Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
19184/16.0T8LSB.L3
Relator: JOSÉ MANUEL MONTEIRO CORREIA
Descritores: ACTIVIDADE BANCÁRIA
BANCO DE PORTUGAL
FUNDO DE RESOLUÇÃO
MEDIDA DE RESOLUÇÃO BANCÁRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I.- O Fundo de Resolução, criado pelo D.L. n.º 31-A/2012, de 10/02, não é uma sociedade comercial, mas uma pessoa coletiva de direito público, com a função instrumental de prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adotadas pelo Banco de Portugal (art.ºs 153-B e 153.º-C do RGICSF).
II.- Sobre ele não recai, por conseguinte, a responsabilidade pela satisfação dos créditos ou pelo ressarcimento dos prejuízos decorrentes da subscrição de produtos financeiros junto do Banco Espírito Santo, S.A, à luz das disposições constantes dos art.ºs 84.º, 486.º, 491.º e 501.º do CSC, apesar de titular universal do capital social do Novo Banco, S.A., que àquele sucedeu como instituição de transição.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: .- Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa os Juízes Desembargadores abaixo identificados,

I.- Relatório
(…), por si e como beneficiária única do (…), instaurou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra o Banco Espírito Santo, S.A. – em Liquidação, o Banco de Portugal, o Novo Banco, S.A., o Fundo de Resolução, a CMVM – Comissão de Mercado de Valores Mobiliários e (…), pedindo que, pela sua procedência:
.- a título principal,
a.- sejam os Réus solidariamente condenados, com fundamento em responsabilidade civil, enquanto intermediários financeiros, por violação dos deveres de informação, diligência e lealdade, nos termos do disposto no art.º 304.º-A do CVM, acrescida de acrescida de €38.470,57, a título de juros de mora vencidos, à taxa legal em vigor, desde a data de utilização ilícita pelos Réus das quantias monetárias da Autora,, bem como dos vincendos, desde a data da citação até integral pagamento;
.- a título subsidiário,
b.- a nulidade do contrato de intermediação financeira, por inobservância de forma, nos termos do disposto no art.º 321.º do CVM, devendo, em consequência, serem os Réus solidariamente condenados a restituir-lhe a quantia de €204.266,915, acrescida de €38.470,57 de juros de mora vencidos e de juros vincendos desde a data de citação até integral pagamento;
.- em qualquer caso,
c.- a condenação dos Réus a ressarcir solidariamente a Autora pelos danos não patrimoniais que lhe foram causados, em valor a ser calculado em sede de liquidação de sentença.

Para tanto, e em síntese, alegou, valendo-nos do que, a propósito, consta da sentença recorrida, o seguinte.
‘É emigrante (…) há vários anos e é cliente do 1.º Réu, o BES, S.A., ora em Liquidação, há mais de 15 anos, sendo titular de uma conta bancária sedeada no Departamento de Private Banking do 1º Réu, também denominado por Sucursal Financeira Exterior – Madeira Branch.
Foi-lhe atribuída uma gestora de conta, a 6.ª Ré (…), que sempre aconselhou a Autora a aplicar as suas poupanças em diversos produtos financeiros que o 1.º Réu lançava em carteira, na qual a Autora tinha uma confiança absoluta e “cega”.
A Autora sempre deu instruções à 6.ª Ré de que não queria aplicar o seu dinheiro em produtos com qualquer risco associado.
No âmbito das suas funções e sob a subordinação do “BES, S.A.” (1.º Réu), a Ré (…) aplicou o dinheiro da Autora na compra de produtos “ESCOM MNING”, “ES TOURISM 2015”, e “ES TOURISM 2014”, num total investido de 225.00,00 USD cujo valor em euros é de €204.266,915, não obstante o 1.º Réu e a 6.ª Ré saberem que a Autora apenas queria confiar o seu dinheiro em produtos seguros.
Em 03/08/2014, o Banco de Portugal decidiu-se pela aplicação da medida de resolução ao 1.º Réu, criando o Novo Banco, o 3.º Réu, cujo capital social é inteiramente detido pelo 4.º Réu Fundo de Resolução.
Com aquele ato de resolução e de seleção de ativos proveitosos, o 2.º Réu transferiu a esmagadora maioria do património do 1.º Réu para o 3.º Réu (Novo Banco), deixando um conjunto de ativos grandemente desvalorizados sob a gestão do 1.º Réu.
Já depois da medida de resolução, o 2.º Réu e o Novo Banco (3º Réu) perpetraram um conjunto de atos em que assumem a obrigação de reembolso daqueles produtos.
Em momento algum a rubrica contabilística “provisão” constituída pelo 1.º Réu em momento anterior à medida de resolução consta dos itens excluídos elencados no Anexo 2 à deliberação do 2.º Réu de 03/08/2014, o que leva a crer que aquela obrigação de reembolso foi transferida para o 3º Réu.
O 1.º Réu e a 6.ª Ré usaram fundos monetários pertença da Autora para a subscrição de produtos financeiros que não correspondiam aos interesses e instruções da mesma, não tendo celebrado qualquer contrato escrito quando a Autora era um investidor não qualificado, o que configura nulidade nos termos do art. 321º do C.V.M..
Há obrigação de indemnizar da parte do 4.º Réu (Fundo de Resolução) caso se venha a determinar que o crédito da Autora fica prejudicado caso o 2.º Réu tivesse optado pela liquidação do 1º Réu ao invés da sua resolução.
Sobre os 1.º, 2.º, 3.º, 5.º e 6.º Réus recaíam deveres de conduta de informação, diligência e lealdade que foram violados, causando ao Autor um dano por via da diminuição do seu património sob gestão daqueles RR’.
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Citado, apresentou (assim como todos os restantes Réus, cuja posição, contudo, não está em causa neste recurso) o Réu Fundo de Resolução a sua contestação.
Nela, começou por invocar ‘a incompetência absoluta dos tribunais judiciais em razão da matéria, e, à cautela, a improcedência dos pedidos formulados contra o mesmo.
Neste particular alegou que, embora sendo detentor formal e transitório do Novo Banco, para além de não ser uma sociedade, não goza de qualquer dos direitos que a lei comercial confere ou assaca aos acionistas de uma sociedade e que são o fundamento da imputação à sociedade dominante da responsabilidade pelas obrigações da sociedade dominada.
A haver, em relação ao Novo Banco, uma direção ou influência acionista, ela pertenceria ao Banco de Portugal e não ao Fundo de Resolução.
Os direitos e deveres meramente capitalizantes do Fundo de Resolução em relação ao Novo Banco assumem natureza creditícia e não acionista.
É, como tal, inaplicável o regime das normas dos arts. 84.º, 491.º e 501.º do C.S.C..
Defendeu, ainda, a intransferibilidade para o Novo Banco do suposto crédito da Autora sobre o BES, pois, com a medida de resolução, não se transferiram para o Novo Banco as responsabilidades ou contingências em que o BES porventura tivesse incorrido perante a Autora por factos ilícitos de qualquer espécie e que fossem desconhecidas à data de 03 de agosto de 2014, como é o caso das responsabilidades invocadas na presente acção, que se mantiveram na esfera jurídica do Banco resolvido.’
Conclui, pelo exposto, pela sua absolvição da instância ou, assim se não entendendo, pela sua absolvição do pedido.
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A convite do tribunal a quo, respondeu a Autora (além do mais deduzido pelos restantes Réus, que ao caso não importa) à exceção dilatória de incompetência absoluta deduzida pelo Réu Fundo de Resolução, batendo-se pela sua improcedência.
