Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
267/21.0JELSB-G.L1-9
Relator: MADALENA CALDEIRA
Descritores: FINALIDADES DA APREENSÃO DE BENS
RESTITUIÇÃO DURANTE O INQUÉRITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/26/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: IA apreensão, como toda a restrição de direitos e liberdades resultantes da aplicação de medidas cautelares em sede criminal, está sujeita aos princípios da proporcionalidade e da necessidade, que se traduzem, no que a esta figura respeita, na respetiva redução (seja em extensão, seja temporal) ao mínimo indispensável à satisfação dos propósitos processuais que a lei visa satisfazer através de tal medida provisoriamente restritiva do ius utendi, fruendi et abutendi inerente, no caso, ao direito de propriedade.

IIA apreensão tem duas finalidades processuais: uma finalidade probatória, em vista da conservação da prova, e uma finalidade confiscatória, em vista a garantir a execução da declaração de perda do bem apreendido (quer se trate de um instrumento, produto, vantagem ou recompensa, direta ou indireta, do crime) a favor do Estado.

IIIA restituição de um bem apreendido deverá ocorrer (mas também só deverá ocorrer) logo a apreensão deixe de ser necessária para assegurar as duas finalidades processuais de conservação da prova e de garantia de confisco.

IVA fase do inquérito, puramente investigatória, não é propícia para a restituição de um bem apreendido, ainda que já não releve para estritos efeitos de prova, quando o mesmo, nos termos da lei, tiver a potencialidade de vir a ser declarado perdido a favor do Estado, ou mesmo quando ainda possa pairar a dúvida sobre essa possibilidade.



Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordaram, em conferência, os Juízes Desembargadores da 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:


I.–RELATÓRIO


No processo número 267/21.0JELSB-G (ato jurisdicional em separado) foi proferido despacho pelo Tribunal Central de Instrução Criminal - Juiz 8 com o seguinte teor, na parte aqui relevante:
Assim, face a todo o exposto, indefere-se o pedido de restituição do veículo, por falta de fundamento para tanto.

*
Inconformada, a sociedade A interpôs recurso do despacho, tendo extraído da sua motivação as seguintes CONCLUSÕES (que transcrevemos):
I-No dia 05 de julho, sem que existisse qualquer mandado para apreensão do veículo, e sem que o mesmo tivesse qualquer relação com os presentes autos foi o veículo ... rebocado pela Polícia Judiciária.
II-Em 02/11/2022 vem a ser proferido o despacho em crise, onde, para o que ora interessa o Tribunal a quo se limita a concluir de forma obscura o seguinte:
"Por fim, no que concerne aos invocados direitos de terceiro, não é aceitável que a requerente (que, note-se, se intitula terceiro de um do ponto de vista singelamente formal, pois que assume que o arguido B era e é o gerente da sociedade requerente) em algum momento pudesse, verdadeiramente, ter estado e/ ou esteja de boa —fé. Ao invés, temos como certo que, por força da especial "ligação" com o arguido B, a requerente tinha e tem a obrigação de saber o bem de que é proprietária pode, eventualmente, constituir-se produto da actividade delituosa elou ter sido utilizado no cometimento naquela.
III-O Tribunal a quo não apresenta um único fundamento, um único indício, de que a referida viatura foi adquirida com proveitos de atividades ilícitas e ou que tenha sido utilizado nessas atividades.
IV-Recorrente no âmbito dos presentes autos viu a sua atividade, incluindo contas bancárias, analisadas ao pormenor, não foi encontrado na mesma qualquer indício, ainda que ténue, de que a mesma alguma vez tivesse servido para a prática de algum tipo de atividade ilícita.
Nada,
V-A Recorrente é uma sociedade comercial que tem como objeto: "Transporte ocasional de passageiros em veículos ligeiros, Táxi. ", Cfr. Certidão permanente 5051-7530-7477 que foi junta aos autos.
VI-A Recorrente é a única dona e legítima proprietária do veículo com a matrícula ..., da marca CITROEN, conforme documento de registo de propriedade que foi junto aos autos.
VII-A referida viatura foi adquirida, no estado de usado em 30/09/2020 à sociedade C, pessoa colectiva n.º 515537136, quando foi adquirida para Portugal no Estado de usado, em 20/02/2020 apresentava 70372 (Setenta Mil Trezentos e Setenta e Dois) quilómetros, e quando foi transportado pela Polícia Judiciária, poucos mais quilómetros apresentava, ou seja, o referido veículo praticamente nunca circulou, pelo que, como é evidente, não foi utilizado em qualquer atividade ilícita.
VIII-O Ministério Público não invocou a necessidade de realizar qualquer diligência de prova com o referido veículo.
IX-Os bens apreendidos pertencem à Recorrente, sua proprietária, pelo que rege na situação em apreço o disposto no art 110 0 nos 1 e 2 do CP (a perda não tem lugar excepto quando os titulares dos bens tiverem concorrido, de forma censurável, para a sua utilização ou produção, quando do facto tiverem retirado vantagens ou quando os objectos forem adquiridos após a prática do facto, conhecendo o adquirente a sua proveniência, tudo circunstâncias estranhas à recorrente).
X-Consequentemente, o veículo em questão não é suscetível, a final, de ser declarado perdido a favor do estado.
XI-Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou os artigos 186º do C.P.P. e 110º do C.P.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. mui doutamente suprirão deve o presente Recurso obter provimento e, em consequência, deve ser proferido Acórdão que, revogando o despacho proferido pelo Tribunal a quo, determine a imediata restituição à Recorrente do veículo TÁXI com a matrícula ... da marca CITROEN, modelo Picasso C4, do ano de 2017.

