Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
23417/20.0T8LSB-A.L1-4
Relator: ALVES DUARTE
Descritores: AIJRLD
CRÉDITOS LABORAIS
INSOLVÊNCIA DO EMPREGADOR
SOCIEDADE EM RELAÇÃO DE DOMÍNIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: A insolvência da sociedade empregadora decretada após a fase dos articulados não afasta a possibilidade de na acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento ser efectuada a responsabilidade pelos créditos laborais de uma sociedade, terceira interveniente, que com ela estava numa relação de domínio, devendo a acção prosseguir seus termos apenas entre o apelante autor trabalhador e essa apelada sociedade terceira interveniente.


(Elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


IRelatório.


AAA intentou a presente acção declarativa, com processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do seu despedimento contra DESCOBRIRPRESS – Serviços Editoriais e Gráficos, S.A. a qual, por sentença proferida no dia 14-11-2022, transitado em julgado, foi julgada extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, com fundamento em que, "por sentença proferida no dia 04-10-2022, no âmbito do processo n.º 7458/20.0T8SNT do Juízo do Comércio de Sintra, Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, transitada em julgado no dia 24-10-2022, foi declarada a insolvência da empregadora".

Na sequência e na mesma data da sentença atrás referida, foi proferido o seguinte despacho:
"Por despacho de 19-04-2021 foi admitida a intervenção principal, como ré, da IMPALAGEST – Consultadoria de Gestão, S.A. (Zona Franca Da Madeira) [anteriormente denominada IMPALAGEST – Sociedade Gestora de Participações, S.A.].
Conforme decorre do referido despacho, tal intervenção foi admitida nos termos conjugados dos artigos 334.º do CT e 486.º do CSC, porquanto, estando a mesma, objectivamente, numa situação de domínio em relação à empregadora DESCOBRIRPRESS – Serviços Editoriais e Gráficos, S.A., a lei atribui-lhe uma função de garante pelos créditos emergentes de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, vencidos há mais de três meses.

Conforme igualmente decorre do mencionado despacho, o intuito da possibilidade prevista no artigo 98.º-L, n.º 3, do CPT de reclamação de outros créditos emergentes do contrato de trabalho, sua violação ou cessação é o de possibilitar a discussão nesta acção de todas as questões pendentes entre o trabalhador e o seu empregador, o que vale por dizer que os sujeitos processuais da discussão no âmbito da presente acção especial são apenas o trabalhador e o empregador [ou empregadores].

Tem-se admitido que, a par dessa discussão, o trabalhador possa demandar outros sujeitos, garantes do empregador nos termos e para os efeitos do artigo 334.º do CT, os quais responderão a final, nessa qualidade, nos mesmos termos em que venha a responder o empregador. Porém, tal não autoriza a que, no âmbito da presente acção especial, seja enxertada uma acção comum de efectivação da responsabilidade solidária; como se refere no citado despacho «…a discussão e apreciação da responsabilidade solidária nos termos do artigo 334.º, do Código do Trabalho, não tem aqui cabimento legal, sendo o meio processual adequado para dar resposta a esta pretensão a acção comum, prevista e regulada nos artigos 51.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho».

Ora, tendo a intervenção da IMPALAGEST – Consultadoria de Gestão, S.A. (Zona Franca da Madeira) sido admitida nos termos e com esses limites – ou seja, permitir ao trabalhador efectivar a função de garante daquela relativamente aos créditos laborais pelos quais a empregadora viesse a ser condenada, se e nessa medida –, face à extinção da instância por inutilidade da lide relativamente à empregadora suscita-se a questão da admissibilidade do prosseguimento da presente acção apenas contra a interveniente, face ao supra exposto, e tendo em conta o disposto nos artigos 90.º e 128.º, n.º 5, do CIRE.

Assim sendo, tendo presente o disposto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC, convida-se o trabalhador e a interveniente a, querendo e em dez dias, se pronunciarem sobre a questão ora suscitada".

