Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
19731/15.4T8LSB-A.L1-5
Relator: LUÍS GOMINHO
Descritores: INTERNAMENTO
TRATAMENTO COMPULSIVO AMBULATÓRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I - Ainda que o procedimento relativo ao internamento e suas posteriores vicissitudes, previsto na Lei n.º 36/98, de 24 de Julho, assuma uma natureza especial, tal não significa que existam momentos preclusivos relacionados com a discussão da validade de determinados actos, ou que se autorize que aquela ou a respectiva realização se continue a questionar de forma irrestrita em termos temporais.
II – Nomeadamente, discutir as razões do internamento quando a Requerida há muito se encontra em regime de tratamento compulsivo ambulatório, a validade de determinadas avaliações clínico-psiquiátricas quando outras se lhe seguiram, ou a isenção dos peritos que participaram num determinado exame quando por via dele, tal regime foi mantido e não questionado.
III - De harmonia com o preceituado no art. 17.º, n.º1, da Lei supra-referida, “a avaliação clínico-psiquiátrica é deferida aos serviços oficiais de assistência psiquiátrica da área de residência do internando, devendo ser realizada por dois psiquiatras, no prazo de 15 dias, com a eventual colaboração de outros profissionais de saúde mental. Excepcionalmente (cfr. respectivo n.º 2) pode, ser deferida ao serviço de psiquiatria forense do instituto de medicina legal da respectiva circunscrição.
IV – Segundo alguma Doutrina, esta possibilidade “deve ficar reservado para casos de especial complexidade, nomeadamente quando surjam divergências entre psiquiatras em avaliações consecutivas ou nos casos em que o internamento compulsivo se prolonga por vários períodos de 2 meses.
V – Não constituindo pois o regime regra, apenas deverá ter lugar mediante solicitação expressa e justificada por parte do tribunal a quo, a quem o pedido deve ser previamente endereçado, e não directamente a esta Relação.
VI - Não havendo qualquer discrepância essencial com os relatórios de avaliação existentes nos autos, levadas a cabo por médicos que se tem de presumir competentes na matéria (um deles Professor Doutor), para além do que, na perícia não se inabilitou a presença de Facultativo da confiança da Recorrente, ainda que exista nos autos uma diferença de diagnóstico, relativamente à esquizofrenia que se afirma que a Requerida é portadora, não é a existência de um relatório em sentido contrário, ainda que subscrito por médico psiquiátrico, que o converte em pericial.
VII – Por outro lado, prevendo o exame pericial de psiquiatria forense, a possibilidade de uma variação de diagnóstico compatível quer com aquela doença quer com uma outra que identifica, e que resultará do seu esbatimento por via da compensação medicamentosa que foi instituída à doente, não é essa circunstância ou a possibilidade de a requerida poder realmente não padecer de esquizofrenia que decisivamente inabilita a manutenção do referido regime de tratamento compulsivo ambulatório.
VIII - Foi a existência de doença mental grave, aliada à falta de crítica sobre a necessidade de tratamento, que a não ser prosseguido a fará retornar à respectiva situação inicial, que realmente fundamentou a imposição e manutenção do regime de tratamento ambulatório compulsivo. (Sumariado pelo relator).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5.ª) da Relação de Lisboa:


I – Relatório:

I – 1.) Inconformada com o despacho melhor constante de fls. 3 do presente translado, em que o Mm.º Magistrado do Juízo Local Criminal de Cascais, Comarca de Lisboa Oeste, manteve a Requerida ACA, com os demais sinais dos autos, em regime de tratamento ambulatório compulsivo, recorreu a mesma para esta Relação, sendo que na síntese das razões da sua discordância, apresentou as seguintes conclusões:

1.ª - A ora recorrente, numa única ocasião em sua casa, deixou inadvertidamente e sem qualquer intenção, cair água com lixívia, da sua varanda do terceiro andar para a varanda do andar inferior, que atingiu um recipiente com tinta existente na varanda debaixo dos seus vizinhos, que por tais motivos agrediram a internada na presença do seu pai;

2.ª - Em face do referido episódio pontual e sublinhe-se, único, a recorrente foi internada compulsivamente, no serviço de psiquiatria do Hospital de São Francisco Xavier.

