Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | OCTÁVIO DOS SANTOS DIOGO | ||
Descritores: | EMBARGO DE OBRA NOVA SERVIDÃO VISTAS JANELAS ABUSO DO DIREITO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/19/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | Quando o titular do direito de servidão de vistas, no seguimento da janela cuja tapagem se pretende impedir com o embargo de obra nova, dispõe de elevada extensão que permite a entrada de luz e de ar na mesma divisão onde se encontra a janela, o exercício do direito real de servidão de vistas é abusivo, porquanto, existe manifesta desproporção entre esse direito e o direito dos requeridos a edificar no seu prédio. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa I – Relatório. J e N, instauraram em 04/04/2022, o presente procedimento cautelar de embargo judicial de obra nova contra A e A., pedindo a suspensão das obras de construção iniciadas pelos requeridos, lavrando-se o correspondente auto, e, em sede de alegações orais, que seja determinada a inversão do contencioso, dispensando-se os Requerentes do ónus de propositura da ação principal. Alegam, para o efeito e em síntese, que os Requeridos iniciaram, em 10/03/2022, obras de construção, em substituição da casa de moradia que anteriormente se encontrava implantada no seu prédio, que irão tapar a janela da varanda, relativamente à qual beneficiam de servidão de vistas. Foi dispensado o contraditório prévio dos Requeridos e realizadas as diligências tidas por pertinentes, foi proferido despacho onde, após a fixação dos factos indiciariamente provados e respetivo enquadramento jurídico, se decidiu julgar o presente procedimento cautelar de embargo judicial de obra nova improcedente, e, em consequência, indeferir o seu decretamento. Inconformados com a decisão vieram os Requerentes interpor recurso que foi admitido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos e com efeito suspensivo, onde pedem que deverá a presente apelação ser julgada procedente, por provada, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por decisão que decrete o embargo de obra nova, nos termos requeridos tendo, para o efeito e após alegações, apresentado as seguintes conclusões: 1. Ficou indiciariamente provado que os recorrentes são proprietários de um prédio sito à Rua do A..., n.º 2, freguesia de Nossa Senhora da Conceição, concelho de Angra do Heroísmo. 2. Os recorrentes realizaram obras de ampliação do prédio no ano de 1978, a fim de construírem duas casas de moradia autónomas, em regime de propriedade horizontal, ficando uma das frações para os recorrentes e outra para habitação da irmã do recorrente e respetivo agregado familiar, tendo sido construída uma varanda ou terraço, que confronta a sul com a Rua do F... e a poente com o prédio dos requeridos – vide Documento 9 junto com o requerimento inicial. 3. Os requeridos iniciaram obras de edificação nova por volta do dia 10.03.2022 - uma casa de moradia - na qual se prevê a tapagem da janela que corresponde à extensão da varanda/terraço dos recorrentes que confronta a poente com o prédio daqueles – vide Documento 9 junto com o requerimento inicial. 4. A situação de facto em que se alicerçou o pedido de embargo – existência de uma varanda/terraço que parcialmente confronta a poente com o prédio dos requeridos, consolidou-se pelo decurso do tempo, ou seja, há mais de 40 anos. 5. A constituição de um direito real por usucapião basta-se, no limite, pelo decurso do prazo de 20 anos (cfr. art. 1296.º do CC) e implica uma restrição ao direito de propriedade que se impõe ao titular do prédio onerado, nos termos do art. 1362.º, n.º 2 do CC. 6. A restrição ao direito de propriedade ínsita no art. 1362.º, n.º 2 do CC limita-se apenas à extensão da janela dos recorrentes que confronta com o prédio dos requeridos. – vide Documento 9 junto com o requerimento inicial. 7. Não foi deduzida qualquer oposição à abertura da varanda/terraço por parte dos requeridos, o que levou à consolidação do direito de servidão a favor dos recorrentes, em toda a extensão da mesma. 