Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | LAURINDA GEMAS | ||
Descritores: | PROCEDIMENTO CAUTELAR PERÍCIA | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/10/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | (da exclusiva responsabilidade da Relatora – art.º 663.º, n.º 7, do CPC) I – No procedimento cautelar, pese embora não esteja vedada a prova pericial, o juiz, na ponderação a fazer sobre a sua necessidade, pertinência e carácter dilatório (cf. artigos 388.º do CC e 411.º e 476.º do CPC), não poderá perder de vista as especificidades de tal procedimento (em que imperam os princípios do fumus boni juris e da summaria cognitio), bem como outros importantes princípios do processo civil, mormente os princípios da economia processual e da limitação dos autos (cf. artigos 6.º e 130.º do CPC), pelo que poderá admitir a perícia (requerida pelas partes ou oficiosamente determinada), mas apenas quando se trate de prova necessária, imprescindível, por incidir sobre factos essenciais (cf. art.º 5.º, n.º 1, do CPC) cuja averiguação exija conhecimentos especiais, em termos técnico-científicos. II – No presente procedimento cautelar comum - em que não foi requerida a inversão do contencioso e as Requerentes, senhorias, pretendem obter a desocupação temporária, pelo prazo de 6 meses, de uma parte do “complexo predial” locado (onde está instalado o estabelecimento comercial da Requerida), para realização de obras cuja premência invocam, tendo em vista a instalação de um hotel nos prédios de que são proprietárias -, mostra-se acertada a decisão que indeferiu a realização da perícia (solicitada pela Requerida), por ser desnecessária e dilatória, considerando designadamente que iria contribuir para retardar a prolação de decisão final, não versaria sobre factos atinentes aos pressupostos legais da providência cautelar requerida, mas sobre matéria conclusiva e factos atinentes à invocação de um direito de retenção, sendo de admitir que a sua prova - meramente indiciária - poderá vir a ser efetuada através de outros meios de prova indicados pela Requerida, designadamente documentos e depoimento de parte. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados I - RELATÓRIO COTTONE - GESTÃO E ADMINISTRAÇÃO LDA., Requerida no procedimento cautelar comum intentado por BB, Lda (1.ª Requerente) [e CC, Lda. (2.ª Requerente)], interpôs o presente recurso de apelação do despacho que indeferiu a realização da perícia que por aquela foi requerida no articulado de Oposição. A ação principal (a correr termos como proc. n.º 10151/22.5T8LSB do Juízo Central Cível de Lisboa) foi instaurada em 21-04-2022, com a apresentação de Petição Inicial, pela 1.ª Requerente, BB, Lda, contra aquela Requerida, aí Ré, peticionando a condenação da mesma a: a) despejar imediatamente os locados correspondestes ao 1.º dto. e 1.º esq. com entrada pelo n.º ... e à loja ... do prédio urbano sito em Rua A, Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número ...da referida freguesia e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Santa Maria Maior sob o artigo ...; b) pagar à Autora os valores devidos e que se vierem a apurar nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 1045.º do CC; c) pagar à Autora o montante correspondente à diferença entre o valor da obra que a Autora pretende realizar no prédio onde se situam os locados considerando a não entrega destes na data da cessação do contrato e o valor que a obra teria se os locados tivessem sido entregues a 31 de janeiro de 2022, devendo este montante ser apurado em sede de liquidação de sentença. O procedimento cautelar teve início em 21-02-2024, com a apresentação de Requerimento Inicial (que deu origem ao apenso B da referida ação) em que as Requerentes peticionaram o decretamento de providência cautelar não especificada impondo à Requerida que desocupe as divisões suscetíveis de utilização independente correspondentes aos 1.º dto. e 1.º esq. com entrada pelo n.º ... e à loja ... do prédio urbano sito em Rua A, Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número ...da referida freguesia e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Santa Maria Maior sob o artigo ... e as divisões suscetíveis de utilização independente correspondentes aos 1.º direito e 1.º esquerdo e à loja ... do prédio urbano sito em Rua B, Lisboa, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ...da referida freguesia e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Santa Maria Maior sob o artigo ..., por um período de seis meses, com início a 1 de março de 2024. Alegaram, para tanto e em síntese (no que ora importa, considerando que veio a ser indeferida a apensação do procedimento à ação intentada pela 2.ª Requerente a correr termos sob o n.º 4404/24.5T8LSB), que: - A 1.ª Requerente é dona e legítima proprietária da totalidade do prédio urbano sito na Rua A, Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ...da referida freguesia e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Santa Maria Maior sob o artigo ...; - A 2.ª Requerente é dona e legítima proprietária do prédio urbano sito na Rua B, Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ...da referida freguesia e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Santa Maria Maior sob o artigo ...; - A Requerida era arrendatária das divisões suscetíveis de utilização independente correspondentes aos 1.º dto. e 1.º esq. com entrada pelo n.º ... e à loja ... do prédio urbano propriedade da 1.