Ambas as partes pronunciaram-se sobre a questão, alegando, em síntese:

i.a interveniente, que:
Foi admitida a intervir nos presentes autos, apenas e tão só, de forma a permitir ao trabalhador efectivar a função de garante relativamente aos créditos laborais pelos quais a empregadora viesse a ser condenada.
O trabalhador terá de reclamar o seu crédito no processo de insolvência, não estando dispensado de o fazer, mesmo que o crédito já esteja reconhecido por decisão definitiva.
Ora, tendo a presente acção se extinguido relativamente à entidade empregadora e não podendo haver nesta acção a condenação desta,
É inútil que a presente acção prossiga apenas contra a ora Interveniente, na medida em que, não se poderá discutir o objecto desta acção porque a entidade empregadora deixou de ser Ré,
E, em consequência, não poderá haver condenação da entidade empregadora,
Logo, não poderá resultar qualquer condenação para a ora Interveniente;
Razão pela qual, deve julgar-se extinta a acção, por inutilidade superveniente da lide, no que àquela respeita.

ii.o autor, que:
Nos termos do disposto no artigo 334.º, do Código do Trabalho, por crédito emergente de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, vencido há mais de três meses, respondem solidariamente o empregador e sociedade que com este se encontre em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, nos termos previstos nos artigos 481.º, e seguintes do Código das Sociedades Comerciais.

Assim, de acordo com a citada disposição legal, sempre que o empregador integrar uma das modalidades de coligação societária previstas nos termos dos artigos 481.º e seguintes, do Código das Sociedades Comerciais, os trabalhadores podem exigir, não só da sociedade empregadora mas também de qualquer uma das restantes sociedades coligadas, a totalidade dos créditos emergentes do contrato de trabalho, assim como da sua violação ou cessação, verificado que seja o requisito temporal do vencimento há mais de três meses.

Nestes casos, o trabalhador pode, se assim o desejar, accionar directamente qualquer uma das empresas pertencentes ao grupo, apesar de não serem os seus empregadores e sem passar previamente pelo seu próprio empregador.

Este artigo estabelece, pois, um regime de responsabilidade solidária em contexto de grupo, que reveste natureza especificamente laboral, que prevalece, enquanto regime especial, sobre o regime geral do Código das Sociedades Comerciais (neste sentido, vide o douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25 de Junho de 2012, processo n.º 595/10.0TTBCL.PI, disponível em www.dgsi.pt).

Aplicando-se o regime da responsabilidade solidária previsto no artigo 334.º, do Código do Trabalho, quando estejam em causa sociedades em relação de participações recíprocas, de domínio, ou de grupo.

In casu, entre a Ré e a Interveniente Principal existe uma coligação societária, na modalidade de relação de domínio, nos termos e para os efeitos do disposto no Código das Sociedades Comerciais.

Em consequência, tal como decidiu, e bem, despacho de 19 de Abril de 2021, a Interveniente Principal tem legitimidade passiva na presente acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento.

Neste sentido, vide o douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30 de Maio de 2012, processo n.º 190/11.7TTFUN.L1-4, relatora Maria João Romba, publicado em www.dgsi.pt.

E a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, no que respeita à Ré, em nada afecta a legitimidade passiva da Interveniente Principal, bem como o prosseguimento da presente acção apenas contra a mesma, pois, tal como o Autor se pronunciou no dia 20 de Outubro de 2022, de acordo com o previsto no artigo 334.º, do Código do Trabalho, a Interveniente Principal responde solidariamente com a Ré, pelos créditos emergentes da execução e da cessação do contrato de trabalho do Autor, responsabilidade solidária essa que não é afectada pela declaração de insolvência da Ré, com a consequente extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, no que respeita à mesma.

Nestes termos e com estes fundamentos, o Autor pronuncia-se novamente no sentido de a presente acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, dever prosseguir os seus termos contra a Interveniente Principal.

Foi então proferida sentença na qual foi decidido o seguinte:
"Destarte, e nos termos do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil (aplicável ex vi do artigo 1.º n.º 2 alínea a) do Código de Processo do Trabalho), julgo extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide, no que respeita à interveniente IMPALAGEST – Consultadoria de Gestão, S.A. (Zona Franca da Madeira)".

Inconformado, o autor interpôs recurso, pedindo que a sentença seja revogada e substituída por outra que determine (i) que a presente acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento deve prosseguir os seus termos contra a Interveniente Principal ou, subsidiariamente, no caso de se entender que a presente acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento não pode prosseguir os seus termos contra a Interveniente Principal, (ii) que convole a mesma para acção com processo comum, ao abrigo do disposto no artigo 547.º, do Código de Processo Civil, culminando a alegação com as seguintes conclusões:
(…)

A apelada não contra-alegou.