8. Ao indeferir o embargo, pelos motivos invocados, o tribunal a quo violou a norma ínsita no art. 1362.º do CC (com referência ao art. 1296.º do CC), mas também os princípios da certeza e segurança jurídica, na vertente de proteção da confiança dos cidadãos na ordem jurídica e na atuação do Estado, princípio com assento constitucional ao abrigo do princípio de Estado de Direito democrático (art. 2.º da CRP). 9. O exercício do direito real de servidão de vistas pelos recorrentes não é abusivo, porquanto não se verifica qualquer desproporção entre o direito dos requeridos a fazer edificações no seu prédio e o exercício do direito que compete aos recorrentes. 10. Tal como oportunamente referido, a restrição ao direito de edificação fica limitada apenas à extensão da janela dos recorrentes que confronta com o prédio dos requeridos. 11. Os recorrentes não pretendem retirar do exercício do direito qualquer vantagem ilegítima, mas apenas evitar a consumação de um prejuízo para o seu direito validamente constituído. 12. Ao considerar o exercício do direito de servidão de vistas pelos recorrentes como ilegítimo, o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de Direito, porquanto desconsiderou em absoluto a consolidação da situação fáctica que precede à constituição da servidão de vistas pelo decurso do tempo em favor dos recorrentes, retirando-lhe, injustamente, qualquer relevância. 13. Nesse sentido, a decisão recorrida injustamente faz relevar e, no limite até premeia a inércia dos requeridos, o que não é consentâneo nem com o invocado princípio da certeza e segurança jurídica nem com o princípio de justiça a que o tribunal a quo apela. 14. A decisão recorrida põe seriamente em causa a legítima confiança dos requeridos, cidadãos no exercício de um direito que lhes assiste, no sentido em que formaram uma expectativa legítima de que este direito seria atendido – sendo oponível a terceiros – porquanto se consolidou validamente pelo decurso do tempo. 15. Face ao supra exposto, impunha-se ao tribunal a quo decretar o embargo de obra nova, mandando-a suspender, sob pena do agravamento dos prejuízos quer para os recorrentes, quer para os requeridos, seja por via da procedência do embargo requerido, seja por via de eventual recurso à via judicial, visando a tutela definitiva da questão trazida a juízo. Não houve resposta ao recurso. * Recebido o recurso e preparada a deliberação, importa apreciar e decidir. * II- Mérito do recurso 1. Objeto do recurso O objeto do recurso é, como é sabido, em regra e ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente [artigos 608.º, n.º 2, “in fine”, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC)]. Assim, observando este critério, no caso presente o objeto do recurso é, no essencial, saber se ao indeferir o embargo, por ter considerado o exercício do direito de servidão de vistas pelos recorrentes como abusivo, o tribunal a quo violou a norma ínsita no art. 1362.º do CC (com referência ao art. 1296.º do CC), mas também os princípios da certeza e segurança jurídica, na vertente de proteção da confiança dos cidadãos na ordem jurídica e na atuação do Estado, princípio com assento constitucional ao abrigo do princípio de Estado de Direito democrático (art. 2.º da CRP). * 2. Fundamentação de facto. Na decisão recorrida foram dados como indiciariamente provados os seguintes factos: 1. A aquisição da fração autónoma A do prédio urbano sito na Rua do A..., nº …, e na Rua do F..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Angra do Heroísmo sob o nº ..., freguesia Nossa Senhora da Conceição, e inscrito na matriz sob o art.º …, está registada em favor dos Requerentes pela Ap. 3 de 1979/08/28, conforme certidão do registo predial junta como Docs. 1 e 2 com o requerimento inicial, cujo teor dá-se aqui por integralmente reproduzido, e fotografias extraídas na inspeção ao local documentadas na ata de 07/04/2022, cujos teores dão-se aqui por integralmente reproduzidos. 