Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | SOUSA PINTO | ||
Descritores: | OBRA DE ARTE INDEMNIZAÇÃO DANOS NÃO PATRIMONIAIS | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/30/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | I - A maqueta de uma escultura, enquanto suporte materializado duma ideia, não pode ela própria ter o mesmo cunho que a obra de arte que se pretenderá exibir a final – a obra de arte acabada. Trata-se apenas de um meio, duma fase de todo um percurso que desembocará na obra de arte final. Assume idêntico papel que os esboços, desenhos, trabalhos de digitalização e fotos que possam ser criados na perspectiva de dar corpo à ideia original. II – Assim sendo, o desaparecimento da maqueta (havendo outros suportes da ideia de escultura, como desenhos e memória descritiva) apenas poderá ser ressarcido como desaparecimento de coisa comum e não como desaparecimento de uma obra de arte. (S. P.) | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | I – RELATÓRIO “A” intentou acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário contra “B” S.A. pedindo a condenação desta a pagar-lhe uma indemnização de 30.975,00 euros pelos danos sofridos pelo Autor em consequência da sua actuação de má-fé contratual acrescida de uma indemnização no valor de 30.000,00 euros pela violação dos seus danos morais enquanto autor. Alegou, para tanto e em síntese, que a Ré contactou o Autor, no Verão de 2004, para realizar um projecto para uma escultura a colocar na metade poente da área de serviço de … da “B”, sita na A 23, tendo o Autor de imediato iniciado a execução de tal projecto que veio a entregar nas instalações da Ré em 2 de Maio de 2005. Tal projecto era constituído por uma memória descritiva, e outros elementos e, ainda, por uma maqueta concebida à escala de 1/30. Porém, logo no mês seguinte, foi informado que a Ré prescindia dos seus serviços, solicitando o Autor a devolução da maqueta e dos demais elementos que havia entregue, o que lhe foi retorquido estar à sua disposição. Porém, quando se dirigiu à Ré para proceder ao levantamento da maqueta, a mesma não lhe foi entregue com o fundamento de que havia sido destruída, já que não foi encontrada. O projecto em causa havia sido avaliado em 30.975,00 euros, valor que o Autor pretende lhe seja ressarcido pela Ré, bem como pelo pesar e frustração que sentiu pelo facto de um elemento da sua criação artística ter sido destruído. Contestou a Ré impugnando os factos alegados pelo A., tendo referido nada ter solicitado a este, que de motu proprio apresentou um projecto para a área de serviço em causa, que foi rejeitado. Reconhece que de tal projecto fazia parte uma maqueta que iria ser devolvida ao Autor mas, por razões que desconhece, desapareceu das suas instalações. Elaborou-se despacho saneador e organizaram-se a matéria de facto assente e a base instrutória. Procedeu-se a julgamento com observância do legal formalismo. Foi proferida sentença, no âmbito da qual decidiu-se julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenar-se a Ré a pagar ao Autor uma indemnização correspondente ao custo da maqueta a liquidar em incidente de execução de sentença, no mais se absolvendo a Ré do pedido. Inconformado com tal decisão veio o Autor recorrer da mesma, tendo apresentado as suas alegações, nas quais verteu as seguintes conclusões: «1. O presente recurso vem interposto da douta Sentença que julgou apenas parcialmente procedente o pedido formulado pelo Recorrente e, em consequência, condenou a Recorrida a pagar uma indemnização correspondente ao custo da maqueta a liquidar em incidente de execução de Sentença, absolvendo a Recorrida do demais peticionado pelo Recorrente. 2. Não pode o Recorrente conformar-se com a referida Decisão, atenta a prova produzida em sede de audiência de julgamento e o teor dos documentos juntos aos autos, pois crê-se que a Decisão recorrida não procedeu à melhor apreciação da prova produzida no que concerne à relação negocial entre o Recorrente e a Recorrida, à destruição da maqueta e aos danos não patrimoniais sofridos pelo Recorrente. 3. Assim, o presente recurso tem por objecto a reapreciação da prova gravada, nos termos dos artigos 690.º-A e 698.º, n.