Mais referiu que ‘sendo o Réu Fundo de Resolução o único detentor da totalidade do capital social do Réu Novo Banco, os resultados positivos ou negativos da atividade deste terão reflexo na esfera jurídica daquele sócio único, sendo irrelevante a sua natureza jurídica nos termos do art. 84.º do C.S.C., bastando que este concentre em si a totalidade da participação social.’
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Findos os articulados, foi proferido despacho, julgando verificada a exceção dilatória de incompetência absoluta do Juízo Central Cível de Lisboa, Juiz 3, em razão da matéria, e, consequentemente, absolvendo todos os Réus da instância.
‘Interposto recurso pela Autora, pelo Tribunal da Relação de Lisboa foi proferido Acórdão, julgando improcedente a apelação e confirmando a decisão recorrida.
Interposto novo recurso deste acórdão, foi o mesmo admitido como recurso para o Tribunal dos Conflitos, o qual, em 11/04/2019, decidiu atribuir a competência material para conhecer da ação aos tribunais judiciais no tocante aos pedidos deduzidos contra os Réus BES, S.A., Lina Pires, Novo Banco S.A. e Fundo de Resolução e aos tribunais administrativos, no tocante aos pedidos deduzidos contra o Banco de Portugal e Comissão de Mercado de Valores Mobiliários.’
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‘Devolvidos os autos à 1.ª instância e constatado o falecimento, na pendência da ação, da co-Ré (…), foi declarada suspensa a instância.
Em 14/10/2021, foi proferido despacho de deserção da instância, o qual foi revogado por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/05/2021.
Deduzido o competente incidente de habilitação de herdeiros, foi proferida, em 06-02-2023, sentença, declarando habilitados, em substituição da Ré falecida, (…), a intervir na qualidade de Réu na presente acção.
Por despacho proferido na mesma data, as partes – Autora, BES, Novo Banco, S.A., Fundo de Resolução, e (…) – foram advertidas de que o Tribunal se considerava habilitado a conhecer do mérito da acção, e foi determinada a sua notificação para oferecem alegações por escrito e esclarecerem de modo expresso se anuíam na dispensa da audiência prévia’, não tendo havido oposição a tal dispensa e tendo a Autora e o Banco Espírito Santos, S.A. – em Liquidação alegado por escrito.
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Por despacho proferido previamente à prolação da sentença recorrida, foi declarada a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide no que toca ao Réu BES, S.A. – em Liquidação, prosseguindo os autos exclusivamente quanto aos Réus Novo Banco, S.A., Fundo de Resolução, e (…), em substituição de (…).
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Seguidamente, foi proferida sentença, julgando a ação totalmente improcedente e, consequentemente, a absolver os Réus Novo Banco S.A., Fundo de Resolução e (…), como Réu habilitado em representação de (…), de todo o peticionado.
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Inconformado com esta decisão, dela veio a Autora interpor o presente recurso, batendo-se pela sua revogação, formulando, para o efeito, as seguintes conclusões, que assim se transcrevem:
“1.- Entendeu o douto Tribunal a quo não ser aplicável ao Réu FR o regime de responsabilidade para com os credores do Novo Banco, nos termos dos arts. 84º, 491º e 501º do Código das Sociedades Comerciais.
2.- Revela-se impercetível ao Apelante como pode o distinto Tribunal a quo entender que ao Fundo de Resolução não são aplicáveis as normas que regulam as responsabilidades do acionista único, vertidas na lei societária e comercial.
3.- Pois, sendo o R. FR o único detentor da totalidade do capital social do Novo Banco, os resultados positivos e os negativos da atividade da instituição, terão reflexo direto e exclusivo na esfera jurídica do sócio único.
4.- Em conclusão, mal andou o distinto Tribunal a quo ao considerar, na douta sentença recorrida, a inexistência de relação de domínio total do Réu Fundo de Resolução a que se reportam os artigos 486.º e seguintes do C.S.C.
5.- Devendo, para tanto, serem consideradas irrelevantes as características pessoais do sócio único, relevando, antes, para efeitos de unipessoalidade, o carácter absoluto e universal da sua participação no capital social, independentemente das características daquele acionista, ao abrigo do vertido no artigo 84.º do C.S.C.
6.- Posto isto, e no entendimento do Apelante, o artigo 145.º-D, n.º 1, al. c) do RGICSF e os artigos 84.º, 486.º, n.º 2, al. a) e 501.º, todos do C.S.C., deveriam ter sido interpretados e aplicados pelo douto Tribunal a quo no sentido do reconhecimento da existência da pretensão indemnizatória do Apelante e, bem assim, da condenação do Réu, aqui Recorrido, FR, a pagar ao Apelante a indemnização nos termos peticionados.”
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Respondeu o Réu Fundo de Resolução, batendo-se pela confirmação da sentença recorrida, apresentando as conclusões assim transcritas:
A. A Sentença objeto do presente recurso não merece qualquer reprovação por parte deste Tribunal Superior;
B. Como acima melhor se alegou e demonstrou, vindo o Fundo de Resolução demandado como alegado devedor solidário, pelo mesmo crédito reclamado do Novo Banco e que o Tribunal a quo – por decisão transitada em julgado – considerou não existir, absolvendo-o dos pedidos, a consequência é, necessariamente, também a da absolvição do Fundo relativamente aos pedidos contra si formulados;
C. Na verdade, tratando-se sempre e só de um mesmo direito de crédito e que só poderia, mesmo na tese da Autora, ser imputado ao Fundo de Resolução se o Novo Banco fosse o seu efetivo devedor, estando definitivamente assente nos autos que a Autora não é titular do direito de crédito que, contra o Novo Banco, invocou na presente ação, então, em nenhum cenário poderá o Fundo de Resolução ser responsabilizado;
À cautela, porém, sempre se dirá o seguinte:
D. Por outro lado, como se deixou evidenciado nestas contra-alegações, não faz sentido, nem se configura juridicamente correto, considerar-se que entre o Fundo de Resolução e o Novo Banco existe (ou existiu) uma relação de grupo societário e, consequentemente, uma relação de sociedade dominante e sociedade dominada;
E. Na verdade, a relação entre o Fundo de Resolução e o Novo Banco tem uma natureza jurídico-pública, exclusivamente regulada pelo regime da resolução bancária constante do RGICSF e é puramente instrumental: o Fundo de Resolução tem a função de disponibilizar recursos financeiros, de acordo com as determinações do Banco de Portugal, necessários à capitalização da instituição de transição (cf. artigo 153.º-M do RGICSF), sem assumir, no entanto, um estatuto acionista em sentido próprio;
F. O Fundo de Resolução é, assim, única e simplesmente o detentor formal e transitório do Novo Banco, não podendo dizer-se seu acionista, atendendo ao facto de não gozar dos direitos e dos deveres típicos dados pelo direito comercial aos acionistas de uma sociedade, entre eles, os relacionados com a responsabilização pelo passivo;
G. Por conseguinte, não se pode concluir de outra forma que não pela exclusão da aplicação dos artigos 491.º e 501.º do Código das Sociedades Comerciais às relações entre o Fundo de Resolução e o Novo Banco (banco de transição);
H. Por sua vez, também se demonstrou nestas contra-alegações que não é aplicável o disposto no artigo 84.º do Código das Sociedades Comerciais ao caso, uma vez que a aplicação desta norma está dependente da (prévia) declaração de insolvência da sociedade-filha e, mesmo nessa circunstância, o sócio único só será responsável se (i) as obrigações tiverem sido contraídas após a concentração da titularidade do capital e se (ii) se provar que nesse período não foram observados os preceitos da lei que estabelecem a afetação do património da sociedade ao cumprimento das respetivas obrigações;
I. Ora, como é bom de ver, o Novo Banco não foi declarado insolvente e, por outro lado, a alegada responsabilidade reclamada nestes autos pela Autora, ora Recorrente, não foi constituída após a concentração da titularidade do capital no Fundo de Resolução, mas sim em momento anterior, tendendo a que os factos constitutivos do crédito delas, conforme alegados na petição inicial, se reportam a momento anterior à própria criação do Novo Banco;