2. A fração autónoma mencionada no artigo anterior adveio à titularidade dos requerentes por divisão do prédio melhor identificado em 1, dado que este integrava a comunhão hereditária da herança aberta por morte de EP__, conforme certidão predial junta como Doc. 1 com o requerimento inicial, cujo teor dá-se aqui por integralmente reproduzido. 3. A fração autónoma propriedade dos requerentes identificada em 1 é composta por rés do chão e primeiro andar, com garagem, com a área coberta de 134 metros quadrados, conforme certidão predial junta como Doc. 2 com o requerimento inicial, cujo teor dá-se aqui por integralmente reproduzido. 4. Previamente à constituição de propriedade horizontal e divisão do prédio identificado em 1., foram realizadas obras, no sentido de construir duas casas de moradia autónomas, ampliando a casa que então existia, conforme licença para realização de obras concedida em 14/10/1976 junta como Doc. 3 e fotografias da moradia anteriormente existente juntas como Docs. 4 e 5 com o requerimento inicial, cujos teores dão-se aqui por integralmente reproduzidos. 5. Foi construída uma varanda ou terraço, conforme licenciado e projetado, conforme licença emitida pela Camara Municipal de Angra do Heroísmo junta como Doc. 3 com o requerimento inicial e projeto aprovado, junto como Doc. 6 com o requerimento inicial, cujo teor dá-se aqui por integralmente reproduzido. 6. A varanda ou terraço situa-se na fachada sul e poente do prédio referido em 1. virada para a Rua do F..., ao nível do primeiro andar, com parapeito até à altura de cerca de um metro, atualmente coberto com janelas, confrontando a poente com o prédio dos requeridos. 7. As obras de ampliação ficaram concluídas em 31.08.1978, conforme declaração para inscrição de prédio urbano, junta como Doc. 7, tendo sido emitida licença de habitação em 20.10.1978, conforme Doc. 8, cujos teores dão-se aqui por integralmente reproduzidos. 8. Foram abertas janelas e varanda/terraço que deitam sobre o prédio dos requeridos, conforme fotografias juntas como Docs. 9 e 10 com o requerimento inicial, cujos teores dão-se aqui por integralmente reproduzidos. 9. Os requerentes utilizam o prédio identificado em 1. para sua habitação, há mais de 40 anos, sem a oposição de quem quer que seja, de forma ininterrupta, à vista de todos, na convicção de serem seus proprietários, o que inclui a utilização da aludida varanda/terraço. 10. O prédio identificado em 1 confronta pelo lado norte e poente com o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ... e inscrito na matriz urbana sob o artigo ..., da freguesia da Nossa Senhora da Conceição, cuja aquisição está registada em favor dos requeridos pela Ap. 21 de 2008/02/22, conforme certidão do registo predial junta como Doc. 11, cujo teor dá-se aqui por integralmente reproduzido. 11. O prédio dos requeridos compunha-se de casa baixa de moradia, com área total e coberta de 30 metros quadrados, conforme certidão do registo predial junta como Doc. 11 e fotografia junta como Doc. 9, cujos teores dão-se aqui por integralmente reproduzidos. 12. Por volta do dia 10/03/2022, os requeridos iniciaram obras de construção, em substituição da casa de moradia que anteriormente se encontrava implantada no seu prédio. 13. Os requerentes procuraram obter informações concretas sobre a obra projetada pelos requeridos. 14. No dia 04/04/2022, os Requerentes obtiveram cópia do projeto de arquitetura dos requeridos e respetiva memória descritiva, conforme Docs. 12, 13 e 14 juntos com o requerimento inicial, cujos teores dão-se aqui por integralmente reproduzidos. 15. No projeto referido no facto anterior prevê-se efetuar a nova construção sem qualquer distância em relação à janela lateral da varanda/terraço, tapando a janela lateral da varanda/terraço do 1º andar do prédio dos requerentes sita na Rua do F..., que deita para o prédio dos requeridos, pese embora se tenha procurado salvaguardar a distância de 1,5m quanto às janelas dos requerentes que confrontam a norte com o prédio dos requeridos. 