processo penal questões de ética relacionadas com a salvaguarda da liberdade pessoal e com a função estadual punitiva.
«No fundo, o dever de fundamentação abraça múltiplos princípios de densidade constitucional como o da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da imediação e da contraditoriedade, da presunção de inocência, do direito à tutela efectiva e da livre apreciação da prova» (José Tomé de Carvalho, Breves Palavras Sobre a Fundamentação da Matéria de Facto no Âmbito da Decisão Final Penal no Ordenamento Jurídico Português, In Julgar, nº 21, Setembro-Dezembro de 2013, p. 78).
Assim é que o dever de fundamentar uma decisão judicial é uma consequência da previsão contida no artigo 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, que estabelece que «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».
«Tratando-se de um princípio fundamental no ordenamento jurídico nacional, a sua concretização normativa, nos vários ordenamentos, não pode deixar de concretizar as várias dimensões onde se sustenta: generalidade, indisponibilidade, completude, publicidade e concretização do duplo grau de jurisdição.» (Mouraz Lopes, “Gestão processual: tópicos para um incremento da qualidade da decisão judicial”, in Julgar, n.º 10, janeiro-abril 2010, p. 143).
Na vertente processual penal, este imperativo constitucional densifica-se em várias disposições legais, desde logo, no princípio geral, consagrado no art. 97º nº 5 do CPP, quanto à exigência da especificação dos motivos de facto e de direito de qualquer decisão que não seja de mero expediente.
Este dever de explicitação dos motivos de facto e de direito em que assenta uma determinada decisão tem, naturalmente, conteúdo e dimensão variáveis, sendo mais ou menos exigente, mais ou menos aprofundado, consoante o maior ou menor grau de complexidade da questão a decidir, seja do ponto de vista da controvérsia entre os sujeitos processuais, nos exercício do direito ao contraditório, seja resultante da possibilidade de aplicação de diferentes soluções jurídicas, emergente de diferentes interpretações possíveis, no seio da doutrina e da jurisprudência, seja, ainda, em atenção ao grau de intromissão/compressão que certos actos jurisdicionais envolvem para os direitos, liberdades e garantias dos visados, bem assim, da natureza desses direitos, que podem exigir uma argumentação mais cuidadosa e detalhada.
Os despachos impugnados referem-se à manutenção de medidas de suspensão de operações bancárias, concretamente, as que começaram por ser decretadas pelo Mº.Pº, em 24 de Julho de 2018, ao abrigo de um pedido de cooperação judiciária internacional proveniente do Ministério Público Federal do Brasil, no âmbito de um processo crime, a Ação Penal n° …-…/PR da …ª Vara Federal de Curitiba, Secção Judiciária do Paraná, no qual o arguido MI… veio a ser acusado e condenado por crime de lavagem de dinheiro, nos termos do qual solicitou a cooperação das autoridades judiciárias portuguesas informando que «o acusado, não prestou informações acerca de eventuais contas bancárias mantidas naquele país (Malta).
«Nesse pedido consta, ainda, que o MPF "requereu o perdimento dos valores auferidos pelo acusado por meio da prática criminosa por ele perpetrada, estimados no valor de R$ 136.662.405,75, conforme documento anexo. De outro canto, na Declaração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física referente ao ano calendário 2016, o acusado declarou possuir património, na data da caracterização da condição de não residente, isto é, 01/07/2016, no valor de R$ 62.705.225,90, quantia insuficiente para o pagamento dos valores acima mencionados em caso de condenação».
Este pedido foi ainda complementado com o relatório da UIF de fls. 2 e seguintes acerca do carácter suspeito de transacções efectuadas pelo mesmo MI…, envolvendo contas bancárias, seguros e outros produtos financeiros, sediados em ou transacionados com instituições bancárias portuguesas.