J. Também se demonstrou não resultar do artigo 145.º-B do RGICSF qualquer responsabilidade – nesta sede e neste momento – do Fundo de Resolução perante a Autora;
K. Não foi colocado em causa pelo Tribunal a quo o princípio no creditor worse off, do qual decorre que, se no encerramento da liquidação do BES a Autora receber menos do que receberia se o BES tivesse sido liquidado antes da adoção da Medida de Resolução (de acordo com a estimativa realizada pela Deloitte), então, terá direito a receber a correspondente diferença do Fundo de Resolução;
L. Se se vierem a verificar os pressupostos do pagamento dessa compensação, que hoje não se verificam, será naturalmente o Fundo de Resolução responsável pela respetiva atribuição à Autora – mas a verdade é que essa compensação em nada se confunde com a responsabilidade aqui imputada do Fundo, sendo manifestamente alheia ao objeto e pretensões em causa neste processo;
Mas há mais – e igualmente decisivo:
M. Mesmo que a Autora, ora Recorrente, tivesse razão – o que manifestamente não acontece – relativamente à alegada responsabilidade do Fundo do Resolução enquanto “acionista” do Novo Banco, isto é, mesmo que o Fundo de Resolução pudesse, em abstrato, ser chamado a responder pelas obrigações dos bancos de transição, a verdade é que o seu alegado crédito sobre o BES não foi transmitido para o Novo Banco;
N. Logo, permanecendo o crédito na esfera do BES, não pode a Recorrente vir exigir o seu cumprimento contra o Novo Banco, bem como, por maioria de razão, contra o Fundo de Resolução;
O. Como resulta claramente dos factos alegados pela Autora na sua petição inicial (e por demais demonstrados na sentença objeto do presente recurso), o direito de crédito que, alegadamente, detêm (originariamente) sobre o BES funda-se na prática de atos ilícitos e na violação de disposições regulatórias, designadamente na violação de deveres de informação do intermediário financeiro e na prestação de informações falsas pelo BES – não havendo assim qualquer dúvida de que, a existir esse direito de crédito, não se transferiu para a esfera jurídica do Novo Banco;
P. Assim, não se tendo transferido para o Novo Banco tal crédito, também não pode o Fundo de Resolução, nem mesmo na tese da Recorrente, ser responsável pela sua satisfação, pelo que os pedidos formulados devem necessariamente improceder.
Q. Em face de tudo quanto se deixou nestas contra-alegações, não merece qualquer censura ou reprovação por este Tribunal Superior a decisão do Tribunal a quo de julgar a ação totalmente improcedente e, consequentemente, absolver o Fundo de Resolução dos pedidos.”
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O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e assim recebido nesta Relação, que o considerou corretamente admitido e com o efeito legalmente previsto.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II.- Das questões a decidir
O âmbito dos recursos, tal como resulta das disposições conjugadas dos art. ºs 635.º, n.º 4, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 641.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil (doravante, CPC), é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente.
Isto, com ressalva das questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado ou das que se prendem com a qualificação jurídica dos factos (cfr., a este propósito, o disposto nos art. ºs 608.º, n.º 2, 663.º, n.º 2 e 5.º, n.º 3 do CPC).
Neste pressuposto, as questões que, neste recurso, importa apreciar e decidir são as seguintes, de acordo com a sua precedência lógica:
.- saber se o Réu/Recorrido Fundo de Resolução é obrigado a ressarcir a Autora do dano sofrido com os investimentos desta em produtos financeiros do Banco Espírito Santo, S.A., enquanto titular universal da participação no capital social da instituição bancária de transição, o Novo Banco, com fundamento nas disposições previstas:
.- no art.º 84.º do CSC;
.- nos art.ºs 486.º, n.º 2, al. a) e 501.º do CSC;
.- no art.º 145.º-D, n.º 1, al. c) do RGICSF.
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III.- Da Fundamentação
III.I.- Na sentença proferida em 1.ª Instância e alvo deste recurso foram considerados provados os seguintes factos:
1. A Autora teve uma conta bancária no Banco Espírito Santo, SA com o n.º 903076520007 EUR, sediada no departamento de Private Banking, também denominado Sucursal Financeira Exterior – Madeira Branch.
2. Através dessa conta, em 2009, 2011 e 2013, foram subscritos os seguintes produtos com dinheiro da Autora: “ES TOURISM 2014”, “ESCOM Série C” e “ES TOURISM 2015”, no valor total de USD 225.000,00.
3. No dia 3 de Agosto de 2014, o Banco de Portugal deliberou o seguinte:
«Ponto Um
Constituição do Novo Banco
É constituído o Novo Banco, SA, ao abrigo do n.º 5 do artigo 145.º-G do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, cujos Estatutos constam do Anexo 1 à presente deliberação.
Ponto Dois
Transferência para o Novo Banco, SA de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco Espírito Santo, SA São transferidos para o Novo Banco, SA, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 145.º-H do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, conjugado com o artigo 17.º A da Lei Orgânica do Banco de Portugal, os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco Espírito Santo, SA que constam dos Anexos 2 e 2 A à presente deliberação. (…)»
4. Por deliberação do Banco de Portugal de 11 de Agosto de 2014, foi clarificado e ajustado o perímetro dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco Espírito Santo, SA transferidos para o Novo Banco, SA, e as subalíneas (v) e (vii) da alínea (b) do Anexo 2 à deliberação de 3 de Agosto passaram a ter a seguinte redacção:
«(v)Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais;
(vii)Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o Grupo Espírito Santo, sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados resultantes de estipulações contratuais anteriores a 30 de Junho de 2014, documentalmente comprovadas nos arquivos do BES, em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.»
5. No dia 29 de Dezembro de 2015, em sessão ordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal, foi adoptada a seguinte deliberação (deliberação “Contingências) relativa ao ponto da agenda “Clarificação e Retransmissão de Responsabilidades e Contingências definidas como passivos excluídos nas subalíneas (v) a (vii) da alínea b) do Anexo 23 à Deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014 (20 horas), na redacção que lhe foi dada pela deliberação do Banco de Portugal de 11 de Agosto de 2014 (17 horas)»:

«DELIBERAÇÃO
Nos termos do n.º 1 do artigo 146.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro (RGICSF), a presente deliberação é considerada urgente e para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 124.º do Código de Procedimento Administrativo, não havendo lugar a audiência prévia dos interessados.
1. A deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014 (20:00 horas), com as clarificações e ajustamentos introduzidos pela deliberação de 11 de Agosto de 2014 (17:00 horas) – doravante a “Deliberação de 3 de Agosto”, para efeitos dos considerandos seguintes – que determinou a constituição do Novo Banco, SA (“Novo Banco”), determinou igualmente a transferência de um conjunto de activos, passivos, elementos extra-patrimoniais e activos sob gestão do Banco Espírito Santo, SA (“Banco Espírito Santo” ou “BES”) para o Novo Banco, descritos no Anexo 2 da mesma deliberação de 3 de agosto.
2. O RGICSF estabelece, em conformidade com a legislação europeia na matéria, que os acionistas e credores da instituição objecto de resolução devem assumir os prejuízos da referida instituição.
3. Um dos princípios do RGICSF impõe que os recursos do Fundo de Resolução não sejam utilizados para assumir directamente os prejuízos da instituição de crédito objecto de resolução.