*
O Ministério Público respondeu ao recurso no sentido da sua improcedência, nos seguintes termos (que transcrevemos):
1-Do despacho recorrido.
Por despacho proferido nos autos supra identificados, para o qual se remete e aqui damos por reproduzido, a Mmª Juiz de instrução proferiu decisão em que indeferiu o pedido de levantamento da apreensão do veículo automóvel com a matrícula ... por falta de fundamento legal.
2-Dos fundamentos invocados no recurso apresentados pelos recorrentes.
O ora recorrente, não se conformando com o mencionado despacho interpôs recurso onde em suma concluiu que:
-no dia 5 de julho não existia qualquer mandado para apreensão do veículo e o veículo não tem qualquer relação com os presentes autos;
-o tribunal a quo não apresenta um único indício ou fundamento que o referido veículo foi adquirido com proveitos das actividades ilícitas e ou que tenha sido utilizado nessas actividades.
-A recorrente viu as suas contas bancárias serem analisadas ao pormenor e não foi encontrado qualquer indício ainda que ténue de que a mesma tivesse servido para algum tipo de actividade ilícita;
-A recorrente é uma sociedade comercial que tem como objecto o transporte ocasional de passageiros em veículos ligeiros, táxi;
- A recorrente a única dona e legítima proprietária do veículo com a matrícula ...;
A referida viatura foi adquirida no estado de usada à sociedade C, pessoa colectiva, n e 515537136 e quando foi adquirida para Portugal no estado de usado em 20/2/2020 apresentava 70372 e quando foi transportado pela Polícia Judiciária; pelo que o referido veículo praticamente nunca circulou, pelo que não foi utilizada em nenhuma actividade ilícita;
-O MP não invocou a necessidade de nenhuma diligência de prova com o referido veículo;
-O veículo em questão não é suscetível a final de ser declarado perdido a favor do Estado;
- Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou os artigos 186º do CFP e 110º do C.Penal.
Pelo que requerem seja revogado o despacho proferido pelo Tribunal A quo e seja determinada a imediata restituição à recorrente do veículo com a matrícula ... da marca Citroen, modelo Picasso C4 do ano de 2017.
3- Cremos que não assiste razão aos recorrentes, com efeito:
O veículo em causa foi apreendido na sequência do cumprimento de mandados de busca domiciliária e não domiciliária para a residências e outros locais frequentados pelos visados tendo a referida apreensão sido validade no prazo legal pela autoridade judiciária competente.
À apreensão e perda de objectos a favor do Estado nos crimes relacionados com o tráfico de estupefacientes é aplicável o regime especial previsto nos arts. 35º e ss. do D.L n.º 15/93, de 22/1, segundo o qual "são declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos" (art. 35º, n.º 1), o que sucederá "ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto".
Daqui já se vê que a propriedade dos objectos em causa não releva, sendo indiferente, para o efeito de decretamento da perda ali imposto, nomeadamente quanto aos objectos que «tiverem servido (...) para a prática de uma infracção previste no presente diploma» [D.L. n.º 15/93]. Trata-se de uma disposição muito abrangente, justificada essencialmente pelas exigências de prevenção relacionadas com o tráfico de estupefacientes, tendo em conta a pesada danosidade social que lhe anda associada.
De todo o modo não se desconsideram, como não podiam desconsiderar, sob pena de afronta à Constituição, os direitos de terceiros de boa fé, como se vê do artigo 36º-A, do Decreto-Lei n.º 15/93, aditado pela Lei n.º 45/96, de 3/9, que estatui:" O terceiro que invoque a titularidade de coisas, direitos ou objectos sujeitos a apreensão ou outras medidas legalmente previstas aplicadas a arguidos por infracções previstas no presente diploma pode deduzir no processo a defesa dos seus direitos, através de requerimento em que alegue a sua boa fé, indicando logo todos os elementos de prova", entendendo-se por boa fé " a ignorância desculpável de que os objectos estivessem nas situações previstas no n.º 1 do artigo 35º"
Ora, voltando ao caso concreto, verifica-se antes de mais que, o arguido B é desde Agosto de 2028 o sócio gerente da sociedade A
O arguido B encontra-se fortemente indiciado de liderar há vários anos uma organização dedicada ao tráfico de estupefacientes de carácter transnacional, sendo-lhe imputado o transporte de centenas de quilos de cocaína.
Quando foi apreendido o veículo em causa encontrava-se na esfera de uso por parte de B.
Quando o referido veículo foi apreendido não estava sequer registado em nome da sociedade recorrente, tendo sido importado em 20/2/2020.
Acresce que está documentado nos autos que o arguido B usava veículos táxi para proceder ao transporte de cocaína.
E usava várias firmas validamente constituídas e por si detidas como sócio-gerente para branquear o dinheiro proveniente do tráfico de estupefacientes.
Podemos verificar tal situação na apreensão de cocaína no Porto de Leixões imputada a B determinou que se usasse um táxi para transportar a cocaína.
Foi ouvida sobre a apreensão do veículo a arguida D mulher de B e que esclareceu, além do mais, que o veículo foi adquirido em 2020 pelo seu marido B através da empresa A sociedade de táxis da qual a arguida e o seu marido são detentores.
Declara que desconhecia a existência deste veículo, tendo somente tomado conhecimento do mesmo em meados de Abril de 2021, altura em que, começou em concordância do seu marido, o arguido B a gerir na prática a frota de táxis da referida empresa.
Questionada sobre as razões do veículo não se encontrar registado desde meados de 2020, altura em foi adquirido pela sua empresa, a ora arguida declara que não tem conhecimento das mesmas.
Por outro lado, conforme pesquisas documentais efectuadas referentes ao registo do veículo constata-se que A, apenas apresentou a registo a compra do veículo em 15/7/2022 (cfr. fls. 3651), isto já após a apreensão do veículo e a prisão de B.
Até essa data o veículo encontrava-se registado em nome de C. Mas como resulta dos autos o veículo era pertença de RO... embora não registado em seu nome.
Não existe aqui qualquer tutela de terceiro que mereça protecção.
Tudo indica que o referido veículo seria usado pelo arguido no âmbito das suas deslocações decorrentes do tráfico de estupefacientes e tenha sido adquirido com dinheiro auferido com tal actividade.
Estando, assim, fortemente indiciada a utilização do dinheiro para a actividade de tráfico de estupefacientes pelo arguido B, afigura-se-nos altamente provável a sua declaração de perdimento, como imperativo legal em face do disposto no artigo 35.º do Decreto-Lei n.º 15/93, supra transcrito na parte que ora importa, pelo que só valerá a pretensão do requerente se passar pelo crivo do art. 36º-A.
Para este efeito, importa salientar que, apesar de ser irrelevante, para a decisão de perdimento nos termos do art. 35º, quem é, em concreto, o titular do bem objecto de discussão, a verdade é que, quem pretender invocar a posição de terceiro de boa fé, terá, como questão prévia, que demonstrar que é efectivamente titular do direito que invoca.
Ou seja, apesar de a propriedade dos objectos apreendidos ser irrelevante para a declaração de perdimento quando se verificam as circunstâncias descritas no art. 35º, n.º 1 do D.L. n.º 15/93, quem pretende excepcionar este regime invocando os seus direitos de terceiro de boa-fé, de acordo com o critério estabelecido no art. 36º-A, n.º 2 do referido diploma, tem, antes do mais, de demonstrar que é efectivamente titular dos direitos que invoca.
Com efeito, uma análise atenta dos autos demonstrará que o arguido B dedicava-se à compra e venda de produto estupefaciente em grandes quantidades, o que justifica a ainda elevada quantidade de bens de luxo apreendidos.
Além do mais, encontrando-se os autos principais ainda em fase de investigação, com diligências em curso, sem ter sido ainda proferida acusação, seria prematuro ordenar o levantamento da apreensão, mesmo de bens registados em nome de terceiro e apesar da presunção que o registo fornece quanto à propriedade, pois mesmo os bens pertencentes a terceiro podem ser declarados perdidos a favor do Estado, se se reunirem os requisitos do artigo 110º, n.º 2, do Código Penal.
Assim, não só pelas estritas e condensadas razões invocadas no despacho recorrido, mas também pelas acima aduzidas, entendemos que deverá ser mantido o indeferimento do pedido de levantamento da apreensão do veículo automóvel matrícula ....
Entendemos por isso que não foram, por isso, violadas quaisquer normas jurídicas.
Pelo que deverá ser mantida a decisão recorrida.
V/Excelências, no entanto, decidirão como for de JUSTIÇA.