º 6 do CPC, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto. 4. Ao contrário do decidido na douta Sentença recorrida, deveria ter sido dado como provado que o Recorrente demorou quatro meses a elaborar o projecto e a criar a maqueta, dado que tal lapso temporal não é manifestamente exagerado para todo um processo criativo de escultura e, portanto, deverá ser dado como provado o artigo 10.º constante da decisão da matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 712.º, n.º 1 alíneas a) e b) do CPC. 5. O Recorrente foi contactado pela “B” para a realização do projecto e encomenda de uma escultura a colocar na metade poente da área de serviço de … A23, tendo resultado claro para o Recorrente que a escultura ia ser implantada naquele local, motivo pelo qual deverá ser modificado e dado como provado in totum o artigo 1.º constante da decisão da matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 712.º, n.º 1 alíneas a) e b) do CPC. 6. A prova constante dos autos permitia ao Tribunal a quo e permite ao Tribunal ad quem, concluir que, em consequência da destruição da maqueta, o Recorrente viu-se privado de a apresentar, tendo-se sentido revoltado, inferior, amargurado e alvo de chacota, dando-se como provados os quesitos 14.º e 15.º, pelo que se impõe a modificação de tal decisão sobre a matéria de facto ao abrigo do artigo 712.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CPC. 7. Ao Recorrente deverá ser atribuído, nos termos do artigo 227.º do CC, o valor correspondente ao interesse contratual positivo relativo ao contrato em apreço, isto é, os 30.975,00€. 8. Ao não decidir desta forma, a douta Sentença recorrida violou o referido artigo 227.º do CC. 9. A Recorrida não só frustrou o negócio, como não entregou a maqueta ao Recorrente, tendo-a destruído. 10. A maqueta é uma obra artística, é o produto da criação do espírito do Recorrente, protegida nos termos do Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos. 11. A maqueta é considerada obra para efeitos do artigo 1.º e 2.º do CDACD e, como tal, deve ser protegida. 12. Com a destruição da maqueta, o Recorrente ficou sem a sua obra e, consequentemente, ficou inibido dos direitos de disposição, utilização e fruição da mesma. 13. Ao contrário do decidido na Sentença recorrida, o desaparecimento da maqueta não pode ser equacionado como o desaparecimento de qualquer outro bem, desde logo, porque a maqueta é um produto da criação do espírito do seu autor. 14. Acresce que a Recorrida estava obrigada à restituição dos modelos originais que estavam na base da reprodução da obra final, como impõe o artigo 162.º do CDADC e não restituiu. 15. Ao contrário do decidido na Sentença recorrida, há danos não patrimoniais que devem ser ressarcidos pelo montante peticionado, isto é, 30.000,00€. 16. Ao não decidir em conformidade, a douta Sentença violou o artigo 496.º/1 do CC, bem como os já referidos artigos do CDADC.» Não foram apresentadas contra-alegações. II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Corridos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 660.º, n.º 2, 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil (CPC). Vejamos então quais as questões a conhecer: 1. Impugnação da matéria de facto – modificação das respostas dadas aos quesitos 1.º, 10.º, 14 e 15.º 2. Erro de direito 2.1. - Indemnização no valor de 30.975,00€, correspondente ao interesse contratual positivo do apelante 2.2. – Indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor III - FUNDAMENTOS De facto São os seguintes os factos que foram dados como provados na sentença recorrida: A. A concepção, projecto, construção, financiamento, exploração e conservação dos lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados à concessão designada como “Beira Interior“ foram atribuídos pelo D.L. nº 335-A/99 de 20 de Agosto ao Consórcio “SCUTVIAS- AUTO ESTRADAS DA BEIRA INTERIOR , S.A.”; B. No diploma legal supra mencionado, na BASE XXXIX e seguintes, consta que o concessionário deve assegurar aos utentes da auto-estrada, locais de descanso agradáveis e integrar cuidadosamente as instalações na paisagem, quer através da volumetria e partido arquitectónico das construções, quer da vegetação utilizada; C. O mesmo consórcio referido na alínea A), cedeu os seus direitos de construção, equipamento, e