4. O Banco de Portugal dispõe de um poder legalmente conferido que pode ser exercido a todo o tempo antes da revogação da autorização do BES para o exercício da actividade ou da venda do Novo Banco, para determinar transferências adicionais de activos e passivos entre o Novo Banco e o BES (o “Poder de Retransmissão”). O poder de retransmissão encontra-se previsto no capítulo III (Resolução) do Título VIII do RGICSF, tendo ficado expressamente estabelecido no número 2 de Anexo 2 da Deliberação de 3 de Agosto.
Fundamentos para a clarificação e para o exercício do poder de retransmissão 5. A versão original da deliberação de 3 de Agosto, publicada em 3 de Agosto de 2014, dispunha o seguinte na alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2:
«As responsabilidades do BES perante terceiros que constituam passivos ou elementos extra-patrimoniais serão integralmente transferidas para o Novo Banco, SA com exceção das seguintes (Passivos Excluídos):
(…)
(vi) Quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude e violação de disposições regulatórias, penais ou contra-ordenacionais.”.
6. A versão alterada da deliberação de 3 de Agosto, publicada em 11 de Agosto de 2014, dispunha o seguinte na alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2: “As responsabilidades do BES perante terceiros, que constituam passivos ou elementos extra-patrimoniais, serão integralmente transferidas para o Novo Banco, SA com excepção das seguintes (Passivos Excluídos): (v) Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais.”
7. O Banco de Portugal considerou ser proporcional e de interesse público não transferir para o banco de transição as responsabilidades contingentes ou desconhecidas do BES (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais), independentemente de se encontrarem, ou não, registadas na contabilidade do BES nos termos da subalínea (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de Agosto, uma vez que a certeza relativamente às responsabilidades do banco de transição é essencial para garantir a continuidade das funções críticas desempenhadas pelo Novo Banco e que anteriormente tinham sido desempenhadas pelo BES.
8. A legitimidade processual do BES tem vindo a ser questionada ou enjeitada em processos judiciais em que este é parte, com base na alegada transferência para o Novo Banco das responsabilidades que se discutem naqueles processos, em que o BES era Réu a 3 de Agosto e que respeitem a factos anteriores à aplicação da medida de resolução ao BES e por efeito da aplicação desta.
9. Importa clarificar que o Banco de Portugal, enquanto autoridade pública de resolução, decidiu e considera que todas as responsabilidades contingentes e desconhecidas do BES (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contenciosos pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais), independentemente de se encontrarem, ou não, registadas na contabilidade do BES, estão abrangidas pelas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação, não tendo sido, portanto, transferidas para o Novo Banco.
10. Alguns tribunais solicitaram ao Banco de Portugal que este lhes comunicasse o seu entendimento, enquanto entidade de resolução, sobre a não transferência de responsabilidades e contingências do BES para o Novo Banco, ao abrigo das subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de Agosto.
11. Esses pedidos não foram efectuados na maior parte dos processos pendentes em tribunal que se relacionam com responsabilidades ou contingências não transferidas para o Novo Banco.
12. Se o número de processos pendentes nos tribunais judiciais e a diferente orientação nas decisões até hoje emanadas conduzirem a que, de modo significativo, não venha a ser reconhecida adequadamente a selecção efectuada pelo Banco de Portugal (enquanto autoridade pública de resolução) dos activos, passivos e elementos extra-patrimoniais e activos sob gestão transferidos do BES para o Novo Banco (decisão sobre o «perímetro de transferência»), pode ficar comprometida a execução e a eficácia de resolução aplicada ao BES, a qual, entre outros critérios, se baseou num critério de certeza quanto ao perímetro de transferência.
13. Foi esse critério de certeza que permitiu calcular as necessidades de capital da instituição de transição, o Novo Banco, e foi com base nesse cálculo que o Fundo de Resolução realizou o capital da instituição de transição;
14. Caso viessem a materializar-se na esfera jurídica do Novo Banco responsabilidades e contingências por força de sentenças judiciais, o Novo Banco seria chamado a assumir obrigações que de modo algum lhe deveriam caber e cuja satisfação não foi pura e simplesmente tida em consideração no montante do capital com que aquele banco de transição foi inicialmente dotado.
15. Este risco pode materializar-se ainda antes do trânsito em julgado das decisões judiciais se, de acordo com as regras contabilísticas, for entendido que, não obstante a decisão do Banco de Portugal, aquela materialização é provável.
16. Nos termos da lei, a decisão do Banco de Portugal sobre o perímetro de transferência só pode ser alterada através dos meios processuais previstos na legislação do contencioso administrativo, de acordo com o art. 145.º - A do RGICSF (correspondente ao artigo 145.º - N do RGICSF, em vigor à data de aplicação da medida de resolução ao BES).
17. Questionar o referido perímetro de transferência fora do contencioso administrativo constitui um desvio à competência dos tribunais administrativos, legalmente estabelecida, e impede que o Banco de Portugal exerça a prerrogativa que a lei lhe confere de afastar, por motivo de interesse público, a execução de sentenças desfavoráveis, iniciando-se de imediato o procedimento tendente à fixação da indemnização de acordo com os trâmites definidos no Código do Processo nos Tribunais Administrativos.
18. Decisões de tribunais judiciais que, directa ou indirectamente, ponham em causa o perímetro de transferência neutralizam este mecanismo contencioso (e compensatório), legalmente previsto, de impugnação das decisões do Banco de Portugal, enquanto autoridade pública de resolução, e comprometem a execução e a eficácia da medida de resolução.
19. Tem a presente deliberação o seguinte objectivo:
a. Clarificar o tratamento das responsabilidades contingentes e desconhecidas do BES (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contenciosos pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem, ou não, registadas na contabilidade do BES, nos termos da subalínea (v) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de Agosto;
b. Se, e na medida em que quaisquer responsabilidades contingentes e desconhecidas ou incertas do BES à data de 3 de Agosto (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contenciosos pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES e que devessem ter permanecido na sua esfera jurídica nos termos da deliberação de 3 de Agosto, sejam atribuídas ao Novo Banco, proceder à sua retransmissão, mediante o exercício do Poder de Retransmissão, das referidas responsabilidades contingentes e desconhecidas (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais) para o BES; e
c. Determinar que, de acordo com o disposto no n.º 7 do artigo 145.º-P e nos n.ºs 2,3 e 4 do artigo 145.º G do RGICSF, o BES e o Novo Banco tomem as medidas previstas nesta deliberação por forma a conferir-lhe eficácia plena.
20. Face ao exposto e de forma a garantir a continuidade das funções essenciais desempenhadas pelo Novo Banco, encontram-se reunidos os pressupostos para o exercício do Poder de Retransmissão, conforme previsto nesta deliberação, exercício que se afigura extremamente necessário, urgente e inadiável.
O Conselho de Administração do Banco de Portugal, ao abrigo da competência conferida pelo RGICSF para selecionar os activos e passivos a transferir para o banco de transição, delibera o seguinte:
A) Clarificar que, nos termos da alínea (b) do número 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de Agosto, não foram transferidos para do BES para o Novo Banco quaisquer passivos ou elementos extra-patrimoniais do BES que, às 20:00 horas do dia 3 de Agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES;
B) Em particular, desde já se clarifica não terem sido transferidos do BES para o Novo Banco os seguintes passivos do BES:
(i) Todos os créditos relativos a acções preferenciais emitidas por sociedades veículo estabelecidas pelo BES e vendidas pelo BES;
(ii) Todos os créditos, indemnizações e despesas relacionados com activos imobiliários que foram transferidos para o Novo Banco;
(iii) Todas as indemnizações relacionadas com o incumprimento de contratos (compra e venda de ativos imobiliários e outros), assinados e celebrados antes das 20h00 do dia 3 de Agosto de 2014;
(iv) Todas as indemnizações relacionadas com contratos de seguro de vida, em que a seguradora era o BES-Companhia de Seguros de Vida, SA;
(v) Todos os créditos e indemnizações relacionados com a alegada anulação de determinadas cláusulas de contrato de mútuo em que o BES era o mutuante;
(vi) Todas as indemnizações e créditos resultantes de anulação de operações realizadas pelo BES enquanto prestador de serviços financeiros e de investimento; e
(vii) Qualquer responsabilidade que seja objecto de qualquer dos processos descritos no Anexo I.