Admitido o recurso na 1.ª Instância e remetido a esta Relação, foram os autos com vista ao Ministério Público,[1] tendo a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta sido de parecer que o recurso não merece provimento.

Apenas o apelante respondeu ao parecer do Ministério Público e para reafirmar as razões já elencadas na apelação.

Colhidos os vistos,[2] cumpre agora apreciar o mérito da apelação, cujo objecto, como pacificamente se considera, é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, ainda que sem prejuízo de se ter que atender às questões que o tribunal conhece ex officio.[3]

Assim, importa apurar:
a nulidade do despacho, por omissão de pronúncia;
se a insolvência da sociedade empregadora não afasta a possibilidade de na acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento ser efectuada a responsabilidade pelos créditos laborais de uma sociedade que com ela estava numa relação de domínio, devendo a acção prosseguir seus termos apenas entre o apelante autor trabalhador e a apelada sociedade terceira interveniente;
subsidiariamente, se deve  convolar-se aquela acção declarativa com processo especial em acção de processo comum.
***

IIFundamentos.

1.A sentença recorrida:

"Inutilidade/impossibilidade superveniente da lide (quanto à interveniente):
Por despacho de 19-04-2021 foi admitida a intervenção principal, como ré, da IMPALAGEST – Consultadoria de Gestão, S.A. (Zona Franca da Madeira) [anteriormente denominada IMPALAGEST – Sociedade Gestora de Participações, S.A.].

Conforme decorre do referido despacho, tal intervenção foi admitida nos termos conjugados dos artigos 334.º do CT e 486.º do CSC, porquanto, estando a mesma, objectivamente, numa situação de domínio em relação à empregadora DESCOBRIRPRESS – Serviços Editoriais e Gráficos, S.A., a lei atribui-lhe uma função de garante pelos créditos emergentes de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, vencidos há mais de três meses.

Conforme igualmente decorre do mencionado despacho, o intuito da possibilidade prevista no artigo 98.º-L, n.º 3, do CPT de reclamação de outros créditos emergentes do contrato de trabalho, sua violação ou cessação é o de possibilitar a discussão nesta acção de todas as questões pendentes entre o trabalhador e o seu empregador, o que vale por dizer que os sujeitos processuais da discussão no âmbito da presente acção especial são apenas o trabalhador e o empregador [ou empregadores].

Tem-se admitido que, a par dessa discussão, o trabalhador possa demandar outros sujeitos, garantes do empregador nos termos e para os efeitos do artigo 334.º do CT, os quais responderão a final, nessa qualidade, nos mesmos termos em que venha a responder o empregador. Porém, tal não autoriza a que, no âmbito da presente acção especial, seja enxertada uma acção comum de efectivação da responsabilidade solidária; como se refere no citado despacho «…a discussão e apreciação da responsabilidade solidária nos termos do artigo 334.º, do Código do Trabalho, não tem aqui cabimento legal, sendo o meio processual adequado para dar resposta a esta pretensão a acção comum, prevista e regulada nos artigos 51.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho».

Consequentemente, tendo a intervenção da IMPALAGEST – Consultadoria de Gestão, S.A. (Zona Franca da Madeira) sido admitida nos termos e com esses limites – ou seja, permitir ao aqui trabalhador efectivar a função de garante daquela relativamente aos créditos laborais pelos quais a empregadora viesse a ser condenada, se e nessa medida –, face à extinção da instância por inutilidade da lide relativamente à empregadora afigura-se-nos inadmissível o prosseguimento da acção apenas contra a interveniente.

