Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ALDA TOMÉ CASIMIRO | ||
Descritores: | REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA PERDÃO REFORMATIO IN PEJUS | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/18/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | I. A revogação da suspensão da execução da pena é a consequência da falência do juízo de prognose positiva que tinha justificado a suspensão e por isso só uma violação grosseira do dever imposto pode justificar a revogação. II. Se o condenado escolhe não satisfazer a condição imposta pelo acórdão, apesar de ter condições económicas para tal, isso assume extrema gravidade, intolerável e indesculpável, revelando-se circunstância perfeitamente apta para abalar o juízo de prognose, anteriormente feito, de que a socialização em liberdade poderia ser alcançada e o condenado possuía capacidade para se reintegrar socialmente, sendo forçoso concluir por uma violação grosseira do dever imposto – para os efeitos da alínea a) do nº 1 do art. 56º do Cód. Penal. III. Estabelece o nº 4 do art. 3º da Lei 38-A/2023, de 2.08, que “em caso de condenação em cúmulo jurídico, o perdão incide sobre a pena única”. IV. Se o recurso foi interposto apenas pelo arguido, face a uma violação da reformatio in pejus por via indirecta e à expectativa legítima e confiança num processo leal (frustradas por decisões surpresa), o Tribunal ad quem não pode retirar um perdão que foi (embora mal) decidido pelo Tribunal recorrido. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, Relatório No âmbito do Processo Comum (Colectivo), nº 1272/09.0JDLSB, que corre termos no Juízo Central Criminal de Lisboa (Juiz 10), do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, foi proferido despacho a revogar a suspensão da execução da pena em que tinha sido condenado o arguido AA. Inconformado, vem o arguido interpor recurso deste despacho pedindo a revogação do despacho recorrido e que seja mantida a suspensão da execução da pena aplicada. Para tanto, formula as conclusões que se transcrevem: 1. O arguido foi condenado pela prática como autor material na forma consumada e em concurso real de crimes de burla qualificada e de falsificação ou contrafação de documento. 2. O arguido não se pode conformar com a douta sentença, ao determinar que a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado, fica sujeita à condição de pagar uma indemnização à Assistente, nos termos da al. a) do nº 1 do art.º 51º do C.P. 3. Pois, considera que tal condição é inconstitucional, ao sujeitar o arguido a uma “prisão por dívidas”, pois subordina-se a suspensão da pena ao pagamento da importância indemnizatória, pela violação dos arts.º 27º a 29º da C.R.P. e violadora da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Protocolo n.º 4, art.º 1º. 4. A douta sentença, a fls. 55, refere que “as finalidades da punição poderão ser alcançadas de modo adequado e suficiente com a simples ameaça da aplicação de uma pena de prisão.” 5. Existe uma contradição na douta sentença entre a aceitação de que a mera ameaça da aplicação de uma pena de prisão cumpre as finalidades de punição, de modo adequado e suficiente, e a condenação numa pena de prisão com a sujeição ao pagamento de uma indemnização, de forma a suspender a pena. 6. O arguido será condenado por uma prisão por dívidas, que é manifestamente inconstitucional, pelo disposto nos arts.º 27º a 29º da C.R.P., pois traduz uma violação do princípio de que ninguém pode ser privado da sua liberdade por não poder cumprir uma obrigação contratual, implicado pelo direito à liberdade e segurança. 7. Não existe qualquer motivo para a revogação da suspensão da pena, porque qualquer alteração à sua suspensão, por violação dos deveres ou das regras de conduta impostas na sentença, pressupõe a culpa do arguido no incumprimento da obrigação, nos termos do disposto nos arts.º 55º e 56º do C.P.. O art.º 56º, n.º 1 estabelece que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada quando o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres, regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou cometer crime pelo qual venha a ser condenado sendo que nenhum dos pressupostos legais se encontra preenchido para que ocorra a referida revogação. 8. Conforme expôs o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, em 04/11/2013, no processo 157/03.9IDBRG.G1: “Qualquer alteração à suspensão da execução da pena, por violação dos deveres ou das regras de conduta impostas na sentença, pressupõe a culpa no não cumprimento da obrigação. A hipótese de revogação apenas pode colocar-se nos casos em que a culpa se revele grosseira. Para que possa afirmar-se que o condenado agiu com culpa ao não pagar a quantia a que ficou subordinada a suspensão da execução da pena, é necessário que fique demonstrado que tinha condições económicas para efetuar o pagamento, ou, então, que se colocou voluntariamente na situação de não poder pagar.” (sublinhados nossos) 9. O arguido não tinha condições económicas e financeiras que lhe permitissem pagar a quantia exigida, pelo que, não existe culpa grosseira no seu incumprimento. 10. O arguido não tem antecedentes criminais, desde a prática do facto de que foi acusado e para além dos que possam resultar da condenação nos presentes autos. 11. Durante o tempo em que decorreu a suspensão da execução da pena, o arguido continuou a ter uma ocupação profissional e uma vida pessoal estável e organizada, com 3 filhos, mesmo tendo uma pena de prisão suspensa na sua execução, e cumpriu integralmente o plano de reinserção social, um dos pressupostos legais que impede a revogação da suspensão da pena, pelo art.