Perante tal pedido e tais informações, o Mº. Pº. determinou e o Juiz de Instrução Criminal por despacho proferido em 26 de Julho de 2018, confirmou judicialmente esta suspensão, em resultado do que ficaram bloqueados os seguintes produtos financeiros e contas bancárias, nos seguintes valores pecuniários:
- Conta n° … do NOVO BANCO - € 14.823,20;
- Seguro BES VIDA com o n° de contrato/apólice …/… - € 25.798,71;
- Seguro BES VIDA com o n° de contrato/apólice …/… - € 26.158,37;
- Conta n° …-… do BPT - € 50,00;
- Conta n ° …-… do BPI - 749.983,95 USD;
- Certificado de seguro de capitalização do BPI - € 1.136.061,31;
- Conta nº … da CGD - € 5.000,00;
- Conta n.° … da CGD - € 742.867,65;
- Conta n.° PT… do Banco do Brasil - € 721.307,61;
- MPBCDCL… do Banco do Brasil - € 5.021,60 (cfr. fls. 101 e 102).
O dever de abstenção, previsto na secção V do capítulo IV correspondente aos deveres gerais, incluindo os artigos 47º a 49º da Lei 83/2017 (que consagra as novas medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento) impõe que as entidades financeiras se abstenham de executar qualquer operação ou conjunto de operações, presentes ou futuras, que saibam ou que suspeitem poder estar associadas a fundos ou outros bens provenientes ou relacionados com a prática de actividades criminosas ou com o financiamento do terrorismo.
Caso a entidade financeira se abstenha de executar determinada operação ou conjunto de operações deverá de imediato proceder à respectiva comunicação, nos termos do dever de comunicação de operações suspeitas a que se referem os artigos 43º e 44º, informando a UIF e o DCIAP da abstenção.
Porém, se a entidade financeira não conseguir obstar à execução da operação ou do conjunto de operações, ou se após consultar a UIF e o DCIAP se concluir que a não execução da operação ou do conjunto de operações poderia prejudicar a prevenção ou a futura investigação das atividades criminosas, as operações podem ser realizadas, sendo feita a devida comunicação ao DCIAP e à UIF.
A UIF deverá responder às comunicações mencionadas supra no prazo de dois dias úteis a contar do seu recebimento, remetendo ao DCIAP a informação apurada.
O prazo que o DCIAP tem para decidir se uma operação ou operações que a instituição financeira se absteve de realizar, por suspeitar dela, pode avançar ou deve ser suspensa, é de quatro dias, nos termos do nº 1 do art. 48º da Lei 83/2017.
O nº 2 do citado preceito prevê, nas alíneas a) a c), outras situações de suspensão temporária de operações: a) quando as entidades obrigadas não tenham dado cumprimento ao dever de comunicação de operações suspeitas previsto no artigo 43.º ou às obrigações de abstenção ou de informação previstas no artigo anterior, sendo os mesmos devidos; b) com base em outras informações que sejam do conhecimento próprio do DCIAP, no âmbito das competências que exerça em matéria de prevenção das atividades criminosas de que provenham fundos ou outros bens, do branqueamento de capitais ou do financiamento do terrorismo e; c) sob proposta da Unidade de Informação Financeira com base na análise de comunicações de operações suspeitas preexistentes.
Em qualquer dos casos, esta decisão do Mº. Pº, no sentido da suspensão temporária de operações está sujeita a confirmação judicial, por despacho do Juiz de instrução criminal, em inquérito, no prazo de dois dias, sob pena de extinção, por caducidade.
Esta exigência de controlo judicial está em linha com a reserva do Juiz, quanto à prática de actos durante a fase da investigação criminal, seja no inquérito, ou na instrução, sempre que estes afectem os direitos, liberdades e garantias, de harmonia com o disposto no art. 32º nº 4 da CRP, na medida em que só a imparcialidade e a independência inerentes ao estatuto profissional do Juiz são aptas ao desempenho da função de garante desses direitos que lhe é atribuído e porque, com a adopção destas medidas preventivas de combate ao crime de branqueamento de capitais, está efectivamente em causa, um direito fundamental que é o direito de propriedade, com consagração no art. 62º da Constituição.
Trata-se de uma medida necessariamente temporária, que não deve ser superior a três meses, podendo ser renovada sucessivamente por iguais períodos, desde que não exceda o prazo máximo legalmente previsto para a duração do inquérito.
Nos termos do art. 49º nº 4 da Lei 83/2017, as pessoas e as entidades abrangidas pela decisão têm o direito de, a todo o tempo e após serem notificadas da decisão inicial que determina a suspensão de operações ou das suas renovações, suscitarem a revisão e a alteração da medida, o que vale por dizer que se trata de uma medida sujeita à cláusula rebus sic standibus, ou seja, apesar de não ser definitiva, a decisão é imodificável enquanto subsistirem inalterados os pressupostos de facto e de direito determinantes da sua aplicação, mas, se porventura se verificar uma alteração das circunstâncias que a fundamentaram, impõe-se a extinção ou a modificação do conteúdo e efeitos da decisão inicial.