exploração da área de serviço de … na A23, à Ré “B” S.A. por contrato de subconcessão; D. Do contrato de subconcessão referido na alínea C) consta que em consonância com as bases da concessão, a sub-concessionária deve garantir a existência, em cada um dos lados da área de serviço, de esculturas ou outras obras de arte da autoria de artistas de reconhecido mérito nacional, preferencialmente oriundos da zona. F. O Autor elaborou, para o efeito referido na alínea D), uma memória descritiva, uma maqueta, fotografias da maqueta, indicações quanto a dimensões e materiais, planta com área de implantação, estudo da implantação no local e ainda o orçamento e prazo de execução; G. O Autor orçou o trabalho referido em F) em 29.500,00 euros, acrescidos de IVA; H. Foram fornecidos ao Autor os seguintes elementos: o espaço onde a obra seria implantada, o tamanho e o tema a abordar; I. O Autor terá iniciado a investigação com vista à realização da maqueta em Outubro de 2004 e a mesma terá sido entregue nas instalações da Ré em 2 de Maio; J. Em 2 de Junho o Autor telefonou para “C”, chefe de desenvolvimento e projectos, rede e marketing da Ré, perguntando se o projecto havia sido do gosto dos responsáveis pelo referido departamento; K. A Ré não aprovou a maqueta feita pelo Autor; L. Nessa sequência, o Autor solicitou a devolução da maqueta e dos restantes elementos de apoio que havia entregue; M. Tendo-lhe sido respondido que tanto a maqueta como a memória descritiva estavam disponíveis nas instalações da Ré e que poderiam ser levantadas a todo o tempo; N. No dia 3 de Junho de 2005 foi entregue a “D” a memória descritiva do projecto mas não a maqueta; O. “C” disse a “D” que tinham perdido a maqueta e que provavelmente teria sido destruída; P. O Autor é um escultor cujo mérito vem sendo reconhecido nacional e internacionalmente; Q. “E”, jornalista, pretendia divulgar a notícia referente à escultura a realizar na área de serviço poente de … da A23; R. O Autor ficou sem a maqueta que havia elaborado; S. O vertido em R) fez com que o Autor ficasse aborrecido. De direito Apreciemos então as questões que foram suscitadas pelo recorrente: 1. Impugnação da matéria de facto – modificação das respostas dadas aos quesitos 1.º, 10.º, 14.º e 15.º Sustenta o apelante que as respostas dadas aos quesitos 1.º, 10.º, 14.º e 15.º, deveriam ser modificadas de forma a que todos eles fossem dados inteiramente por provados. Vejamos se lhe assiste razão, analisando os factos que cada um desses quesitos integrava e a resposta que a cada um deles foi dada, confrontando-os com a prova produzida constante dos autos. Assim: 1.º - Na sequência dos factos referidos nas alíneas A) a D) da Matéria Assente, o Autor, no Verão de 2004, foi contactado pela Ré, para a realização do projecto e encomenda de uma escultura, a colocar na metade Poente da área de serviço poente de …? Respondeu-se: «Provado apenas o que consta da alínea F) dos factos assentes», o que no caso representava o seguinte: «o Autor elaborou, para o efeito referido na alínea D), uma memória descritiva, uma maqueta, fotografias da maqueta, indicações quanto a dimensões e materiais, planta com área de implantação, estudo da implantação no local e ainda o orçamento e prazo de execução» (letra F dos factos constantes da sentença). Entende o recorrente que a resposta ao quesito em causa não poderia ser outra que não o dar-se o mesmo como inteiramente provado, pois que a memória descritiva apresentada e na qual se fundou essencialmente a Meritíssima Juíza para responder restritivamente ao quesito, é apenas um modelo que o A. utiliza sempre quer para adjudicações quer para concursos, referentes a esculturas, contendo sempre a mesma estrutura. Entende ainda que o depoimento das testemunhas “F”, “E” e “D”, apontam no sentido de que o A. teria sido contactado pela Ré para a criação da escultura a implantar na metade poente da área de serviço de … A23. Ora, quer pela análise do referido documento – memória descritiva – quer pelo teor dos testemunhos ouvidos, afigura-se-nos que bem terá andado o tribunal da 1.