ª Requerente e arrendatária das divisões suscetíveis de utilização independente correspondentes aos 1.º direito e 1.º esquerdo e à loja ... do prédio urbano da 2.ª Requerente; - Aquando da aquisição da totalidade do prédio pela 1.ª Requerente, a mesma, por carta registada com aviso de receção, notificou a Requerida de tal facto, bem como a informou de que as rendas e as demais prestações devidas deveriam passar a ser depositadas na conta bancária da 1.ª Requerente, tendo a Requerida passado a reconhecer a 1.ª Requerente como sua senhoria e a liquidar as rendas para a conta bancária desta; - No momento da aquisição do prédio, a 1.ª Requerente recebeu a informação referente à inscrição do contrato nas finanças, sendo aí referido que se tratava de contrato de arrendamento não habitacional, com início a 1 de janeiro de 1989; - Por cartas datadas de 3 de novembro de 2016, a 1.ª Requerente, nos termos dos artigos 50.º e seguintes da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 79/2014, de 19 de dezembro, iniciou o processo de transição do contrato de arrendamento não habitacional dos locados para o NRAU, tendo proposto: i. Transição do contrato para o NRAU; ii. Atualização da renda mensal para o montante de 4.000,00 €; e que o iii. Contrato passasse a corresponder a um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, com prazo certo, pelo prazo de 2 anos, renovável por iguais períodos; - As referidas cartas foram enviadas para o locado e para a sede da Requerida; a que foi dirigida para o locado não foi recebida nem levantada, mas a que foi dirigida para a sede da Requerida foi por esta recebida; - A essa carta respondeu a Requerida, por carta datada de 9 de dezembro de 2016, e rececionada pela 1.ª Requerente, que: i. Aceitava a transição para o NRAU; ii. Aceitava a atualização da renda para os 4.000,00 €; iii. Aceitava que o contrato fosse convertido para um contrato com prazo certo; e iv. Que propunha para o contrato o prazo de 10 anos; - Neste seguimento, e por carta datada de 16 de dezembro de 2016, e rececionada pela Requerida, respondeu a 1.ª Requerente que não estando as partes de acordo quando à duração do contrato, aplicar-se-ia o disposto nos artigos 51.º, n.º 7 e 31.º, n.º 10, ambos do NRAU, ou seja: i. O contrato ficaria submetido ao NRAU a partir do 1.º dia do 2.º mês seguinte ao da receção da resposta da Requerida, isto é, a partir de 1 de fevereiro de 2017; ii. O contrato passaria a ser de prazo certo, com a duração de 5 anos, ou seja, de 1 de fevereiro de 2017 a 31 de janeiro de 2022; e v. O valor mensal da renda passaria para 4.000,00 €, sendo devida desde essa data; - Em 2022, e fruto das diversas atualizações, o valor da renda cifrava-se em 4.065,43 €; - A 12 de Outubro de 2020, a 1.ª Requerente enviou à Requerida cartas registadas com aviso de receção, em cumprimento do disposto na alínea a), n.º 1, alínea b), n.º 2 e n.º 3 do art.º 10.º do NRAU, notificando-a da oposição à renovação do contrato de arrendamento e da cessação do mesmo em 31 de janeiro de 2022, cartas essas que a Requerida recusou/não levantou no prazo previsto no regulamento dos serviços postais, pelo que é de considerar que foi notificada em 22 de outubro de 2020; - A Requerida não procedeu à entrega dos locados à 1.ª Requerente na data indicada, o que levou a 1.ª Requerente a intentar a ação de despejo que corre termos sob o número de processo n.º 10151/22.5T8LSB no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo Central Cível de Lisboa (requerendo a apensação dos presentes autos a essa ação); - Os dois prédios acima identificados são contíguos e têm ligação entre eles, sendo que a Requerida exerce nos espaços que estavam arrendados a sua atividade comercial através do estabelecimento comercial denominado “...”; - O referido estabelecimento espalha-se ao longo de vários prédios, com vários contratos de arrendamento (já todos terminados, não obstante a recusa de desocupação por parte da Requerida e de outra sociedade do seu grupo, a EE, S.A.), ocupando uma área total de 718 m2; - As Requerentes, que exercem a sua atividade na área da restauração e hotelaria, pretendem para o desenvolvimento da sua atividade, fazer obras de ampliação nos prédios identificados, de modo a adaptarem-nos para a instalação de um hotel, tendo iniciado as diligências junto das entidades competentes, em particular da Câmara Municipal de Lisboa, com vista à obtenção das necessárias licenças; - Após ter sido deferido o pedido de licenciamento para as referidas obras, veio a ser, no dia 27 de novembro de 202, emitido o alvará para a realização das obras de ampliação, aí se estabelecendo que deverão estar concluídas no prazo máximo de 24 meses, ou seja, até novembro de 2025, devendo incidir sobre a totalidade de ambos os prédios, abrangendo 7 pisos, cave, rés-do-chão e os cinco pisos superiores; - As Requerentes adjudicaram a obra a um empreiteiro, encontrando-se aprovado um orçamento em que está previsto que as obras durem pelo período de 20 meses, terminando em abril de 2025, sendo que essas obras irão ocupar, no que ao estabelecimento da Requerida diz respeito, uma área de apenas 270 m2; - Até que a Requerida desocupe os locados, as obras apenas incidirão sobre os pisos 2 a 5, onde ficará a funcionar o hotel, o que causa um avultado prejuízo às Requerentes, já que não poderão utilizar os imóveis na sua totalidade e tais obras terão de ser adaptadas, tendo em conta que, por exemplo, o rés-do-chão, que deveria servir