º 56, n.º 1, alínea a), parte final do C.P. 12. Para além de que, o arguido sempre informou o Tribunal das suas condições económicas, com a junção aos autos de prova documental variada, tendo atualmente um valor total em dívida de € 273.596,55, descrito no art.º 23º supra, para que se remete leitura e conforme resulta da do mapa de responsabilidade de crédito anexo. 13. O arguido apresentou um requerimento com os rendimentos e despesas e declarações de IRS dos anos fiscais 2019 a 2022, em que se verifica que não teve rendimentos que lhe permitissem pagar o valor ao BB. Situação que se manteve nos anos fiscais subsequentes, conforme se comprova pela declaração de IRS de 2023. 14. O arguido sempre agiu de boa-fé e nunca procurou evitar deliberadamente o cumprimento da sua obrigação, pois, conforme foi demonstrado pela prova documental junta aos autos, este tem desempenhado os esforços necessários para obter a quantia que lhe foi imposta a pagar, não tendo realizado tal pagamento até à data por ausência de rendimentos. 15. No requerimento por si apresentado, o arguido refere que o produto da venda do imóvel que vendeu foi “utilizado única e exclusivamente para liquidar as dívidas, a penhora, a comissão e devolver a clientes da minha atividade profissional todos os valores que tinham pago e que ficaram em stand-by derivado do Decreto de Lei n.º17/2020”, e mostrou disponibilidade para contrair uma hipoteca do seu imóvel a favor do BB, pelo valor que este entendesse, para salvaguardar os seus interesses e poder cumprir a obrigação da qual foi condenado. 16. Colocou o seu imóvel à venda nos autos, para o qual já tem um comprador indicado, constando da certidão permanente, que refere que a escritura de compra e venda será realizada até dia 25/03/2025, altura em que será possível ao arguido liquidar o valor referido. 17. O Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 20-05-2014, processo n.º 1072/11.8GTABF.E1 refere que: “Tendo o arguido sido condenado pela prática de um crime contra o património, o Tribunal deve tomar em consideração, no condicionamento da suspensão da execução da pena, entre outros, o aumento que o património dele possa ter experimentado em consequência do facto criminoso, devendo ainda contar com a possibilidade de o condenado vir a obter os fundos necessários ao pagamento da indemnização, por via alternativa á sua actividade profissional ou laboral, como seja o recurso ao crédito o apoio de terceiros ou a venda de bens.” (sublinhados nossos) 18. E o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 01/03/2023, processo n.º 638/17.7IDPRT.P3 concluiu que: “Mostra-se inadmissível no nosso sistema penal qualquer «prisão por dívidas», o que se evidencia pela circunstância de a revogação da suspensão da execução da pena não ser automática, nunca dispensando a verificação de um incumprimento culposo.” 19. O seu incumprimento teria de se revelar grosseiro ou repetido de deveres impostos, e de consistir uma atuação grave, indesculpável, em termos que o cidadão comum não incorreria e que, por isso mesmo, não devesse ser tolerada nem desculpada, o que não é o caso dos presentes autos. 20. O arguido não agiu de modo censurável, considerando o critério do homem médio, tendo em conta que, pelas suas condições financeiras e do seu agregado familiar seria extremamente penoso suportar o pagamento da indemnização à Assistente. 21. Em suma, conforme decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 10/03/2020, processo 65/06.1IDFAR.E2: “O arguido não deve ser prejudicado em função de uma situação de insuficiência económica, pelo que, só a violação culposa e grosseira dos deveres impostos ao condenado, na condição da suspensão da execução da pena, determina a sua revogação.” 22. Acresce que, não foram respeitados os princípios da proporcionalidade e subsidiariedade da pena de prisão, consagrados nos art.º 193º do C.P., 202º, n.º 1 do C.P.P. e 28º, n.º 2 da C.R.P., em que a prisão preventiva só pode ser aplicada quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coação, sendo por isso considerada a “ultima ratio”. 23. Não se pode considerar que a simples suspensão da execução da pena possa remeter para tais princípios, tendo em conta que não foi determinada qualquer pena de multa ao arguido, como é permitido pelos arts.º 218º, n.º1 , 256º, n.º 1 do C.P. 24. O arguido para além de ter sido condenado numa pena de prisão, foi condenado ao pagamento de uma indemnização, tornando ainda mais penosa a condenação imposta pela douta sentença. 25. Para além de que a suspensão da execução da pena não deixou de condicionar a vida do arguido, que aplicou sempre os esforços necessários para liquidar a dívida em causa, inclusivamente vendendo a sua casa, de forma a pagar outras dívidas. 26. Deve ser ainda considerado que a prisão por incapacidade económica do arguido é considerada excessiva e desproporcional, desvirtuando o objetivo da pena suspensa como um meio de proporcionar uma segunda oportunidade o arguido e facilitar a sua reintegração social, o que até foi definido pela aplicação do plano de reintegração social. Contudo e ainda que assim não se entenda, por cautela de patrocínio, 27. Nos termos da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, relativa ao perdão de penas e amnistia de infrações, nos arts.º 2º e 3º é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos, para sanções penais relativas aos ilícitos praticados até 19/06/2023, por pessoas entre os 16 e 30 anos à data da prática do facto, como é o caso do arguido. 