3.ª - Nessa ocasião ou em qualquer outra a recorrente nunca agrediu ninguém nem causou quaisquer desacatos e/ou perturbação da ordem publica e/ou da paz social.

4.ª - Ao invés, aquando, do referido episódio, foi agredida pelos seus vizinhos e ainda pelo seu pai dentro da sua própria casa.

5.ª - Foi, posteriormente, agredida pelo pai, noutra situação, através de uma violenta cabeçada e de um forte murro na cabeça.

6.ª - Consequentemente, a pedido, justamente, do pai, a recorrente foi, sujeita a internamento compulsivo, sem que tal se justificasse, atendendo, aos critérios usados neste tipo de internamento que, apenas, é usado em situações excepcionais .

7.ª - Desde Julho de 2015, que a sua vida em termos de saúde tem vindo a ser muito prejudicada devido ao sucedido e sobretudo um diagnóstico errado.

8.ª - Há junto aos autos, prova da discordância existente entre os psiquiatras que avaliaram a recorrente, o que, nos termos do artigo 18.º, n.º 3, da Lei da Saúde Mental, implicaria a renovação da avaliação clínico-psiquiatrica, a cargo de outros psiquiatras, o que não sucedeu, por todas as avaliações feitas à recorrrente até hoje terem sido sempre realizadas por médicos pertencentes ao mesmo serviço de psiquiatria, que tem todos, justamente, o mesmo Director de serviço, Dr. T..

9.ª - Por estas razões, a recorrente, requereu a realização de nova avaliação e nova perícia a ser realizada pelo Instituto de Medicina Legal de Lisboa, de forma a que tivesse a certeza que essa nova avaliação fosse feita por outros médicos psiquiatras que nunca a tivessem assistido e que sobretudo não fizessem parte do mesmo serviço de psiquiatria do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, conforme aliás prevê a lei da saúde mental.

10.ª - No entanto, apesar do tribunal ter requerido a realização da referida avaliação e perícia ao IML de Lisboa, este último, inadvertidamente (cfr. se prova pelo relatório junto a fls 212 a 222), distribuiu a referida diligência, justamente, ao Hospital Egas Moniz, que pertence ao mesmo grupo hospitalar, Lisboa Ocidental e onde estão a trabalhar justamente os médicos que fazem parte do serviço de psiquiatria do agrupamento de hospitais de Lisboa Ocidental.

11.ª - Assim, a imparcialidade e neutralidade exigidas nestes casos em que existe discordância entre opiniões de psiquiatras não ficou salvaguardada, antes pelo contrário, o que motiva o presente recurso, uma vez que a recorrente apenas pretende ser avaliada, por outro serviço de psiquiatria que não seja o do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental.

12.ª - O tribunal “a quo”, no entendimento da recorrente mal, entendeu que a avaliação c1inica não sofreu qualquer ilegalidade apesar de ter sido feito pelo mesmo serviço de psiquiatria do agrupamento do Hospital Lisboa Ocidental.

Nestes termos e nos demais em Direito, requer-se a V. Ex.ª:

• De acordo com o n.º3 do artigo 18.° e 17.º, n.º 2 da Lei da Saúde Mental, requer-se a renovação da avaliação clínico-psiquiatrica, pelo Serviço de Medicina Legal de Lisboa, a cargo de um serviço de psiquiatria que não seja pertencente ao agrupamento de Hospitais de Lisboa Ocidental, nomeadamente, pertencente ao Hospital de Cascais, São Francisco Xavier ou Hospital Egas Moniz e Santa Cruz;

• Subsidiariamente, nos termos do n.º3 do artigo 18° e artigo 17.º, n.º 2 da Lei da Saúde Mental, a próxima avaliação clínico-psiquiátrica que a recorrente venha a ser sujeita, seja realizada pelo Serviço de Medicina Legal de Lisboa, por um serviço de psiquiatria que não seja pertencente ao agrupamento de Hospitais de Lisboa Ocidental, nomeadamente, pertencente ao Hospital de Cascais, São Francisco Xavier ou Hospital Egas Moniz;

• Para tanto, requer-se que seja notificada a Dra. MP, médica psiquiatra, para vir aos autos juntar relatório/informação médica em que informe o tribunal sobre o diagnóstico da recorrente e sobre a terapêutica ministrada, devendo, esclarecer os motivos da sua substituição, cujo pedido deverá ser feito para o Hospital Lusíadas de Lisboa sito na Rua Abílio Mendes 12, 1500-461 Lisboa;

I - 2.) Respondendo ao recurso interposto, a Digna magistrada do Ministério Público junto do Tribunal de Cascais concluiu por seu turno:

1.º - Nestes autos, por decisão judicial proferida no dia 14-07-2015, foi mantido o internamento compulsivo de urgência de ACA, ora recorrente, por esta padecer de Psicose SOE, apresentar ideias delirantes, heteroagressividade, por recusar a terapêutica e não reconhecer que está doente.