de receção do hotel, não poderá ser utilizado para este fim, o que implicará que, quando existir uma sentença transitada em julgado que obrigue a Requerida a desocupar os locados, tenham de ser feitas novas obras nos imóveis para os adaptar, na sua totalidade, à exploração de um hotel, com os inerentes custos adicionais; - Mas existem trabalhos estruturais que deverão já incidir sobre todos os andares do prédio, sob pena de não poderem ser realizados, nomeadamente, trabalhos relativos a climatização, canalização, eletricidade e esgotos, bem como a instalação de dois ascensores, a instalar desde a cave até ao último andar do prédio; - Para esse efeito, serão necessárias intervenções por parte do empreiteiro nos espaços ocupados pela Requerida, intervenções essas que, de acordo com o plano de trabalhos apresentado por aquele e aceite pelas Requerentes, em conformidade com o alvará emitido pela Câmara Municipal de Lisboa, terão uma duração prevista de cinco meses, com início em março de 2024; - As Requerentes enviaram no passado dia 4 de janeiro duas cartas, informando a Requerida da necessidade de desocupação dos espaços onde o seu estabelecimento está instalado, por um período aproximado de 6 meses (de modo a acautelar algum eventual atraso por parte do empreiteiro), disponibilizando um imóvel de características semelhantes, no mesmo concelho, para que, nesse período de tempo, a Requerida possa manter o seu estabelecimento comercial em funcionamento; - A Requerida não recebeu as cartas, nem desocupou os locados, colocando, deste modo, em risco a realização das obras e os prazos previstos para a conclusão das mesmas, o que afetará, irremediavelmente, a atividade das Requerentes. As Requerentes juntaram 48 documentos. Em 12-03-2024 foi indeferido o pedido de dispensa de audiência prévia da Requerida e determinada a citação da mesma. Em 26-03-2024, a Requerida apresentou Oposição, na qual se defendeu invocando designadamente a nulidade decorrente da sua falta de citação e a ilegitimidade das partes, por preterição de litisconsórcio necessário, requerendo a intervenção principal provocada da referida EE, S.A., como sua associada, e a de DD, Lda., como associada das Requerentes. Mais se defendeu por impugnação motivada, de facto e de direito, alegando, em síntese, que (atento o objeto do recurso, indicamos entre parenteses os artigos da Oposição em que é feita a alegação de alguns factos): - A Oponente e a sociedade EE, S.A. são arrendatárias em comum do referido espaço, explorando conjuntamente o estabelecimento comercial único e indivisível denominado ..., de que ambas as Requerentes são titulares, o que sucede desde 1 de janeiro de 1989, com base em contrato de arrendamento que tinha por objeto a parte do referido imóvel ou complexo predial, constituído pela cave, rés do chão e 1.º andar dos números ... da Rua B, Lisboa e dos números ... a ... da Rua A, Lisboa, dos prédios urbanos descritos no Registo sob os números 85, ...e 4 e inscritos na matriz como artigos ..., ... e ..., abrangendo o primeiro andar também todo o espaço desse complexo predial até às janelas / varandas / sacadas sobre a ... Pedro IV, incluindo o espaço sobre o rés-do-chão dos números ... da Rua A, Lisboa e, tornejando, dos números ... da ... Pedro IV; - A Requerida adquiriu a posição de arrendatária por Contrato de Trespasse celebrado em 19 de junho de 2006 com a FF, S.A., que era, nessa época, a sociedade do grupo ... titular dos direitos assim transmitidos, e cedeu em 1 de novembro de 2013 à EE, S.A., à data com a firma “GG, Lda.”, parte da posição que então detinha no contrato de arrendamento; - As senhorias são as aqui Requerentes, bem como a referida sociedade DD, Lda., conjuntamente, porque são atualmente as três proprietárias dos três prédios que constituem esse imóvel ou complexo predial, tratando-se de sociedades que “pertencem” e são participadas, fiscalizadas, geridas ou administradas e representadas pelos mesmo sócios e gerentes e constituem entre si um grupo económico; - A Requerida e a EE, S.A. têm um único gerente / administrador e representante comum; - Nem a Requerida, nem a EE, S.A., aceitaram ou declararam alguma vez aceitar a transição para o NRAU, não obstante a primeira ter aceitado que a partir de março de 2017 a parte da renda por ela formalmente devida fosse atualizada para 4.000 € mensais; - O contrato em causa nos autos é o contrato de arrendamento global do imóvel ou complexo predial com a área total de 1.076,95 metros quadrados, correspondente à cave, rés do chão e 1.º andar do imóvel ou complexo predial situado no quarteirão norte da Rua B, Lisboa (números ...) e da Rua A, Lisboa (números ...) com frente norte para a ... (números ...) e constituído pelas correspondentes partes dos prédios urbanos descritos na Conservatória do Registo Predial sob os números... e inscritos na matriz da atual freguesia de Santa Maria Maior sob artigos ..., ... e ..., o qual não está sujeito a prazo algum, tal como foi reconhecido e acordado pelas partes em 6 de agosto de 2014; - As Senhorias, incluindo as Requerentes deste procedimento, têm vindo a cometer, desde há anos, contra as Arrendatárias, vários factos qualificáveis como Assédio no arrendamento, incluindo os atinentes às obras alegadas no Requerimento Inicial, já que ao darem início às mesmas, no segundo andar e nos andares superiores do imóvel ou complexo predial composto pelos prédios urbanos descritos no Registo sob os números ...e ...da freguesia de Santa Maior e inscritos na matriz como artigos ... e ..., que correspondem aos números ... da Rua B, Lisboa e ... da Rua A, Lisboa, começaram por retirar tudo o que estava nesses andares, e estão ainda neste momento, a proceder às demolições das paredes divisórias, e a preparar a continuação para os pisos inferiores (cave, rés-do-chão e 1.