Com efeito, se [caso a acção tivesse mantido o seu curso normal] não seria cogitável um desfecho em que, sendo a empregadora DESCOBRIRPRESS – Serviços Editoriais e Gráficos, S.A. absolvida dos pedidos contra si deduzidos pelo empregador, a interveniente pudesse ser condenada no pagamento desses créditos (porquanto a sua posição de garante dependeria sempre da prévia responsabilização do empregador), também não se afigura como possível que os presentes autos prossigam para apreciação da responsabilidade da garante por créditos laborais que apenas poderão ser exercidos e reconhecidos em sede de processo de insolvência, por força do disposto nos artigos 90.º e 128.º, n.º 5, do CIRE. Sendo a insolvência um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência (cfr. artigo 1.º, n.º 1, do CIRE), é no âmbito do processo de insolvência que devem ser apreciadas todas as pretensões de todos os credores relativamente a todo o património da insolvente. A lei não admite que um credor possa obter pagamento, em detrimento dos demais, à margem do processo de insolvência, pelo património da insolvente.

Ou seja, mais do que a inutilidade superveniente da lide, relativamente ao empregador, declarada pelo despacho de 14-11-2021, é a causa dessa inutilidade (a insolvência do empregador) que em nosso entender obsta ao prosseguimento da presente acção apenas contra o garante.

A presente acção, tal como se encontrava configurada, perdeu o seu efeito útil normal, o que determina a sua extinção, por impossibilidade superveniente da lide, também contra a interveniente IMPALAGEST – Consultadoria de Gestão, S.A. (Zona Franca da Madeira).

Destarte, e nos termos do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil (aplicável ex vi do artigo 1.º n.º 2 alínea a) do Código de Processo do Trabalho), julgo extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide, no que respeita à interveniente IMPALAGEST – Consultadoria de Gestão, S.A. (Zona Franca da Madeira)".

2.Apreciação jurídica.

2.1–A primeira questão atrás enunciada traduz-se em saber se o despacho recorrido padece de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do Código de Processo Civil porquanto, na perspectiva do apelante:
"foi notificado para se pronunciar sobre a questão da admissibilidade do prosseguimento da presente especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento apenas contra a Interveniente Principal, na sequência da extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, no que respeita à Ré;
requereu, subsidiariamente, ao abrigo do disposto no artigo 547.º, do Código de Processo Civil, que a presente acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento fosse convolada para acção com processo comum;
a decisão recorrida não se pronunciou sobre a questão da convolação… pelo que deixou de se pronunciar sobre uma questão que devia ter… o que determina a sua nulidade por omissão de pronúncia, nos termos previstos no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), primeira parte, do Código de Processo Civil".

Vejamos então se assiste razão.

O normativo em causa reza assim:

"1.– É nula a sentença quando:
(…)
d)-O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
(…)".

A sentença recorrida considerou, inter alia, que:
"Tem-se admitido que, a par dessa discussão, o trabalhador possa demandar outros sujeitos, garantes do empregador nos termos e para os efeitos do artigo 334.º do CT, os quais responderão a final, nessa qualidade, nos mesmos termos em que venha a responder o empregador. Porém, tal não autoriza a que, no âmbito da presente acção especial, seja enxertada uma acção comum de efectivação da responsabilidade solidária; como se refere no citado despacho «…a discussão e apreciação da responsabilidade solidária nos termos do artigo 334.º, do Código do Trabalho, não tem aqui cabimento legal, sendo o meio processual adequado para dar resposta a esta pretensão a acção comum, prevista e regulada nos artigos 51.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho».

Consequentemente, tendo a intervenção da IMPALAGEST – Consultadoria de Gestão, S.A. (Zona Franca da Madeira) sido admitida nos termos e com esses limites – ou seja, permitir ao aqui trabalhador efectivar a função de garante daquela relativamente aos créditos laborais pelos quais a empregadora viesse a ser condenada, se e nessa medida –, face à extinção da instância por inutilidade da lide relativamente à empregadora afigura-se-nos inadmissível o prosseguimento da acção apenas contra a interveniente".

Assim, por um lado a sentença ponderou que o meio processual adequado para dar resposta à pretensão do apelante era a acção comum e, por outro, que "tal não autoriza a que, no âmbito da presente acção especial, seja enxertada uma acção comum de efectivação da responsabilidade solidária".[4]
Ou seja, independentemente do bem fundado dessa proposição, que não importa para a solução da questão de saber se foi cometida ou não a nulidade por omissão de pronúncia, fica claro que esta não se verificou, pois que não só a questão foi expressamente enfrentada como afastada a pretensão suscitada pelo apelante da convolação ter lugar dado que em todo o caso a acção não poderia prosseguir apenas contra a interveniente.