28. Assim, ponderadas as circunstâncias supracitadas, estão reunidos todos os pressupostos do art.º 50º do C.P., para ser suspensa a execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado. 29. Pelo que antecede, foram violados na douta sentença recorrida preceitos constitucionais (arts.º 27 a 29 da C.R.P.) por condenar o arguido numa prisão por dívidas, pelo que a mesma deve ser revogada na parte em que condena o Recorrente na pena de prisão de cinco anos, que deve ser suspensa na sua execução. * O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção do despacho recorrido, para o que apresentou as seguintes conclusões: 1 - No que respeita ao argumento apresentado de o condenado não se conformar com a execução da pena de prisão sujeita à condição de pagar uma indemnização à Assistente, encontra-se ultrapassada desde 25.06.2018, data do trânsito em julgado do acórdão, ou seja, actualmente não tem sentido trazer à colacção tal argumento; 2 - Do teor do douto despacho que determinou a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, resulta, por espelhar o constante dos autos, que o condenado não cumpriu a obrigação de pagamento de indemnização que lhe foi imposta como condição da referida suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado; 3 - No que tange à documentação junta aos autos pelo condenado, não por sua iniciativa, mas após ser notificado para o efeito: “Revertendo ao caso dos autos, vê-se que o arguido, estando sujeito ao pagamento de uma indemnização, como condição da suspensão da pena de prisão que lhe fora aplicada, nada pagou no (alargado) período fixado para o efeito, invocando (depois de instado), não ter capacidade económica para o efeito. Não obstante, aquilo que se apurou, é que no decurso do período da suspensão da execução da pena – em Abril de 2022 - o arguido procedeu à venda de um imóvel, pelo valor de € 582.500, sendo que, à data da alienação, o valor em dívida do empréstimo era de €278.754,58 [cfr. fls. 1679]. Acresce que, para ocultar tal facto nos autos e melhor ludibriar o tribunal, aqui juntou um documento por si rasurado (fls. 1661 e ss.), bem como 4 documentos integralmente forjados (fls. 1704 e ss.), dando ainda, quando confrontado com a manifesta falsidade dos documentos em referência, uma justificação sem qualquer aderência à realidade e frontalmente contrariada pelas informações/documentação colhidas junto da mediadora imobiliária com intervenção naquele negócio. É difícil, quiçá impossível, conceber violação mais grosseira de deveres impostos, do que a praticada pelo arguido, que não só não cumpre aquilo a que está obrigado, como não demonstra intuito de cumprir, nem que seja parcialmente, tal obrigação, lançando mão de expedientes, semelhantes àqueles que determinaram a sua condenação, eles próprios ilícitos, para camuflar a sua conduta”. 4 - Em face do acima transcrito, no que respeita ao despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão, resulta evidente que o condenado infringiu, de modo grosseiro, o dever de conduta imposto no acórdão – o de indemnizar a Assistente. 5 - Porém, não por e singelamente se argumento que “apenas” por não ter cumprido com o cumprimento de indemnização à Assistente, mas por ter demonstrado “uma atitude particularmente censurável”. O que nos conduz à conclusão incontornável de o condenado AA ter demonstrado, através da conduta por si assumida, que os pressupostos que determinaram a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado, não foram alcançados, pois que aquele não cumpriu com as expectativas que o Tribunal nele depositou e, por isso, outra não pode ser ilação, de que não foram alcançadas as finalidades subjacentes à suspensão da execução da pena de prisão, pelo que há que revogar a referida execução da suspensão da pena, nos moldes já determinado pela Meritíssima Juiz. 6 - No que concerne à aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, por aplicação do disposto no artigo 3º, nº 2, alínea d), “exceto a suspensão da execução da pena de prisão subordinada ao cumprimento de deveres ou de regras de conduta ou acompanhada de regime de prova”, não há lugar à sua aplicação no caso concreto. * Nesta Relação, a Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto Parecer onde acompanha a resposta ao recurso apresentada pela Digna Magistrada do Ministério Público junto da 1ª instância, aderindo à argumentação oferecida, que subscreve e dá por transcrita, sublinhando que, contrariamente ao que defende e alega o recorrente - de que não teve nem tem capacidade económica para proceder ao pagamento da indeminização à assistente – a verdade é que, no decurso do período de suspensão da execução da pena de prisão, mais concretamente em 6 de abril de 2022, o arguido procedeu à venda de um imóvel, no valor 582.500 euros, sendo que à data da alienação, o valor em dívida do empréstimo era de apenas 278.754,58 euros, o que ocultou deliberadamente do tribunal e, notificado, veio a juntar aos autos quatro documentos forjados por si e outro rasurado e, quando confrontado com a sua falsidade veio apresentar uma versão completamente inverosímil e contrariada pela informação junta aos autos pela mediadora imobiliária com intervenção no negócio. Conclui que tais factos permitem concluir pela violação grosseira do dever de pagamento a que estava sujeito com a suspensão da execução da pena, sem qualquer intuito ou intenção de sequer cumprir aquilo a que está obrigado por acórdão transitado em julgado. * Efectuado o exame preliminar, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir. * * * Fundamentação A decisão recorrida é a