º andar), impedindo com tais obras ou, pelo menos, prejudicando gravemente o gozo que as arrendatárias detêm do imóvel, e o exercício do direito de propriedade de ambas sobre o estabelecimento comercial ..., de que são titulares, sendo a realização de tais obras incompatível com o gozo do arrendamento dos “locados” em causa e com a exploração do estabelecimento comercial referido; - A obra anterior realizada pelas senhorias em nome da DD, Lda., de instalação de um Hotel nos andares superiores aos n.ºs ...da Rua A, Lisboa teve início em 29 de abril de 2019 e foi concluída em junho de 2021, tendo o Hotel em causa aberto ao público, encontrando-se a funcionar pelo menos desde setembro de 2021, obra essa cuja realização prejudicou a exploração do estabelecimento pela Requerida e pela EE, S.A., causando-lhes prejuízos, os quais, descontados os períodos de paragem COVID, ascendem a 632.795,60 €; - Têm-se verificado ocorrências diversas da responsabilidade das senhorias que afetam a exploração do estabelecimento, como inundações, quedas de tetos e rachas visíveis nas paredes do 1.º andar do estabelecimento provocadas por defeitos das obras anteriores do hotel, sendo consequência das mesmas e das reparações efetuadas pelas Requeridas para as corrigir, e das novas obras, factos que determinaram e foram causa direta e necessária i. do fechamento do primeiro andar; ii. da inutilização da cave, iii. e da redução de clientela; E, consequentemente - (109) De uma redução de faturação equivalente a cerca 30% da faturação média do estabelecimento, considerando como referência os anos 2017 e 2018; - (110) O que representa até à data prejuízos no valor de, pelo menos, 500.000 €; - (111) Ainda em consequência das obras concluídas do hotel que há dois anos está aberto, tem tido constante a necessidade de proceder a reparações urgentes para permitir a continuação da exploração pelo menos da loja no rés-do-chão; - Para o que já incorreram as arrendatárias, até ao momento, em custos superiores a 100.000 €, ascendendo o seu crédito sobre as senhorias a um valor não inferior a 1.232.795,60 €, valor a que ainda acresce a quantia de 299.252,01 € de rendas pagas duplicadamente; - A DD, Lda. dirigiu à EE, S.A. 36 comunicações, a CC, Lda. dirigiu à EE, S.A. as seguintes 15 comunicações, mas nenhuma carta foi enviada à coarrendatária aqui Requerida; tais comunicações são entre si contraditórias, contradizem outras comunicações alegadamente sobre os mesmos locados e contratos, designadamente quanto às putativas (e na verdade inexistentes) datas de cessação; - Não obstante terem enviado todas essas comunicações, a maioria das mais recentes no sentido de fixar o passado dia 31 de julho para a entrega do locado ou dos “locados”, continuaram as senhorias a enviar às arrendatárias as faturas relativas às rendas de mês após a pretendida desocupação, sendo que todas as rendas foram e estão a ser pagas; - (129) As Requerentes efetuaram e custearam integralmente, no seguimento dos contratos de cessão da posição contratual celebrados (em 1 de novembro de 2013) com a sociedade DD, Lda., as seguintes obras de adaptação e manutenção dos locados, que naqueles contratos haviam sido expressamente autorizadas por aquela senhoria: ◦ Substituição da escada metálica de ligação entre a cave, r/c e 1.º piso; ◦ Reforço estrutural para demolição parcial da fachada tardoz no 1.º piso; ◦ Reforço estrutural para alteração dos pilares no rés-do-chão ◦ Demolição do mezanino; ◦ Criação do respetivo reforço estrutural; ◦ Ligação com a loja sita na ... n.º 11; - Obras que se mostravam essenciais à ampliação do estabelecimento e à sua exploração rentável, e que foram por isso realizadas logo a partir de 1 de novembro de 2013 e concluídas em agosto de 2014, e com as quais as arrendatárias despenderam a quantia global de 1.350.000,00, protestando a Requerida juntar documento, sem prejuízo da prova testemunhal e por confissão adiante indicada; - Assim, as arrendatárias são titulares de direito de crédito sobre as senhorias em resultado da soma dos vários prejuízos indicados, no total de 2.882.047,01 €, a que acresce o valor que vier a liquidar-se a final, em função dos demais prejuízos e custos causados com os factos antes referidos; - Assim, vem a Requerida invocar, ao abrigo do art.º 754.º do Código Civil, o direito de retenção dos “locados” até serem pagas as importâncias antes discriminadas com os juros legais. Requereram, a final, que: I. Seja admitida a intervenção principal de EE, S.A. e de DD, Lda. II. Seja este procedimento anulado e proferida decisão de absolvição; Sem prescindir: III. Seja julgado improcedente e a Oponente e (sendo admitida a sua intervenção) a EE, S.A. absolvidas do pedido; IV. Sejam reconhecidos o direito de retenção de ambas sobre os “locados” até efetivo pagamento de quantia não inferior a € 2.882.047,01, a que acresce o valor a liquidar a final. Nesse articulado a Requerida incluiu o seu requerimento probatório, em que veio requerer a produção de prova nos seguintes termos: - Por confissão, requer os depoimentos de parte das Requerentes sobre toda a matéria de facto antes alegada; - Por