Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ARTUR VARGUES | ||
Descritores: | CONDUÇÃO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ TAXA DE ALCOOLÉMIA ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/11/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I.Para efeitos do preenchimento do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto no artº 292º do Código Penal, a taxa de álcool no sangue (TAS) a considerar é a que resulta da dedução do erro máximo admissível (EMA) ao valor registado pelo alcoolímetro. II.Porque o acto de calibração do aparelho não elimina ou reduz praticamente a zero, a margem de erro, no acto da medição ou realização do teste, sempre se coloca a hipótese daquele resultado estar próximo do limite mínimo ou do limite máximo, da dita margem de erro. III.Assim sendo, em face da dúvida quanto á existência e concreta expressão do desvio entre o valor indicado no instrumento de medição e o valor real, impõe-se proceder ao desconto do valor máximo admissível indicado no quadro anexo à Portaria nº 1556/2007 no valor da TAS registado no talão emitido pelo alcoolímetro, desde logo por imposição do princípio in dubio pro reo. IV.O legislador veio a consagrar a dedução do erro máximo admissível na recente alteração introduzida no artigo 170º do Código da Estrada, pela Lei nº 72/2013, de 3/09, concretamente na sua actual alínea b), do nº 1 que, embora se reporte ao auto de notícia em contra-ordenação rodoviária, não pode deixar de se aplicar ao processo crime. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
1. Nos presentes autos com o NUIPC 36/10.3PASCR, do 2º Juízo, do Tribunal Judicial de Santa Cruz, em Processo Especial Sumário, foi o arguido LF... condenado, por sentença de 25/01/2010, pela prática em autoria material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, nº 1, do Código Penal, na pena de sessenta dias de multa, à razão diária de seis euros e cinquenta cêntimos, o que perfaz o montante global de trezentos e noventa euros e ainda na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados por um período de três meses, nos termos do artigo 69º, nº 1, alínea a), do mesmo diploma legal. 2. O Ministério Público não se conformou com o teor da decisão e dela interpôs recurso. 2.1 Extraiu o recorrente da motivação as seguintes conclusões (transcrição): 1. Por sentença proferida nos presentes autos, procedeu o Tribunal a quo, à condenação do arguido LF... pela prática, em autoria material, de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292° e 69° do Código Penal, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de €6,50, no montante global de €390,00, e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 3 meses nos termos do artigo 69°, n.° 1 alínea a) do Código Penal. 2. Os factos dados como provados que, para efeitos de recurso, revelam são: - No dia 25 de Janeiro de 2010, pelas 03h20, o arguido circulava na Rotunda ..., em Machico, nesta comarca, conduzindo o veículo automóvel com a matrícula ...-...CS, - Fazia-o após ter ingerido bebidas alcoólicas; - Submetido ao exame de pesquisa de álcool no sangue, pelo método de ar expirado, acusou uma TAS de 1,42 g/1, correspondente a uma TAS de 1,31g/l deduzido o valor máximo de erro admissível. - O arguido confessou a prática dos factos. 3. O arguido foi submetido a exame de medição da concentração mássica de álcool, por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado pelo arguido, realizada no aparelho "Drager", modelo "7110 MKIII - P", o qual foi aprovado pelo Instituto Português da Qualidade, I.P., e autorizada a respectiva utilização pela extinta Direcção Geral de Viação, actual Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, conforme despacho n.° 01/DGV/ALC/98-26AGO. 4. O Tribunal a quo motivou e fundamentou a decisão da matéria de facto nas declarações do arguido que confessou integralmente e sem reservas os factos de que vinha acusado; no talão constante nos autos no que se refere à taxa de álcool no sangue registada ao arguido e quanto à redução da taxa, foi dada como provado tendo em conta as instruções da D.G.V. constantes do ofício n.° 14811 de 19/07/06, que se encontram na sequência da Portaria n.° n° 784/94. 5. Quanto à utilização do referido ofício, afirma o Tribunal que não pode ser ignorado o facto de que o aparelho em que foi testada a TAS do arguido foi aprovado dentro de uma margem de erro, que não é de desprezar. Assim e de acordo com o Tribunal a quo, o valor constante do auto de noticia e do talão de registo, que o arguido confessou, deve ser corrigido, dado originar dúvida quanto à sua exactidão e nestes termos utilizando o principio in dubio pro reo, entendeu o Tribunal a quo que a margem de erro deve-se ser corrigida para o seu valor mínimo, no caso, 1,31 g/1. 