seguinte: O arguido AA, foi condenado nestes autos, por decisão transitada em julgado em 25.06.2018: a) pela prática como autor material, na forma consumada e em concurso real de 1 (um) crime de burla qualificada previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 217º, nº 1 e 218º, nº 2, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão; b) pela prática como autor material, na forma consumada e em concurso real, de 1 (um) crime de falsificação de documento, previsto(s) e punido(s) pelos artº 255º, alínea a), 256º, nº 1 alíneas c) e d) e nº 3 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; c) Em cúmulo jurídico das penas em concurso, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução, por igual período de 5 (cinco) anos, com sujeição a regime de prova - artºs 50º nº 5 e 53º nº 3, ambos do Código Penal e à condição de pagar à BB, …, nos termos da al. a) do nº 1 do artº 51º do Código Penal, indemnização no montante de €52.114,37 (cinquenta e dois mil cento e catorze euros e trinta e sete cêntimos), acrescido dos juros de mora que à taxa legal de 4% ao ano que se vierem a vencer desde a citação até integral pagamento. Mostrando-se decorrido o período de suspensão da execução da pena, importa tomar posição quanto à mesma. Vejamos: O arguido cumpriu de forma globalmente positiva o plano de reinserção social elaborado e homologado [cfr. informação da DGRSP de 22.09.2023, ref.ª … 117]. De igual modo, não é conhecida a prática de novos crimes, no decurso do período de suspensão [fls. 1737 e ss.], ainda que haja notícia da pendência de um processo crime, em monitorização, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 57.º, n.º 2 do Código Penal (cfr. fls. 1712). Sem prejuízo do que antecede, constata-se que o arguido não cumpriu a obrigação de pagamento de indemnização, que lhe foi imposta como condição da suspensão da pena [cfr. informação do BB a fls. 1593]. Assim, determinou-se a junção aos autos das declarações de rendimentos apresentadas pelo arguido desde 2019 [fls. 1616 e ss] e a elaboração de relatório complementar à situação socioeconómica do arguido [fls. 1646 e ss.]. De igual modo, procedeu-se à audição do arguido, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 495.º, n.º 2 do Código Penal, que teve lugar a 06.11.2023 [cfr. fls. 1651 e ss.]. Neste contexto, declarou o arguido, em síntese, que não procedera ao pagamento da indemnização em que fora condenado, por falta de capacidade financeira, já que entre 2020 e 2021, devido à pandemia, não tivera qualquer rendimento. Mais declarou ter a sua casa à venda há cerca de 6 meses, para poder fazer face àquele pagamento, sendo que em 2023 recomeçara a ter rendimentos de cerca de €790 por mês. Por requerimento de 27.11.2023, após notificação para o efeito, veio o arguido juntar aos autos o documento designado “Contrato de Mediação Imobiliária”, celebrado em … de 2023, entre ... e o arguido, versando a venda do imóvel sito na ..., pelo valor de €382.500 [cfr. fls. 1661 e ss.]. Por requerimento da mesma data, veio o arguido juntar aos autos, documentos comprovativos dos rendimentos do seu agregado e respectivas despesas (fls. 1664 e ss.). Por requerimento de 20.12.2023, na sequência de notificação para o efeito, veio o arguido juntar aos autos, 4 fichas de visitas ao imóvel sito na ..., mais informando já existir um interessado na compra do imóvel, que apenas se encontrava a aguardar a venda do seu próprio imóvel, para celebrar contrato-promessa de compra e venda. Na sequência de notificação para o efeito, veio ... informar: “1. A ... celebrou com o Senhor AA o contrato de mediação que se junta (doc. n.º 1). 2. Conforme pode verificar-se no contrato, o mesmo foi celebrado em … de 2022. 3. O contrato de mediação que foi remetido à ... pelo Tribunal, juntamente com a notificação, foi rasurado e alterado sem o seu conhecimento e consentimento, nomeadamente no que respeita à data da sua celebração e ao preço de venda. 4. Pelo que não corresponde ao que foi celebrado pela ... com o referido AA. 5. No seguimento do contrato de mediação celebrado, veio a ser celebrado contrato-promessa de compra e venda do imóvel em ... de ... de 2022, conforme documento que se junta (doc. n.º 2). 6. E o imóvel em causa veio a ser vendido, pelo preço de 582.500,00 €, em 6 de Abril de 2022, conforme documento particular autenticado de compra e venda que igualmente se junta (doc. n.º 3). 7. A mediação da ... terminou no seguimento da venda do imóvel, na referida data.” Juntou, “Contrato de Mediação Imobiliária” [fls. 1714 e ss.]; Contrato–Promessa de Compra e Venda [fls. 1716 e ss.] e Contrato de Compra e Venda e de Mútuo com Hipoteca [ref.ª … de ........2024], todos referentes ao imóvel sito na .... Notificado da informação prestada pela ..., veio o arguido pronunciar-se nos termos constantes de fls. 1735 e ss., invocando, em síntese, ter enviado o contrato de mediação da anterior casa que tinha, rasurado com o valor da actual casa que tem à venda, por lapso, e cujo produto da venda foi exclusivamente utilizado para liquidar dívidas várias. Mais referiu que a casa que tem à venda é a sua casa actual, pelo valor de €350.000. O Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser estabelecido um prazo máximo de 30 dias para o arguido cumprir a condição que lhe foi imposta, sob pena de, nada fazendo, ser revogada a suspensão da pena aplicada nos autos. Solicitou-se informação à ... sobre a autenticidade das fichas de visitas ao imóvel remetidas aos autos pelo arguido, tendo a mesma informado: “1. Os documentos em causa não foram elaborados por mediadores da ... nem