perícia, requerendo, - Perícia colegial para determinar o valor dos prejuízos referidos em 109 e 110, indicando como perito o Dr. HH, com domicílio na ...; - Perícia colegial para determinar o valor dos custos referidos em 111 e 129, indicando como perito o Engenheiro II, com domicílio na ...; - Por documentos, com a junção de dois documentos e protestando juntar os demais indicados no articulado. - Por Testemunhas, arrolando testemunhas. Em 11-04-2024, as Requerentes exerceram o contraditório quanto à junção documental e às exceções, pugnando pela sua improcedência, mais defendendo que deverá ser recusada a prestação de depoimento de parte das Requerentes e a produção de prova pericial, por serem “meios de prova desnecessários, impertinentes e dilatórios, especialmente tendo em consideração o carácter urgente dos presentes autos”. Por despacho de 27-05-2024, foi admitido o incidente de intervenção de ambas as sociedades, ou seja, da DD, Lda., como associada das Requerentes, e da EE, S.A., como associada da Requerida. A Interveniente EE, S.A. também apresentou a sua Oposição, em 25-06-2024, alegando designadamente que, pelas razões expostas na Oposição da sua associada, é manifesto que a procedência da providência impediria objetivamente o arrendamento da parte do complexo predial que é propriedade da sociedade DD, Lda., bem como o exercício do direito de propriedade sobre o estabelecimento comercial .... Requereu a notificação das Requerentes, da DD, Lda. e da Câmara Municipal de Lisboa para juntarem aos autos cópia integral dos processos de licenciamento de obras referidas no Requerimento Inicial e arrolou testemunhas. A Interveniente DD, Lda. veio declarar que que faz seus os articulados das Requerentes e arrolar uma testemunha. Em 30-01-2025, foi proferido o Despacho (recorrido) com o seguinte teor: “II. Na oposição apresentada pela requerida Cottone – Gestão e Administração Limitada foi requerida perícia colegial para determinar o valor dos prejuízos que alega ter sofrido, em consequência das obras realizadas pelas requerentes. Tendo em consideração que no presente procedimento cautelar é pedido que a requerida e interveniente desocupem os locados pelo período estritamente necessário para que os elevadores sejam instalados e concluir as obras em curso, entende-se que a requerida prova pericial peticionada não se mostra essencial como meio de prova para se apurar da verificação (ou não) dos pressupostos legais da providência cautelar requerida. Temos em que se indefere a sua realização. Notifique.” Nesse despacho foram ainda admitidas as junções documentais, tendo sido designada data para audiência final (a fim de serem prestados os depoimentos de parte e das testemunhas arroladas), tendo o depoimento de parte sido admitido, no que ora importa, nos seguintes termos: “decide-se admitir o mesmo apenas à matéria do ponto II. arts. 5., 6., 7., 8., 9., 10., 12., 13.,19., 20., 21., 27., 28., 37., 38., 39., 40., 41., 42., 47., 75., 76., 77., 78., 79., 80., 81., 82., 87., 88., 89., 90., 91., 92., 93., 94., 95., 96., 97., 98., 107., 108., 109., 111., 112., 113., 127., 129., 130., 131., relativamente da oposição pela requerida AA, Lda.”. Inconformada com esta decisão, na parte em que indeferiu a realização da perícia, veio a Requerida interpor o presente recurso de apelação, requerendo que fosse admitido com subida imediata e efeito suspensivo da decisão recorrida, por considerar que a continuação da marcha do processo, designadamente com a realização da audiência de julgamento, que já se encontra designada, é suscetível de lhe causar prejuízo considerável, oferecendo-se para prestar caução, mais requerendo que fosse dada sem efeito a designação de data para julgamento. Formulou na sua alegação as seguintes conclusões: A. No presente Recurso está em causa a providência cautelar não especificada pedida pelas Requerentes contra a ora Recorrente, cujos fundamentos resultam do requerimento inicial, que a Recorrente nessa parte aqui transcreveu; B. O requerimento de perícia colegial indeferido, por seu turno, fundamenta-se na oposição apresentada pela aqui Recorrente contra essa providência e, muito especialmente, nos factos ali alegados de 71 a 135, e é adequado e essencial para permitir determinar e comprovar o valor dos prejuízos concretamente alegados em 109 e 110 e o valor dos custos referidos em 111 e 129. C. A determinação e comprovação desses prejuízos e custos exigem e pressupõem conhecimentos técnicos e científicos específicos, em área técnica e científica para além da formação e habilitações, técnicas e científicas, de Juízes e Advogados, mostrando-se por isso este meio de prova adequado, nos termos do artigo 388.º do Código Civil, uma vez que tem, “por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem”. D. Por outro lado, a perícia indeferida é essencial à defesa da posição da Requerida, aqui Recorrente, por ser o único meio de prova que permite confirmar o que a esse respeito alegou na sua oposição. E. O direito de requerer a produção deste meio de prova pericial configura um verdadeiro direito potestativo, cujo exercício não pode ser recusado, sempre que, como no caso sob juízo, seja o adequado face ao justificadamente peticionado pelas partes nos seus articulados – como foi neste caso, pela requerida na oposição deduzida contra esta providência. F. É o que considera resultar claramente de uma interpretação do artigo 467.º n.