ª instância ao ter respondido restritivamente ao quesito em causa. Com efeito, há que ter presente que o quesito em causa quando fala em contacto, não se reporta a uma mera abordagem duma entidade a outra, refere-se a um contacto para a realização do projecto e encomenda de um escultura. Trata-se assim, duma verdadeira proposta de realização de uma obra. Ora, quer da memória descritiva apresentada, quer do depoimento das testemunhas, não se infere que tal proposta de realização da escultura tenha sido apresentada pela Ré ao Autor. Ora, do documento em causa, pela sua leitura, o que se infere é tão-só que o A. apresenta uma sua proposta, com orçamento, nada dele se retirando que lhe havia sido já encomendada a realização da mesma, ou que a realização da escultura lhe tinha sido adjudicada. Do mesmo passo se diga, que o depoimento das testemunhas é algo inconclusivo, senão mesmo contraditório, pois que se é certo que as testemunhas “E” (jornalista, amigo e actualmente colega do A.) e “D” (namorada do A) referiram que o trabalho teria sido contratado – pese embora a sua fonte directa tenha sido sempre o A. – o que é facto é que uma ex-funcionária da Ré que terá estado directamente envolvida com a questão da recepção dos trabalhos – testemunha “C” -, referiu expressamente que foi o A. quem se apresentou com o trabalho (por indicação duma colega do mesmo – “G” - que teria, essa sim, sido contactada pela Ré), o qual, no confronto com outros, acabou por não ser seleccionado. Também a testemunha “H” referiu que o processo normal para este tipo de trabalhos se desenrola com a apresentação de propostas que à medida que vão chegando vão sendo seleccionadas, excluindo-se as que não agradam, o que terá acontecido com a do A.. Do que se deixa dito, há pois que concluir que não poderia ser dada outra resposta que aquela que foi dada pela Meritíssima juíza, no sentido de ter inexistido uma proposta para que o A. realizasse o projecto com encomenda da escultura. Entende-se assim ser de manter a resposta dada. Quanto ao quesito 10.º, rezava o mesmo assim: «O Autor gastou cerca de quatro meses na elaboração do projecto?» Respondeu-se: «Não provado». Na óptica da Apelante deveria ter-se dado como provado este quesito, dado que o depoimento das testemunhas “E” e “D” apontaram nesse sentido. Na fundamentação da matéria de facto, no que concerne à resposta dada a este quesito disse-se: «o Tribunal não pode levar em consideração as declarações prestadas por “E” e ”D” , porquanto apreciada a memória descritiva que o próprio autor fez, constatamos que o prazo de execução da escultura era de três meses, e, portanto, não é credível que a maqueta, que está feita à escala de 1/30, levasse mais tempo a fazer que a própria obra. Aliás, basta olhar para o desenho da maqueta a fls. 24 dos autos para retirar a conclusão de que nenhum escultor podia levar quatro meses a fazer aquela maqueta. A própria testemunha “D” reconheceu que durante esse período o autor fez outras coisas.» Afigura-se-nos que também aqui ajuizou bem a 1.ª instância. Com efeito, inexistiam elementos bastantes que permitissem responder afirmativamente ao quesito em causa. Por um lado, como foi salientado na fundamentação, é pouco crível que a concepção da ideia pudesse ser bastante mais longa que a concretização da obra, tanto mais que o que se pretendia, não implicaria grandes envolvimentos científicos ou tecnológicos, antes se situando na área da criação pura, com poucos elementos concentracionários – evocação e realce de produtos ou ícones da região onde se situaria a área de serviço. Por outro lado, também foi referido que o A. durante o período em que terá concebido e concretizado o seu projecto não deixou de ter outras actividades, mormente no ensino, pois que nunca deixou de dar aulas, admitindo-se que tenha dispendido tempo na criação daquele – procura da ideia, reflexão sobre a mesma, elaboração de esboços e concretização do projecto final a apresentar -, só que minimamente não se apurou que tempo terá sido esse, sendo certo porém que se terá percepcionado que não terá correspondido aos quatro meses alegados. Note-se que ao se dizer que um determinado trabalho terá durado 4 meses a ser elaborado se parte duma base de normalidade que leva a que se considere que nesses existem cerca de 88 dias úteis, pelo que contabilizando 6 horas de trabalho (o que até é inferior a um qualquer número de horas de trabalho diário) se chegam às 440 horas. Ora, atento o projecto em causa, os elementos disponíveis e o comum conhecimento que se tem da realidade em causa, levam a que se considere esse número de horas excessivo. Entende-se assim que também neste particular esteve bem a 1.