16. No seguimento da janela identificada no facto anterior, cuja tapagem se pretende impedir com o presente procedimento cautelar, existe uma elevada extensão de varanda virada para a Rua do F..., a qual permite a entrada de luz e de ar na mesma divisão onde se encontra a mencionada janela. 17. No dia 04/04/2022 está a ser efetuada a placa correspondente ao segundo piso da casa, conforme fotografias juntas como Docs. 15, 16 e 17, cujos teores dão-se aqui por integralmente reproduzidos. 18. As casas que integram os prédios dos Requerentes e dos Requeridos sempre foram entre si geminadas, conforme fotografias juntas como Docs. 4, 5 e 9 com o requerimento inicial, cujos teores dão-se aqui por integralmente reproduzidos. 3. Fundamentação de direito. Estabelece o art.º 397.º, nºs 1, 2 e 3, do Código de Processo Civil: «1. Aquele que se julgue ofendido no seu direito de propriedade, singular ou comum, em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo, pode requerer, dentro de 30 dias a contar do conhecimento do facto, que a obra, trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente. 2. O interessado pode também fazer diretamente o embargo por via extrajudicial, notificando verbalmente, perante duas testemunhas, o dono da obra ou, na sua falta, o encarregado ou quem o substituir para a não continuar. 3. O embargo previsto no número anterior fica, porém, sem efeito se, dentro de cinco dias, não for requerida a ratificação judicial». Os Requerentes fundamentam o pedido no facto e serem proprietários de um prédio confinante com o prédio dos Requeridos e com as obras de edificação, no âmbito das quais se prevê a tapagem de parte de uma janela dos recorrentes, no lado que confronta com o prédio dos requeridos. Ou seja, os Recorrentes entendem que o seu direito real - servidão de vistas - será ofendido pela obra que os Requeridos estão a efetuar, por isso, deve tal obra ser embargada. Estabelece o art. 1362º do Código Civil 1. A existência de janelas, portas, varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, em contravenção do disposto na lei, pode importar, nos termos gerais, a constituição da servidão de vistas por usucapião. 2. Constituída a servidão de vistas, por usucapião ou outro título, ao proprietário vizinho só é permitido levantar edifício ou outra construção no seu prédio desde que deixe entre o novo edifício ou construção e as obras mencionadas no n.º 1 o espaço mínimo de metro e meio, correspondente à extensão destas obras. Como afirmou o tribunal “a quo” e se concorda os factos indiciariamente provados apontam no sentido de que as obras realizadas pelos Requeridos ameaçam causar prejuízo aos Requerentes no sentido de que ameaçam lesar o seu direito de servidão de vistas constituído por usucapião referente à janela lateral da varanda do 1º andar do prédio dos Requerentes sita na Rua do F... que deita para o prédio dos Requeridos (cfr. art.º 1362.º do Código Civil). Nos termos do normativo citado, as janelas e demais obras aí referidas podem levar à constituição de uma servidão de vistas por usucapião, impondo-se ao proprietário do prédio confinante deixar um espaço mínimo de um metro e meio nas obras que venha a efetuar em frente de tais janelas, cf. nº 1 do art.º 1360º do CC. A imposição de manter uma distância de um metro e meio entre o edifício ou construção que venha a ser levantado em frente a “janelas, portas, varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, só se encontra prevista pelo nº 2 do artigo 1362º como consequência da constituição de uma servidão de vistas. 2. O exercício do direito de servidão de vistas constitui ou não um abuso de direito. Confirmando-se, como correto, o juízo proferido pelo tribunal recorrido no sentido da existência de servidão de vistas a favor do prédio dos Requerentes e de que os Requeridos se encontram sujeitos à restrição prevista no nº 2 do art.