º 1 do Código de Processo Civil em conformidade com a Constituição, e o direito de tutela jurisdicional efetiva e processo equitativo consagrado nos n.ºs 1 e 4 do seu artigo 20.º. G. A decisão recorrida viola, por isso, o artigo 388.º do Código Civil, do artigo 467.º n.º 1 do Código de Processo Civil e o artigo 20.º n.ºs 1 e 4 da Constituição. Termina a Apelante pugnando pela procedência do recurso, sendo ordenada a realização da perícia colegial requerida. A Ré-Apelada apresentou alegação de resposta, defendendo, no que ora importa, que: K. Quanto ao objecto do recurso, a Recorrente, na sua oposição, veio, entre outras questões, alegar um suposto crédito sobre as Recorridas no montante de € 2.882.047,01, alegando um suposto direito de retenção sobre os imóveis objecto dos autos. L. Para tal, alegou, em traços gerais, uma quebra de facturação e a realização de obras, em ambos os casos por factos imputáveis às Recorridas. M. Pretendendo a produção de prova pericial para demonstrar o valor da quebra de facturação e das obras realizadas. N. Sucede que, para além de esse valor ser logo calculado pela Recorrente na sua oposição, o mesmo poderia ser facilmente provado por documentos. O. Não sendo a prova pericial o "único meio de prova que permite confirmar o que a esse respeito alegou na sua oposição". P. A prova pericial em sede de procedimento cautelar tem de ser uma prova necessária ou imprescindível. Q. No entanto, a Recorrente não invocou qualquer facto que justificasse a exigência de conhecimentos técnicos e científicos especiais, não bastando que alegue essa exigência de forma genérica e sem qualquer concretização. R. Aliás, se houvesse essa necessidade, certamente não conseguiria a Recorrente quantificar o montante do seu crédito como o fez na sua oposição. S. Assim, podendo os factos alegados pela Recorrente ser provados por outros meios de prova, as perícias requeridas constituem uma prova dilatória, T. Mas também uma prova impertinente, uma vez que esse crédito não é o objecto dos autos. U. Motivo pelo qual o Tribunal a quo bem andou ao indeferir a realização de ambas as perícias, de acordo com o disposto no art.º 476.º, n.º 1, a contrario, do CPC. V. A decisão recorrida não padece de qualquer erro ou nulidade por omissão de pronúncia, uma vez que, a existir, a pronúncia sobre o reconhecimento do direito de retenção poderá ocorrer na sentença que venha a ser proferida, não tendo de ocorrer em momento prévio. W. Em todo o caso, sendo um dos pressupostos do direito de retenção o dever de entregar o bem alheio e tendo a Recorrente expressamente afastado esse dever na sua oposição (e em sede de processo principal), qualquer perícia para apurar o suposto crédito seria inútil, porquanto é a própria Recorrente que afasta a aplicação do direito de retenção no presente caso. X. Assim, andou bem o Tribunal a quo ao recusar a realização das duas perícias requeridas pela Recorrente, uma vez que se trata de um meio de prova, no caso, manifestamente dilatório e impertinente, quer por não ter relevância tendo em consideração o objecto dos autos, quer pelo facto de a Recorrente ter outros meios de prova ao seu dispor. Foi proferido despacho de admissão do recurso na 1.ª instância, considerando ser “legalmente admissível, ter sido interposto por quem tem legitimidade e ser tempestivo (em face do pagamento da taxa de justiça e multa em falta, liquidadas pela guia emitida em 03.03.2025)”, indicando-se (corretamente) que o recurso é de apelação, com subida em separado e efeito devolutivo. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. *** II - FUNDAMENTAÇÃO Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC). A única questão a decidir é a de saber se deve ser determinada a realização da perícia. Os factos que relevam para conhecimento do objeto do recurso são os enunciados no relatório. Apreciando. Estabelece o art.º 388.º do CC, sob a epígrafe “Objecto”, que: “A prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial.” Por sua vez, o art.º 389.º do CC estabelece que: “A força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal.” O regime da prova pericial encontra-se ainda consagrado nos artigos 467.º a 489.º do CPC, em que avulta, no que ora importa, o disposto no art.º 476.º, sob a epígrafe “Fixação do objeto da perícia”: “1 - Se entender que a diligência não é impertinente nem dilatória, o juiz ouve a parte contrária sobre o objeto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição. 2 - Incumbe ao juiz, no despacho em que ordene a realização da diligência, determinar o respetivo objeto, indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes ou ampliando-o a outras que considere necessárias ao apuramento da verdade.” Como pano de fundo destas regras, importa também ter presente o princípio do inquisitório consagrado no art.º 411.º do CPC, nos seguintes termos: “Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.” De salientar que, conforme explicam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre no seu “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, em anotação ao art.º 411.º do CPC (pág. 208), os poderes-deveres do juiz aí estabelecidos «não se limitam à prova de iniciativa oficiosa, como mostra o segmento “mesmo oficiosamente”. Ao juiz cabe também realizar ou ordenar as diligências dos procedimentos probatórios relativos aos meios de prova propostos pelas partes, na medida em que necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio. Daqui se pode extrair, a contrario, que lhe cabe rejeitar os meios de prova desnecessários, dentro dos limites em que o direito fundamental do acesso à justiça o permita». Referem ainda estes autores, na mesma obra (pág. 326), em anotação ao art.