correspondem ao modelo de ficha de visita que é utilizado pela sociedade; 2. As assinaturas que constam nos documentos como tendo sido apostas por CC, que foi mediador da ..., não são da sua autoria; 3. O referido mediador assinou unicamente o contrato de mediação imobiliária, já apresentado nos autos pela ..., não tendo estado envolvido em qualquer visita ao imóvel; 4. A intermediação na venda do imóvel em causa foi realizada pela ... em regime de exclusividade e nesses casos a sociedade nem sequer utiliza fichas de visitas; 5. Cumpre ainda referir que as datas indicadas nas fichas de visita são posteriores à data da compra e venda do imóvel que foi intermediada pela ... (… de 2022), conforme documento particular autenticado de compra e venda que também já foi apresentado nos autos.” Notificada a Defesa e o Ministério Público para se pronunciarem, a primeira nada disse e o Ministério Público reiterou a posição já assumida. Cumpre apreciar e decidir. Dispõe o artigo 56º do Código Penal: “1 - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas. 2 - A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado.”. A este propósito, refere Paulo Pinto de Albuquerque – Comentário do Código de Processo Penal, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2.ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, p.235 e ss.: Os fundamentos da revogação da suspensão são três: (1) infracção grosseira dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção social; (2) infracção repetida dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção social e (3) cometimento de crime durante o período de suspensão. A infracção groseira dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção social não tem de ser dolosa, sendo bastante a infracção que resulta de uma atitude particularmente censurável ou de descuido e leviandade prolongada no tempo, isto é, que não se esgota num acto isolado da vida do condenado, mas revela uma postura de menosprezo pelas limitações resultantes da sentença condenatória. O critério material para decidir sobre a revogação da suspensão é exclusivamente preventivo, isto é, o tribunal deve ponderar se as finalidades preventivas que sustentaram a decisão de suspensão ainda podem ser alcançadas com a manutenção da mesma ou estão irremediavelmente prejudicadas em virtude da conduta posterior do condenado. Com efeito, a condição prevista na parte final da al. b) do n.º1 (“e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”) refere-se a ambas as causas de revogação da suspensão previstas nas duas alíneas (exactamente neste sentido, FIGUEIREDO DIAS, in, ACTAS CP/FIGUEIREDO DIAS, 1993:66 e 469). O referido juízo preventivo reporta-se ao momento em que se aprecia a situação do arguido e não ao momento em que o agente o cometeu o crime, devendo por isso ser tido em conta o tempo entretanto decorrido entre este momento e a data da audiência do tribunal (Ac. do TRL de 13.11.2008, in CJ, XXXIII, 5, 135). A propósito do que deva entender-se por violação grosseira, pode ler-se no Ac. do TRP de 27-06-2018, disponível para consulta em www.dgsi.pt: “Violação grosseira será toda e qualquer violação que possa evidenciar-se como qualificada, qualitativamente denotativa da dimensão do incumprimento do dever ou obrigação impostos, no sentido de se considerar que tal violação se assume como grave na própria amplitude e determinação com que, na sua essência, deixou de ser cumprida a obrigação imposta, e não, portanto, quando se traduz num mero incumprimento parcial de uma tal obrigação ou, tratando-se de uma obrigação de execução continuada, que tal incumprimento se verificou apenas em algumas vezes contadas, em comparação com outras em que a mesma foi sendo cumprida.” Revertendo ao caso dos autos, vê-se que o arguido, estando sujeito ao pagamento de uma indemnização, como condição da suspensão da pena de prisão que lhe fora aplicada, nada pagou no (alargado) período fixado para o efeito, invocando (depois de instado), não ter capacidade económica para o efeito. Não obstante, aquilo que se apurou, é que no decurso do período da suspensão da execução da pena – em Abril de 2022 - o arguido procedeu à venda de um imóvel, pelo valor de € 582.500, sendo que, à data da alienação, o valor em dívida do empréstimo era de €278.754,58 [cfr. fls. 1679]. Acresce que, para ocultar tal facto nos autos e melhor ludibriar o tribunal, aqui juntou um documento por si rasurado (fls. 1661 e ss.), bem como 4 documentos integralmente forjados (fls. 1704 e ss.), dando ainda, quando confrontado com a manifesta falsidade dos documentos em referência, uma justificação sem qualquer aderência à realidade e frontalmente contrariada pelas informações/ documentação colhidas junto da mediadora imobiliária com intervenção naquele negócio. É difícil, quiçá impossível, conceber violação mais grosseira de deveres impostos, do que a praticada pelo arguido, que não só não cumpre aquilo a que está obrigado, como não demonstra intuito de cumprir, nem que seja parcialmente, tal obrigação, lançando mão de expedientes, semelhantes àqueles que determinaram a sua condenação, eles próprios ilícitos, para camuflar a sua conduta. É manifesto, igualmente, face à actuação do arguido, que se mostra gorado qualquer juízo de prognose positiva da respectiva conduta, mostrando-se as finalidades preventivas que sustentaram a decisão de suspensão irremediavelmente comprometidas em virtude da conduta posterior do mesmo, mostrando-se quaisquer uma das medidas previstas no artigo 55.