*
O recurso foi admitido a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo.

*
Subidos os autos a este Tribunal da Relação, em sede de parecer a que alude o art.º 416°, do CPP, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto aderiu aos fundamentos do recurso apresentados pelo Ministério Público na primeira instância.

*
Cumprido o disposto no art.º 417º, n.º 2, do CPP, não foi apresentada resposta.

*
Após exame preliminar e colhidos os Vistos, realizou-se a conferência, cumprindo agora apreciar e decidir, nos termos resultantes do labor da conferência.

*
II.FUNDAMENTAÇÃO

A DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, sendo essas que balizam os limites do poder cognitivo do tribunal superior, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como ocorre por exemplo com os vícios previstos nos artigos 410º, n.º 2, ou 379º, n.º 1, ambos do CPP (cfr. art.ºs 412º, n.º 1, e 417º, n.º 3, ambos do CPP).
Posto isto, passamos a delimitar o thema decidendum, que o mesmo é dizer a elencar as questões colocadas à apreciação deste tribunal e que, no caso, é uma só:
Saber se o despacho recorrido, proferido em 02.11.2022, que indeferiu o pedido de restituição de veículo apreendido, deve ser revogado, por violação dos art.ºs 186º, do CPP, e 110º, do CP.

*
A DECISÃO RECORRIDA

Em 02.11.2022 foi proferido o despacho recorrido (que aqui se transcreve integralmente):
A, veio aos autos requerer a imediata restituição do veículo táxi, com a matrícula ..., da marca Citroen, modelo Picasso C4.
Alegou, para tanto, em suma, que:
- A requerente é a única dona e legítima proprietária do referido veículo;
- O referido veículo nunca esteve ou foi propriedade do arguido B;
- O veículo em causa foi vendido à requerente no dia 10/9/2020;
- O registo do mesmo a favor da requerente só ocorreu em 15/7/2022 por demora imputável ao advogado que estava incumbido de tratar do assunto;
- O veículo foi adquirido, no estado de usado, com 70372 km e quando foi apreendido poucos quilómetros tinha a mais;
- O veículo não foi utilizado na actividade sob investigação;
- Não foi alegado nem há prova de que o veículo em causa tenha sido adquirido com dinheiro proveniente de qualquer actividade ilícita;
- Não foi invocada pelo Ministério Público a necessidade de efectuar qualquer diligência de prova com o referido veículo.
O Ministério Público apresentou oposição ao requerido, em síntese, nos seguintes termos:
- O registo da compra do veículo só foi efectuado em 15/7/2022, isto é, já depois da prisão preventiva do arguido B;
- Como resulta da prova produzida (declarações da arguida D) o veículo era pertença do arguido B, embora não registado em seu nome;
- Não existe qualquer tutela de terceiro que mereça protecção;
- Tudo indica que o referido veículo seria usado pelo arguido no âmbito das suas deslocações decorrentes do tráfico de estupefacientes e tenha sido adquirido com dinheiro auferido com tal actividade;
- É altamente provável a declaração de perdimento ao abrigo do disposto no art. 35º do D.L. n.º 15/93, de 22/1;
- Quem pretende invocar os seus direitos de terceiro de boa fé, de acordo com o critério do art. 36ºA, n.º 2 do citado D.L. n.º 15/93, tem, antes de mais, de demonstrar que é efectivamente titular dos direitos que invoca.
Vejamos, então.
A requerente veio, nas vestes de alegado terceiro de boa fé, requerer a restituição do veículo apreendido.
Conforme resulta do art. 36º A do D.L. n.º 15/93, de 22/1:
1- O terceiro que invoque a titularidade de coisas, direitos ou objectos sujeitos a apreensão ou outras medidas legalmente previstas aplicadas a arguidos por infracções previstas no presente diploma pode deduzir no processo a defesa dos seus direitos, através de requerimento em que alegue a sua boa-fé, indicando logo todos os elementos de prova.
2- Entende-se por boa-fé a ignorância desculpável de que os objectos estivessem nas situações previstas no n.º 1 do artigo 35.º”
Na verdade, versando os autos principais investigação relativa, designadamente, à prática de crimes de tráfico de estupefacientes e de associação criminosa naquele espectro, o regime especial aplicável é o resultante do D.L. n.º 15/93, de 22/1.
Com efeito, como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14/6/2010, processo n.º 1578/09.9JAPRT-A.P1, in www.dgsi.pt. «A perda de objectos que tiverem servido ou se destinassem a servir a prática de infracções previstas no Dec-Lei nº 15/93 de 22/1, bem como a de objectos ou direitos com elas relacionados, é regulada pelo disposto nos arts. 35º e 36 º daquele diploma, normas especiais que prevalecem sobre o regime geral instituído nesta matéria no Cód. Penal. Na sua primitiva redacção, o nº 1 do citado art. 35º dispunha que “São declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos quando, pela natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas ou a ordem pública, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos”. Com a alteração introduzida a esta norma pela Lei nº 45/96 de 3/9, que eliminou a sua parte final, a perda de objectos, que tenham servido ou estejam destinados a servir para a prática de infracções previstas no Dec-Lei nº 15/93 ou que por esta tiverem sido produzidos, deixou de depender do perigo que deles possa resultar para a segurança das pessoas ou para a ordem pública ou do risco sério de serem utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos. Tem-se entendido que o legislador, com esta alteração, pretendeu ampliar as situações em que a declaração de perda dos objectos deverá ocorrer. Assim, na criminalidade prevista no Dec-Lei nº 15/93, tal perda passou a depender apenas, quando se trate de instrumentos do crime (“instrumenta sceleris”), da verificação de um requisito em alternativa – o de que tenham servido, ou que estivessem destinados a servir, para a prática de uma infracção prevista naquele diploma -, e quando se trate de produtos do mesmo (“producta sceleris”), tão só da circunstância de serem um resultado da infracção (…)»
Todavia, estamos em crer, a aplicação de tal aglomerado normativo específico em nada bule com a aplicação concomitante das normas atinentes ao instituto da apreensão, tal qual se mostra definida e estruturada no Código do Processo Penal.
Como sustentado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25 de Outubro de 2017, in www.dgsi.pt. «A apreensão, que tem o seu regime fixado no artº 178º/CPP, que se insere no título “Dos meios de Prova”, do livro “Da prova”, é, indiscutivelmente um meio de obtenção de prova. Já assim era entendida face ao disposto no artº 202º do CPP de 1929 e continua a sê-lo no actual CPP.
Damos a função por indiscutida.
A questão é saber se ela tutela exclusivamente a necessidade de recolha e conservação de prova para efeitos de instrução do processo ou se tem aplicação ainda nas situações em que importa, única e exclusivamente, a segurança dos bens apreendidos, tendo em vista a sua disponibilização para efeitos de confisco, ou seja, como meio ao serviço da eventualidade da declaração de perda de instrumentos, produtos e vantagens do crime, previstas nos artºs 109º e ss do CP.
Houve e há posições divergentes na doutrina e na jurisprudência.
Para quem defende a exclusividade da função de meio de prova a argumentação usada é, a par da colocação da norma na sistemática do CPP, o texto do artº 186º/1, do CPP, que determina que se levante a apreensão logo que ela se torne desnecessária para efeito de prova.
(…) Do outro lado, há o entendimento de que a apreensão é meio de prova mas também meio de garantia da manutenção na esfera do Estado dos bens ou valores susceptíveis de serem declarados perdidos a favor do Estado.
Germano Marques da Silva começou por defender que a apreensão «é também» um meio de segurança de bens para garantir a execução «embora na grande maioria dos casos esses objectos sirvam também como meios de prova». Desenvolvendo, afirma em actualização recente da obra que «a apreensão não é apenas um meio de obtenção e conservação de provas, mas também de segurança de bens. Nesta perspectiva a apreensão é um meio de segurança dos bens que tenham servido, ou estiveram destinados a servir, a prática do crime, ou que constituam o seu produto, lucro, preço ou recompensa, como forma de garantir a execução da sentença penal, o que também justifica a conservação dos objectos ou direitos apreendidos à ordem do processo até à decisão final».