6. Os alcoolímetros são, precisamente, os instrumentos destinados a medir «a concentração de etanol através da análise do ar profundo dos pulmões, e que pode[m] ser utilizado[s] para fins de prova judicial», na definição da Recomendação OIML R 126 (1998), da Organização Internacional de Metrologia Legal (disponível online, no endereço http://www.oiml.orgL, na secção «publications»; entre nós, o artigo 2.° do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria n.° 1556/2007 de 10 de Dezembro (que revogou expressamente a Portaria n.° 748/94, de 13 de Agosto), define os alcoolímetros como «os instrumentos destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado». 7. No caso do alcoolímetro em causa nestes autos – o Alcotest MK III, da Drãger – , a medição da concentração de álcool etílico no ar expirado é realizada através de dois sistemas analíticos independentes, um por espectroscopia de infravermelhos e outro por análise electroquímica, cujos resultados são depois ponderados antes da determinação da taxa de alcoolemia por parte do equipamento, o que naturalmente aumenta o rigor e fiabilidade do resultado da medição. 8. A Mma. Juiz invoca, para justificar a «adaptação» da TAS ao regime legal vigente em matéria de determinação da taxa de alcoolemia no âmbito da circulação rodoviária, o princípio in dubio pro reo, que no domínio do direito processual penal tem, como é sabido, um estatuto quase mítico. À mera alusão, de forma minimamente credível, à «dúvida», o juiz criminal, muitas vezes acriticamente, tende a aderir a qualquer tese que se lhe afigure razoável para eliminar a incerteza que assim se lhe depara, optando sempre, como o próprio princípio postula, por aquela solução que, em consciência, entenda ser mais favorável à posição do arguido. 9. Mas o julgador não pode deixar, antes de tomar qualquer decisão (designadamente em matéria probatória), de enquadrar as questões no seu contexto sistemático e técnico-científico, e no caso, em especial, no contexto dos ensinamentos da metrologia, enquanto ciência da medição, no seio dos quais a problemática em discussão tem verdadeiramente de ser colocada e resolvida. 10. 0 Código Penal não contém nenhum preceito que defina, em termos explícitos, o modo como a da taxa de álcool no sangue de um dado condutor deverá ser determinada para efeitos da incriminação citada. 11. Contudo, o artigo 4.° da Lei n.° 65/98, de 2 de Setembro, estabelece que «[p]ara efeito do disposto no artigo 292.° do Código Penal, a conversão dos valores do teor de álcool no ar expirado (TAE) em teor de álcool no sangue (TAS) baseia-se no princípio de que 1 mg de álcool por litro de ar expirado equivale a 2,3 g de álcool por litro de sangue». 12. Daqui parece resultar, portanto, que o legislador não pretendeu criar, para efeitos de determinação da taxa de álcool no sangue relevante para a aplicação do artigo 292.°, n.° 1, do Código Penal, qualquer especialidade relativamente ao regime, instituído pela legislação estradal, para o controlo da condução sob influência do álcool. 13. Valem, assim, para efeitos de aplicação do falado artigo 292.°, n.° 1, do Código Penal, também as normas constantes dos artigos 153.° e 158.° do Código da Estrada, e respectiva legislação regulamentar (especialmente, o Decreto Regulamentar n.° 24/98, de 30 de Outubro). Donde, «[o] exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito» (artigo 153.°, n.° 1, do Código da Estrada); «[s]e o resultado do exame (...) for positivo, a autoridade ou o agente de autoridade deve notificar o examinando, por escrito, ou, se tal não for possível, verbalmente, daquele resultado, das sanções legais dele decorrentes, de que pode, de imediato, requerer a realização de contraprova e de que deve suportar todas as despesas originadas por esta contraprova no caso de resultado positivo» (id., n.° 2). Tal contraprova deve ser realizada através de novo exame, a efectuar através de aparelho aprovado, ou através de análise de sangue (id., n.° 3); no primeiro caso, «o examinando deve ser, de imediato, a ele sujeito e, se necessário, conduzido a local onde o referido exame possa ser efectuado» (n.° 4), no segundo, «o examinando (...) deve ser conduzido, o mais rapidamente possível, a estabelecimento oficial de saúde, a fim de ser colhida a quantidade de sangue necessária para o efeito» (n.° 5). Em qualquer caso, «[o] resultado da contraprova prevalece sobre o resultado do exame inicial» (preceito citado, n.° 6). 14. Por seu turno, o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros (Portaria n.° 1556/2007, de 10 de Dezembro) «destinados à determinação da taxa de álcool para os efeitos do disposto no n.° 2 do artigo 1.° do Decreto Regulamentar n.° 12/90, de 14 de Maio» (artigo 1.° do Regulamento; o Decreto Regulamentar n.° 12/90 foi, entretanto, substituído pelo Decreto Regulamentar n.° 24/98, de 30 de Outubro, já referido, que, no seu artigo 15.°, revogou expressamente aquele diploma) estabelece que estes instrumentos «deverão cumprir os requisitos metrológicos e técnicos, definidos pela Recomendação OIML R 126» (artigo 4.