º 1362º do CC, impõe-se apreciar se o exercício de tal direito é abusivo, como foi entendido na 1ª instancia, entendimento contra o qual se insurgem os Apelantes. O tribunal recorrido veio a reconhecer a ocorrência de abuso de direito com base na seguinte argumentação, que aqui se reproduz: “No caso em apreço, afigura-se-nos que os Requerentes agem com abuso de direito, porquanto verifica-se uma elevadíssima desproporção, que fere em termos clamorosos e chocantes o sentido de justiça, entre a vantagem obtida pelos Requerentes com a manutenção da utilização da janela lateral do 1º andar da varanda que deita para o prédio dos Requeridos, sendo que dispõem, no seguimento da mesma janela, cuja tapagem se pretende impedir com o presente procedimento cautelar, virada para a Rua do F..., de uma elevada extensão de varanda, a qual permite a entrada de luz e de ar na mesma divisão onde se encontra a mencionada janela (conforme facto provado nº 16 e pode ver-se com clareza na fotografia 1 constante da ata de inspeção ao local datada de 07/04/2022) e dispõem de um prédio com a área coberta de 134m2 (cfr. facto provado nº 3), e o sacrifício imposto aos Requeridos consistente na suspensão das obras e na impossibilidade de construção em altura em toda a sua extensão no prédio dos Requeridos de uma casa que sempre foi geminada à casa dos Requerentes (cfr. facto provado nº 18) e que se insere num prédio que apenas dispõe da área total e coberta de 30m2 (cfr. facto provado nº 11), afigurando-se o sacrifício que se pretende impor aos Requeridos incomparavelmente superior à vantagem que os Requerentes reclamam com a continuação da utilização da mencionada janela lateral. Ou seja, afigura-se-me que os Requerentes agem em abuso de direito e que a suspensão das obras que estão a ser realizadas no prédio dos Requeridos fere, pelos motivos expostos, de forma clamorosa, o sentido de justiça, devendo o direito de servidão de vistas dos Requerentes referente à janela lateral da varanda do 1º andar do prédio dos Requerentes sita na Rua do F... que deita para o prédio dos Requeridos ser sacrificado à luz do instituto do abuso de direito, revelando-se o exercício de tal direito ilegítimo exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, (…). Na tese dos Recorrentes não é abusivo invocar a servidão de vistas, fundamentando a sua tese, no essencial, no seguinte: - O direito constituiu-se validamente pelo decurso do tempo, sem oposição de quem quer que fosse, pelo que os requeridos se conformaram com esta situação de facto; - A continuação das obras projetadas pelos requeridos ameaçam causar prejuízos para os recorrentes; - Com a realização da obra nos termos projetados, a janela dos recorrentes ficará sem qualquer utilidade; - A decisão recorrida também põe em causa o mais elementar sentido de justiça, ao desconsiderar a efetivação de um direito legitimamente constituído pelo decurso do tempo, que assiste aos recorrentes. Cumpre apreciar e decidir. Estipula o artigo 334º do CC, “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”. Consultada a doutrina e jurisprudência, sobre a matéria, podemos ter por certo que nos termos da citada norma o exercício do direito será abusivo sempre que o seu titular, num caso concreto, o exerce fora do seu objetivo natural, da razão justificativa da sua existência, ostensivamente o exerce contra o sentimento jurídico e social dominante ou, nas palavras da lei, o exerce excedendo manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. Entre outros casos, é abusivo o exercício do direito quando há desequilíbrio no exercício de posições jurídicas, que se desdobra em vária subcategorias. No caso dos autos, foi a subcategoria - desproporção grave entre a vantagem auferida pelo titular do direito e o sacrifício imposto pelo exercício a outrem - que se entendeu estar verificada, porquanto, na tese do tribunal “a quo” o sacrifício imposto aos Requeridos, consistente na suspensão das obras e na impossibilidade de construção em altura em toda a sua extensão no prédio dos Requeridos é incomparavelmente superior à vantagem que os Requerentes reclamam com a continuação da utilização da mencionada janela lateral. Na tese