Esta decisão judicial deve ser qualificada como um despacho, nos termos do art. 97º nº 1 al. b) do CPP, pelo que a eventual falta de fundamentação do mesmo tem de ser apurada à luz do disposto no art. 97º nº 5 do CPP e constituirá uma mera irregularidade, conforme aos princípios da legalidade e da tipicidade das nulidades processuais, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 118º nºs 1 e 2; 119º; 120º e 123º do mesmo código (cfr., nesse sentido, Acs. da Relação do Porto de 21 de Janeiro de 2004, in CJ, XXIX, 1, pg. 204, e de 21 de Dezembro de 2015, in CJ, XXX, 5, pg. 234, de 11.04.2018, processo 3433/12.6TAVNG.P1 e da Relação de Lisboa de 13.02.2019, processo 324/14.0TELSB-CB.L1 e de 11.09.2019, processo 6/16.8ZCLSB-A.L1-3, in http://www.dgsi.pt).
De acordo com a forma como os recorrentes configuraram, no seu recurso, o vício de falta de fundamentação, está em causa saber se as decisões, proferidas a fls. 583 e 607 e 608, proferidas, respectivamente, em 26 de Abril e em 10 de Maio de 2019, padecem do vício da falta de fundamentação, resultante de se terem limitado a remeter para as promoções que o Mº. Pº. redigiu, nos autos, em resposta aos requerimentos dos recorrentes apresentados em 21 de Fevereiro e em 3 de Maio de 2019 pedindo a extinção da medida de suspensão temporária de operações, prevista nos arts. 47º a 49º da Lei 83/2017.  
Não se ignora que o Tribunal Constitucional já se pronunciou várias vezes sobre a conformidade da fundamentação de determinadas decisões proferidas no âmbito do processo penal, por simples remissão para o conteúdo da promoção do Mº. Pº., com os princípios constitucionais da fundamentação e da reserva de juiz, consagrados respectivamente, nos arts. 205º e 32º nº 4 da Constituição, para concluir pela inexistência de inconstitucionalidade da norma constante do artigo 97º nº 5 do CPP, na interpretação segundo a qual tal forma de fundamentação pode ser adoptada (cfr. Acs. do Tribunal Constitucional nºs nº 223/98, 189/99, 396/2003, 391/2015 e 684/15, in http://www.tribunalconstitucional.pt).
Todavia, importa ter em atenção que este juízo de ausência de inconstitucionalidade assenta, essencialmente, na impossibilidade de formular um juízo genérico e abstracto de desconformidade entre a opção de remeter para os argumentos aduzidos pelo Mº. Pº., para alicerçar decisões judiciais e o dever de fundamentação das mesmas e/ou o princípio da reserva de juiz, precisamente, porque a verificação do efectivo cumprimento do dever de fundamentação depende de uma análise casuística, que entronca não em juízos de constitucionalidade, mas de correcto cumprimento desse dever de fundamentação e esta matéria é da competência das instâncias e não do Tribunal Constitucional.
Com efeito, em resultado da geometria variável que o dever de fundamentação assume, em função da dificuldade da concreta questão a decidir e porque a Constituição comete à lei ordinária a regulação da exigência de fundamentação, com graus de exigência diferentes, por referência à natureza e efeitos jurídicos das decisões a proferir, tal opção (de remeter, dando-os por reproduzidos, para os argumentos exarados pelo Mº. Pº., nas suas promoções), consoante as circunstâncias concretas que estiveram na base de tal decisão, pode ainda ser reveladora do exercício de uma ponderação pessoal, feita com autonomia e independência em relação às posições assumidas pelos sujeitos processuais, por isso, imputável à autoria do juiz, com o que fica observada a garantia contemplada no art. 32º nº 4 da CRP, na medida em que «só uma decisão que resulte de uma ponderação própria dá conteúdo material efectivo à reserva de juiz» (Ac. do Tribunal Constitucional nº 391/2015,  in http://www.tribunalconstitucional.pt).