° do diploma), e acrescenta que, «, os erros máximos admissíveis — EMA, variáveis, em função do teor de álcool no ar expirado — TAE, são o constante do quadro que figura no quadro em anexo» (artigo 7.°) quadro esse em que define os EMA nos momentos de aprovação de modelo, primeira aprovação, verificação periódica e verificação extraordinária, momentos temporais esses que dizem unicamente respeito ao momento de controlo metrológico dos alcoolímetros, efectuado pelo Instituto Português da Qualidade, nos termos do artigo 5.°. 15. Não só o referido oficio não tem valor ou "força" de lei, como a ele, consequentemente, não estão os Tribunais vinculados. 16. Não obstante a existência, entre nós, de uma norma que alude explicitamente às taxas máximas de erro admissíveis para validação/certificação e calibração dos alcoolímetros (o referido artigo 8.° do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros) —, não se encontra, em nenhum dos diplomas pertinentes qualquer preceito que determine a realização da operação de correcção realizado oficiosamente pelo Tribunal a quo. 17. Não prevendo a lei qualquer margem de erro para os resultados obtidos pelos analisadores quantitativos de avaliação do teor de álcool no sangue, em que são utilizados aparelhos certificados, e não existindo quaisquer elementos de prova que suscitem dúvidas sobre a fiabilidade do aparelho concreto usado no exame, ou que infirme o valor detectado, deve considerar-se como assente o resultado por ele obtido, sem dedução de qualquer margem de erro. 18. O direito penal encontra-se, ocioso será recordá-lo aqui, limitado pelo princípio da legalidade que implica, na formulação do n.° 1 do artigo 29.° da Constituição da República Portuguesa de 1976, que «[n]inguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou a omissão, nem sofrer medida de segurança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior. 19. Ao julgador a quem compete aplicar a legislação (penal) pertinente não é lícito substituir – ou, sponte sua, frustrar –, sem mais, o esquema legalmente instituído de punição da condução rodoviária sob influência do álcool, em favor do sistema que, em abstracto, entendam mais adequado, se não tiverem motivos técnico-científicos ponderosos, tal como, aliás, impõe o artigo 163.° do Código de Processo Penal, atenta a natureza de prova pericial (lato sensu) das medições efectuadas pelos alcoolímetros. 20. Em 1994 o legislador aprovou o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros e em 2007 reformulou o mesmo de acordo com os parâmetros europeus imposta pela Directiva n.° 2004/22/CE, do parlamento europeu e do Conselho de 31 de Março, e definiu – considerando o estado dos conhecimentos técnico-científicos, que no essencial se mantêm válidos ainda hoje – a (inevitável) margem, positiva e negativa, de erro máximo admissível em tais instrumentos para que os mesmos pudessem ser certificados e calibrados, e assim cumprir a sua função probatória no âmbito do processo judicial (ou contra-ordenacional); se tal margem de erro associada a tal exame de natureza pericial foi valorada pelo legislador e considerada (metrologicamente) irrelevante na sua definição de um dado regime punitivo, parece que aos tribunais e demais autoridades encarregadas de aplicar tal regime não cabe, adaptando o sistema legal, desvirtuá-lo, introduzindo-lhe correcções que não encontram, no texto da lei ou no âmbito dos conhecimentos científicos pertinentes, qualquer acolhimento. 21. Inexiste qualquer fundamento para, em momento posterior à certificação do aparelho medidor, nomeadamente na ocasião em que o agente de autoridade está a proceder a acção de fiscalização, serem considerados quaisquer valores de EMA (erros máximos admissíveis) a deduzir ao valor apurado pelo aparelho alcoolímetro quantitativo. Tais EMA são relevados e ponderados no momento do controlo metrológico e antes da certificação pelo IPQ ser atestada. 22. Colocando em crise a medição efectuado pelo aparelho de alcoolímetro sem tais motivos técnico-científicos ponderosos, o tribunal violou o disposto nos artigos 127.° do Código Penal e 163.° e 410°, n.° 2, alínea c), ambos Código de Processo Penal. 23. O legislador consagrou expressamente a possibilidade de o cidadão a quem seja diagnosticada uma taxa de alcoolemia eventualmente geradora de responsabilidade contra-ordenacional ou criminal, requerer a realização de uma contraprova, designadamente através da realização de exames hematológicos. 24. Se, pois, um condutor submetido a um teste quantitativo de pesquisa de álcool no ar alveolar expirado através de um alcoolímetro como aquele que está em causa nos autos, não se conformar com o resultado obtido – por o achar excessivo ou inexacto –, pode realizar uma contraprova destinada a infirmar tal resultado e, nessa medida, estabelecer, de forma (mais) inequívoca, a sua taxa de alcoolemia. 