º do Código Penal (que, na prática e na realidade, já foram aplicadas), insuficientes para acorrer a tais necessidades. Pelo exposto, decide-se revogar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, nos termos do disposto no artigo 56.º, nº 1, al. a) do Código Penal, devendo o mesmo cumprir a pena de 5 anos de prisão em que foi condenado. Notifique. * A Lei n.º 38-A/2023, de 2.8 [doravante designada, abreviadamente, por Lei da Amnistia], estabeleceu um perdão de penas e uma amnistia de infracções por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, aplicável, além do mais e no que interessa à economia da presente decisão, às sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19.06.2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 de idade à data da prática do facto [artigo 1.º e 2.º]. De acordo com o disposto no artigo 3.º, n.º1 da Lei da Amnistia, é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos, com as excepções previstas no artigo 7.º da referida lei. * Atentando no caso concreto, vê-se que os crimes praticados pelo arguido se encontram no âmbito de aplicação da Lei da Amnistia, tendo em conta a data da respectiva prática e a idade do arguido em tais datas. Assim, tendo presente o disposto no artigo 7.º, n.º3 da Lei da Amnistia, deverá o arguido beneficiar do perdão de um ano de prisão, na pena única de cinco anos de prisão em que foi condenado. O perdão será concedido com sujeição às condições resolutivas de o arguido: - não praticar infracção dolosa no ano subsequente à sua entrada em vigor, caso em que à pena aplicada acresce o cumprimento da pena ou parte da pena perdoada [artigo 8.º, n.º1 da Lei da Amnistia]; - pagar ao BB, indemnização no montante de €52.114,37 (cinquenta e dois mil cento e catorze euros e trinta e sete cêntimos), acrescido dos juros de mora que à taxa legal de 4% ao ano que se vierem a vencer desde a citação até integral pagamento, no prazo de 90 dias imediatos à notificação para o efeito [artigo 8.º, n.º2 e 3 da Lei da Amnistia, considerando-se satisfeita a condição, nos termos previstos nos n.ºs 4 e 5 do mesmo preceito]. * Notifique, sendo o BB, com a expressa advertência de que se considera satisfeita a condição, caso o titular do direito de indemnização ou reparação não declare que não foi indemnizado ou reparado. (…) * * * Apreciando… De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso. Em causa está a revogação, ou não, da suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos autos, por incumprimento da condição fixada; e a aplicação do perdão previsto na Lei 38-A/2023, de 2.08. * O arguido/recorrente foi condenado, no âmbito destes autos, por acórdão transitado em julgado em 25.06.2018, pela prática de 1 (um) crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º, nº 1 e 218º, nº 2, alínea a), ambos do Cód. Penal, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão; e pela prática de 1 (um) crime de falsificação de documento, p. e p. pelos artº 255º, alínea a), 256º, nº 1 alíneas c) e d) e nº 3 do Cód. Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão. Em cúmulo jurídico, ficou condenado na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução, por igual período de 5 (cinco) anos, com sujeição a regime de prova (arts. 50º nº 5 e 53º nº 3, ambos do Cód. Penal e à condição de pagar à BB, Sociedade Aberta, nos termos da al. a) do nº 1 do art. 51º do Cód. Penal, indemnização no montante de € 52.114,37 (cinquenta e dois mil cento e catorze euros e trinta e sete cêntimos), acrescido dos juros de mora que à taxa legal de 4% ao ano que se vierem a vencer desde a citação até integral pagamento. No início do recurso, o arguido/recorrente vem alegar que não se pode conformar com o acórdão que determinou que a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado fique sujeita à condição de pagar uma indemnização à assistente, por considerar que tal condição é inconstitucional, ao sujeitá-lo a uma “prisão por dívidas”. Mais alega que o acórdão entra em contradição quando diz que “as finalidades da punição poderão ser alcançadas de modo adequado e suficiente com a simples ameaça da aplicação de uma pena de prisão” e depois o sujeita ao pagamento de uma indemnização, de forma a suspender a pena. Porém, a verdade é que o acórdão proferido nos autos transitou em julgado em 25.06.2018, não podendo agora ser impugnado (cfr. o nº 1 do art. 411º do Cód. Proc. Penal). Quanto ao despacho recorrido, que revogou a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, nos termos do disposto no art. 56º, nº 1, alínea a) do Cód. Penal… Alega o recorrente que não há motivo para a revogação da suspensão da pena, porque a violação dos deveres ou das regras de conduta impostas na sentença, pressupõem uma culpa grosseira no incumprimento da obrigação e ele não tinha condições económicas e financeiras que lhe permitissem pagar a quantia exigida. Diz que não tem antecedentes criminais, desde a prática do facto de que foi acusado e que, durante o tempo em que decorreu a suspensão da execução da pena, continuou a ter uma ocupação profissional e uma vida pessoal estável e organizada, com 3 filhos, tendo cumprido integralmente o plano de reinserção social, para além de que sempre informou o Tribunal das suas condições económicas, com a junção aos autos de prova documental variada, tendo atualmente um valor total em dívida de € 273.596,55. Vinca que só não realizou o pagamento condição da suspensão por ausência de rendimentos e que o produto da venda do imóvel que vendeu foi “utilizado única e exclusivamente para liquidar as dívidas, a penhora, a comissão e devolver a clientes da minha atividade profissional” e mostrou disponibilidade para contrair uma hipoteca