C) Na medida em que, não obstante as clarificações acima efectuadas, se verifique terem sido efectivamente transferidos para o Novo Banco quaisquer passivos do BES que, nos termos de qualquer daquelas alíneas e da deliberação de 3 de Agosto, devessem ter permanecido na sua esfera jurídica, serão os referidos passivos retransmitidos do Novo Banco para o BES, com efeitos às 20 horas do dia 3 de Agosto de 2014;
D) O Conselho de Administração do BES e o Conselho de Administração do Novo Banco praticarão todos os actos necessários à implementação e eficácia das clarificações e retransmissões previstos na presente deliberação. Em particular e de acordo com o disposto no n.º 7 do artigo 145.º-P e nos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 145.º-G do RGICSF, o Novo Banco e o BES devem:
(a) Adotar as medidas de execução necessárias à adequada aplicação da medida de resolução aplicada pelo Banco de Portugal ao BES, bem como de todas as decisões do Banco de Portugal que a complementem, alteram ou clarificam, incluindo a presente deliberação;
(b) Praticar todos os atos, sejam estes de natureza procedimental ou processual, nos processos em que sejam parte de modo a dar adequada execução às decisões do Banco de Portugal referidas em (a), incluindo aqueles que sejam necessários para reverter actos anteriores que tenham praticado contrários àquelas decisões;
(c) Para efeito de cumprimento do disposto na alínea (b), requerer a imediata junção da presente deliberação em que sejam parte;
(d) Adequar os seus registos contabilísticos ao disposto nas decisões do Banco de Portugal referidas em (a); e
(e) Abster-se de qualquer conduta que possa por em causa as decisões o Banco de Portugal referidas em (a).
E) Aprovar a ata da presente deliberação em minuta, com vista à sua execução imediata, nos termos do n.º 4 e para os efeitos do n.º 6 do artigo 34.º do Código do Procedimento Administrativo.»

6. No dia 29 de Dezembro de 2015, em sessão ordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal, foi adoptada a seguinte deliberação (deliberação «Perímetro») relativa ao ponto da agenda “Transferências, Retransmissões e Alterações e Clarificações ao Anexo 2 da deliberação de 3 de Agosto de 2014 (20.00h):

«DELIBERAÇÃO
Nos termos do n.º 1 do artigo 146.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro (RGICSF), a presente deliberação é considerada urgente e para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 124.º do Código de Procedimento Administrativo, não havendo lugar a audiência prévia dos interessados. Esta dispensa é igualmente justificada à luz do disposto nas alíneas c) e d) do art. 124.º do Código do Procedimento Administrativo.
Enquadramento
1. A deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014 (20:00 horas), com as clarificações e ajustamentos introduzidos pela deliberação de 11 de Agosto de 2014 (17:00 horas) – doravante a “Deliberação de 3 de Agosto”, para efeitos dos considerandos seguintes – que determinou a constituição do Novo Banco, SA (“Novo Banco”), determinou igualmente a transferência de um conjunto de activos, passivos, elementos extra-patrimoniais e activos sob gestão do Banco Espírito Santo, SA (“Banco Espírito Santo” ou “BES”) para o Novo Banco, descritos no Anexo 2 da mesma deliberação de 3 de Agosto.
2. Após 3 de Agosto, e à medida que tem vindo a ser disponibilizada informação adicional, o Banco de Portugal, na qualidade de autoridade de resolução, tem vindo a aprofundar o conhecimento da situação financeira do conjunto de activos, passivos, elementos extra-patrimoniais e activos sob gestão do Novo Banco.
3. O RGICSF estabelece, em conformidade com a legislação europeia na matéria, que os accionistas e credores da instituição objecto de resolução devem assumir os prejuízos da referida instituição.
4. Um dos princípios do RGICSF impõe que os recursos do Fundo de Resolução não sejam utilizados para assumir directamente os prejuízos da instituição de crédito objecto de resolução.
5. O Banco de Portugal dispõe de um poder legalmente conferido que pode ser exercido a todo o tempo antes da revogação da autorização do BES para o exercício da actividade ou da venda do Novo Banco, para determinar transferências adicionais de activos e passivos entre o Novo Banco e o BES (o “Poder de Retransmissão”). O poder de retransmissão encontra-se previsto no capítulo III (Resolução) do Título VIII do RGICSF, tendo ficado expressamente estabelecido no número 2 de Anexo 2 da Deliberação de 3 de Agosto.
6. São necessárias clarificações adicionais quanto aos activos, passivos, elementos extra-patrimoniais e activos sob gestão transferidos do BES para o Novo banco e alterar o Anexo 2 da deliberação de 3 de Agosto para reflectir estas clarificações.
7. É desejável clarificar que quaisquer contingências fiscais passivas, quer presentes ou futuras, resultantes de dívidas fiscais, constituídas ou por constituir, relativas a factos tributários anteriores a 3 de Agosto de 2014 deverão permanecer na esfera jurídica do BES.
8. Sem prejuízo das deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 22 de Dezembro de 2014, de 11 de Fevereiro de 2015 e de 15 Setembro de 2015, todas relativas à “Responsabilidade Oak Finance” (tal como definida na deliberação de 15 de Setembro de 2015), o Banco de Portugal deve adicionalmente determinar que, por se tratar de uma responsabilidade de natureza equiparável a obrigações, dirigida a, e subscrita por, investidor(es) qualificado(s), tal responsabilidade (bem como todas as responsabilidades com esta conexas) deve permanecer na esfera jurídica do BES, pelo que na eventualidade de, por decisão transitada em julgado, se determinar que a responsabilidade Oak Finance não se encontra abrangida pela subalínea c) da subalínea (i) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de Agosto ou se determinar que essa responsabilidade pertence ao Novo Banco, tal responsabilidade (bem como todas as responsabilidades com esta conexas) é retransmitida para o BES.
9. Na medida em que, e não obstante as clarificações e alterações constantes desta deliberação, um activo ou passivo tenha sido transferido para o Novo Banco que devesse ter permanecido na esfera jurídica do BES, ou tenha permanecido na esfera jurídica do BES mas que devesse ter sido transferido para o Novo banco, o “Poder de Retransmissão” é exercido para conferir eficácia às clarificações e alterações constantes desta deliberação. 0. Considerando que, desde a aplicação da medida de resolução ao BES e também na presente data foram tomadas pelo Conselho de Administração do Banco de Portugal várias deliberações que produziram efeitos na selecção de activos, passivos, elementos extra-patrimoniais e activos sob gestão transferidos para o Novo Banco, a qual estava originariamente expressa no Anexo 2 da deliberação de 3 de Agosto, revela-se oportuno e adequado proceder-se a um esforço de consolidação, actualizando o referido Anexo 2 às mencionadas deliberações.