25. No caso concreto o resultado foi obtido através de um instrumento de medição homologado oficialmente – cujos resultados, portanto, se tem de entender que se situam dentro da margem de erro legalmente prevista para a certificação/validação de instrumentos dessa classe de exactidão e, assim, plenamente admissível para a produção de resultados válidos para os fins a que se destinam (e, concretamente, servir de prova, em Juízo, da taxa de alcoolemia de um determinado sujeito, num determinado momento) – e nas condições legalmente previstas. Nenhum elemento existe (quer resultante dos autos, quer resultante da discussão da causa havida na audiência), em nossa opinião, que permita concluir que, na medição da taxa de alcoolemia do arguido, se verificou, efectivamente, qualquer erro susceptível de influenciar o respectivo resultado. 26. 26.0 resultado em apreço, portanto, não deve ser objecto de qualquer correcção (seja de subtracção, seja de adição) por referência à margem máxima de erro (abstracta) legalmente fixada para a certificação/validação e calibração metrológicas do aparelho de medição que o produziu. 27. 27.0 Tribunal incorreu em erro notório na apreciação da prova, ao ter dado como provado que o arguido apresentava uma taxa de alcoolemia inferior à apurada pelo alcoolímetro e impressa no correspondente talão, sem que tenha invocado qualquer motivo para divergir deste resultado. 28. Aliás o Tribunal a quo inclusive não determina qual a margem de erro, EMA, que aplica, segundo o seu entendimento, de acordo com a Oficio n.° 14811 de 19/07/06 da DGV. 29. Ora de acordo com o mesmo, qual o erro máximo admissível utilizado pelo tribunal a quo? 5% ou 8%?. 30. De resto, não foi posta em momento algum, pelo Tribunal a quo em causa a aprovação do aparelho utilizado no exame de pesquisa de álcool no ar expirado, nem as condições normais de utilização desse aparelho, nem tão pouco o procedimento de fiscalização adoptado pelo agente de autoridade que a ele procedeu, pelo que as provas concretas enunciadas na conclusão que antecede impõem decisão diversa da recorrida. 31. Quanto à determinação e medida da pena respectiva e aplicada ao arguido, quando a decisão recorrida procede essa determinação e medida, refere a Mma. Juiz, no momento da quantificação da pena já escolhida, que o grau da ilicitude do arguido é acentuada, atenta a taxa de alcoolemia apresentada (pelo menos 1,31 g/1.) 32. Ora, e como supra referido, a TAS que o Mma. Juiz a quo considerou foi a de 1,31 g/1 e não a que atestava o talão emitido pelo alcoolímetro utilizado na realização do teste/contraprova (1,42 g/1), pelo que necessariamente se conclui que também as penas aplicadas se encontram afectadas pela errada decisão antes tomada relativamente à TAS – tanto a pena de multa como a pena acessória de proibição de conduzir atento à culpa demonstrada nos factos sub iudicio e às exigências de prevenção (geral e especial). 33. O Tribunal a quo violou os artigos 292°, n° 1, 69°, n° 1, alínea a), 70° e 71° todos do Código Penal, 127.°, 163.° e 410 °, n.° 2, al. c), do Código de Processo Penal, 153°, n° 1, e 158°, n° 1, als. a) e b), ambos do Código da Estrada, o Decreto Regulamentar n° 24/98, de 30 de Outubro e a Portaria n.° 1556/2007 de 10 de Dezembro que deveriam ter sido interpretadas em consonância com a interpretação que lhes é dada nas sobreditas conclusões que aqui se dão por reproduzidas. Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogar-se a douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que considere como provado (apenas) que: - No dia 25 de Janeiro de 2010, pelas 03h20, o arguido circulava na Rotunda ..., em Machico, nesta comarca, conduzindo o veículo automóvel com a matrícula ...-...-CS, - Submetido ao exame de pesquisa de álcool no sangue, pelo método de ar expirado, acusou uma TAS de 1,42 g/1, - E em consequência, condene o arguido pelo cometimento do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido no art. 292° e 69° n° 1 alínea a), ambos do Código Penal, na pena e sanção acessória adequadas à TAS detectada e registada pelo alcoolímetro supra mencionado. V. Exas., porém, farão a tão acostumada Justiça. 3. O arguido não respondeu à motivação de recurso. 4. Nesta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta apôs o seu “Visto”. 5. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência. Cumpre apreciar e decidir. II - FUNDAMENTAÇÃO 1. Âmbito do Recurso O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995. No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam, são as seguintes: Vício de erro notório na apreciação da prova - artigo 410º, nº 2, alínea c), do CPP - por se ter aplicado margem de erro admissível à TAS constante do talão de alcoolímetro de fls.7. Dosimetria das penas principal e acessória aplicadas. 2. A Decisão Recorrida O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos (transcrição): 1. No dia 25 de Janeiro de 2010, pelas 03.20horas, o arguido circulava na R..., em Machico, nesta comarca, conduzindo o veículo automóvel com a matrícula ...-...