do seu imóvel a favor do BB, o qual já colocou à venda. E diz que a prisão por incapacidade económica deve ser considerada excessiva e desproporcional, desvirtuando o objetivo da pena suspensa como um meio de proporcionar uma segunda oportunidade ao arguido e facilitar a sua reintegração social. Decorrido o período de suspensão da execução da pena, verifica-se que não é conhecida a prática de novos crimes, cometidos pelo recorrente, no decurso do período de suspensão (ainda que haja notícia da pendência de um processo crime, em monitorização (cfr. fls. 1737 e ss e fls. 1712) e que ele cumpriu de forma globalmente positiva o plano de reinserção social elaborado e homologado (cfr. informação da DGRSP de 22.09.2023). Contudo, o recorrente não satisfez a condição fixada de pagar à BB, Sociedade Aberta, nos termos da al. a) do nº 1 do art. 51º do Cód. Penal, indemnização no montante de € 52.114,37 acrescida de juros de mora. Nos termos do nº 1 do art. 56º do Cód. Penal, “a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou b) Cometer crime pelo qual venha ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”. E de acordo com o nº 2 do mesmo artigo, “a revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o arguido possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado”. Em causa está o disposto na alínea a) do nº 1 do citado art. 56º, ou seja, saber se o arguido/recorrente infringiu grosseiramente o dever imposto como condição da suspensão, de modo a poder afirmar-se que essa infracção se revela suficiente para abalar o juízo de prognose, anteriormente feito, de que a socialização em liberdade poderia ser alcançada e o condenado possuía capacidade para se reintegrar socialmente. Com efeito, a revogação da suspensão é a consequência da falência do juízo de prognose positiva que tinha justificado a suspensão e por isso só uma violação grosseira do dever imposto pode justificar a revogação. A lei não estabelece o que deve entender-se como violação grosseira dos deveres, mas a jurisprudência tem vido a recorrer ao critério definido no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 19.02.1997 (Colectânea de Jurisprudência, tomo I, Ano de 1997, p. 166), que considerou que a violação grosseira dos deveres ou regras de conduta impostos, referida na alínea a) do nº 1 do art. 56º do Cód. Penal, há-de constituir uma indesculpável actuação, em que o comum dos cidadãos não incorra e que não mereça ser tolerada nem desculpada; só a inconciliabilidade do incumprimento com a teleologia da suspensão da pena é que deve conduzir à respectiva revogação. Na definição do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27.06.2018 (Proc. 1347/07.0TAPFR-A.P1) “Violação grosseira será toda e qualquer violação que possa evidenciar-se como qualificada, qualitativamente denotativa da dimensão do incumprimento do dever ou obrigação impostos, no sentido de se considerar que tal violação se assume como grave na própria amplitude e determinação com que, na sua essência, deixou de ser cumprida a obrigação imposta, e não, portanto, quando se traduz num mero incumprimento parcial de uma tal obrigação ou, tratando-se de uma obrigação de execução continuada, que tal incumprimento se verificou apenas em algumas vezes contadas, em comparação com outras em que a mesma foi sendo cumprida”. No caso, não podemos deixar de dar por reproduzida a cuidada e bem ponderada análise do Tribunal recorrido por com ela concordarmos inteiramente: “Revertendo ao caso dos autos, vê-se que o arguido, estando sujeito ao pagamento de uma indemnização, como condição da suspensão da pena de prisão que lhe fora aplicada, nada pagou no (alargado) período fixado para o efeito, invocando (depois de instado), não ter capacidade económica para o efeito. Não obstante, aquilo que se apurou, é que no decurso do período da suspensão da execução da pena – em Abril de 2022 – o arguido procedeu à venda de um imóvel, pelo valor de € 582.500, sendo que, à data da alienação, o valor em dívida do empréstimo era de €278.754,58 [cfr. fls. 1679]. Acresce que, para ocultar tal facto nos autos e melhor ludibriar o tribunal, aqui juntou um documento por si rasurado (fls. 1661 e ss.), bem como 4 documentos integralmente forjados (fls. 1704 e ss.), dando ainda, quando confrontado com a manifesta falsidade dos documentos em referência, uma justificação sem qualquer aderência à realidade e frontalmente contrariada pelas informações/ documentação colhidas junto da mediadora imobiliária com intervenção naquele negócio. É difícil, quiçá impossível, conceber violação mais grosseira de deveres impostos, do que a praticada pelo arguido, que não só não cumpre aquilo a que está obrigado, como não demonstra intuito de cumprir, nem que seja parcialmente, tal obrigação, lançando mão de expedientes, semelhantes àqueles que determinaram a sua condenação, eles próprios ilícitos, para camuflar a sua conduta”. Ao contrário do que alega o arguido/recorrente, verifica-se que ele teve, de facto, condições económicas e financeiras que lhe permitiriam pagar a quantia exigida, pois no decurso do período da suspensão da execução da pena – em Abril de 2022 – procedeu à venda de um imóvel, pelo valor de € 582.500 e, à data da alienação, o valor em dívida do empréstimo era de € 278.754,58, o que lhe permitiu ficar com um lucro superior a € 300.000,00. Mesmo que tivesse outras dívidas, claramente escolheu não satisfazer a condição imposta pelo acórdão. O que é de extrema gravidade, intolerável e indesculpável, revelando-se circunstância perfeitamente apta para abalar o juízo de prognose, anteriormente feito, de