º 476.º, a respeito da perícia, que o “juiz verificará se ela é impertinente, por não respeitar aos factos da causa, ou dilatória, por, respeitando embora aos factos da causa, o seu apuramento não requerer o meio da prova pericial, por não exigir os conhecimentos especiais que esta pressupõe (art.º 388 C). (…) Sobre a admissibilidade da prova pericial nos procedimentos cautelares, nomeadamente atendendo à celeridade destes, veja-se, em sentido afirmativo, o ac. do TRP de 31.5.11, Rodrigues Pires, www.dgsi.pt, proc. 468/10.” Sem olvidar ainda o princípio do processo equitativo, ínsito nos princípios fundamentais do Estado de direito democrático e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva (cf. artigos 2.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa e 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem), do qual se extrai, além do mais, a possibilidade de as partes em litígio apresentarem as provas que considerem relevantes para habilitar o tribunal a proferir uma decisão justa. É sabido que as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos, conforme expressamente previsto no art.º 341.º do CC (a prova ou contraprova dos factos), impondo o n.º 4 do referido art.º 607.º que o juiz analise criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção. Nessa senda, sem prejuízo das situações legalmente previstas de “prova tarifada”, vigora o princípio da livre apreciação das provas, consagrado designadamente na 1.ª parte do n.º 5 do art.º 607.º do CPC, nos termos do qual “(O) juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.” Sendo certo que a convicção segura do julgador não se trata, como é pacífico (até porque seria normalmente impossível de obter), de uma certeza absoluta. Neste sentido, veja-se, por ex., Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, in “Direito Processual Civil”, Vol. I, Almedina, fevereiro 2010, págs. 274-277 (cf. pág. 277), afirmando que está sujeita à livre apreciação do tribunal a generalidade das provas produzidas na audiência de julgamento, v.g. a força probatória das respostas dos peritos, do resultado da prova por inspeção judicial e dos depoimentos das partes ou das testemunhas (arts. 389.º, 391.º e 396.º do CC), cedendo tal princípio perante situações de prova legal ou tarifada, acrescentando que “(N)ão se torna, porém, exigível que a convicção do julgador sobre a validade dos factos alegados pelas partes assente num juízo de certeza absoluta, bastando que se baseie num juízo de razoável probabilidade ou verosimilhança, v.g. legitimado com recurso às presunções judiciais (arts. 349.º e 352.º do CC). Tudo sendo sabido que, em caso de dúvida insanável, há que fazer funcionar as regras distributivas do ónus da prova e da respectiva satisfação/insatisfação pela parte sobre a qual esse encargo legalmente impendia” (cf. arts. 342.º a 348.º do CC e 414.º do CPC). De salientar que, no âmbito dos procedimentos cautelares (sem prejuízo do regime da inversão do contencioso, que ora não vem ao caso – cf. art.º 369.º do CPC), o standard probatório é “aligeirado”, atenta a finalidade do procedimento e a sua relação com a ação principal; o tribunal deverá decidir tendo em consideração a prova indiciária produzida, bastando-se com a aparência do direito; imperam, pois, os princípios do fumus boni juris e da summaria cognitio, sendo a tramitação simplificada e com caráter urgente (cf. artigos 363.º, 364.º e 368.º do CPC). Nesta medida, pese embora não esteja vedada a prova pericial, o juiz, na ponderação a fazer sobre a necessidade, pertinência e carácter dilatório da perícia, não poderá perder de vista tais especificidades do procedimento cautelar, bem como outros importantes princípios do processo civil, mormente os princípios da economia processual e da limitação dos autos (cf. artigos 6.º e 130.º do CPC). Daí que se entenda que, no âmbito dos procedimentos cautelares, é admissível a produção de prova pericial (requerida pelas partes ou oficiosamente determinada), mas apenas quando se trate de prova necessária, imprescindível, por incidir sobre factos essenciais (cf. art.º 5.º, n.º 1, do CPC) cuja averiguação exija conhecimentos especiais, em termos técnico-científicos. Neste sentido, destacamos, a título exemplificativo, os acórdãos (disponíveis em www.dgsi.pt): - da Relação de Coimbra de 13-12-2023, proferido no proc. n.º 1462/23.3T8VIS-B.C1, conforme se alcança do respetivo sumário: “1. - Em procedimento cautelar, é admissível a produção de prova pericial, ainda que oficiosamente determinada, desde que se trate de prova necessária/imprescindível, designadamente por os factos probandos essenciais demandarem especiais conhecimentos técnicos ou científicos, não ao alcance do comum das pessoas. 2. - Justifica-se a produção de prova pericial quando esteja em causa pedido de imediato encerramento de estabelecimento de restauração, instalado em fração autónoma de prédio constituído em propriedade horizontal, ou a imediata proibição de qualquer atividade nesse estabelecimento – com os inerentes prejuízos económicos –, com fundamento em perigo para a saúde e a vida de pessoas/famílias residentes em frações autónomas habitacionais do mesmo edifício, por via da emissão de fumos, cheiros, gases e ruídos, razão pela qual também foi pedida a inversão do contencioso. 