-CS; 2. Fazia-o pós ter ingerido bebidas alcoólicas; 3. Submetido ao exame de pesquisa de álcool no sangue, pelo método do ar expirado, acusou uma TAS de 1,42 g/I, susceptível de corresponder a uma TAS de 1,31 g\I deduzido o valor máximo de erro admissível; 4. Ao actuar da forma supra descrita, o arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, ciente que se encontrava a conduzir um veículo motorizado sob a influência do álcool e que apresentava uma taxa de álcool no sangue superior a 1,2 g/I, conformando-se com tal resultado; 5. O arguido actuou sabendo proibida por lei a respectiva conduta; 6. O arguido é pedreiro e aufere cerca de 450€ mensais, residindo com os pais, comparticipando para com o agregado com cerca de 150€ mensais; 7. Adquiriu um veículo automóvel encontrando-se a pagar uma prestação mensal no valor de cerca de 100€ 8. Possui o 9° ano de escolaridade; 9. É titular de carta de condução à cerca de 1 ano; 10. 0 arguido confessou a prática dos factos; 11. 0 arguido não possui antecedentes criminais. Quanto aos factos não provados, inexistem. Fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição): O Tribunal formou a sua convicção do conjunto da prova produzida, fundamentalmente nas declarações confessórias do arguido, o qual verbalizou estar arrependido, o que nos quis parecer sincero. No que concerne à taxa de álcool apurada e dada como provada, concretamente à aplicação à mesma da margem de erro admissível, esta fundamenta-se na dúvida suscitada pelo controlo metrológico, na sequência das Recomendações da Organização Internacional de Metrologia Legal, a qual se mantém por ausência de dado científico seguro que a infirme e resulta da aplicação das margens de erro indicadas pela DGV. Refira-se que é do conhecimento comum que qualquer aparelho de medição tem uma margem de erro, a qual beneficia o arguido. Foi então, neste sentido, analisada a ficha de controlo de alcoolémia. Atendeu-se ao certificado de registo criminal e ao auto de notícia pordetenção. Apreciemos. Vício de erro notório na apreciação da prova - artigo 410º, nº 2, alínea c), do CPP - por se ter aplicado margem de erro admissível à TAS constante do talão de alcoolímetro de fls.7 Os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito - artigo 428º, do CPP - de onde resulta que, em regra e quanto a estes Tribunais, a lei não restringe os respectivos poderes de cognição. Da acta da audiência de julgamento consta que o arguido confessou de forma livre, integral e sem reservas, os factos que lhe são imputados e, face à confissão, o tribunal a quo decidiu não dever ter lugar a produção de prova quanto aos factos confessados. O tribunal recorrido deu como provados todos os factos constantes do auto de notícia – cuja leitura substituiu a apresentação da acusação – considerando, porém, que à TAS constante do talão do alcoolímetro de 1,42 g/l correspondia uma TAS de 1,31 g/l, após proceder à dedução do valor do erro máximo admissível Ora, cumpre apurar qual o alcance da confissão efectuada pelo arguido em audiência e mormente se ela, sendo integral e sem reservas, tem o mérito de abranger todos os factos imputados, designadamente a TAS de 1,42 g/l indicada no talão do alcoolímetro após realização do teste de detecção da taxa de álcool no sangue no dia 25/01/2010, em seguida à intercepção pelas autoridades policiais. Nos termos do estabelecido no artigo 140º, nº 2, do CPP, “às declarações do arguido é correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 128º e 138º, salvo quando a lei dispuser de forma diferente”, consignando-se no nº 1, do artigo 128º que “a testemunha é inquirida sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto de prova”. Como se salienta no Ac. R. do Porto de 26/11/2008, Proc. nº 0812537 – tanto quanto se sabe, não publicado - da conjugação destes dois normativos ressalta que, quer as declarações do arguido, quer o depoimento das testemunhas, só assumem relevância em relação aos factos que sejam do conhecimento daquele que os relata, sendo que outro entendimento é susceptível de conduzir a que a verdade material, cuja descoberta o processo penal visa alcançar, pudesse ser alicerçada na confissão de factos não verdadeiros ou cuja veracidade o arguido não tivesse capacidade para afirmar por ultrapassarem aquilo que é capaz de apreender. Em consequência, “os limites da capacidade cognitiva individual serão também os limites daquilo que, de forma juridicamente relevante, pode ser declarado ou deposto – e, portanto, também confessado. A contrario, tudo o que esteja para além desses limites ou constitui declaração ou depoimento irrelevante, não podendo valer mais do que uma mera opinião, ou constitui raciocínio lógico-dedutivo que, se pertinente, o tribunal também terá de fazer e de forma autónoma”. O arguido tinha efectivamente conhecimento (porque compreendidos tais factos nos limites da sua capacidade cognitiva) de que estava a conduzir um veículo automóvel na via pública, de que tinha ingerido bebidas alcoólicas antes de exercer a condução, de que foi fiscalizado pelos agentes da autoridade e por eles