Carmona da Mota referia, no ac. do STJ tirado no processo nº 158/03, da 5.ª Secção, de 13/02/2003, que «Meios de obtenção da prova (TítuloII do LivroII ['Da prova'] do CPP) são, para além dos 'exames', das 'revistas e buscas' e das 'escutas telefónicas', as 'apreensões' (arts. 178.º e segs. do CPP).
E, para tal, 'são apreendidas, além de outros objectos 'susceptíveis de servir a prova', os que (previsivelmente) 'constituírem o seu produto, lucro, preço ou recompensa' (art. 178.º, n.º 1).
II-Essa sua função instrumental demandará, obviamente, que os objectos apreendidos sejam restituídos, 'logo que se tornar desnecessário manter a apreensão para efeito de prova', a quem de direito (art. 186.º, n.º 1).
III-Mas já os objectos susceptíveis de 'confisco' (arts. 109.º e segs. do CPP) só serão restituídos (e, nesse caso, 'logo que transite em julgado a sentença') se, nesta (art. 374.º, n.º 3, al. c) do CPP), não 'tiverem sido declarados perdidos a favor do Estado' (art. 186.º, n.º 2)».
O Ac. da Relação de Guimarães, de 18/12/2006, tirado no processo 1837/06-1ª secção, defendeu a mesma tese, com fundamento no acórdão do STJ supra referido dizendo que «Por isso que se possa concluir, à semelhança do que já sucedia no âmbito do anterior Código de Processo Penal (cfr., v.g. Ary Elias da Costa, Linhas Gerais de Instrução Preparatória em Processo Penal, Coimbra, 1960, págs. 62-63) que a apreensão, embora se destine essencialmente a conservar provas reais, visa também garantir a efectivação da privação definitiva do bem (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de
Processo Penal, vol. II, cit., pág. 217 e o Ac. da Rel. do Porto e 31-1-1990, BMJ n.º 393, pág. 655…).
Vejamos:
A interpretação de um texto jurídico exige, a par da compreensão do puro elemento literal, a compreensão das circunstâncias em que ele foi elaborado, sendo que não pode ser considerado um entendimento que não tenha correspondência com o texto exarado (aplicam-se as regras do artº 9º/CC). Isso significa que a interpretação do despacho deve buscar na  sua letra o maior fundamento de significado - mas não se pode alhear do seu elemento lógico, sistemático e histórico.
Analisando o elemento histórico, diga-se que na vigência do CPP de 1929, a apreensão estava regulada no artº 202º que rezava que «serão apreendidas e examinadas todas as armas e instrumentos que serviram à infracção ou estavam destinadas para ela e bem assim todos os objectos que forem deixados pelos delinquentes no local do crime, ou quaisquer outros cujo exame seja necessário para a instrução». Cavaleiro Ferreira defendia que «(…) a apreensão respeita somente à segurança de provas reais; os objectos da apreensão só servem ao tribunal como prova.
As provas reais devem encontrar-se à disposição do tribunal, porque a sua utilização comum pode fazer-lhes perder essa qualidade de provas; é indispensável, não somente garantir a sua existência, mas ainda mais evitar alterações que modifiquem ou diminuam o seu valor como prova. (…).
O fim que legitima a apreensão é a necessidade dos objectos apreendidos para a instrução. Ora a instrução abrange o conjunto de provas para fundamentar a acusação ou desfazer a suspeita inicial.
Objectos necessários à instrução são, assim, as provas reais. É também esta a interpretação que a origem histórica do art.º 202.º inculca; o art.º 905.º da Novíssima Reforma Judiciária tinha similar redacção, definindo somente objecto da apreensão, através da sua serventia «para o descobrimento da verdade», expressão que o art.: 202.º substituiu pela indicação da sua necessidade «para a instrução».
Numa e outra disposições se verifica a definição dos objectos susceptíveis de apreensão pelo seu significado probatório, porque «servem para o descobrimento da verdade» ou porque o seu «exame é necessário para a instrução». (…)
É de notar, porém, que objecto material da infracção é a coisa sobre que incide a acção criminosa, e não o dinheiro ou valor monetário que eventualmente a substituam, pois que então se não tratará de apreensão de provas reais, mas ele garantia ele responsabilidade civil, função alheia à apreensão penal».
Na verdade, a norma era expressa ao referir-se a objectos – armas, instrumentos e objectos deixados no local do crime – podendo, com propriedade, dizer-se de que em causa estava tão-somente a tutela da manutenção de prova real do crime, o que não impedia que vozes divergentes não vissem aqui um meio de tutela dos fins de confisco (cf. Ary Elias da Costa, na obra citada).
Revogado o CPP de 1929, entrou em vigor o artº 178º, que à data da prolação do despacho mantinha o nº 1 inalterado, tendo-lhe sido aditados pela Lei 59/98, de 25/8, os actuais nºs 3 a 7.
Actualmente todo o normativo foi alterado, assim como o disposto nos artºs 109 a 112º, tendo sido acrescentado um artigo 112º-A, sendo que tais alterações entraram em vigor no dia 31/05/2017, conforme resulta do artº 24º da Lei 30/2017, de 30/05.
O nº 1 do referido normativo, em vigor à data do despacho, passou a determinar que «são apreendidos os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática de um crime, os que constituírem o seu produto, lucro, preço ou recompensa, e bem assim todos os objectos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros susceptíveis de servir a prova».
Manifestamente este normativo apontou decisivamente no sentido de que as apreensões não visam só a manutenção de meios de prova “real”, pois que também abrangem valores e, entre eles, o produto da venda dos objectos com os quais se praticou o crime ou por este produzidos. Significa isto que a norma decidiu a controvérsia, determinando que apreensão passasse a funcionar, a par de meio de prova, como instrumento de garantia da segurança dos bens que tivessem servido ou se destinassem à prática do crime, assim como do produto respectivo - e quer esses bens fossem propriedade do agente do crime quer fossem de terceiro.
Na conformidade, o artº 110º/2, do CP, definia os termos da perda dos bens produzidos pela prática de um crime sempre que os respectivos titulares tivessem concorrido para a sua produção, dela retirando vantagens ou fossem adquiridos após a prática do ilícito, conhecendo o adquirente a sua proveniência»
Volvendo à situação em apreço, relembramos que a requerente, nas veste de, alegado, terceiro de boa fé, requer a restituição do veículo invocando que: “é a única dona e legítima proprietária do referido veículo; O veículo não foi utilizado na actividade sob investigação e não foi alegado nem há prova de que o veículo em causa tenha sido adquirido com dinheiro proveniente de qualquer actividade ilícita” e que o Ministério Público opõe-se a restituição afirmando que: “O veículo era pertença do arguido B, embora não registado em seu nome, e que tudo indica que o referido veículo seria usado pelo arguido no âmbito das suas deslocações decorrentes do tráfico de estupefacientes e tenha sido adquirido com dinheiro auferido com tal actividade”.
Ora, em primeiro lugar, há que consigná-lo, a apreensão do veículo, ora em crise, foi efectuada pelo O.P.C., no âmbito daquilo que são as suas competências, tal qual resulta da definição operada pelo art. 178º, n.º 5 do C.P.P. Com efeito, aos próprios órgãos de polícia criminal incumbe a apreensão de produtos e objectos provenientes e utilizados na prática de um facto ilícito, desde que susceptíveis de serem declarados perdidos a favor do Estado.
Acresce que, o que está em causa e que, por ora, confere pleno ajuste à apreensão efectuada, é, somente, a adequação da apreensão para garantia do, eventual, confisco, a ser decidido em sede própria (no acórdão). É que, para além do mais, o objecto processual está, ainda, por definir, sendo certo que só com a dedução da acusação será revelada a descrição acusatória, em toda a sua dimensão.
Por fim, no que concerne aos invocados direitos de terceiro, não é aceitável que a requerente (que, note-se, se intitula terceiro de um do ponto de vista singelamente formal, pois que assume que o arguido B era e é o gerente da sociedade requerente) em algum momento pudesse, verdadeiramente, ter estado e/ou esteja de boa-fé. Ao invés, temos como certo que, por força da especial “ligação” com o arguido B, a requerente tinha e tem a obrigação de saber que o bem de que é proprietária pode, eventualmente, constituir-se produto da actividade delituosa e/ou ter sido utilizado no cometimento naquela.
Assim, face a todo o exposto, indefere-se o pedido de restituição do veículo, por falta de fundamento para tanto.
Notifique.