ª instância ao não ter dado como provado este quesito. No que concerne aos quesitos 14.º e 15.º, diziam os mesmos o seguinte: «14.º - Em consequência da sua destruição, o A. viu-se privado de a apresentar? e 15.º - (…) o que o fez sentir revoltado, inferior, amargurado e alvo de chacota?» Respondeu-se assim: «14.º - Provado que o autor ficou sem a maqueta que havia elaborado. 15.º - Provado que o facto referido em 14.º fez com que o autor ficasse aborrecido.» No que concerne à resposta dada ao quesito 14.º, entende o recorrente que o depoimento das testemunhas “F”, “E” e “D” foi no sentido de confirmar que teria sido dito pela funcionária da Ré que a maqueta teria sido destruída e não só que teria desaparecido, como restritivamente foi respondido. Atenta a audição de todos os depoimentos testemunhais, fica-nos a convicção de que efectivamente não se terá apurado o destino que teve a maqueta – descaminho ou destruição – sendo que com certeza apenas se poderá afirmar que o A. terá ficado sem a dita, pois que a mesma não lhe foi devolvida. As testemunhas “F” e “E” não revelaram qualquer conhecimento concreto sobre tal questão, sendo que apenas a testemunha “D” teve o contacto directo com a testemunha “C”, sendo que esta confrontada com a possibilidade da maqueta ter sido destruída afirmou que não era nunca o procedimento que a Ré assumia, antes tendo confirmado o desaparecimento da mesma, a qual encontrava- -se (antes daquele ter ocorrido) num gabinete que estaria aberto. No que concerne ao mais que continha o quesito “ficando privado da apresentar”, trata-se de mera conclusão resultante do facto que a antecede – seu desaparecimento -, pelo que bem se fez ao ter restringido a resposta. Quanto à resposta que foi dada ao quesito 15.º, há que dizer que o que resultou do depoimento das testemunhas foi basicamente o que se consignou na resposta dada, pois que a expressão que prevaleceu nas afirmações espontâneas fornecidas por “F”, “E” e “D”, foi precisamente “ficou aborrecido”. Efectivamente só perante algumas insistências por parte dos senhores mandatários das partes é que foram um pouco além dessa afirmação, sendo porém certo que o que se sentiu do seu depoimento foi essa ideia de que teria ficado aborrecido, desagradado com a situação. Entendemos assim que também quanto a este quesito a prova foi bem analisada na 1.ª instância. Do que se deixa dito há pois que concluir que no tocante a esta 1.ª questão relativa à impugnação da matéria de facto nenhum reparo há a fazer ao decidido, mantendo-se por isso a factualidade como consta da sentença. 2. Erro de direito 2.1. - Indemnização no valor de 30.975,00€, correspondente ao interesse contratual positivo do apelante Entende o apelante que deveria a decisão recorrida ter condenado a Ré no pagamento de 30.975,00€, por via dos danos por ele sofridos decorrentes da ruptura ilícita das negociações da inteira responsabilidade da ré, o que seria devido à luz do estatuído no art.º 227.º, n.º 1, do Código Civil. A indemnização prevista em tal normativo – responsabilidade pré-contratual – representa, na vertente do interesse contratual positivo violado, o ressarcimento do prejuízo que a parte não sofreria se tanto nos preliminares como na formação do contrato a contraparte tivesse agido de boa fé tendo em vista a concretização do negócio. Sucede porém que no caso em apreço, atenta a factualidade apurada, não se descortina por parte da Ré uma qualquer manifestação de vontade que apontasse para a celebração de um contrato com o A.. Com efeito, este não logrou provar que tenha por ela sido contactado para a realização da escultura, nem mesmo que tenha havido um concurso genérico e público nesse sentido. Inexistindo qualquer “fumo” contratual entre A. e R. é para nós claro que não poderá nunca existir uma qualquer responsabilidade pré-contratual. Assim, no tocante a esta questão, não assiste qualquer razão ao apelante. 