submetido a teste de detecção e quantificação de álcool no sangue, por meio de analisador quantitativo e que este indicou uma TAS de 1,42 g/l e sobre tal se tem de entender que versou a sua confissão. Contudo (e como melhor se explicitará) a circunstância de o alcoolímetro indicar uma certa TAS não significa que quem foi submetido ao teste necessariamente seja portador dessa exacta TAS e, novamente seguindo o aresto supra citado, “ultrapassando obviamente as capacidades cognitivas do arguido, como de qualquer ser humano, a determinação da concreta TAS de que era portador – resultado que só é alcançável, pelo menos com o rigor exigível, através de exame realizado mediante a utilização de aparelho próprio para o efeito – não podia ele validamente confessar um facto que não podia conhecer”. Carecendo, pois, o arguido do conhecimento da TAS de que na realidade era portador, mas apenas estando ciente da indicada pelo aparelho em que realizou o teste, a confissão que efectuou só pode abranger esta, quer dizer, só pode abranger que do talão constava o valor de 1,42 g/l. Para que o julgador forme a sua convicção no que tange à concreta TAS de que o arguido era portador, terá de atender à confissão, com os limites referidos e ao conjunto da demais prova produzida, mormente o talão emitido pelo alcoolímetro e apreciá-la de acordo com os princípios e regras probatórias vigentes no processo penal. Mas, suscita-se então a problemática da admissibilidade ou inadmissibilidade legal do desconto na concreta TAS aferida pelo alcoolímetro que procedeu à medição do álcool no sangue do arguido, do valor do erro máximo admissível previsto no Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, de que resultará, na tese do recorrente Ministério Público, o vício de erro notório na apreciação da prova. Este erro igualmente ocorre quando se violam as regras sobre prova vinculada, das leges artis ou o princípio in dubio pro reo –cfr. quanto a esta última situação Ac. do STJ de 24/03/1999, CJ, ACSTJ, I, pág. 247 e Ac. R. de Évora de 04/05/2010, Proc. nº 81/09.1JAFAR. E1, consultável em www.dgsi.pt. A questão do desconto dos EMA apresenta-se controvertida e tem sido objecto de decisões judiciais divergentes, perfilando-se duas correntes em presença. Uma dessas correntes sustenta não ser de efectuar o desconto do valor do “erro máximo admissível” na TAS registada no alcoolímetro que procedeu à medição e tem acolhimento, entre outros, nos Acs. R. de Coimbra de 12/12/2007, Proc. nº 110/07.3GTCTB.C1, de 30/01/2008, Proc. nº 91/07.3PANZN.C1, de 11/11/2008, Proc. nº 62/08.2GBPNH.C1 e de 10/12/2008, Proc. nº 17/07.4PANZR; Acs. R. de Lisboa de 03/10/2007, Proc. nº 4223/07-3, de 20/02/2008, Proc. nº 183/2008-3; Ac. R. Porto de 08/04/2008, Proc. nº 1491/08-5 e Ac. R. Porto de 14/01/2009, Proc. nº 0815205, todos em www.dgsi.pt. A outra corrente entende que essa dedução se impõe e nas suas fileiras militam, também a título apenas meramente enunciativo, os Acs. R. do Porto de 19/12/2007, Proc. nº 000040884; de 02/04/2008, Proc. nº 479/08; de 07/05/2008, Proc. nº 0810922, de 28/05/2008, Proc. nº 0811347 e ainda de 26/11/2008, Proc. nº 0812537; Acs. R. de Coimbra de 09/01/2008, Proc. nº 15/07.1PAPBL-C1 e Proc. nº 426/04.6TSTR.C1; Ac. R. de Guimarães de 26/02/2007, Proc. nº 2602/06.2; Ac. R. de Lisboa de 07/05/2008, Proc. nº 2199/08-3 e bem assim o voto de vencido do Desembargador João Latas no Ac. R. de Évora de 01/07/2008, Proc. nº 2699/07-1, todos em www.dgsi.pt. Este último é o entendimento por nós perfilhado e que vertemos, entre outros, no Ac. Relação do Porto de 09/12/2009, Proc. nº 531/09.7GAVNF.P1, que passamos agora a seguir de muito perto. Nos termos do nº 1, do artigo 81º, do Código da Estrada, é proibido conduzir sob influência de álcool, sendo que se considera nesse estado, conforme preceitua o nº 2 da mesma disposição, o condutor que apresente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,5 g/l ou que, após exame realizado nos termos previstos no mesmo Código e legislação complementar, seja como tal considerado em relatório médico, consignando-se ainda que a conversão dos valores do teor do álcool no ar expirado (TAE) em teor de álcool no sangue (TAS) é baseada no princípio de que 1 mg de álcool por litro de ar expirado é equivalente a 2,3 g de álcool por litro de sangue – nº 3. Por sua vez, no artigo 292º, do Código Penal, tipifica-se como infracção criminal a condução de veículo, com ou sem motor, pelo menos negligentemente, em via pública ou equiparada, por quem tiver uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l. Para que se preencha este elemento objectivo do mencionado tipo legal de crime (taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l) importa, assim, determinar a concreta taxa de alcoolemia de que o condutor é portador. Por remissão do nº 1, do artigo 158º, do Código da Estrada, regem quanto aos meios e procedimentos relativos a detecção e comprovação do estado de influenciado pelo