O Conselho de Administração do Banco de Portugal, ao abrigo da competência conferida pelo RGICSF para seleccionar os activos e passivos a transferir para o banco de transição e do disposto no n.º 2 do Anexo 2 da deliberação de 3 de Agosto, delibera o seguinte: A) A subalínea (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 passa a ter a seguinte redacção: «Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira, processo de contratação e distribuição de instrumentos financeiros emitidos por quaisquer entidades, sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados, cuja posição devedora não seja excluída por alguma das subalíneas anteriores, designadamente as subalíneas (iii) e (v) que (a) fossem exigíveis à data da medida de resolução em virtude de o respectivo prazo já se ter vencido ou, sendo os créditos condicionais, em virtude de a condição (desde que apenas desta dependesse o respectivo vencimento) já se ter verificado, e cumulativamente (b) resultassem de estipulações contratuais (negócios jurídicos bilaterais) anteriores a 30 de Junho de 2014, que tenham cumprido as regras para a expressão da vontade e vinculação contratual do BES e cuja existência se possa comprovar documentalmente nos arquivos do BES, em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.”
B) A alínea (d) do n.º 1 do Anexo 2 passa a ter a seguinte redacção: «São transferidos na sua totalidade para o Novo Banco todos os restantes elementos extra-patrimoniais do BES, com excepção dos relativos ao Banco Espírito Santo Angola, SA, ao Espírito Santo Bank (Miami), ao Aman Bank (Líbia) e dos relativos às entidades cujas responsabilidades perante o BES não foram transferidas nos termos da subalínea (v) da alínea (a) do n.º 1 e com efeitos a partir de 29 de Dezembro de 2015, ao BES Finance, Limited;».
C) É aditado um n.º 10 com a seguinte redacção:
«Transferem-se ainda para o Novo Banco quaisquer créditos já constituídos ou por constituir reportados a factos tributários anteriores a 3 de Agosto de 2014, independentemente de estarem, ou não, registados na contabilidade do BES.».
D) A Administração do BES deve, para efeitos de cumprimento de quaisquer formalidades que se julguem necessárias, exercer as suas competências, praticar os actos e tomar as iniciativas adequadas para garantir as transferências de valores a receber e créditos para o Novo Banco decorrentes das contingências fiscais activas, actualmente identificadas ou futuras, resultantes de créditos fiscais já constituídos ou a constituir, reportados a factos tributários anteriores a 3 de Agosto de 2014, independentemente de se encontrarem, ou não, registados na contabilidade.
E) É aditado um novo n.º 11 com a seguinte redacção:
«O disposto nas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do presente Anexo devem ser interpretadas à luz das clarificações constantes do Anexo 2C.»
F) É aditado um novo Anexo 2C à deliberação de 3 de Agosto, com a redacção constante da deliberação relativa à “Clarificação e Retransmissão de Responsabilidades e Contingências definidas como passivos excluídos nas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b9 do n.º 1 do Anexo 2 à deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014 (20 horas), na redacção que lhe foi dada pela deliberação do Banco de Portugal de 11 de Agosto de 2014 (17 horas) adoptada pelo Conselho de Administração do Banco de Portugal na presente data.
G) Sem prejuízo das deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 22 de Dezembro de 2014, de 11 de Fevereiro de 2015 e de 15 de Setembro de 2015, todas relativas à “Responsabilidade Oak Finance” (tal como definida na deliberação de 15 de Setembro de 2015), o Banco de Portugal determinar adicionalmente que, por se tratar de uma responsabilidade de natureza equiparável a obrigações, dirigida a, e subscrita por, investidor(es) qualificado(s), tal responsabilidade (bem como todas as responsabilidades com esta conexas) deve permanecer na esfera jurídica do BES, pelo que na eventualidade de, por decisão transitada em julgado, se determinar que a responsabilidade Oak Finance não se encontra abrangida pela subalínea c) da subalínea (i) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de Agosto ou se determinar que essa responsabilidade pertence ao Novo Banco, tal responsabilidade (bem como todas as responsabilidades com esta conexas) é retransmitida para o BES.
H) É aditada uma subalínea (ix) à alínea (b) ao n.º 1 do Anexo 2 com a seguinte redacção: “A Responsabilidade Oak Finance”.
I) Na medida em que qualquer activo, passivo ou elemento extra-patrimonial que, nos termos de qualquer das alíneas anteriores, devesse ser transferido para o Novo Banco, mas que, de facto, tenha permanecido na esfera jurídica do BES, são, pela presente, os referidos activos, passivos ou elementos extra-patrimoniais transferidos do BES para o Novo Banco, com efeitos a 3 de Agosto de 2014 (20.00h);
J) Na medida em que qualquer activo, passivo ou elemento extra-patrimoniais que, nos termos de qualquer uma das alíneas anteriores, devesse ter permanecido na esfera jurídica do BES, mas que foram, de facto, transferidos para o Novo Banco, são, pela presente, os referidos activos, passivos ou elementos extra-patrimoniais retransmitidos do Novo Banco para o BES, com efeitos a 3 de Agosto de 2014 (20.00h);
K) O Conselho de Administração do Banco de Portugal e o Conselho de Administração do Novo Banco devem tomar todas as medidas necessárias à execução eficaz das clarificações, ajustamentos, transferências e retransmissões previstos na presente deliberação.
L) É anexada à presente deliberação uma versão revista e consolidada do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto de 2014, a qual incorpora:
a. As clarificações e alterações constantes da presente deliberação;
b. As deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal adoptadas na presente data relativas à “Retransmissão de Obrigações não subordinadas do Novo Banco, SA para o Banco Espírito Santo, SA” e à “Retransmissão das acções representativas da totalidade do capital social do BES Finance, Limited do Novo Banco, SA para o Banco Espírito Santo, SA”;
c. As deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 22 de Dezembro de 2014, de 11 de Fevereiro de 2015 e de 15 de Setembro de 2015, todas relativas à responsabilidade Oak Finance, e de 13 de Maio de 2015 relativa a eventuais obrigações contraídas e garantias prestadas perante terceiros pelo BES, relacionadas com a comercialização de instrumentos de dívida do GES;
d. O Anexo 2 da deliberação de 3 de Agosto será alterado e rectificado de modo a revestir a forma estabelecida no anexo da presente deliberação, incluindo o aditamento dos Anexos 2B e 2C.
M) Aprovar a ata da presente deliberação em minuta com vista à sua execução imediata, nos termos do n.º 4 e para os efeitos do n.º 6 do artigo 34.º do Código do Procedimento Administrativo.».
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III.II.- Do objeto do recurso
.- Da responsabilidade do Réu/Recorrido Fundo de Resolução pelo ressarcimento da Autora/Recorrente
A pretensão que a Autora/Recorrente pretende fazer valer neste recurso estriba-se na seguinte ordem de razões.
Enquanto cliente do então Banco Espírito Santo, S.A., subscreveu um conjunto de produtos financeiros no valor total de USD 225.000,00, equivalente a €204.266,915.
Tais produtos financeiros constituíam produtos de ‘alto risco’, não estavam cobertos pelo Fundo de Garantia de Depósitos e foram subscritos em seu nome, mas à revelia das suas instruções, visto que só pretendia confiar o seu dinheiro em produtos seguros e com disponibilidade imediata de capital em caso de pedido de reembolso.
Dadas as características de tais produtos financeiros, veio a perder o valor pecuniário investido, sem que a referida instituição bancária tenha diligenciado pelo reembolso dos seus depósitos.
Em 3 de agosto de 2014, o Banco de Portugal decidiu-se pela aplicação da medida de resolução do Banco Espírito Santo, S.A., criando, como sucedâneo, enquanto instituição bancária de transição, o Novo Banco, para o qual foi transferido um conjunto de ativos, passivos e elementos extrapatrimoniais que se encontravam sob gestão do primeiro.
O capital social do Novo Banco é inteiramente detido pelo Fundo de Resolução Réu/Recorrido, pelo que os resultados positivos e negativos da sua atividade (do Novo Banco) terão reflexo direto e exclusivo na esfera jurídica do sócio único.