2.º - No dia 15-09-2015, em sede de Sessão Conjunta, foi proferida decisão que determinou que a recorrente ficasse sujeita a tratamento ambulatório compulsivo com fundamento, para além do mais, na circunstância de existir risco de abandono da terapêutica, tendo sido dado como provado que a mesma padece de psicose SOE com ideação delirante persecutória de evolução progressiva.

3.º - A recorrente requereu que lhe fosse realizada nova avaliação clínico-psiquiátrica, a efectuar pelo serviço de psiquiatria forense do INML de Lisboa, o que lhe foi deferido ao abrigo do disposto no art. 17.º, n.º2 da Lei de Saúde Mental.

4.º - A recorrente requereu que tal perícia fosse realizada com a colaboração do Sr. Dr. Jorge Paes Cardoso, seu médico psiquiatra particular, e que o Sr. Dr. Luís Sardinha não tivesse intervenção nessa nova avaliação clínica-psiquiátrica e que o mesmo fosse substituído por outro médico que nunca a tivesse observado, o que lhe foi deferido.

5.º - No relatório do exame pericial elaborado pelo INMLL, consta que se apurou a presença de doença mental grave da recorrente, condicionando riscos para a própria e para terceiros e que, não tendo a recorrente crítica para a sua doença e para a necessidade de tratamento, estão reunidos todos os pressupostos legais para a manutenção do tratamento em regime compulsivo.

6.º - O mais recente relatório de avaliação clínico-psiquiátrica à recorrente, está datado de 07-02-2017, e consta do mesmo, em síntese, que esta padece de esquizofrenia e que existe elevado risco de abandono da terapêutica sendo necessário o tratamento compulsivo para assegurar a adesão à terapêutica e à estabilidade clínica da mesma.

7.º - Ante os elementos constantes dos autos, não existem quaisquer dúvidas fundadas quanto à patologia diagnosticada à recorrente, nada existindo no processo que tenha a virtualidade de colocar em causa os relatórios de avaliação clínico-psiquiátrica juntos aos autos, nem o relatório pericial elaborado pelo INMLL.

8.º - Atento o teor do art. 17.º, n.º 2 da Lei de Saúde Mental, não se justifica nem se impõe a realização de nova perícia psiquiátrica à recorrente por outros peritos a indicar pelo INML, na justa medida em que uma tal perícia foi já efectuada nos autos e não existe qualquer discrepância entre os relatórios de avaliação clínico-psiquiatrica juntos aos autos, nem com o relatório pericial psiquiátrico efectuado, nem se verifica um internamento prolongado da recorrente, que se encontra em tratamento ambulatório.

9.º - Deverá ser mantida a douta decisão recorrida.

II – Subidos os autos a esta Relação, a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta, para além de pertinentemente ter promovido a junção da avaliação clínica em cujo teor baseou o despacho recorrido, não deixou de emitir parecer no sentido da sua manutenção.
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No entretanto, procurou-se instruir o presente translado com uma melhor documentação do processado nos autos principais, tendo em vista a decisão final a proferir.
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No cumprimento do preceituado no art. 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, a Recorrente veio manter integralmente o pedido feito no seu recurso, alegando ainda que se mostra desvalorizado o “relatório pericial” que constitui o documento 1, que existem dúvidas acerca da patologia que lhe foi diagnosticada, que a “violenta medicação” a que está sujeita apenas se deve às “suspeitas levantadas pelos médicos do Hospital de Cascais”, donde o pedido de renovação da avaliação clínica-psiquiátrica formulado e o demais requerido.
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Seguiram-se os vistos legais.
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Teve lugar a conferência.
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Cumpre apreciar e decidir:

III - 1.) Segundo o entendimento firmado na Doutrina e na Jurisprudência, são as conclusões extraídas pelos recorrentes a partir das respectivas motivações, o que entre nós, de forma tida por pacífica, fixa e delimita o objecto de um recurso.
No caso que temos presente, não deixaremos de assinalar algumas reticências sobre a exacta congruência entre aquilo que constitui o conteúdo do despacho ora deixado impugnado, a oportunidade de apreciação de alguns argumentos apresentados ou o direccionamento directo a este Tribunal de certas pretensões que são formuladas.