álcool, o Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela Lei nº 18/2007, de 17/05, o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria nº 1556/2007, de 10/12 e a Portaria nº 902-B/2007, de 13/08. No artigo 1º, do Regulamento de Fiscalização, enunciam-se os meios de detecção e medição da taxa de álcool no sangue, designadamente, analisadores qualitativos e quantitativos, estes por teste no ar expirado ou análise de sangue, consignando-se no artigo 14º que nos testes quantitativos de álcool no ar expirado só podem ser utilizados aparelhos que obedeçam às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, sendo que prévia a esta aprovação se exige a homologação de modelo, da competência do Instituto Português da Qualidade, de acordo com os termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros. O Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria nº 1556/2007 de 10/12, define o que se entende por alcoolímetros, consignando que são “instrumentos destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado” (artigo 2º, nº 1), enuncia como seus requisitos que “deverão cumprir os requisitos metrológicos e técnicos definidos pela Recomendação OIML R 126” (artigo 4º) e que compete ao Instituto Português da Qualidade, I.P. – IPQ o seu controlo metrológico, que compreende as operações de aprovação de modelo, primeira verificação, verificação periódica e verificação extraordinária (artigo 5º). O artigo 8º, do mesmo diploma legal, reporta-se aos “erros máximos admissíveis – EMA, variáveis em função do teor de álcool no ar expirado – TAE” consagrando-se que “são o constante do quadro que figura no quadro anexo ao presente diploma e que dele faz parte integrante”, sendo o quadro referido o seguinte:
Com interesse para a questão em análise temos ainda o nº 2, do artigo 9º, segundo o qual “os registos da medição devem conter, entre outros elementos, a marca, o modelo e o número de série do alcoolímetro assim como a data da última verificação metrológica”. Na Portaria nº 902-B/2007, de 13/08, especificam-se as características técnicas, gerais e físicas a que devem obedecer os analisadores quantitativos, entre elas, que os referidos instrumentos devem “cumprir os requisitos metrológicos e técnicos definidos no regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros” e “usar a unidade de leitura em gramas de álcool por litro de sangue (TAS) segundo o factor fixado no nº 3 do artigo 81º, do Código da Estrada”. Em artigo intitulado “A Alcoolemia e o Controlo Metrológico dos Alcoolímetros”, datado de 28/04/2008, disponível em www.ipq.pt, António Cruz, Maria do Céu Ferreira e Andreia Furtado, respectivamente Director do Departamento de Metrologia do IPQ, Responsável pelo Laboratório de Química-Física do IPQ e Técnica Superior do Laboratório de Química-Física do IPQ, manifestaram-se no sentido de que: “Os Erros Máximos Admissíveis (EMA) são limites definidos convencionalmente em função não só das características dos instrumentos, como da finalidade para que são usados, ou seja, tais valores limite, para mais e para menos, não representam valores reais de erro, numa qualquer medição concreta, mas um intervalo dentro do qual, com toda a certeza (uma vez respeitados os procedimentos de medição) o valor da indicação se encontra” acrescentando ainda que “a qualquer resultado de medição está sempre associada uma incerteza de medição, uma vez que não existem instrumentos de medição absolutamente exactos. Esta incerteza de medição é avaliada no acto da Aprovação de Modelo por forma a averiguar se o instrumento durante a sua vida útil possui características construtivas adequadas, de forma a manter as qualidades metrológicas regulamentares, nomeadamente fornecer indicações dentro dos EMA prescritos no respectivo regulamento”. Referem ainda os mesmos autores que “a definição, através da Portaria 1556/2007, de determinados EMA, quer para a Aprovação de Modelo e Primeira Verificação, quer para a Verificação Periódica, visa definir barreiras limite dentro das quais as indicações dos instrumentos de medição, obtidas nas condições estipuladas de funcionamento são correctas. Ou seja, um alcoolímetro de modelo aprovado e com verificação válida, utilizado nas condições normais, fornece indicações válidas e fiáveis para os fins legais”. Mais acrescentam que “a operação de adição ou subtracção dos EMA aos valores das indicações dos alcoolímetros sujeitos a controlo metrológico é totalmente desprovida de justificação metrológica, sendo o valor da indicação do aparelho em cada operação de medição, o mais correcto. O eventual erro da indicação, nessa operação, nesse momento, com o operador que a tiver efectuado, nas circunstâncias de ambiente locais, quaisquer que tenham sido outros factores de influência externos ou contaminantes do ar expirado, seja ele positivo ou negativo, está com toda a probabilidade contido nos limites do EMA”. Contudo, do teor deste artigo e mormente dos excertos que respingamos, não resulta, em nosso