É o mesmo, por isso, atento o caráter absoluto e universal da sua participação social no capital social do Novo Banco, responsável pelo ressarcimento dos prejuízos que sofreu com a subscrição dos aludidos produtos financeiros.
E é-o, com base nos seguintes fundamentos normativos:
i.- no art.º 84.º do CSC;
ii.- nos art.ºs 486.º, n.º 2, al. a) e 501.º do CSC;
iii.- no art.º 145.º-D, n.º 1, al. c) do RGICSF.
Analisemos, pois, tal pretensão, reportando a análise a cada um dos fundamentos apontados.
Sublinhe-se, apenas, que a questão em apreço neste recurso foi já uniformemente tratada nos Acórdãos desta mesma 2.ª Secção da Relação de Lisboa de 18-11-2021 e de 26-05-2022, proferidos, respetivamente, nos processos com os n.ºs 4136/17.0T8LSB.L2-2 e 18605/16.6T8LSB.L2-2, bem como no Acórdão do STJ de 07-06-2022, proferido no processo 18476/16.2T8LSB.I.2.S1, Acórdãos estes cujo sentido e teor aqui seguiremos de perto.
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.- Da responsabilidade do Fundo de Resolução com base no art.º 84.º do CSC
Dispõe o n.º 1 do art.º 84.º do CSC, reportando-nos àquilo que aqui importa considerar, que se for declarada falida uma sociedade reduzida a um único sócio, este responde ilimitadamente pelas obrigações sociais contraídas no período posterior à concentração das quotas ou das ações, contanto que se prove que nesse período não foram observados os preceitos da lei que estabeleçam a afetação do património da sociedade ao cumprimento das respetivas obrigações.
Rege este preceito a responsabilidade do sócio único, em caso de superveniência da unipessoalidade, consagrando a regra da responsabilidade ilimitada daquele sócio único nas condições nele previstas por razões atinentes à tutela dos credores sociais.
Pretende-se com ele, de acordo com Maria de Fátima Ribeiro, não propriamente impedir a unipessoalidade, mas sim obstar a que essa unipessoalidade seja um mecanismo a que o sócio único recorra para desrespeitar a regra da separação entre o seu património pessoal e o da sociedade (in A tutela dos credores da sociedade por quotas e a desconsideração da personalidade jurídica, Coleção Teses, Coimbra, 2009, p. 45).
Como decorre da sua leitura, são requisitos da responsabilidade ilimitada do sócio único nele prevista os seguintes:
.- a unipessoalidade superveniente;
.- a declaração de insolvência da sociedade; e
.- a inobservância, no período da unipessoalidade, da regra da separação entre o património pessoal do sócio único e o da sociedade, isto é, que ambos os patrimónios se não confundam.

In casu, a posição da Autora/Recorrente quanto à responsabilização do Réu/Recorrido Fundo de Resolução pela indemnização do prejuízo que sofreu com a subscrição dos supra referidos produtos financeiros junto do Banco Espírito Santo, S.A. assenta no seguinte raciocínio.
O Fundo de Resolução, que tem como objeto a prestação de apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução bancária impostas pelo Banco de Portugal, é, em execução do disposto no art.º 145.º-P, n.º 3 do RGICSF, o detentor único do capital social do Novo Banco, que, enquanto instituição de transição, é o sucessor do Banco Espírito Santo, S.A..
Assim, e porque, de acordo com o art.º 2.º, n.º 1 do Aviso do Banco de Portugal n.º 13/2012, às instituições de transição é aplicável, com as adaptações necessárias aos objetivos e à natureza das mesmas, o CSC, forçoso seria concluir pela aludida responsabilidade do Fundo de Resolução, dada a unipessoalidade resultante da concentração na sua ‘pessoa’ do capital social do Novo Banco.
Tal linha de raciocínio não é, contudo, de acolher e não o é pela simples razão de que, no caso dos autos, não está verificado nenhum dos requisitos previstos no sobredito preceito.

Assim, e desde logo, a responsabilidade ilimitada do sócio único pressupõe a declaração de insolvência da sociedade, ou seja, e no caso, do Novo Banco, situação que definitivamente não se verifica.
 Pressupõe, também, que as responsabilidades que se pretende ver exercidas tenham sido constituídas após a concentração do capital social do Novo Banco no Réu/Recorrido Fundo de Resolução, o que aqui também não se verifica, já que a Autora/Recorrente pretende ver-se ressarcida de prejuízos que têm a sua génese em momento anterior à própria constituição do Novo Banco.
E pressupõe a unipessoalidade superveniente, o que, dadas as características e a natureza do Fundo de Resolução, também não se verifica.
Na verdade, seguindo a linha de exposição traçada no sobredito Acórdão do STJ de 07-06-2022, o Fundo de Resolução foi criado pelo D.L. 31-A/2012, de 10/02, diploma este que alterou o RGICSF, aprovado pelo D.L. 298/92, de 31/12.
O D.L. 31-A/2012 foi aprovado no quadro da crise financeira de 2008 e teve como propósito, como decorre da sua introdução, “implementar mecanismos que permitam, em situação de grave crise financeira, recuperar a instituição de crédito ou preparar a sua liquidação ordenada, de modo a salvaguardar o interesse essencial da estabilidade financeira”.
Como exemplo de mecanismo de intervenção surgiu a resolução, o qual, de acordo com o n.º 1 do art.º 145.º-C do referido diploma legal, poderia ser aplicado pelo Banco de Portugal quando uma instituição de crédito não cumprisse, ou estivesse em risco de não cumprir, os requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua atividade, se tal fosse indispensável para a prossecução de qualquer das finalidades previstas no art.º 145.º-A e que poderia consistir nas seguintes medidas:
a) alienação parcial ou total da atividade a outra instituição autorizada a desenvolver a atividade em causa;
b) transferência, total ou parcial, da atividade a um ou mais bancos de transição.
É neste quadro que surge o Fundo de Resolução, o qual, de acordo com o art.º 153.º-C do RGICSF, tinha como fim prestar apoio financeiro à aplicação das medidas de resolução adotadas pelo Banco de Portugal e desempenhar todas as demais funções que lhe fossem conferidas pela lei, no âmbito da execução de tais medidas.
O Fundo de Resolução, como decorre dos art.ºs 153.º-B e 153-C do referido diploma legal é uma pessoa coletiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira, que funciona junto do Banco de Portugal, tendo como participantes obrigatórias, entre o mais, as instituições de crédito sediadas em Portugal.
O Fundo de Resolução não é, assim, como se referiu no Acórdão do STJ aqui seguido, “uma sociedade comercial”, sendo “a sua relação com o Novo Banco (…) regulada exclusivamente pelo regime de resolução bancária constante do RGICSF, com função instrumental de disponibilizar os recursos financeiros de acordo com as determinações do Banco de Portugal, necessários à capitalização da instituição de transição, como [,de resto,] determinado no art.º 153.º-M do referido RGICSF” (sublinhado nosso).
Ou seja, como refere o Réu/Recorrido, com pertinência e propriedade, na sua peça recursória, o Fundo de Resolução é apenas “o detentor formal e transitório do Novo Banco”, não podendo, por conseguinte, ser visto, relativamente à instituição de transição, sob o prisma do estatuto de acionista.
E não podendo, falta, também, o requisito da unipessoalidade superveniente pressuposto da responsabilidade ilimitada prevista no normativo em apreço.
Em suma, nenhum dos requisitos previstos no n.º 1 do art.º 84.º do CSC se verifica no caso em apreço, improcedendo a argumentação da Autora/recorrente nele estribada.