Se bem estamos a interpretar as correspondentes alegações, a censura veiculada pelo recurso convergirá no entendimento sufragado pelo despacho recorrido em como “a avaliação clínica não sofreu qualquer ilegalidade”, isto por se entender, que a mesma não revestiu a imparcialidade e neutralidade exigidas.
Em termos de pedido, como vimos, termina-se solicitando a renovação da avaliação clínica efectuada, e subsidiariamente, que a próxima seja efectuada nos moldes (por entidade) por si preconizada.
Finalmente, mais se requer que uma senhora médica psiquiátrica seja notificada para juntar um determinado relatório/informação.

III - 2.) Comecemos por reproduzir o teor da decisão em causa:

Em face da avaliação clínico-psiquiátrica que antecede (fls. 279 a 283), mantenho o regime de tratamento ambulatório compulsivo em que a requerida se encontra.
Notifique.
Aguardem os autos por 2 meses, decorridos os quais deverá solicitar-se informação clínica actualizada..

III - 3.1.) Tal como será forçoso concluir pela presente transcrição, a questão da eventual “legalidade da avaliação clínica” efectuada, seja numa perspectiva de direito estrito seja naquele outro da referida quebra de imparcialidade ou isenção, não se mostra minimamente discutida ou sequer mencionada no despacho acima posto em evidência.

Mas mais: todo o condicionalismo que terá conduzido ao internamento compulsivo, o saber-se se houve ou não agressões, quem agrediu quem, ou quem o pediu, não releva directamente para o mesmo, já que o fundamento que justifica a manutenção do regime de tratamento ambulatório compulsivo, tal como resulta evidenciado do ora documentado, não assentou nesses pressupostos.
E como verificaremos, também não importam à apreciação do recurso.

Pergunta-se então: a referida questão da legalidade/quebra de isenção da avaliação efectuada foi suscitada?

Para o responder, não se poderá prescindir de uma recensão dos momentos processuais que a esse propósito se mostrem relevantes, o que, para além do mais, nos habilitará com uma panorâmica geral sobre o sentido da presente discussão.

III - 3.2.) Tomando por base o alinhamento utilizado pelo Ministério Público na sua resposta, julgamos poder assentar nos seguintes marcos temporais:

- Conforme decorre de fls. 120 e verso, por decisão judicial proferida em 14/07/2015, foi mantido o internamento compulsivo de urgência de ACA, ora Recorrente, por esta padecer de Psicose SOS (também depois referida como SOE), apresentar ideias delirantes, heteroagressividade, por recusar a terapêutica e não reconhecer que está doente.

- Em 15/09/2015 (cfr. acta de Sessão Conjunta a que se refere o art. 19.º da Lei 36/98, de 24 de Julho), foi judicialmente determinado que aquela ficasse sujeita a tratamento ambulatório compulsivo, com fundamento, para além do mais, na circunstância de existir risco de abandono da terapêutica, tendo sido dado como provado que a mesma padece de psicose SOE com ideação delirante persecutória de evolução progressiva (cfr. fls. 121 a 122).

- Tal medida foi mantida pelos despachos datados de 23/11/2015 (fls. 123 e verso), e de 26/02/2016 (fls. 124).

- Segue-se um requerimento da Recorrente, em que a mesma não contestando “sofrer de patologia grave susceptível de acompanhamento psiquiátrico”, ou opor-se à medida em vigor, dá conta da existência de diagnósticos diferentes dos efectuados pelos médicos do Hospital de Cascais, mormente o do Dr. JPC, através de relatório que junta (indicando não padecer a requerida de esquizofrenia), razão pela qual termina solicitando que a renovação da avaliação clínica-psiquiátrica fosse efectuada por médicos diferentes dos anteriores, com eventual colaboração do referido Dr. Jorge Cardoso (cfr. fls. 125 a 128).