dos Recorrentes, além do mais, a decisão recorrida desconsiderou em absoluto a consolidação da situação fáctica que precede à constituição da servidão de vistas pelo decurso do tempo em favor dos recorrentes, retirando-lhe, injustamente, qualquer relevância premiando a inércia dos requeridos, o que não é consentâneo nem com o invocado princípio da certeza e segurança jurídica nem com o princípio de justiça a que o tribunal a quo apela, a decisão recorrida põe seriamente em causa a legítima confiança dos Recorrentes, cidadãos no exercício de um direito que lhes assiste, no sentido em que formaram uma expectativa legítima de que este direito seria atendido – sendo oponível a terceiros – porquanto se consolidou validamente pelo decurso do tempo. Sem expressamente o alegar, os Recorrentes, sustentam que a tese defendida pelo tribunal “a quo” não pode ser aceite, porquanto, o exercício pelos Requeridos do seu direito a construir, ao por em causa o direito de servidão de vistas, sempre se traduziria num exercício abusivo desse direito na modalidade de “venire contra factum proprium” porquanto, o seu comportamento o longo dos anos criou uma situação objetiva de confiança nos Recorrentes, ou seja, a conduta dos Requeridos só pode ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação à utilização da janela pelos Recorrentes. No caso em apreço, o tribunal a quo considerou verificar-se uma desproporção entre a vantagem obtida pelos recorrentes com a servidão de vistas e o sacrifício imposto aos Requeridos, consistente na suspensão das obras e na impossibilidade de construção em altura em toda a sua extensão no prédio dos Requeridos. Ora, se não haverá dúvidas que a construção levada a cabo pelos requeridos tapará de parte de uma janela dos requerentes, para que seja negado aos requeridos aquilo que, em princípio, constitui um seu direito – o de construírem até à sua estrema –, impunha-se que os Requerentes demonstrassem que não é abusivo o exercício desse direito de servidão de vistas constituído por usucapião, sendo certo que está provado que no seguimento da janela, cuja tapagem se pretende impedir com o presente procedimento cautelar, existe uma elevada extensão de varanda virada para a Rua do F..., a qual permite a entrada de luz e de ar na mesma divisão onde se encontra a mencionada janela, cf. ponto 16. Os requeridos estão a exercitar o seu direito de construir até à estrema, tal como os Requerentes já o haviam feito anteriormente. E o conflito entre direitos só se coloca porquanto, aquando da construção pelos Requerentes, pretendendo exercitar o seu direito de construir até à estrema, não quiseram prescindir de abrir janelas nessa parede, a deitar, então, diretamente para o prédio dos requeridos – em clara contravenção do disposto no artigo 1360º do CC. Por último, a fração autónoma propriedade dos requerentes é composta por rés do chão e primeiro andar, com garagem, com a área coberta de 134 metros quadrados e o prédio dos requeridos compunha-se de casa baixa de moradia, com área total e coberta de 30 metros quadrados, cf. pontos 3. e 11. dos factos provados, donde quando comparamos a vantagem que os requeridos retiram da construção que pretendem efetuar e a desvantagem para os requerentes de ficarem sem as vistas proporcionadas pela janela, quando dispõem no seguimento da janela, cuja tapagem se pretende impedir com o presente procedimento cautelar, de uma elevada extensão de varanda, a qual permite a entrada de luz e de ar na mesma divisão onde se encontra a mencionada janela, afigura-se-nos a existência da uma significativa desproporção entre ambas e não se descortina qualquer comportamento contraditório dos requeridos por só agora, ao fim de vários anos, reagir com a construção contra tal janela. Improcede, assim, a pretensão dos requerentes. 4. Decisão. Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente. Custas, pelos Recorrentes. Notifique. Lisboa, 19/5/2022 Octávio dos Santos Moutinho Diogo Cristina da Conceição Pires Lourenço Ferreira de Almeida |