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.- Da responsabilidade do Fundo de Resolução nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 486.º, n.º 2, al. a) e 501.º do CSC
De harmonia com o n.º 1 do art.º 486.º do CSC considera-se que duas sociedades estão em relação de domínio quando uma delas, dita dominante, pode exercer, diretamente ou por sociedades ou pessoas que preencham os requisitos indicados no art.º 483.º, n.º 2, sobre a outra, dita dependente, uma influência dominante.
Por seu turno, de acordo com a alínea a) do n.º 2 do mesmo preceito, presume-se que uma sociedade é dependente de uma outra se esta, direta ou indiretamente, detém uma participação maioritária no capital.
Finalmente, nos termos do disposto no art.º 501.º, n.º 1, aplicável aos grupos constituídos por domínio total por força da remissão operada pelo art.º 491.º, a sociedade diretora é responsável pelas obrigações da sociedade subordinada, constituídas antes ou depois da celebração do contrato de subordinação, até ao termo deste.
O raciocínio seguido pela Autora/Recorrente para fundamentar a sua pretensão com base nos preceitos vindos de considerar é, considerando o que já acima foi dito, fácil de expor: sendo o Réu/Recorrido Fundo de Resolução titular universal do capital social do Novo Banco está ele em relação de domínio sobre este, assumindo-se ambos, respetivamente, como dominante e dependente; é o primeiro, por conseguinte, responsável pelas obrigações deste.
Tal linha de raciocínio não pode, contudo, ser acolhida.
Na verdade, tal como se referiu no Acórdão do STJ aqui em consideração, as disposições que acabam de ser citadas “inserem-se no Título VI do Código das Sociedades Comerciais, que tem por epígrafe “Sociedades Coligadas”, dizendo o nº 1 do art. 481º que “o presente título aplica-se a relações que entre si estabeleçam sociedades por quotas, sociedades anónimas e sociedades em comandita por acções.” (nº 1 do art. 481º).
Ou seja, o regime neles previsto pressupõe que a situação carecida de regulação se estabeleça entre alguma das sociedades ali previstas, ou, dito de outro modo, citando Menezes Cordeiro (in Código das Sociedades Comerciais Anotado, 2.ª edição, p. 1295), a sua aplicação “aos grupos constituídos por domínio total – art.º 488.º ss – (âmbito material)” pressupõe que estes sejam “regulados pelo CSC (quanto ao âmbito pessoal e espacial, cf. art.º 481.º).
Ora, como se viu já, o Fundo de Resolução não é uma sociedade comercial, mas uma pessoa coletiva com a função instrumental de disponibilizar os recursos financeiros de acordo com as determinações do Banco de Portugal, necessários à capitalização do Novo Banco enquanto instituição de transição.
O Fundo de Resolução não está, por conseguinte, como se referiu no Acórdão da Relação de Lisboa de 26/05/2022 acima referenciado, sujeito à “observância de diretrizes de natureza comercial privatística, com inscrição no Código das Sociedades Comerciais”, mas “antes perante atos constitutivos, de relacionamento, de articulação e de vinculação de natureza de direito público administrativo”, não lhe sendo “aplicável os regimes estabelecidos [naquele código] para o âmbito do relacionamento acionista para as sociedades de domínio total ou de grupo, nomeadamente no que concerne à responsabilidade da sociedade diretora ou dominante, perante as obrigações contraídas pela sociedade subordinada, dominada ou dirigida junto dos seus credores”.
É o bastante para que se conclua que o mesmo não se enquadra nos “âmbito[s] pessoal” e “espacial” necessários à aplicação do regime resultante dos sobreditos normativos legais.
De referir, ainda, que, subjacente à pretensão da Autora/Recorrente, está a responsabilização do Réu/Recorrido Fundo de Resolução enquanto sociedade diretora ou dominante, por uma obrigação de indemnizar que seria da sociedade subordinada ou dependente.
Como decorre do citado art.º 501.º do CSC, uma tal responsabilidade pressupunha, de facto, que sobre o Novo Banco recaísse a obrigação originária de indemnizar a Autora/Recorrente.
Sucede que, na sentença recorrida, foi específica e expressamente apreciada a dita responsabilidade originária do Réu Novo Banco para com a Autora/Recorrente e tal apreciação culminou na improcedência da pretensão desta, com a consequente absolvição do Novo Banco do pedido. 
Assim, e tendo a sentença em causa, nessa parte, transitado em julgado, já que dela não foi interposto recurso (o recurso recai apenas sobre a parte da sentença que apreciou a responsabilidade do Fundo de Resolução), nunca o Fundo de Resolução poderia ser responsabilizado à luz do regime normativo decorrente dos preceitos legais aqui em apreço.
Improcede, assim, a argumentação da Autora/Recorrente nele assente.
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.- Da responsabilidade do Fundo de Resolução por violação do disposto no art.º 145.º-D, n.º 1, alínea c) do RGICSF
Prescreve o normativo em apreço que para a prossecução das finalidades da resolução, na aplicação de medidas de resolução e no exercício de poderes previstos no presente capítulo, nenhum acionista ou credor da instituição de crédito objeto de resolução pode suportar um prejuízo superior ao que suportaria caso essa instituição tivesse entrado em liquidação.
Acompanhando a exposição feita no referido Acórdão do STJ, há que conjugar a disposição em apreço com a prevista no art.º 145.º-H, que, sob a epígrafe “Avaliação para efeitos de resolução”, dispõe:
.- no n.º 14 que, para efeitos do disposto na referida alínea, imediatamente após a prolação da medida de resolução, o Banco de Portugal designa uma comissão independente, a expensas da instituição de crédito objeto de resolução, para, em prazo razoável a fixar por aquele, avaliar se, caso não tivesse sido aplicada a medida de resolução e a instituição de crédito objecto de resolução entrasse em liquidação no momento em que aquela foi aplicada, os acionistas e os credores da instituição de crédito objecto de resolução suportariam um prejuízo inferior ao que suportaram em consequência de aplicação da medida de resolução, determinando essa avaliação: a) Os prejuízos que os acionistas e os credores teriam suportado se a instituição de crédito objecto de resolução tivesse entrado em liquidação;
.- no n.º 16, que caso a avaliação prevista no n.º 14 determine que os acionistas ou os credores suportaram um prejuízo superior ao que suportariam caso não tivesse sido aplicada a medida de resolução e a instituição de crédito objecto de resolução entrasse em liquidação no momento em que foi aquela foi aplicada, têm os mesmos direito a receber essa diferença do Fundo de Resolução, nos termos do disposto na alínea f) do nº 1 do art. 145º-AA.
Ora, da simples análise de tais dispositivos legais resulta inviável fundar neles a obrigação de indemnizar a cargo do Réu/recorrido que a Autora/Recorrente reclama na ação.
Com efeito, à luz de tais dispositivos legais, e como se referiu no Acórdão do STJ acima referenciado, os mesmos confeririam à Autora/Recorrente “o direito a receberem do Fundo a diferença entre o prejuízo que suportaram com a medida de resolução e o que suportariam caso o BES, SA tivesse entrado em liquidação, a apurar pela comissão independente designada pelo Banco de Portugal”.
Ou seja, um direito de natureza indemnizatória diverso daquele que nesta ação reclama e relativamente ao qual, como se salientou na sentença recorrida, não foram alegados os factos necessários à sua substanciação.
Improcede, pois, a pretensão da Autora/Recorrente neles estribada e, consequentemente, a apelação.
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Porque vencida, suportará a Autora/Recorrente as custas da apelação (art.ºs 527.º e 529.º do CPC).
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IV.- Decisão
Termos em que se decide julgar totalmente improcedente o recurso e, consequentemente, manter a sentença recorrida.
Custas da apelação pela Autora/Recorrente.
Notifique.
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Lisboa, 6 de junho de 2024

José Manuel Monteiro Correia
Orlando Nascimento
Paulo Fernandes da Silva