Porém, uma realidade é a impossibilidade assumida pelo Tribunal Constitucional de formular um juízo de inconstitucionalidade geral e abstracto para o procedimento de fundamentar decisões judiciais por mera remissão para a promoção do Mº. Pº. em todos os processos e/ou decisões em que tal opção seja tomada, outra realidade, que não se confunde com a primeira, é considerar que essa opção corresponde ao conteúdo correcto do dever de fundamentação, ou que é bastante para obstar à irregularidade da correspondente decisão, por falta dessa fundamentação.
Muito pelo contrário, tal só acontecerá quando em face da simplicidade da questão, ou da ausência de controvérsia em torno dela e por razões de urgência, de observância de prazos curtos, portanto, de economia processual e de ponderação equilibrada entre o dever de fundamentação das decisões judiciais e o princípio da proibição de actos inúteis, e de harmonia com a tal geometria variável do dever de fundamentação, se imponha ou justifique que a mesma seja concisa.
Ainda assim, é imperativo que do texto da decisão resulte que a simples remissão para os argumentos invocados pelo Mº. Pº.  é uma opção livre, autónoma e independente, resultante de uma apreciação atribuível à autoria própria do Juiz que a profere.
E a verdade é que, nos mesmos acórdãos em que julgou não inconstitucional a norma constante do art. 97º nº 5 do CPP, quando interpretada no sentido de a remissão para a promoção do Mº. Pº. cumprir o dever de fundamentação das decisões judiciais, o Tribunal Constitucional alerta que «a satisfação, em grau máximo, desta exigência (da reserva de juiz), só se dá quando o juiz ‘subjetiva’ a fundamentação (…), formulando, através de palavras suas, a convicção que o determinou (…). Quando assim é, fica patente aos olhos de todos, sem margem para qualquer dúvida, que estamos perante uma decisão pessoal do juiz, cujo conteúdo é da sua responsabilidade e não “preformatado” pelo requerimento do Ministério Público. Como se deixou escrito no Acórdão nº 189/99 (acessível em www.tribunalconstitucional.pt): «(…) É óbvio que o despacho, que melhor espelha a responsabilização pessoal do juiz pela ordem (…) que dá, é aquele em que o juiz enuncia, ele próprio, os motivos de facto da decisão tomada, em vez de se remeter para as razões invocadas pelo Ministério Público» (Acs. do Tribunal Constitucional nºs 391/2015 e 684/15, in http://www.tribunalconstitucional.pt).
Mas concisão de fundamentação também não se confunde com a sua ausência, que, em bom rigor, é o que se verifica no caso vertente.
Especificamente, no que releva para o caso em apreciação, na confirmação judicial da decisão do Mº. Pº., no sentido da suspensão temporária de operações, como medida geral de carácter preventivo em sede de investigação de factos potencialmente integradores do crime de branqueamento de capitais, o despacho deve conter, por imposição das normas contidas nos arts. 48º nº 3 al. b) e 49º nº 2 da Lei 83/2017, a identificação dos elementos que são objeto da medida, especificando as pessoas e entidades abrangidas e, consoante os casos, o tipo de operações ou de transações ocasionais; as contas ou as outras relações de negócio; as faculdades específicas e os canais de distribuição, bem como a prazo de vigência da medida, que não deve ser superior a três meses, podendo ser renovada sucessivamente por iguais períodos, desde que não exceda o prazo máximo legalmente previsto para a duração do inquérito.
 Como do que se trata, com este tipo de despacho, é da aplicação de medidas consagradas em atenção à natureza particular dos crimes em causa – branqueamento de capitais e terrorismo que exigem, dada a sua sofisticação e extrema perigosidade, para além dos mecanismos de prevenção impostos às entidades bancárias, a utilização de meios de obtenção de prova em tempo real – tais medidas não poderão ser aplicadas, sem um juízo, ainda que sumário, mas suficientemente objectivo, acerca da existência de fundadas suspeitas da prática do crime precedente e, bem assim, de algumas das modalidades do branqueamento das vantagens dele resultante.
Assim, se observará, por um lado, a reserva do Juiz, quanto a actos que podem condicionar direitos, liberdades e garantias dos cidadãos ou pessoas colectivas visados por esses actos e, por outro lado, o dever de fundamentação.