que a socialização em liberdade poderia ser alcançada e o condenado possuía capacidade para se reintegrar socialmente – lembramos que o dever de pagar a indemnização devida ao lesado (fixado no acórdão proferido nos autos) foi assim ordenado por se mostrar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição (cfr. o nº 2 do art. 50º do Cód. Penal), demonstrando o comportamento do recorrente que tais finalidades não foram, afinal, alcançadas. Ou seja, temos de concluir por uma violação grosseira do dever imposto, determinante de revogação da suspensão da execução da pena tal como decidido pelo Tribunal a quo. Entendimento diferente (ainda que o recorrente não tenha cometido crimes no decurso do período da suspensão, tenha cumprido o plano de reinserção e esteja integrado social e familiarmente) acarretaria uma forte impressão de impunidade, inaceitável do ponto de vista da prevenção geral positiva. Quanto ao perdão… Tendo decidido pela revogação da suspensão da execução da pena, o despacho recorrido considerou que “os crimes praticados pelo arguido se encontram no âmbito de aplicação da Lei da Amnistia, tendo em conta a data da respectiva prática e a idade do arguido em tais datas. Assim, tendo presente o disposto no artigo 7.º, n.º3 da Lei da Amnistia, deverá o arguido beneficiar do perdão de um ano de prisão, na pena única de cinco anos de prisão em que foi condenado. O perdão será concedido com sujeição às condições resolutivas de o arguido: - não praticar infracção dolosa no ano subsequente à sua entrada em vigor, caso em que à pena aplicada acresce o cumprimento da pena ou parte da pena perdoada [artigo 8.º, n.º1 da Lei da Amnistia]; - pagar ao BB, indemnização no montante de €52.114,37 (cinquenta e dois mil cento e catorze euros e trinta e sete cêntimos), acrescido dos juros de mora que à taxa legal de 4% ao ano que se vierem a vencer desde a citação até integral pagamento, no prazo de 90 dias imediatos à notificação para o efeito [artigo 8.º, n.º2 e 3 da Lei da Amnistia, considerando-se satisfeita a condição, nos termos previstos nos n.ºs 4 e 5 do mesmo preceito].” Na conclusão 27) do recurso o recorrente alega que “é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos, para sanções penais relativas aos ilícitos praticados até 19/06/2023, por pessoas entre os 16 e 30 anos à data da prática do facto, como é o caso do arguido”, parecendo pretender que o perdão deve ser aplicado a cada uma das penas e não, como foi, à pena única resultante do cúmulo. Não tem razão. Estabelece o nº 1 do art. 3º da Lei 38-A/2023, de 2.08, que, sem prejuízo da amnistia de infracções penais (art. 4º) “é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos”. Ressalva o nº 4 do mesmo art. 3º que “em caso de condenação em cúmulo jurídico, o perdão incide sobre a pena única”. E quanto à interpretação das Leis de Perdão e Amnistia, como resulta do Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ nº 2/2023 (publicado no DR, 1ª série, de 1/02), há que ter em consideração que, tendo as Leis de Perdão e Amnistia natureza excepcional, não comportam aplicação analógica, interpretação extensiva ou restritiva, devendo as normas que as enformam "ser interpretadas nos exactos termos em que estão redigidas". Nesta medida são "insusceptíveis de interpretação extensiva (não pode concluir-se que o legislador disse menos do que queria), de interpretação restritiva (entendendo-se que o legislador disse mais do que queria) e afastada em absoluto a possibilidade de recurso à analogia, impõe-se uma interpretação declarativa (...)". Contudo, há que afirmar que a pena em que o recorrente foi condenado enquanto autor material, na forma consumada e em concurso real de um crime de burla qualificada p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 217º, nº 1 e 218º, nº 2, alínea a), ambos do Cód. Penal, nem sequer era susceptível de perdão, face ao disposto no art. 7º, nº 1, alínea b), i), pois que o ora recorrente cometeu o referido crime de burla por que foi condenado através de falsificação de documentos (crime com previsão no art. 256º do Cód. Penal e relativamente ao qual também foi condenado). Mas, não tendo o Ministério Público recorrido, não pode o arguido/recorrente ser surpreendentemente confrontado com um acórdão deste Tribunal superior, face a um recurso só por si interposto, que lhe retire a hipótese de perdão (subordinado a condições, como se refere no despacho) violando, de modo indirecto, a reformatio in pejus – como se lê no acórdão desta Relação de 22.05.2007 (proc. 2977-2007-5, pesquisado em www.dgsi.pt), “um processo equitativo, garantido pelo art. 20, da C.R.P. (assim como pelo artigo 6, nº1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pelo art. 14, do Pacto Internacional sobre os Direito Civis e Políticos e reconhecido pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem), entendido como um processo equilibrado, justo e leal, em que os intervenientes processuais possam confiar, não é compatível com a possibilidade de reformatio in pejus por via indirecta”. O que significa que, face a uma violação da reformatio in pejus por via indirecta e à expectativa legítima e confiança num processo leal (frustradas por decisões surpresa) – entende este Tribunal ad quem que não pode ultrapassar o que foi (embora mal) decidido pelo Tribunal recorrido. * * * Decisão Pelo exposto, acordam em julgar improcedente o recurso e mantém o despacho recorrido. Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 (três) UCs. Lisboa, 18.02.2025 (processado e revisto pela relatora) Alda Tomé Casimiro Ana Cristina Cardoso Paulo Barreto |