- Foi ordenada a realização de nova avaliação clínico-psiquiátrica a efectuar pelo serviço de psiquiatria forense do IML de Lisboa, autorizando-se a colaboração do sobredito Facultativo, caso não interferisse com o funcionamento e procedimentos daquele Instituto.

- Sobrevêm entretanto outro requerimento a suscitar o impedimento do Dr. LS(ao que se lê, por ser Director do serviço de psiquiatria no Hospital São Francisco Xavier e haver acompanhado a Recorrente no seu consultório) e que o mesmo fosse substituído por outro médico que nunca a tivesse observado (fls. 137 a 140).
Tal requerimento foi remetido para consideração do IML.

- Do relatório de exame pericial de Psiquiatria Forense de fls. 143 a 145, assinado pelos Peritos Psiquiatras Professor Doutor AM e Dr. RPA, pode ler-se a seguinte conclusão:
“(…) apurou-se a presença de doença mental grave, como descrito acima, condicionando riscos para a própria e para terceiros. Considerando ainda o facto de que a examinada não tem crítica para esta doença e para a necessidade de tratamento, estão reunidos todos os pressupostos legais para a manutenção do tratamento em regime compulsivo”.

- Por decisão proferida em 14/10/2016 foi mantido o regime de tratamento ambulatório compulsivo da Recorrente (fls. 146).

- Não se evidencia que tal despacho tenha sido objecto de recurso.

- No agora feito certificar complementarmente, surge todavia um requerimento que se interporá em relação à reavaliação de 07/02/2017 (atenta a respectiva paginação), em que a Recorrente refere “que o último exame pericial, não foi feito com a isenção e imparcialidade que se impunham”, solicitando a realização de novo exame pericial psiquiátrico a ser efectuado pelo IML, nomeadamente de Lisboa, e que a nova avaliação psiquiátrica também fosse efectuada por médicos deste Instituto.

- Como foi solicitado ao Tribunal a quo a remessa de qualquer requerimento posterior à decisão de 14/10/2016 e anterior ao despacho recorrido, somos em concluir que nada mais de relevante se solicitou.

Em todo o caso, obtivemos ainda cópia da seguinte decisão datada de 19/12/2016, incidindo sobre aquele requerimento, que não deixa de relevar para esta matéria:

Requerimento de fls. 262 a 265:

Atento o Relatório Pericial de fls. 212 a 222, designadamente (e no que ao requerimento que antecede, particularmente, importa) a respectiva parte I – “preâmbulo”; segundo parágrafo da parte VIII; e parte IX – “conclusões”, o Tribunal entende que a perícia foi realizada pela entidade competente, tendo cumprido todas as garantias estabelecidas na lei.
Pelo exposto, e por não existir fundamento legal para repetir a avaliação, com carácter excepcional, prevista no art.º 17.º, n.º 2 da LSM, indefere-se o requerido.
Notifique.

Uma vez mais não se evidencia que tenha sido interposto recurso deste despacho.

Sabemos também que a realização da avaliação psiquiátrica veio a ser solicitada ao Hospital de Cascais.

III - 3.3.) A este ponto chegados, e ainda que estejamos perante um processo de natureza especial, tal não significa que existam momentos preclusivos relacionados com a discussão da validade de determinados actos, ou que se autorize que aquela ou a respectiva realização se continue a questionar de forma temporalmente irrestrita.

Nesta medida, a questão da imparcialidade dos Exm.ºs Médicos Psiquiatras que realizaram o exame pericial de fls. 143 a 145 (assim se mostra qualificado) deste translado, não pode igualmente ser discutida.

Em bom rigor, a questão da necessidade da realização de uma nova “perícia” enquanto tal (se é isso o que se tem vista com o primeiro item do pedido), também não, em função do despacho acima transcrito e consequente caso julgado.

No limite, poderemos admitir que a pretensão de uma “avaliação clínico-psiquiátrica a deferir ao IML”, possa ser renovada, mas para isso era necessário que o fosse também o respectivo pedido, em primeira instância, e não em sede de recurso.
Com efeito, a apreciação que por regra as Relações fazem a este título, destina-se a rever decisões e não para as criar.