Ainda com relevo para a decisão, apura-se, de acordo com os elementos constantes do processo 267/21.0JELSB-G e que nos foram disponibilizados, o seguinte:
i).-Em sede de 1º interrogatório judicial de arguido detido o tribunal considerou fortemente indiciada a prática, pelo arguido B, em coautoria, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos art.ºs 21º, n.º 1, e 24º, als. b) e c), da Lei 15/93, de 22.01, e de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo art.º 28º, n.ºs 1 e 3, da mesma Lei.
O arguido está também indiciado por crime de branqueamento de capitais, tal qual a sua esposa CO..... .
O início da atividade delituosa do arguido é reportado pelo menos a 2020 e inclui tráfico transnacional de produtos estupefaciente, por via aérea e marítima, com ligações a diversos países, nomeadamente Brasil, Colômbia e Dubai.
Está ainda indiciado que o produto estupefaciente, após entrar em Portugal, era transportado em veículos, nomeadamente táxis e carros alugados (ver auto de interrogatório de arguido detido).
ii).-A sociedade A., cujo objeto social registado é o transporte ocasional de passageiros ligeiros - Táxi, foi constituída 06 de agosto de 2018, tinha então como sede a Praceta ..... ... ....., n.º...1, ...-..., Bairro ....., ..... - L____, como acionistas HR..... e FR....., e como gerente FR....., o qual veio a cessar funções em 22.08.2018.
O arguido B e esposa D registaram a aquisição das quotas de tal sociedade em novembro de 2018, altura em que foi alterada a sede da sociedade para a Rua ..... ....., Lote ..., 1º DTº, O____, L____ (ver registo da sociedade, junto pela Recorrente).
O arguido é o único sócio gerente da Recorrente.
iii).-Da informação do GRA junta aos autos em 27.06.2022 resulta que a mãe de D é proprietária (…) do prédio urbano e que corresponde a fração D, composto por primeiro andar direito, para habitação (afetação: habitação), sito na Rua ..... ....., n.º ..., 1º Dtº, ....- L____, (…) registo de aquisição datado de 16/10/1997. A fração foi adquirida a cooperativa de habitação económica Abrigo de chelas, CRL (…).
Tal imóvel corresponde à sede registada da Recorrente A..
iv).-O veículo ..., marca Citroen, modelo Picasso, foi importado em 20/21 de Agosto de 2020, proveniente de França, no estado de usado, com 70372 Km, pela sociedade “C”, com sede na ... Lisboa, cujo gerente é E, de nacionalidade búlgara, com residência na mesma morada da sede da empresa, constando como data da respetiva transmissão 12.02.2020, pelo preço de 8.300,00 Euros, com 68498km (ver declaração aduaneira de veículo junta pela Recorrente).
O veículo foi registado em nome da “C” em 15.09.2020.
v).-Consta dos autos um “documento único automóvel”, com data aposta de 30.09.2020, referente ao veículo ..., no qual a Recorrente A, representada pelo seu gerente B, declarou adquirir o veículo à sociedade “C”.
Na data dessa alegada operação comercial o arguido B, na qualidade de gerente, declarou residência na mesma morada da sede da sociedade Recorrente, ou seja, na Rua ..., O....., Lisboa (ver reconhecimento de assinatura junto pela Recorrente).
O registo da aquisição do veículo pela A. foi realizado em 15.07.2022.
vi).-Por despacho datado de 28.06.2022, ao abrigo do preceituado nos artigos, 174º nºs. 1, 2, 3 e 4, 176º, 177º, 178º nºs. 1 e 3, 179º nº1, 187º nº 1 al. a), nº 4 al. a) e 269º, n.º 1, al. c) todos do C.P.P., foi determinada a realização de diversas buscas referentes a moradas associadas ao arguido B e esposa, e ainda a familiares próximos destes, nomeadamente ao imóveis sitos na Rua ..., ....-...- P..... S..... l..... (residência de B), na Rua ..... - O..... Sul, .....-... L____ (morada que consta no Cartão de Cidadão e dada no Termo de ldentidade e Residência de B), na Rua ..., ....-..., L____ (morada que consta no Cartão de Cidadão da esposa de B), entre outras moradas, incluindo todas as dependências que delas fizessem parte, nomeadamente caixas de correio, anexos, arrecadações e garagens.
vii).-O veículo ... foi apreendido pelos OPC´s em 05.07.2022 em garagem/oficina sita na Rua ..., Lisboa.
Os OPC´s fizeram constar do auto de apreensão que o veículo apresentava “evidentes marcas de circulação (…)”.
Foi ainda identificado, no fundo da oficina, no interior de uma gaveta, um papel manuscrito, com o nome B, com vários números de telefone e outros elementos.
viii).-Em 22 de Julho de 2022 a Recorrente A. juntou aos autos um requerimento, onde se autointitulou proprietária do veículo e solicitou a sua restituição.
Nesse requerimento juntou o comprovativo de ter solicitado o registo do veículo em seu nome.
Reiterou tal pedido em agosto e outubro de 2022.
ix).-A esposa do arguido B declarou nos autos que desconhecia a existência do veículo apreendido até abril de 2021, altura em que começou a gerir os táxis da sociedade.