2.2–A segunda questão consiste em saber se a insolvência da sociedade empregadora afasta ou não a possibilidade de na acção ser efectuada a responsabilidade pelos créditos laborais de uma sociedade que com ela estava numa relação de domínio.

Conforme se infere do art.º 334.º do Código do Trabalho, a responsabilidade da sociedade dominante pelos créditos laborais dos trabalhadores contra a sociedade empregadora por ela dominada é solidária; e sendo solidária, diz o n.º 1 do art.º 512.º do Código Civil que "cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera, ou quando cada um dos credores tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral e esta libera o devedor para com todos eles"; pelo que, enfatiza o art.º 518.º do mesmo diploma, "ao devedor solidário demandado não é lícito opor o benefício da divisão; e, ainda que chame os outros devedores à demanda, nem por isso se libera da obrigação de efectuar a prestação por inteiro".

Por isso é que Diogo Vaz Marecos, Código do Trabalho, Comentado, 2020, 4.ª edição, Almedina, Coimbra, página 825, considera que "o trabalhador que detenha um crédito laboral abrangido por este art.º 334.º, pode demandar qualquer uma das sociedades, ou seja, não só aquela que assume a qualidade de empregador, como qualquer uma das sociedades que com o empregador se encontrem em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo" e no mesmo sentido Joana de Vasconcelos, in Pedro Romano Martinez e outros, Código do Trabalho Anotado, 13.ª edição, Almedina, Coimbra, 2020, página 795, sustentando que "ocorrendo a relação de coligação relevante e preenchido o requisito relativo ao crédito laboral que se pretende fazer valer, qualquer trabalhador das sociedades envolvidas pode dirigir-se à sua empregadora ou a uma outra, sejam quais forem as posições por estas reciprocamente ocupadas na relação de domínio ou de grupo"; sendo certo, refere esta última A., no loc. cit., página 794, que "a responsabilidade das sociedades coligadas com a sociedade empregadora por créditos laborais dos seus trabalhadores assenta na mera existência entre estas de uma das situações de coligação intersocietária para tanto relevantes (..), pelo que depende, apenas, da invocação pelo trabalhador da relação que, no caso, se verifique".  E na mesma linha segue a jurisprudência, como no caso do acórdão da Relação do Porto, de 25-06-2012, no processo n.º 595/10.0TTBCL.P1, publicado em http://www.dgsi.pt, "o artigo 334.º do CT tem como finalidade a protecção dos trabalhadores, procedendo ao reforço da tutela dos mesmos quando se encontram num contexto de grupo, que determina a sujeição das sociedades do grupo ao regime da responsabilidade solidária dos créditos laborais. Nestes casos, o trabalhador pode, se assim o desejar, accionar directamente qualquer uma das empresas pertencentes ao grupo, apesar de não serem os seus empregadores e sem passar previamente pelo seu próprio empregador"; e mais recentemente o acórdão da Relação de Lisboa, de 07-02-2018, no processo n.º 13340/16.8T8SNT.L1-4, publicado em http://www.dgsi.pt, assim sumariado: "I-Para que possa existir responsabilidade solidária pelo pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação é necessário que, cumulativamente, (i) se verifique uma relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo entre o empregador e outra ou outras sociedades e (ii) se trate de créditos vencidos há mais de três meses; II-Sendo a responsabilidade solidária, assiste ao credor o direito de demandar os devedores conjuntamente, em litisconsórcio voluntário – art.º 517.º do Código Civil e art.º 32.º do Código de Processo Civil – ou, nos termos do previsto no art.º 519.º, n.º 1 do Código Civil, exigir de qualquer dos devedores toda a prestação, ou parte dela, proporcional ou não à quota do interpelado ressalvando, contudo, este normativo que: 'se exigir judicialmente a um deles a totalidade ou parte da prestação, fica inibido de proceder judicialmente contra os outros pelo que ao primeiro tenha exigido salvo se houver razão atendível, como a insolvência ou risco de insolvência do demandado, ou dificuldade, por outra causa, em obter dele a prestação'; III-Decorre do referido que o facto de a Autora ter reclamado o seu crédito no âmbito de um processo especial de revitalização da sociedade empregadora, isso não é impeditivo de efectivar a reclamação do seu crédito contra sociedades coligadas com aquela numa relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, uma vez que o regime legalmente estabelecido entre elas é o da responsabilidade solidária".