I - 3.4.) Em todo o caso sempre se dirá o seguinte:

Na nossa perspectiva, a invocação do art. 18.º, n.º3, da Lei de Saúde Mental não se nos afigura pertinente, na medida em que não estamos perante uma situação de internamento, e como tal, em que seja necessário realizar uma sessão conjunta.

O regime da realização das avaliações clínico-psiquiátricas consta basicamente do art. 17.º da referida Lei.
De harmonia com o respectivo n.º1, “a avaliação clínico-psiquiátrica é deferida aos serviços oficiais de assistência psiquiátrica da área de residência do internando, devendo ser realizada por dois psiquiatras, no prazo de 15 dias, com a eventual colaboração de outros profissionais de saúde mental.
Excepcionalmente (cfr. respectivo n.º 2) pode, ser deferida ao serviço de psiquiatria forense do instituto de medicina legal da respectiva circunscrição.

Como se dá nota no Comentário da Lei de Saúde Mental de António Latas e Fernando Vieira (Coimbra Editora, pág.ª 121) invocado na resposta do Ministério Público de Cascais, tal possibilidade “deve ficar reservado para casos de especial complexidade, nomeadamente quando surjam divergências entre psiquiatras em avaliações consecutivas ou nos casos em que o internamento compulsivo se prolonga por vários períodos de 2 meses.

O que não traduz nenhuma das situações que temos presente.

Não sendo pois esse o regime regra, apenas deverá ter lugar mediante solicitação expressa e justificada por parte do tribunal.

Ora fundamento para a determinar, nesses termos, também não o encontramos.

Como vimos, a que foi anteriormente realizada responde de forma cabal aquilo que lhe foi perguntado, não há qualquer discrepância essencial com os relatórios de avaliação existentes nos autos, foi levada a cabo por médicos que se tem de presumir competentes na matéria (um deles Professor Doutor), para além do que, não se inabilitou a presença de Facultativo da confiança da Recorrente.

Sendo manifesto que existe nestes autos referência a uma diferença de diagnóstico, relativamente à esquizofrenia que se afirma que aquela será portadora, importa ter presente, que não é a existência de um relatório em sentido contrário, ainda que subscrito por um Médico Psiquiátrico, que o converte em pericial, da mesma forma que apenas ao constante de fls. 143 a 145 (ou os realizados nos termos do n.º1), a Lei subtrai o respectivo juízo técnico-científico à livre apreciação do juiz (cfr. n.º 5, do mencionado art. 17.º da Lei n.º 36/98).

Razões para por em dúvida as respectivas conclusões também não existem.

Com efeito, se bem se verificar, aquele exame pericial de Psiquiatria Forense, a que mais abaixo voltaremos, admite uma variação de diagnóstico compatível quer com aquela doença quer com uma outra que identifica, e que resultará do seu esbatimento por via da compensação medicamentosa que foi instituída à doente.

Donde, não encontramos razões ou condições processuais para deferir a realização de nova perícia psiquiátrica/avaliação clínico-psiquiátrica por parte do IML de Lisboa.

III - 3.5.) Mas pergunta-se, existe fundamento para criticar o despacho recorrido por não ter posto em causa que a “avaliação clínica não sofreu qualquer ilegalidade apesar de ter sido feita pelo mesmo serviço de psiquiatria do agrupamento do Hospital Lisboa Ocidental”?

Pelo que nos é oferecido constatar, a questão da isenção dos médicos que realizaram a avaliação clínica psiquiátrica de fls. 108 a 111 não foi, enquanto tal, expressamente submetida à apreciação do Tribunal de Cascais.
Da nossa parte, desconhecemos se o respectivo relatório foi notificado previamente à Recorrente.

Em todo o caso, não vemos motivos para as críticas endereçadas.

Como vimos acima, não sendo caso a caber no n.º 17.º, n.º2, da Lei de Saúde Mental (confira-se o despacho de 19/12/2016), a regra é a de que a sua realização seja “deferida aos serviços oficiais de assistência psiquiátrica da área de residência do internando”.
Seguiu-se pois o regime legal.

Da nossa parte, dentro de certos limites, podemos perceber as preocupações de isenção e imparcialidade que se tem em vista veicular.