entender, necessariamente, que esteja defeso considerar a necessidade de o Tribunal fazer uso das margens de erro dos aparelhos de medição para reduzir ao máximo o erro entre ao resultado do exame e a realidade. Como se salienta no Ac. R. do Porto de 04/11/2009, Proc. nº 643/07-1PBMAI.P1 “ainda que se possa aceitar que o erro existente é um erro legalmente previsto, a leitura final, embora legal, não é garantida como a real. E se a margem de erro legalmente admissível é levada em conta no momento da calibração do aparelho, tal facto apenas garante que o aparelho em concreto está apto a efectuar medições e que os resultados obtidos sempre se situarão dentro dos limites daquelas margens de erro, ainda que se admita mesmo que a incerteza se aproxime do grau zero, sendo certo que, perante a medição, o julgador terá de admitir sempre como provável a hipótese daquele resultado estar próximo do limite mínimo ou do limite máximo, da dita margem de erro”. Na verdade, “tecnicamente, não está explicado e temos dúvidas que o possa ser, em que termos o acto da calibração elimina ou reduz praticamente a zero, a dita margem de erro, no acto da medição ou realização do teste” e desde logo porque o alcoolímetro “ao efectuar cada uma das medições, dará uma resposta em função do álcool contido no ar expirado, o que pode significar que a cada medição corresponda um resultado diferente”. Do artigo supra mencionado parece resultar que ao ser calibrado o aparelho, este fica apto a, perante a quantidade de álcool do ar expirado, efectuar logo a “correcção” ou “dedução”, tendo em conta a margem de erro admissível. Surge então, no desenvolvimento deste raciocínio, pertinente a questão: como é possível o aparelho efectuar uma “correcção” de determinada percentagem de margem de erro (por exemplo de 30%) ao ser realizado um teste a um condutor, para logo de seguida proceder a uma “correcção” de apenas 0,5% em teste ao condutor seguinte? Consideramos que não se mostra demonstrado que efectivamente seja possível calibrar o alcoolímetro de molde a efectuar essas correcções e, nessa medida, aqui se ancora a dúvida inamovível quanto à existência e concreta expressão do desvio entre o valor indicado no instrumento de medida e o valor real, o que conduz a que necessariamente se tenha de proceder ao desconto do valor do erro máximo admissível indicado no quadro anexo à Portaria nº 1556/2007 no valor de TAS registado no talão emitido pelo alcoolímetro, desde logo por imposição do princípio in dubio pro reo”. Assim, ao proceder ao desconto do valor correspondente ao erro máximo admissível para o grau de alcoolemia indicado no alcoolímetro – 8%, como é manifesto, bastando utilizar a aritmética, não se entendendo aqui qual a razão da dúvida do recorrente expressa na conclusão 29 - não violou o tribunal recorrido o princípio in dubio pro reo, pelo que não padece a sentença revidenda do vício de erro notório na apreciação da prova. Aliás, este entendimento da dedução do erro máximo admissível veio a ser consagrado na alteração introduzida ao artigo 170º, do Código da Estrada, pela Lei nº 72/2013, de 03/09, concretamente na sua actual alínea b), do nº 1 que, pese embora se reporte ao auto de notícia em contra-ordenação rodoviária, não pode deixar de se aplicar ao processo crime. A propósito, refere-se no Ac. R. do Porto de 15-01-2014, Proc. nº 295/12.7SGPRT.P1, disponível no já referido sítio, que “embora se refira, como é natural, apenas, às contra-ordenações (uma vez que o Código da Estrada não prevê crimes), não se descortina nenhuma razão válida para não aplicar o disposto na alínea b) aos casos em que a condução de veículo na via pública com uma taxa de álcool no sangue acima de determinado limite constitui crime”. Acrescentando-se, “desconhecemos as razões da opção efectuada de fazer prevalecer (sobre o valor registado pelo aparelho) o valor apurado após dedução do erro máximo admissível mas não pode haver dúvidas de que o legislador quis pôr termo à controvérsia actualmente existente, a que já nos referimos, procedendo a uma interpretação autêntica”. Assim sendo, improcede o recurso quanto a esta questão. Dosimetria das penas principal e acessória aplicadas. Insurge-se igualmente o recorrente quanto à medida das penas principal e acessória aplicadas, o que resulta do seu entendimento de que a TAS a considerar seria a de 1,42 g/l e não 1,31 g/l dada como provada para esses efeitos. Como ficou assente, carece ele de razão quanto à questão da taxa, pelo que necessariamente tem também de improceder o recurso neste segmento, pois na sua alteração se sustentava. Pelo exposto, cumpre negar provimento ao recurso, na totalidade. III – DISPOSITIVO Nestes termos, acordam os Juízes da 5ª Secção desta Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e confirmar a decisão recorrida. Sem tributação. Lisboa, 11 de Fevereiro de 2014. (Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário – artigo 94º, nº 2, do CPP).
Artur Vargues Jorge Gonçalves |