2.2. – Indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor Entende o recorrente que houve uma errada interpretação sobre o conceito de obra de arte aqui em discussão, pois que se terá entendido que a maqueta não integraria esse conceito, antes sendo «um esboço de uma obra de arte e não o produto final do processo criativo. É já uma exteriorização da ideia que posteriormente há-de ser materializada na obra.» Com efeito, na sentença, na análise que se fez sobre esta questão disse-se ainda o seguinte: «Goza (a maqueta), por si só e enquanto tal, da protecção do Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos: A criação protegida é a exteriorização formal de uma ideia, independentemente da forma como ela se exterioriza (artº 1º do CDADC). Nessa senda, esclarece o artº 2º/1 do mesmo Código, serem “Obras Originais” as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, quaisquer que sejam o género, a forma de expressão, o mérito, o modo de comunicação e o objectivo, elencando, como tais, na alínea l) os “Projectos, esboços e obras plásticas respeitantes à arquitectura, ao urbanismo, à geografia e às outras ciências”. Porém, não se pode confundir a obra, que é uma realidade incorpórea, com o suporte material que a encerra. Como bem explica Oliveira Ascensão (in Direito de Autor e Direitos Conexos, Coimbra Editora, pág. 61) “a obra musical não é a partitura musical: por isso não se perde, se se destruírem todos os exemplares, enquanto houver a possibilidade de ser reconstituída. A obra arquitectónica não é o prédio: ainda que este seja demolido, a imitação não se tornou livre, pois a traça pode ser reconstituída “. É, aliás, o que decorre do artº 10º/1 do CDADC, ao estabelecer que “O direito de autor sobre a obra como coisa incorpórea é independente do direito de propriedade sobre as coisas materiais que sirvam de suporte à sua fixação ou comunicação”. O direito de autor do escultor sobre o projecto de escultura que criou não é afectado pelo desaparecimento da maqueta que constitui um dos seus suportes materiais. E o desaparecimento da maqueta não configura nenhuma violação do direito de autor, em qualquer das suas vertentes (v.g. do direito moral à integridade da obra). E isto, pela simples razão que ocorre independência entre o direito de autor e o suporte material. Por exemplo: alienado um quadro, a propriedade do exemplar é do comprador não obstante o direito de autor pertencer ao pintor (artº 10º/2 do CDADC). Destarte, o “desaparecimento” da maqueta tem de ser equacionado como o desaparecimento de um qualquer outro bem. E, assim, a questão reconduz-se em saber qual a consequência adveniente para a Ré de tal ocorrência. Temos dificuldade em aceitar que a mera recepção de uma proposta contratual (que pode ser sustentada em papel, áudio, vídeo etc.) faça nascer para o receptor um dever de custódia e um dever de restituição. Porém, no caso sub judice pode considerar-se que tal dever advém do compromisso (posterior) que a Ré assumiu perante o Autor de lha restituir (cfr. M)). O certo é que se tornou impossível tal restituição mercê do desaparecimento da maqueta. Tornando-se impossível a prestação por causa imputável à Ré, fica a mesma obrigada a indemnizar o Autor pelo valor correspondente à coisa que devia restituir ( artºs. 801º/1, 798º, 566º/2 do CC). Porém, como dissemos supra, inexiste fundamento para atribuir ao Autor a indemnização peticionada (correspondente ao valor da “obra final”). Não apurado o valor correspondente ao custo da maqueta, deverá o tribunal condenar no que vier a ser liquidado (art. 661º/2 do CPC): a quantificação do valor da indemnização far-se-á em incidente de liquidação, nos termos dos arts. 378º/2 e seguintes, do CPC, já que não existem os elementos indispensáveis para fixar o seu quantitativo, nem mesmo através do recurso à equidade.» Estamos inteiramente de acordo com o entendimento aqui exibido. Com efeito, a maqueta, enquanto suporte materializado duma ideia, não pode ela própria ter o mesmo cunho que a obra de arte que se pretenderá exibir a final – a obra de arte acabada. Trata-se apenas de um meio, duma fase de todo um percurso que desembocará na obra de arte final. Assume idêntico papel que os esboços, desenhos, trabalhos de digitalização e fotos que possam ser criados na perspectiva de dar corpo à ideia original. E nem se diga, como o faz o Apelante, que «com a