*
DA ANÁLISE DOS FUNDAMENTOS DO RECURSO:

SABER SE O DESPACHO RECORRIDO, PROFERIDO EM 02.11.2022, QUE INDEFERIU O PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE VEÍCULO APREENDIDO, DEVE SER REVOGADO, POR VIOLAÇÃO DOS ART.ºS 186º, DO CPP, E 110º, DO CP.

Iniciaremos por dizer que não estão em causa o despacho que determinou as buscas, nem a decisão que validou as apreensões, nomeadamente do veículo mencionado no recurso, dado que tais decisões não se mostram atacadas neste recurso.
O objeto do recurso é tão só o despacho que indeferiu o pedido de restituição do veículo apreendido, no qual a Recorrente se autointitula proprietária do bem apreendido e afirma que a atividade da empresa nenhuma relação tem com os factos imputados ao arguido B.
Sem prejuízo, a Recorrente invoca que a apreensão do veículo teve lugar sem que existisse mandado para a sua apreensão, ainda que não retire daí nenhuma consequência.
Nesta parte, telegraficamente diremos que a apreensão do veículo, que se encontrava numa oficina utilizada pelo arguido B (posto que aí foram encontrados escritos com o nome do mesmo), embora possa não ter sido realizada no âmbito estrito das buscas determinadas, foi-o pelos OPC´s no exercício das suas competências de apreensão de instrumentos, produtos e/ou vantagens de crime suscetíveis de serem declarados apreendidos a favor do Estado, quando haja fundado receio de desaparecimento, ocultação, destruição, inutilização ou danificação dos bens (art.º 178º, n.º 5, do CPP).
Nesta conformidade, nenhuma atuação à margem da lei foi realizada.

Quanto ao demais, vejamos.
A Recorrente considera que o despacho recorrido violou o disposto nos artigos 186º, do CPP, e 110º, do CP, em virtude de o veículo apreendido ser sua propriedade, não ter nenhuma relação com a alegada atividade delituosa investigada e a manutenção da apreensão não ter fins probatórios.
Dos elementos constantes dos autos decorre que, na sequência de buscas determinadas a locais de alguma forma associados ao arguido B, em 05.07.2020 os OPC´s apreenderam também o veículo ..., marca Citroen, modelo Picasso, registado à data da apreensão em nome da sociedade “C”.
A Recorrente juntou prova documental que comprova, pelo menos perfunctória e formalmente, a aquisição de tal veículo à sociedade “C” em 30.09.2020, cujo registo em nome da Recorrente apenas foi realizado em 15.07.2022, portanto, já após a apreensão do veículo.

As normas jurídicas a convocar e que tratam da restituição de bens apreendidos em sede criminal são, no caso em apreço, essencialmente três, a saber:

O art.º 186º, do CPP, referente à restituição de objetos apreendidos, o qual dispõe, ora com interesse,  que:
1- Logo que se tornar desnecessário manter a apreensão para efeito de prova, (…) os objetos apreendidos são restituídos a quem de direito (…).
2- Logo que transitar em julgado a sentença, (…) os objetos são restituídos a quem de direito, salvo se tiverem sido declarados perdidos a favor do Estado.
3  a 7 – (…).
O art.º 36.º-A, do Decreto-Lei 15/93, de 22.01 (legislação de combate à droga), que cria um regime especial de “defesa de direitos de terceiros de boa fé”, onde se estatui que:
1- O terceiro que invoque a titularidade de coisas, direitos ou objetos sujeitos a apreensão ou outras medidas legalmente previstas aplicadas a arguidos por infrações previstas no presente diploma pode deduzir no processo a defesa dos seus direitos, através de requerimento em que alegue a sua boa fé, indicando logo todos os elementos de prova.
2- Entende-se por boa fé a ignorância desculpável de que os objetos estivessem nas situações previstas no n.º 1 do artigo 35.º.
3- a 5 – (…)
E ainda o artigo 178º, n.º  7, do CPP, onde se preceitua que os titulares de instrumentos, produtos ou vantagens ou outros objetos ou coisas ou animais apreendidos podem requerer ao juiz a modificação ou alteração da medida.
No que concerne aos bens que podem ser alvo de apreensão:
O artigo 178º, n.º 1, do CPP, prescreve que são apreendidos os instrumentos, produtos ou vantagens relacionados com a prática de um facto ilícito típico (…) ou quaisquer outros suscetíveis de servir a prova.
Torna-se ainda útil convocar as normas jurídicas referentes aos bens passíveis de serem declarados perdidos a favor do Estado (ressalvando-se que não se entrará na temática do arresto e da perda alargada, por a sua análise não importar ao objeto deste recurso).
Assim, na perda a que por facilidade chamaremos de “clássica”, o Código Penal prevê a perda a favor do Estado de instrumentos (que representem um perigo para a segurança das pessoas, a moral e a ordem pública ou para o cometimento de novos ilícitos típicos), produtos, vantagens ou recompensas do crime, ainda que nenhuma pessoa possa ser punida pelo facto, e mesmo pertencentes a terceiros (quando tenham concorrido, de forma censurável, para a sua utilização ou produção, ou tiverem retirado vantagem do facto ilícito) - artigos 109º, 110º e 111º -.