Mas já não podemos aceitar que sem mais provas ou argumentos, ainda que possa existir contiguidade do corpo clínico dos hospitais de São Francisco Xavier e Egas Moniz e Cascais, a não isenção dos respectivos médicos seja estabelecida como presunção, e que os mesmos sejam incapazes de, com autonomia, exercer o seu munus profissional.
Do mesmo princípio, partiu seguramente o Mm.º Juiz do Tribunal a quo.

Por fim, se bem se conferir, a questão da esquizofrenia ou não esquizofrenia não foi o elemento determinante para a decisão de manter o regime ambulatório compulsivo, sendo que o mesmo não assume, na nossa perspectiva, a importância que se lhe pretende emprestar.

Como deflui do relatório pericial de fls. 143 a 145, acima mencionado, sustentam os respectivos subscritores:

Considerando apenas a informação colhida em exame directo, a examinanda apresenta um quadro de psicose não-orgânica não especificada, de acordo com a 10.ª edição da Classificação Internacional de Doenças (F-29)”. Os elementos apurados em exame directo estão seguramente condicionados pelo facto da examinanda estar, neste momento, moderadamente bem compensada dada a instituição de medicação antipsicótica. Na verdade, quando se consideram também os elementos apresentados em exame indirecto, permitindo avaliar a evolução longitudinal do quadro e o seu estado anterior à instituição da medicação antipsicótica, torna-se mais claro o diagnóstico de esquizofrenia paranóide (F.20.0), tal como proposto em avaliações clínicas e clínicos –psiquátricas.”

Porém, seja o diagnóstico de psicose não-orgânica não especificada ou esquizofrenia paranóide, se não forem tratadas, o quadro inicial regressará, sendo que tanto a própria “como certos elementos da sua família que sobre ela exercem uma ascendente importante não tem qualquer crítica sobre a natureza da doença e sobre a necessidade de tratamento com fármacos antipsicóticos”.

Ora é exactamente a existência dessa doença grave aliada àquela falta de crítica sobre a necessidade de tratamento, que justificam a necessidade da manutenção do tratamento ambulatório compulsivo.

Na avaliação realizada em 07/02/2017, ainda que se regresse ao diagnóstico de esquizofrenia, não se deixa de se consignar que “existe elevado risco de abandono da terapêutica e o tratamento compulsivo é necessário para assegurar a adesão à terapêutica e a estabilidade clínica da utente”.
Com efeito, entre o mais, a doente “evidencia sintomatologia e não apresenta crítica para o estado patológico”.

Logo, perante o quadro assim delineado, não vemos que existam razões para endereçar censura à decisão recorrida quando mantém a Requerida no regime de tratamento ambulatório compulsivo em que se encontrava.
No fundo, em termos essenciais, mantêm-se basicamente as condicionantes que determinaram a sua instituição.

III - 3.6.) No que concerne ao segundo pedido formulado (que a próxima avaliação clínico-psiquiátrica que a recorrente venha a ser sujeita, seja realizada pelo Serviço de Medicina Legal de Lisboa, por um serviço de psiquiatria que não seja pertencente ao agrupamento de Hospitais de Lisboa Ocidental, nomeadamente, pertencente ao Hospital de Cascais, São Francisco Xavier ou Hospital Egas Moniz), em conformidade com os pressupostos já acima enunciados, terá que ser dirigido em primeiro lugar ao Tribunal de Cascais, tanto mais que o seu deferimento não é legalmente indiscutível.

Da mesma forma que a notificação de qualquer pessoa para “vir aos autos juntar relatório/informação médica em que informe o tribunal sobre o diagnóstico da recorrente e sobre a terapêutica ministrada, devendo, esclarecer os motivos da sua substituição, cujo pedido deverá ser feito para o Hospital Lusíadas de Lisboa sito na Rua Abílio Mendes 12, 1500-461 Lisboa”, não se compreende nos poderes primaciais desta Relação.

Em tal conformidade:

IV - Decisão:

Nos termos e com os fundamentos indicados, acorda-se pois em negar provimento ao recurso ora interposto pela Requerida ACA.

Sem custas – art. 37.º da Lei n.º 36/98, de 24/07.

Independentemente do respectivo trânsito, comunique desde já, via fax, o teor desta decisão ao Tribunal de Cascais.

Luís Gominho
José Adriano.