destruição (no caso, o desaparecimento) da maqueta o Recorrente ficou sem a sua obra e, consequentemente, ficou inibido dos direitos de disposição, utilização e fruição da obra», pois que «a obra de arte» em causa é/seria a escultura em tamanho real, concretizada com os materiais preconizados e colocada no local previsto, sendo que com os elementos que não desapareceram (designadamente a memória descritiva e as fotografias) sempre o recorrente poderia/poderá concretizar a sua «obra de arte» - a escultura em causa. Por outro lado há que salientar que a maqueta duma escultura, contrariamente ao que defende o Apelante, não se enquadrará na previsão do art.º 2, n.º 1, al. l) do CDACD - «Projectos, esboços e obras plásticas respeitantes à arquitectura, ao urbanismo, à geografia ou às outras ciências» -, pois que tal normativo está evidentemente direccionado para obras de arquitectura e outras ciências conexas, como resulta da leitura atenta do preceito. Do que se deixa dito, é para nós claro que bem andou a Meritíssima da 1.ª instância ao não reputar a maqueta como «obra de arte», razão pela qual se entendeu, e bem quanto a nós, que o seu desaparecimento apenas poderia ser ressarcido tendo por base a consideração de que se trataria duma coisa comum, cujo valor deveria e deverá ser fixado em incidente de execução de sentença e não nos moldes pretendidos, como se de verdadeira obra de arte se tratasse, cujo valor pedido atingia o montante orçado para a escultura final implantada no terreno. No que concerne aos demais danos não patrimoniais pedidos em função do recorrente com o desaparecimento da maqueta ter ficado «chateado, profundamente aborrecido, completamente de rastos» e «muito indignado e despojado por terem destruído uma obra sua, fruto da sua criação de espírito», há apenas que dizer que nesta questão apenas se apurou o que consta das letras R) e S), da factualidade provada - R. O Autor ficou sem a maqueta que havia elaborado; S. O vertido em R) fez com que o Autor ficasse aborrecido – o que é dano manifestamente insuficiente para merecer a tutela do direito em sede de indemnização por danos não patrimoniais (art.º 496.º, n.º 1, do Código Civil). Também aqui secundamos o que a tal propósito se escreveu na sentença: «De igual sorte e a admitir-se ter a Ré violado uma obrigação (de restituição da maqueta) não resultou provado que tal tenha causado ao Autor danos não patrimoniais que importe ressarcir ( arrtº 496º/1 do CC). Na verdade apenas resultou provado que ter ficado sem a maqueta fez o Autor ficar “aborrecido “. Ora, a gravidade do dano que justifica a compensação a este título mede-se por um padrão objectivo, que tenha em conta o circunstancialismo de cada caso, e não por padrões subjectivos, resultantes de uma sensibilidade particular. Aliás, o “ aborrecimento” é um sentimento vulgar, comum a todos os cidadãos e decorrente da vivência em sociedade que não atinge o patamar mínimo de relevância para compensar uma pessoa a esse título.» Como se refere no Ac. do STJ de 15-02-2007 Revista n.º 302/07-7ª Secção, em que foi relator o Excelentíssimo Senhor Juiz Conselheiro, Dr. Salvador da Costa,«A apreciação da gravidade do dano não patrimonial, embora deva assentar no circunstancialismo concreto envolvente, deve operar sob um critério objectivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjectividade inerente a particular sensibilidade».Ora, no caso em apreço, da matéria que resultou provada, pode sintetizar-se que o A./Recorrente terá apresentado um projecto para o qual não se apurou que tenha sido expressamente convidado para o realizar, tendo-se visto despojado duma maqueta integrante desse projecto que todavia não o inibia de reproduzir futuramente a «obra de arte» que se propunha apresentar. Assim, o seu «aborrecimento» com tal desaparecimento não pode ser valorado mais do que uma contrariedade, não susceptível de tutela do direito em termos indemnizatórios. Por tudo o que se deixa dito há pois que concluir que também esta questão terá de improceder. Aborrecimento IV – DECISÃO Desta forma, acorda-se em julgar improcedente a presente apelação, assim se mantendo a sentença recorrida. Custas pelo Apelante. Lisboa, 30 de Junho de 2011 José Maria Sousa Pinto Jorge Vilaça Nunes João Vaz Gomes |