Estava em causa, com os requerimentos apresentados pelos arguidos em 21 de Fevereiro e em 3 de Maio de 2019, a pretensão de que fosse declarada extinta a medida temporária de suspensão de operações, antes decretada pelo Mº. Pº. em 24 de Julho de 2018 e confirmada judicialmente, pelo JIC em 26 de Julho de 2018, com argumentos de facto e de direito destinados a demonstrar que os pressupostos determinantes da aplicação daquela medida já não se verificavam, em concretização da possibilidade prevista no art. 49º nº 4 da Lei 83/2017. 
Ora, num procedimento como este, que envolve necessariamente, em face do pedido de extinção da medida e da argumentação inserta nesse pedido, um juízo actualizado sobre a manutenção das fortes suspeitas ou mesmo indícios da prática, tanto do crime ou crimes precedentes, como da ocultação ou dissimulação dos rendimentos ou outros bens resultantes desses crimes em que se traduz o branqueamento, sujeita ao exercício do princípio do contraditório, em que os arguidos preconizam a cessação da suspensão temporária de operações, aduzindo um conjunto de argumentos de facto e de direito em defesa da sua tese, propugnando pela origem lícita dos rendimentos e pela alteração dos pressupostos de facto e de direito que alicerçaram a decisão inicial de suspensão, designadamente, mediante a alegação de violações aos princípios da proporcionalidade e do ne bis in idem, reputando a medida de desnecessária e inadequada e juntando documentos e em que o Mº. Pº. responde, propugnando a manutenção da medida, aduzindo os argumentos contrários ao deferimento da pretensão dos arguidos, uma decisão judicial que se limite a indeferir a pretensão do arguido com fundamento numa simples adesão à promoção do Mº. Pº., através da fórmula «pelas razões invocadas pelo Mº. Pº. que aqui se dão por reproduzidas», ou outra de sentido equivalente, não satisfaz minimamente as exigências constitucional e legal de fundamentação.
No entanto, o despacho de 26 de Abril de 2019 é do seguinte teor:
«Nos presentes autos foi determinada a suspensão de movimentos a débito sobre as contas do requerido e/ou a este associadas.
«Neste momento a investigação encontra-se ainda em curso e mantêm-se os fundamentos que determinaram suspensão.
«Como consta da promoção que antecede, com a qual se concorda inteiramente e para cujos fundamentos se remete mantêm-se fortemente indiciado que tais contas são um meio para a prática do crime de branqueamento. 
«Pelo exposto, determino a manutenção por mais 3 meses da medida de suspensão de operações a débito aplicada indeferindo-se o requerido.»
Já o despacho de 10 de Maio de 2019, refere o seguinte: 
«O M° P° opôs-se ao levantamento da ordem de suspensão pelas razões que constam a fls. 599 - 601, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
«A ordem de suspensão das operações bancárias em causa foi revista e prorrogada no passado dia 26/4, mantendo-se todos os fundamentos vertidos em tal despacho.
«Assim, e porque nada se alterou desde a última apreciação, indefiro o requerido e mantenho a ordem de suspensão nos termos determinados.»
Estas decisões, assim proferidas, não exprimem qualquer juízo crítico, objectivo e autónomo que possa ser atribuível à autoria do Juiz que as produziu.
Antes correspondem àquilo que o Ac. do Tribunal Constitucional nº 189/99 designou de «ir atrás do Mº.Pº», ou numa outra formulação com o mesmo sentido, uma adesão aos motivos explanados pelo Mº. Pº., tão-só «porque sim».
Ora, o princípio da igualdade de tratamento e de concessão de oportunidades de intervenção no processo, ao Mº. Pº. e ao arguido em que também se manifestam os princípios constitucionais das garantias de defesa, do contraditório e do direito a um processo justo e equitativo, consagrados nos arts. 20º nºs 1 e 4 e 32º nºs 1; 2 e 5 da CRP não se compadece com esta forma de proferir decisões que corresponde a uma prática processual a evitar, sempre que possível e muito especialmente, quando a decisão a proferir envolve direitos, liberdades e garantias e suscita controvérsia entre os visados pela decisão a proferir, porque, em regra, não corresponde de forma cabal às exigências de motivação, compleitude e objectivação, de forma clara e inteligível, das razões de facto e de direito que justificam a solução jurídica adoptada e suficientemente reveladoras de um juízo autónomo, crítico e pessoal do Juiz, que devem ser características das decisões judiciais.   