Na “perda específica associada à legislação de combate à droga”, dispõem os artigos 35º, n.º 1, e 36º, n.ºs 1, 2, 3, 4 e 5, ambos do Decreto-Lei 15/93, de 22.01, que são declarados perdidos a favor do Estado os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infração prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos, ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto, bem como todos os direitos, objetos, vantagens e recompensas que tiverem sido adquiridos pelo agente da prática do crime, para si ou para outrem, direta ou indiretamente.
Por fim, na “perda específica associada às medidas de combate à criminalidade organizada”, aplicável, entre outros, aos crimes de tráfico de estupefacientes previstos nos art.ºs 21º a 23º e 28º, do Decreto-Lei 15/93, de 22.01, branqueamento de capitais e associação criminosa (art.º 1º, n.º 1, als. a), i) e j), da Lei 5/2002, de 11 de janeiro), estabelece-se no art.º 12º-B desta Lei 5/2002, que a declaração de perda dos instrumentos do crime terá lugar ainda que os mesmos não ponham em perigo a segurança das pessoas, a moral e a ordem públicas, nem ofereçam risco de serem utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos.

A apreensão, como toda a restrição de direitos e liberdades resultantes da aplicação de medidas cautelares em sede criminal, está sujeita aos princípios da proporcionalidade e da necessidade, que se traduzem, no que a esta figura respeita, na respetiva redução (seja em extensão, seja temporal) ao mínimo indispensável à satisfação dos propósitos processuais que a lei visa satisfazer através de tal medida provisoriamente restritiva do ius utendi, fruendi et abutendi inerente, no caso, ao direito de propriedade, sendo de registar que a apreensão não afeta direito de propriedade em si mesmo, mas tão só os direitos de uso a ele associados.
A impossibilidade, ainda que provisória, de utilizar certo bem tem previsivelmente danos associados (mais ou menos extensos, consoante cada caso), em razão do que a mesma deve ser reduzida ao justo ponto, embora sem fazer perigar outros interesses prosseguidos pelo Estado, como seja o do Ius puniendi, da promoção do bem comunitário comum e da ordem pública.
A procura desse equilíbrio entre estes interesses públicos da aplicação do direito criminal e os direitos dos arguidos e de terceiros que possam ser atingidos com as normas impositivas de  restrições de direitos, liberdades e garantias constitui não raras vezes a principal dificuldade do direito penal e processual penal.
É neste quadro que se inscreve o dever de restituição do bem apreendido logo que a sua manutenção deixe de ser necessária para assegurar as finalidades prosseguidas pela apreensão.

O que nos transporta imediatamente para outra questão, que é a saber qual é, ou quais são, as finalidades da apreensão em processo penal.
A esta respeito não restam dúvidas de que a esmagadora maioria da jurisprudência, a começar pela constitucional, e bem assim a doutrina, reconhecem à apreensão duas principais finalidades processuais, as quais resultam expressas da lei penal, embora de forma desconexa e até algo ambígua, a saber:
-Uma finalidade probatória, na medida em que o objeto apreendido poderá consubstanciar ele próprio a prova da prática do ilícito, pelo que a apreensão visará a conservação dessa prova; e
-Uma outra finalidade dita confiscatória, com vista a garantir a execução da declaração de perda do bem apreendido a favor do Estado no momento processual adequado, quer se trate de um instrumento do crime, produto, vantagem ou recompensa, direta ou indireta, obtida através da prática do crime.
Existe, portanto, uma ligação direta entre a apreensão e a perda a favor do Estado e as normas que disciplinam os dois distintos institutos.
Esta segunda finalidade processual da apreensão colhe-se de vários dispositivos legais dispersos.
Desde logo do citado artigo 186º, n.º 2, do CPP, onde se determina a restituição de bens apreendidos que não hajam sido declarados perdidos a favor do Estado após o trânsito em julgado da sentença, dando, assim, indicação de que existem bens apreendidos em que a ponderação da sua restituição deverá ser realizada só a final, com o que o legislador está a admitir a manutenção da apreensão com a finalidade de conservação do bem para fins confiscatórios.
E ainda, por exemplo, do já citado art.º 178º, n.º 5, do CPP, o qual se refere expressamente à apreensão de bens suscetíveis de serem declarados perdidos a favor do Estado, legitimando a realização da apreensão com essa concreta e específica finalidade processual.
No sentido de reconhecer à apreensão as duas mencionadas finalidades processuais, veja-se, entre muitos que poderiam ser citados (alguns dos quais mencionados na bem fundamentada decisão recorrida, para os quais também se remete), o Acórdão n.º 294/2008 do Tribunal Constitucional, processo n.º 11/08, onde se pode ler: Por outro lado, a apreensão é também um meio de segurança dos bens que tenham servido ou estivessem destinados a servir a prática do crime, ou que constituam o seu produto, lucro, preço ou recompensa, como forma de garantir a execução da sentença penal, o que também justifica a conservação dos objectos apreendidos à ordem do processo até à decisão final. Assim se compreende que o artigo 186º, ao referir-se aos termos em que se processa a restituição dos bens apreendidos, admita que essa restituição apenas venha a ter lugar após o trânsito em julgado da sentença, mediante a entrega ao seu legítimo proprietário ou a declaração de perda a favor do Estado, o que pressupõe que, nessa circunstância, os bens ou valores apreendidos devam ter o destino que for fixado na própria decisão final do processo (n.ºs 2 e 3).(…) Vimos que a apreensão tem a dupla função de meio de obtenção de prova e de garantia patrimonial do eventual decretamento de perda de valores a favor do Estado (cfr. DAMIÃO DA CUNHA, Perda de bens a favor do Estado, Centro de Estudos Judiciários, 2002, pág. 26), e, nesse sentido, tem pleno cabimento que enquanto providência processual instrutória ela possa manter-se até à fase de julgamento e venha apenas a ser declarada extinta com a sentença final (absolutória ou condenatória), quando nela tenha sido entretanto fixado o destino a dar aos bens apreendidos.

Relativamente aos momentos processuais em que a restituição do bem apreendido deve ocorrer, sem dúvida que deverá ter lugar logo que a apreensão deixe de se justificar em ordem à satisfação de qualquer das duas finalidades que subjazem à apreensão, em respeito do princípio da necessidade.
Sucede que, no caso de um bem apreendido que tenha a potencialidade de vir a ser declarado perdido a favor do Estado - por suspeita de se tratar de um instrumento, produto, vantagem ou recompensa, direta ou indireta, da prática de ilícito criminal -, o momento processual de ponderar a sua restituição dificilmente poderá ser em sede de inquérito (salvo aquando do seu encerramento, se for arquivado) ou mesmo em sede de instrução (salvo, mais uma vez, se nessa fase o ilícito típico não for pronunciado), devendo essa ponderação ser realizada apenas em sede de sentença, sendo aliás o que é inculcado pelo já citado art.º 186º, n.º 2, do CPP.
Dito de outro modo, a fase do inquérito, puramente investigatória, não é propícia para o deferimento do pedido de restituição de um bem apreendido em que exista a possibilidade abstrata de poder, a final, vir a ser declarado perdido a favor do Estado.