Ora bem, aqui chegados é tempo de revisitar a decisão que admitiu a intervenção de terceiro da ora apelada, a qual para o que importa considerou o seguinte:[5]
"Sem prejuízo das considerações já tecidas e que, em bom rigor, o foram em sede de procedimento cautelar, e visto ter sido o tribunal confrontado com o presente incidente, entende-se ser de rever, em elevada medida, o juízo já exposto. E assim o faremos justificando a alteração do nosso entendimento o qual não temos qualquer reserva em rever.
Assim e se ab initio se não se nos afigura possível a propositura da acção quanto aos eventuais responsáveis solidários, visto a acção não ter, nessa fase, qualquer articulado relativamente ao qual possam exercer o contraditório mas tão só e apenas o formulário, não sendo possível a esses responsáveis apresentar articulado motivador de um despedimento que, em rectas contas, não promoveram, já numa fase subsequente e através da dedução do incidente de intervenção principal provocada em sede de contestação, tal intervenção tem, no nosso ver, todo o cabimento. É evidente que a dedução de um tal incidente, com toda a tramitação subsequente que importa, pode ter repercussões no âmbito da tramitação da acção, que se quer célere atenta a sua natureza urgente. De todo o modo e apelando ao princípio da adequação formal e, bem assim, ao princípio da economia processual, é possível enxertar na acção, após a contestação do trabalhador e apresentando este nessa peça processual todas as razões que subjazem à intervenção que requer, um articulado no qual o ou os intervenientes tenham a possibilidade de contraditar o fundamento da sua demanda. Por outro lado, obrigar o trabalhador a propor uma outra acção, comum, representaria um sacrifício injustificado visto poder, num único processo, resolver todas as questões que têm que ver com o pedido que formula . Vale o exposto por dizer que a celeridade processual que se pretende seja emprestada à presente acção deverá ceder face aos demais interesses em presença.
Daí que, do ponto de vista processual, seja admissível o incidente deduzido pelo trabalhador".

De seguida, após analisar o quadro normativo desenhado nos art.os 334.º do Código do Trabalho e 483.º, n.º 2, 486.º, 488.º e 489.º do Código das Sociedades Comerciais, a Mm.ª Juiz a quo (que decidiu o incidente de intervenção de terceiros) concluiu assim:
"Ora, analisada a alegação produzida pelo trabalhador com vista à intervenção provocada de todas as requeridas e que o mesmo entende consubstanciar uma situação de domínio, entende-se, com todo o respeito, que tal situação apenas se verifica no que concerne à requerida 'Impalagest - Sociedade Gestora de Participações, SA'. Na verdade, apenas esta requerida, por deter 95,09% do capital social da entidade empregadora, reúne os pressupostos que permitem a sua intervenção. Todas as demais requeridas não estão, para com a entidade empregadora, em nenhuma situação de domínio, sendo irrelevante que, em relação a algumas, a requerida já identificada esteja, em abstracto, nessa situação. O que relevaria seria sempre a sua relação com a entidade empregadora que, no caso, inexiste.

Por outro lado, a não ser a requerida já identificada, nenhuma das outras requeridas detém participação na entidade empregadora, do mesmo passo que a empregadora nelas não detém participação, assim resultando afastada a possibilidade de a sua demanda assentar no regime da simples participação ou de participações recíprocas.

Finalmente, face ao alegado não se vislumbra a existência de uma situação de relação de grupo, seja inicial, seja subsequente. Aliás, sequer se mostram alegados factos que substanciem uma tal relação.

Em síntese, o tribunal, julgando parcialmente procedente o incidente de intervenção principal provocada, determina a intervenção da sociedade 'IMPALAGEST - Sociedade Gestora de Participações, S.A.', não admitindo tal intervenção quanto às demais sociedades requeridas".