3. - As exigências probatórias inerentes aos procedimentos cautelares e o caráter urgente do respetivo procedimento não são de molde a afastar, de per si, a possibilidade de produção de prova pericial, dependendo a decisão sobre a admissão/produção desse meio de prova da natureza dos factos probandos e das particularidades do caso. 4. - A prova técnica assim obtida – sempre sujeita à urgência de que se reveste o procedimento cautelar – pode ser usada no julgamento da causa principal, desde que nesta o tribunal o deixe transparecer claramente, mormente na justificação da decisão da matéria de facto.” - da Relação de Évora de 11-11-2021, no proc. n.º 115/21.1T8TVR-A.E1, em cujo sumário se refere precisamente que: “I – Requerida, no articulado de oposição deduzido em procedimento cautelar, a realização de prova pericial, deve o juiz verificar se a perícia se mostra impertinente ou dilatória, bem como se é necessária a produção de tal meio de prova, recusando a realização de perícia que considere impertinente ou dilatória, assim como a que entenda desnecessária; II – Se a perícia se destina à prova de factos cuja perceção e apreciação não exige conhecimentos especiais, em termos técnico-científicos, de que o juiz não disponha, mostra-se tal prova dilatória; se se destinar à prova de elementos conclusivos que não configuram matéria de facto, a perícia mostra-se impertinente.” No presente procedimento cautelar, em que não foi requerida a inversão do contencioso, a Requerida, ora Apelante, pretende que seja realizada perícia colegial para determinar o valor dos prejuízos alegados nos artigos 109 e 110 da sua Oposição – ou seja, a redução de faturação equivalente a cerca 30% da faturação média do estabelecimento, considerando como referência os anos 2017 e 2018, que representa até à data prejuízos no valor de, pelo menos, 500.000 € –, bem como para determinar o valor dos custos alegados nos artigos 111 e 129 da sua Oposição – ou seja, que, em consequência das obras concluídas do hotel aberto, tem tido constante a necessidade de proceder a reparações urgentes para permitir a continuação da exploração pelo menos da loja no rés-do-chão, e que as Requerentes efetuaram e custearam integralmente, no seguimento dos contratos de cessão da posição contratual celebrados em 1 de novembro de 2013, obras de adaptação e manutenção dos locados, que aí haviam sido expressamente autorizadas por aquela senhoria: substituição da escada metálica de ligação entre a cave, r/c e 1.º piso; reforço estrutural para demolição parcial da fachada tardoz no 1.º piso; reforço estrutural para alteração dos pilares no rés-do-chão, demolição do mezanino; criação do respetivo reforço estrutural; ligação com a loja sita na .... Muito embora o objeto da perícia indicado pela Requerida diga respeito a “factos da causa”, os mesmos mostram-se conclusivos (pelo menos os vertidos nos artigos 109, 110 e 111). Além disso, conforme se refere na decisão recorrida, não se tratam de factos atinentes aos pressupostos legais da providência cautelar requerida, pelo que a perícia não servirá para prova ou contraprova de tais factos. Nem se afigura clara a relevância substantiva dos factos em questão, já que não foram enquadrados, no articulado de Oposição, como integrando matéria de exceção perentória, mas defesa por impugnação. Reconhecemos que a sua alegação se prenderá com a afirmação do (invocado) direito de retenção, ao abrigo do disposto no art.º 754.º do CC. Porém, sendo este um direito real de garantia (não de gozo), estando previsto, como regra geral, para as situações em que o obrigado a entregar certa coisa seja titular de crédito resultante de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causado, não é claro que possa configurar facto impeditivo (muito menos modificativo ou extintivo) do direito invocado pelas Requerentes, já que estas se limitaram, no procedimento cautelar, a requerer uma desocupação temporária, pelo prazo de 6 meses, de uma parte do “complexo predial” locado. Por outro lado, parece-nos evidente que a perícia não é o único meio de prova de que a Requerida dispõe para demonstrar os factos alegados em apreço, tanto assim que indicou outros meios de prova para o efeito, designadamente documentos e depoimento de parte, o qual foi admitido, designadamente no tocante aos factos vertidos nos artigos 109, 111 e 129, não havendo motivo sério para considerar que a prova – tanto mais sendo meramente indiciária – daqueles factos não possa ser feita sem que o juiz disponha da opinião técnica/científica abalizada de perito(s). Por isso, e sendo manifesto que a realização de uma perícia iria contribuir para retardar a prolação de decisão final, num procedimento de caráter urgente, em que o princípio da celeridade processual assume especial importância, não podemos deixar de considerar que a perícia em questão se mostra desnecessária e dilatória, sendo acertada a decisão que a indeferiu. Assim, sem necessidade de mais considerações, entendemos que improcedem as conclusões da alegação de recurso, ao qual será negado provimento. Vencida a Requerida-Apelante, é responsável pelo pagamento das custas processuais (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC). *** III - DECISÃO Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso, mantendo-se, em consequência, a decisão recorrida. Mais se decide condenar a Requerida-Apelante no pagamento das custas do recurso. D.N. Lisboa, 10-04-2025 Laurinda Gemas Susana Mesquita Gonçalves Rute Sobral |