As decisões judiciais não devem ser tomadas por mera adesão, seja aos argumentos do Mº. Pº., seja aos da defesa, sob pena de as divergências ou conflitos entre a acusação e a defesa passarem a ser resolvidos por simples actos de fé, ou por simples escolha voluntarista, logo, arbitrária, dos argumentos aduzidos por um ou por outro sujeito processual, sem qualquer outra explicação, que foi o que sucedeu, no caso vertente, com a prolação dos despachos de fls. 583 e de fls. 607 e 608, alvos do presente recurso.
Uns e outros devem ser ponderados, analisados criticamente, conduzindo a uma decisão que resulte da comparação dialética dos vários argumentos em conflito e de cujo texto transpareça, de forma inequívoca, que o julgador, depois de ter ajuizado da pertinência, da relevância factual e jurídica de uns de outros, tomou uma decisão autónoma, da sua própria autoria e não por simples escolha acrítica, ou, pelo menos, não objectivada numa explicação inteligível para os seus destinatários e para as autoridades judiciárias de recurso, sobre as razões por que entendeu que a argumentação de um ou de outro sujeito processual é a mais adequada ou acertada para a solução da questão colocada à apreciação jurisdicional.
De nada serve a argumentação de que as promoções do Mº. Pº. para as quais as decisões recorridas remetem se encontram exaustivamente fundamentadas, porquanto nem são vinculativas, nem produzem quaisquer efeitos decisórios e, por isso mesmo, não estão sob o crivo da sindicância pelo Tribunal de recurso, cujo objecto são apenas os actos decisórios proferidos pelo Juiz.
De resto, os requerimentos apresentados pelos arguidos em 21 de Fevereiro e em 3 de Maio de 2019 também se encontram exaustivamente fundamentados, de facto e de direito.
Mas tal como as promoções que em resposta a estes requerimentos foram redigidas pelo Mº. Pº., não obrigam o Tribunal, nem decidem a questão sobre a qual aduzem tal argumentação.   
A simples escolha da posição adoptada pelo Mº. Pº., por remissão para promoções apresentadas em resposta aos requerimentos de 21 de Fevereiro e de 3 de Maio de 2019, nem sequer permite concluir que os argumentos aduzidos pelos recorrentes tenham sido efectivamente examinados de forma equitativa por um tribunal independente e imparcial, com respeito pelos princípios da efectividade da defesa dos interesses dos mesmos, bem como dos princípios do contraditório e da igualdade de tratamento dos vários sujeitos processuais, que são inerentes ao principio do processo justo e equitativo, consagrado no art. 20º nºs 1 e nº 4 da CRP.
Por isso, os despachos judiciais de 246 de Abril e de 10 de Maio de 2019 padecem de irregularidade por inobservância do dever de fundamentação, sendo que tal irregularidade afecta a validade dos actos praticados na sua sequência e foi suscitada em tempo (artigos 97º, nº 5, 123º nº 1, ambos do Código de Processo Penal).
Em consequência, o recurso merece provimento, o que importa a revogação dos dois despachos recorridos.
III - DISPOSITIVO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os juízes desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder provimento ao recurso e, em consequência, anulam os despachos de 26 de Abril de 2019 e de 10 de Maio de 2019, proferidos, respectivamente, a fls. 583 e a fls. 607 e 608, que deverão ser substituídos por novas decisões, contendo a enunciação, ainda que sucinta, mas perceptível e completa, dos factos a ter em consideração, a exposição das razões e a indicação das disposições legais em que se fundamenta e a afirmação de um juízo autónomo sobre todas as questões suscitadas nos dois requerimentos apresentados pelos arguidos, em 21 de Fevereiro e em 3 de Maio de 2019.
Em consequência, fica prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas, no presente recurso.
Sem Custas, por não serem devidas – art. 513º do CPP.
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Tribunal da Relação de Lisboa, 20 de Novembro de 2019
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Acórdão elaborado pela primeira signatária em processador de texto que o reviu integralmente (art. 94º nº 2 do CPP), sendo assinado pela própria e pela Mma. Juíza Adjunta.

Cristina Almeida e Sousa
Florbela Sebastião e Silva