Em jeito conclusivo, podemos afirmar que a restituição dos bens apreendidos deverá ocorrer (mas também só deverá ocorrer) quando a apreensão deixe de ser necessária para assegurar as duas finalidades processuais de conservação de prova e de garantia de confisco que são reconhecidas à apreensão.
A apreensão poderá não se justificar em vista de conservar uma prova, por se ter tornado desnecessária essa conservação, mas poderá continuar a justificar-se em ordem à satisfação daquela outra finalidade da apreensão, que é a da conservar o bem na disponibilidade do Estado, com vista à sua eventual declaração de perda, no momento processual adequado.
E, a nosso ver, a manutenção da apreensão justificar-se-á sempre quando puder ser feito um juízo de prognose futura de possibilidade de o bem apreendido poder ser declarado perdido a favor do Estado.
Assim, deverá ser restituído ao seu proprietário, mesmo em sede de inquérito, um bem apreendido que já não releve para efeitos de prova e que, em simultâneo, não esteja sujeito a futuro confisco (é o caso, por exemplo, da apreensão de veículo furtado, que, uma vez feitas as perícias necessárias, deverá em sede de inquérito ser restituído ao ofendido, seu proprietário).
Já se o bem apreendido, ainda que já não releve para estritos efeitos de prova, tiver, nos termos da lei, a potencialidade de vir a ser declarado perdido a favor do Estado, a ponderação sobre a sua restituição não deverá fazer-se em sede de inquérito (numa altura em que ainda está em investigação até o enquadramento legal nas normas que permitem a perda a favor do Estado, isto é, quando ainda possa pairar a dúvida sobre essa possibilidade), mas apenas em sede de sentença, no pressuposto, claro está, de o processo ter seguimento para esta fase processual.

Revertendo para o caso dos autos, verifica-se que o arguido B está indiciado pela prática de crime de tráfico agravado, associação criminosa e até branqueamento de capitais, por liderar organização dedicada ao tráfico transnacional de produtos estupefacientes, com ligações a diversos países da América Latina e até do Médio Oriente, sendo que na logística do transporte interno do estupefaciente “importado” está indiciado o uso de veículos de transporte de pessoas, nomeadamente de táxis.
Embora a Recorrente tenha comprovado, ainda que perfunctoriamente, a propriedade formal do veículo apreendido, encontra-se em investigação a propriedade material de tal objeto, posto que o Ministério Público considera, e com boas razões, que o veículo estava na esfera de disponibilidade exclusiva do arguido, dado que o mesmo era o sócio gerente da sociedade Recorrente e que nem mesmo a esposa, que era a outra sócia, sabia da sua existência até abril de 2021.
Acresce que até a qualidade de terceiro da Recorrente parece ser de questionar, na medida em que a disponibilidade substantiva sobre o veículo parecia pertencer ao arguido B, por ser quem detinha o domínio de facto sobre o veículo.
Portanto, decorre do que se deixa escrito que a própria propriedade material do veículo está controvertida e em investigação em sede de inquérito.
Acresce evidenciarem-se algumas incongruências dos factos constantes dos autos, nomeadamente a circunstância de a Recorrente ter sido criada pelo arguido B e a esposa D e constar com sede num apartamento destinado à habitação, morada que também consta como sendo a da esposa do arguido no cartão de cidadão, sendo difícil de imaginar uma empresa dedicada à prestação de serviços de táxi sediada num apartamento habitacional, sito no 1º andar de um prédio, apartamento adquirido a uma cooperativa de habitação económica e propriedade da sogra do arguido.
Por outro lado, não resulta dos autos, pelo menos dos elementos que nos foram disponibilizados, se tal empresa tem, ou não, atividade económica verificada no terreno, nomeadamente se tem outros carros, e quantos, se tem empregados ao seu serviço, se passa faturas comprovativas dessa real atividade, se tem rendimentos declarados, etc...
E também não se mostra congruente que a Recorrente se tenha “esquecido” de registar um dos veículos que destinava ao exercício do seu objeto social durante quase dois anos.
Assim como não está de acordo com as regras do normal acontecer que a Recorrente tenha mantido um veículo essencial ao exercício da sua atividade quase dois anos parado numa oficina, alegadamente devido a uma avaria (apesar de a Recorrente se ter apressado a calcular nos autos os prejuízos do não uso dessa viatura por força da apreensão).
 E continua a não jogar com as regras de experiência comum que a esposa do arguido B tenha declarado desconhecer a existência de tal veículo até meados de 2021, bem como a ausência do respetivo registo, apesar de que a mesma é também sócia da Recorrente.
A estas estranhezas teremos ainda de juntar o facto de o arguido B estar indiciado por utilizar veículos de aluguer e táxis para apoio logístico do transporte de droga dentro do país e de o mesmo figurar como principal acionista e gerente da Requerente.
E nem o facto de das contas da Recorrente não resultarem indícios de ligação à atividade ilícita investigada constitui argumentário impeditivo das suspeitas e estranhezas aludidas, posto que é até natural que esses indícios formais não existam, como é bom de ver.

Tudo ponderado, pairam diversas dúvidas relacionadas com o veículo apreendido e até com a atividade da Recorrente, nomeadamente se esta não será apenas uma empresa de fachada, constituída ou pelo menos aproveitada para prestar apoio logístico e camuflar a atividade delituosa em investigação, se o veículo em causa não foi ou não estava destinado a ser utilizado na prática do crime de tráfico de estupefacientes e mesmo se o veículo não terá sido adquirido com proventos resultantes da prática de crime.
Portanto, por ora, não há prova de que o veículo não seja instrumento, produto e/ou vantagem da prática de crime.
A ser assim, não pode ser afirmado nesta fase investigatória que o veículo apreendido não poderá, a final, vir a ser declarado perdido a favor do Estado, tanto mais que esta declaração de perda está sujeita  às regras menos exigentes da “perda específica associada à legislação de combate à droga” e da “perda específica associada às medidas de combate à criminalidade organizada”.
Subsistindo estas incertezas, haverá que aguardar pelo decurso da investigação para ser ponderado, em momento processual ulterior, se o veículo deve, ou não, ser restituído à Recorrente, a qual terá a ampla possibilidade de comprovar a sua verdadeira qualidade de terceira de boa fé através do mecanismo previsto no art.º 347º-A, do CPP, sendo que no presente recurso a Recorrente não comprovou, ou sequer alegou, ignorar de forma desculpável que o veículo apreendido possa estar na situação prevista no art.º 35º, do Decreto-lei 15/93, de 22.01,  não tendo comprovado, consequentemente, a sua boa fé.
Termos em que se julga improcedente o recurso.

III–Dispositivo
Pelo exposto, acordam os juízes da 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto por A.
Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC´s (art.º 521º, n.º 2, do CPP) .
Notifique e D.N.


Lisboa, 26-01-2023


Madalena Augusta Parreiral Caldeira
António Bráulio Alves Martins
Maria Carlos Duarte do Vale Calheiros