Aqui chegados, convém agora referir sumariamente que após apresentado o formulário a acção seguiu seus termos, tendo a ré apresentado o articulado motivador, o trabalhador deduzido o incidente de intervenção de terceiros, contestado e reconvindo, a ré respondido, a terceira (ora apelada) veio aos autos "declara[r] que faz seus todos os articulados já apresentados pela Ré DescobrirPress - Serviços Editoriais e Gráficos, SA, dando-se aqui por reproduzido na íntegra todo o articulado do 'Articulado Motivador do Despedimento por Decisão de Despedimento Individual por Facto Imputável ao Trabalhador' e 'Resposta', oferecidos nestes autos pela identificada Ré, nos termos e para os efeitos do art.º 319.º, n.º 3 do C.P.C.", designada e realizada uma sessão da audiência de julgamento na qual as partes pediram e obtiveram a suspensão da instância com vista a formalizarem o acordo que entretanto haviam perspectivado, o que se não efectivou e determinou a que a instância prosseguisse com a audiência de julgamento; e por fim, porque havia chegado ao processo informação sobre a declaração de insolvência da ré, seguiu-se a prolação da sentença a julgar extinta a instância quanto a ela e a audição do autor e da terceira interveniente e posterior decisão de extinção da instância quanto a ambos, por impossibilidade superveniente da lide e consequente apelação dessa decisão, que é o que ora nos move.

Assim sendo as coisas, e em boa verdade, deve dizer-se, como antecipara a Mm.ª Juiz a quo aquando da decisão do incidente de intervenção de terceiros, nenhum obstáculo subsiste agora a que a acção prossiga seus termos entre as partes remanescentes (autor e interveniente), pois que nela foram enunciadas pela empregadora (agora insolvente) as razões para proceder ao despedimento do trabalhador e as deste para o reputar como ilícito, foi já produzido o substancial da prova relevante para a boa decisão da causa e, portanto, resta concluir o que nessa parte possa ainda ter que ser realizado e proferida a sentença sobre o litígio submetido a juízo. É que, repare-se bem: se pode admitir-se que o autor não poderia demandar ab initio (apenas) a interveniente pois que não tendo sido esta quem procedeu ao despedimento naturalmente também não disporia dos meios para se poder defender neste tipo de acção contra o trabalhador, a verdade é que tal como as coisas nesta fase se configuram no processo esse obstáculo já não existe e tudo se passa como se estivéssemos numa acção declarativa com processo comum intentada pelo trabalhador directamente contra a interveniente, a qual, de resto, o Mm.º Juiz a quo considerou forma adequada à realização do interesse daquele contra esta (como vimos ser comummente admissível).[6]

Deve, portanto, conceder-se a apelação, revogar a sentença recorrida e determinar, caso nada de contrário do que aqui foi apreciado o impeça, que os autos prossigam seus termos entre o apelante autor e a terceira interveniente; sendo certo que a procedência do pedido principal prejudica o conhecimento do pedido subsidiário de convolação da acção declarativa com processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento em acção de processo comum, ex vi do art.º 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
***

IIIDecisão.
Termos em que se acorda conceder a apelação, revogar a sentença recorrida e determinar, caso nada em contrário do que aqui foi apreciado o impeça, que os autos prossigam seus termos entre o apelante autor e a terceira interveniente.
Custas pela apelada (art.º 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais).
*


Lisboa, 28-06-2023.


(António José Alves Duarte)
(Maria José Costa Pinto)
(Manuela Bento Fialho)


[1]Art.º 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho.
[2]Art.º 657.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
[3]Art.º 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. A este propósito, Abrantes Geraldes, Recursos no Processo do Trabalho, Novo Regime, 2010, Almedina, páginas 64 e seguinte. 
[4]É extracto do despacho que concedeu contraditório às partes sobre a questão em dissídio.
[5]Em expressa revisão de posição pela Mm.ª Juiz a quo tomada noutro contexto (mais exactamente no despacho liminar proferido no âmbito do procedimento cautelar que antecedeu a propositura da acção, como se intui do texto subsequente).
[6]E assim foi efectivamente decidido no acórdão da Relação de Évora, de 30-03-2017, no processo n.º 543/12.3TTFAR.E1, publicado em http://www.dgsi.pt, citado pelo apelante, mas que não trata da questão, que ora se suscita, de saber se o mesmo deve ocorrer quando está em causa não o processo comum mas o especial de impugnação judicial da
regularidade e licitude do despedimento.


Decisão Texto Integral: