Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6786/23.7T8LRS-A.L1-6
Relator: MARIA TERESA MASCARENHAS GARCIA
Descritores: AUJ 6/2022
VALOR REFORÇADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/23/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sumário (elaborado pela relatora):
I. As nulidades típicas da sentença reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento, não se incluindo nas mesmas o erro de julgamento seja de facto ou de direito.
II. O conhecimento da impugnação da matéria de facto depende da observância pelo recorrente do cumprimento dos ónus previstos no art. 640.º, n.º 1, do CPC, mas também da constatação de que a alteração pretendida reveste relevância para o mérito da demanda.
III. A impugnação de factos que tenham sido considerados provados ou não provados e que não sejam importantes para a decisão da causa, não deve – de acordo com o principio da limitação dos actos, previsto no art. 130.º do CPC - ser apreciada, na medida em que alteração pretendida não seja susceptível de interferir na mesma e que não é lícita a prática de actos inúteis no processo.
IV. Tendo em atenção que a exequente alegou, no requerimento executivo que “ em 08/09/2011, os Executados deixaram de efetuar os pagamentos a que estavam adstritos, (…)”, e pretendendo a mesma que se dê como provado que a embargante/executada recebeu missivas sobre um incumprimento de 2011, com fundamento numa carta enviada em 2009, será sempre incongruente mas também inútil esta concreta impugnação da matéria de facto.
V. O AUJ 6/2022 fixou jurisprudência no sentido que “I - No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. II - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo 'a quo' na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas”
VI. Embora seja certo que os Acórdãos uniformizadores de jurisprudência não têm força obrigatória geral – que no passado era atribuída aos assentos pelo art. 2.º do CC, já revogado – não deixa de ser certo que os mesmos comportam em si um valor reforçado que deveriva não apenas do facto do emanarem do pleno das Secções Cíveis do STJ como ainda da circunstância de o seu não acatamento pelos Tribunais de 1.ª instância e Relação serem causa de admissibilidade especial de recurso (art. 629.º, n.º 2, al. c), do CPC).
VII. Assim, para decidir em sentido contrário a um acórdão uniformizador necessário será trazer uma argumentação nova e ponderosa, quer pela via da evolução doutrinal posterior, quer pela via da actualização interpretativa.
VIII. Resultando dos autos que o imóvel hipotecado foi alienado em 2011 e que do documento complementar, que é parte integrante do contrato de mutuo, consta que “A mutuante reserva-se o direito de resolver o contrato considerando o crédito imediatamente vencido se o imóvel hipotecado for alienado, arrendado ou de qualquer forma cedido ou ou onerado sem o seu consentimento escrito, (…)”, não se pode concluir que o contrato tenha por resolvido com a referida venda, na medida em que o clausulado previa a venda sem consentimento escrito, e foi essa mesma credora – que tinha de prestar consentimento – que o adquiriu.
IX. É de considerar verificado o decurso do prazo quinquenal da prescrição quando o incumprimento remonta a 2011, a Exequente refere ter resolvido o contrato em Junho de 2023 , mês e ano em que, igualmente, intentou a presente acção executiva e entra a data de cessação de pagamento das prestações (Setembro de 2011) e Junho de 2023 aquela nada fez.
X. Foi exactamente este o fundamento da prescrição quinquenal: evitar a perpetuação, com a consequente incerteza e insegurança, da situação dos devedores.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

Relatório:
A 24-06-2023 SCALABIS STC, S.A. intentou acção executiva para pagamento de quantia certa contra AA, BB E CC, apresentando como título um contrato de compra e venda com mútuo e fiança, celebrado em 18-12-2001, relativamente ao qual se verificaram incumprimentos a partir de 08-09-2011, o que motivou uma resolução do contrato operada por carta de 01-06-2023.
A executada CC veio, a 19-09-2023, deduzir oposição à execução mediante embargos pedindo que os mesmos sejam julgados procedentes, assim se extinguindo, no todo, a execução.
Alegou, sumariamente:
i. -que juntamento com o seu então marido, constituiu-se fiadora e principal pagadora das dúvudas ciontraídas pelos mutuários junto da Caixa Económica Montepio Geral, empréstimo esse que seria reembolsado em 360 prestações;
ii. Não interveio na redacção do contrato de mútuo, hipoteca ou fiança, os quais apenas lhe foram apresentados no acto da escritura notarial;
iii. Em Dezembro de 2022 a ora embargante recebeu uma comunicação da exequente notificando-a da cessão de créditos, bem como a carta de 01-06-2026, sendo que apnas com esta última teve conhecimento da existência de montantes em dívida no âmbito do referido contrato;
iv. Nunca tendo sido informada pela exequente que o contrato de mútuo se encontrava em incumprimento;
v. A exequente não diligenciou pela implementação do PERSI, o que constitui uma excepção dilatória inominada de conhecimento oficioso, nem mesmo comunicou aos fiadores e possibilidade de requererem a sua integração no mesmo;
vi. A omissão desta informação ao fiador constitui violação de normas de carácter imperativo, que constitui igualmente excepção dilatória inominada;
vii. Decurso do prazo de prescrição de 5 anos , nos termos aplicáveis resultantes do art. 310.º, al. e) do CC;
viii. Falta de observância dos requisitos da resolução contratual.
Requer, a final, que: “(…)
• Seja declarado procedente a extinção da instância por verificação de uma exceção dilatória inominada na sequência de violação do regime legal imperativo previsto pelo DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro.
• Seja declarada procedente a prescrição invocada e nesse sentido, tendo ocorrido a interrupção da prescrição com a citação recebida a 23 de julho de 2023, ter-se-á de concluir que toda a prestação quer englobando juros quer englobando prestações de capital, que se venceram entre 08 de setembro de 2011 e 23 de julho de 2018, se deverão considerar prescritas, e, assim, ser reduzido o valor de quantia exequenda, relativamente às quais a execução tem de ser julgada extinta;
• Seja declarado improcedente a cláusula de resolução expressa face ao seu conteúdo genérico;
• Seja declarado procedente que não houve, entretanto, exigibilidade antecipada das prestações vincendas, nem houve interpelação admonitória/conversão da
• mora em incumprimento definitivo depois da concessão de um prazo razoável (art.º. 808/1 do CC) na pessoa da embargante;
• Seja declarado procedente que a escritura base da execução não é título executivo para a obrigação de restituição subsequente à resolução dos contratos e, portanto, devem os presentes autos ser extintos;
• Seja declarada improcedente a perda de benefício do prazo em relação à embargante;
• Seja declarado procedente extinção da execução relativamente à fiadora, ora embargante, designadamente por iliquidez da obrigação da fiadora e inexigibilidade, não supridas na fase introdutória da execução (art.ºs 713º, 729º, al. e) e 731º do Código de Processo Civil);
• Seja declarado procedente a suspensão da execução, ao abrigo do artigo 733º, nº 1, alínea c) do CPC.
Mais se requer a condenação da Exequente no pagamento de 10% do valor da execução à Executada, bem como, no valor dos honorários da mandatária.”
Em 15-02-2024 foi proferido o seguinte despacho:
Os embargos de executado são o meio processual adequado de reação que a lei faculta ao executado para reagir contra a ação executiva instaurada contra o mesmo, isto é, para exercer o contraditório, aduzindo todos os meios de defesa que lhe assistam, com vista à extinção da execução.
Como tal, conforme entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência, não é possível deduzir reconvenção em sede executiva, sob pena de se admitir a formação de título executivo contra o exequente, o que extravasa manifestamente a finalidade da oposição à execução.
Por outro lado, o pagamento por uma das partes de uma percentagem dos honorários suportados pela contraparte com advogado é regulado pelo regime das custas judiciais, na vertente de custas de parte, dependendo, além do mais, do ganho, total ou parcial, da causa respetiva.
DECISÃO: pelo exposto indefere-se liminarmente a petição inicial de embargos de executado na parte em que se pede "a condenação da Exequente no pagamento de 10% do valor da execução à Executada, bem como, no valor dos honorários da mandatária".
Custas a cargo da embargante, em proporção a final, sendo que oportunamente será igualmente fixado o valor processual destes embargos de executado.
*
Por não se vislumbrar, nesta fase, a existência de outros fundamentos de indeferimento liminar, recebe-se, na parte não abrangida pela decisão que antecede, os embargos de executado deduzidos.
*
Notifique-se a contraparte, incluindo com cópia do presente despacho, para contestar no prazo de vinte dias, os embargos de executada, na parte em que foram recebidos.
*
Notifique-se a embargante e o agente de execução.”
Em 13-03-2024 veio a Exequente/Embargada apresentar Contestação aos embargos à execução alegando serem infundadas todas as alegações do Embargante, concluindo pela improcedência da oposição apresentada.
Foi realizada audiência prévia, na qual se fixou o objecto do litigio e se dispensou a enunciação dos temas da prova, em face da sua simplicidade.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo, e a 08-03-2025 foi proferida sentença (DECISÃO RECORRIDA) que DECIDIU:
“V. DISPOSITIVO
Pelo exposto, atentas as disposições legais citadas e as considerações expendidas, julgo procedentes os presentes embargos e, consequentemente:
A. Determino a extinção da execução quanto à Embargante CC.
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Custas pelo Embargado/Exequente.
*
Valor da ação: o da execução
*
Registe, notifique e oportunamente comunique ao agente de execução.”
Inconformada com este despacho de extinção da execução, dele vem apelar a Embargada/Exequente, pugnando no sentido da sua revogação.
Termina as respectivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):
A. O presente recurso tem por objeto a Douta Sentença de fls.________ proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte – Juízo de Execução de Loures – Juiz 3 o qual julgou os Embargos apresentados por CC, ora Recorrida, procedentes por provados declarando extinta a execução quanto a esta.
B. A Douta Sentença de fls._________ decidiu julgar procedentes por provados os referidos Embargos de Executado por, alegadamente, não se ter verificado a interpelação dos Executados quanto ao início do incumprimento do contrato aqui em causa e por o Direito que a Exequente se querer se fazer valer se encontrar prescrito pelo decurso do prazo.
C. A ora Recorrente não pode conformar-se com tal decisão sendo do seu firme entendimento que o Tribunal a quo não fez a adequada e justa aplicação do Direito.
Ora,
D. No âmbito dos presentes autos de execução de que é apenso este incidente de Embargos de Executado a aqui Recorrente, face ao incumprimento definitivo do contrato ao qual foi atribuído o n.º ..., peticionou o pagamento do mesmo nos quais constavam como intervenientes os ora Executados, entre os quais a aqui Embargante.
E. Regulamente citados para a presente ação executiva a aqui Recorrida, ora Embargante, deduziu Embargos de Executado invocando, para tanto, a verificação da exceção dilatória inominada do PERSI, a inexequibilidade do título executivo dado à presente execução, a prescrição do referido contrato e a falta de interpelação da Embargante quanto ao incumprimento do mesmo.
F. Proferida Sentença de Embargos de Executado o Tribunal a quo julgou os mesmos procedentes por provados determinando a extinção da execução quanto à Executada CC.
G. Foi dado como não provado pelo Tribunal a quo que a Embargante ‘‘tenha recebido missivas sobre o início do incumprimento do contrato celebrado’’.
H. Da prova documental careada para os presentes autos de Embargos de Executado foi junta pela ora Recorrente uma Carta remetida pela Caixa Económica Montepio Geral, datada de 27 de Junho de 2009, que interpelava a Recorrida referente ao incumprimento do contrato, tendo sido a mesma enviada para a seguinte morada: Localização 1.
I. Já do depoimento da ora Recorrida a mesma afiançou ao Tribunal, em primeiro lugar, que até 2023 nunca tinha recebido qualquer comunicação por parte do Banco Cedente e que apenas tinha recebido a Carta de Resolução Contratual enviada pela Recorrente.
J. Porém, com a sua petição inicial de Embargos de Executado a mesma junta uma Notificação de Cessão de Créditos, datada de 2022, e enviada para a morada Localização 1, facto que foi dado como provado pelo Tribunal a quo e posteriormente confirmado pela Recorrida.
K. A Recorrida ainda afirmou que emigrou para França em Agosto de 2011 e que nunca atualizou a morada junto da Caixa Económica Montepio Geral, apenas junto dos Serviços de Registo Civil tendo afiançado ao Tribunal que, mesmo após ter emigrado para fora do País, a casa sita no Localização 1 esteve sempre habitada pelo seu ex-marido.
L. Contudo, depoimento contrário ao da Recorrida, foi registado pela Testemunha por esta arrolada, DD, a mesma informou ser irmã da Recorrida tendo confirmado que a mesma emigrou para França no decurso do ano de 2011.
M. Quando questionada acerca da casa sita na morada já indicada, a referida Testemunha informou que tanto o filho da ora Recorrida como o ex-marido da mesma foram para França ter com ela, tendo, presumidamente, deixado a referida habitação desabitada.
N. Pelo que se conclui que mal andou o Tribunal a quo a dar como não provado a interpelação da aqui Recorrida uma vez que resulta tanto da prova documental como da prova testemunhal careada para os presentes autos de Embargos de Executado que a morada conhecida pelo Banco esteve desabitada durante um determinado período de tempo.
O. Motivo pelo qual urge revogar a decisão do Tribunal a quo no que a esta parte diz respeito, ficando a constar como provado que a aqui Embargante foi interpelada pelo Banco Cedente e recebeu as missivas sobre o início do incumprimento do contrato celebrado.
P. O Tribunal a quo julgou ainda os Embargos de Executado procedentes por provados pela prescrição do Direito que a Exequente pretende querer fazer valer quanto ao decurso de tempo entre o incumprimento registado quanto ao contrato em causa, ocorrido em 2011, e a data de propositura da presente ação, 2023.
Q. Afirma que o mesmo se encontra prescrito uma vez que a prescrição ocorreu em Agosto de 2016 pelo que ao contrato em crise se aplicam as disposições presentes na alínea e) do Artigo 310.º do Código Civil.
R. Com tal não pode a aqui Recorrente concordar!
S. Senão vejamos, a Caixa Económica Montepio Geral, no exercício da sua atividade bancária, celebrou no dia 18 de Dezembro de 2001, a pedido de EE e AA, enquanto mutuários, e BB e CC, enquanto fiadores, um contrato de compra e venda com empréstimo e fiança ao qual foi atribuído o n.º ....
T. O referido empréstimo foi integralmente utilizado tendo os mutuários deixado de efetuar os pagamentos a que estavam adstritos no dia 08 de Setembro de 2011 pelo que face ao incumprimento verificado a Recorrente procedeu à resolução do contrato mediante Carta enviada no dia 01 de Junho de 2023.
U. Não obstante as diligências para resolução extrajudicial, efetuadas pela ora Recorrente, a Embargante persistiu no incumprimento, razão pela qual foi intentada a presente ação executiva para pagamento do remanescente do seu crédito.
V. Ao presente caso não poderá ser aplicado o prazo prescricional de 5 (cinco) anos a que alude a alínea e) do Artigo 310.º do Código Civil, mas sim o prazo de 20 (vinte) anos, conforme disposto no Artigo 309.º do mesmo diploma legal.
W. Com o vencimento total das prestações, após resolução do contrato, o plano contratualmente convencionado foi dado sem efeito deixando, consequentemente, de as prestações de amortização de capital e juros serem exigíveis.
X. Pelo que entende a aqui Recorrente que não serão exigíveis as diversas prestações periódicas acordadas mas sim a totalidade do montante em dívida, uma vez que nos encontramos perante uma obrigação única, que resulta da celebração de um contrato de crédito, passível de ser fracionada no tempo.
Y. Atendendo à necessária distinção entre obrigações únicas com pagamentos fracionados e periódicas é certo que a obrigação em causa nos presentes autos se trata de uma obrigação única com pagamentos fracionados pelo que não poderá ser aplicado o prazo prescricional de 5 (cinco) anos mas sim o prazo de 20 (vinte) anos aplicável nos termos do disposto no Art. 309.º do Código Civil.
Z. Uma vez que não estando perante quotas de amortização e por uma pluralidade de prestações mas antes sim na presença de obrigações unitárias que aquando do seu incumprimento recuperam a sua globalidade a decisão a ser proferida por este colendo Tribunal apenas será a de revogar a decisão recorrida.
AA. Considerando, também, que no caso em apreço se aplica o prazo prescricional de 20 (vinte) anos e que por conseguinte, à data da instauração da ação executiva, ainda não havia decorrido o prazo de prescrição ordinário para o cumprimento da obrigação exequenda.
BB. A interpretação do artigo 310.º, al. e) do Código Civil, de que se aplicará a regra prescricional excecional de cinco anos aos contratos de financiamento liquidáveis em prestações mensais e sucessivas, de capital e juros, quando o vencimento antecipado das obrigações ocorre por incumprimento contratual dos mutuários e que essa prescrição abrange a totalidade da dívida, viola os princípios constitucionais da segurança jurídica, proporcionalidade e, ainda o princípio da tutela jurisdicional efetiva.
CC. Salvo o devido respeito por opinião contrária, não se vislumbra qualquer alteração legislativa que permitisse ou permita à aqui Recorrente entender que a sua possibilidade de recuperação de créditos seria mitigada por um prazo de cinco anos.
DD. Aliás, se o espírito normativo fosse de findar com o prazo geral de prescrição, a norma que o contempla já teria sido erradicada da Ordem Jurídica o que não sucedeu.
EE. Pelo que a Douta Sentença de fls._______ encontra-se ferida de nulidade por força do disposto no Art. 615.º do CPC.
FF. Pelo que se conclui que mal andou o Tribunal a quo em julgar os embargos de executado apresentados pela ora Recorrida procedentes por provados e, em consequência, em declarar extinta a instância contra aquela.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXA., DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO TOTALMENTE PROCEDENTE, POR PROVADO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA, PROSSEGUINDO A AÇÃO OS SEUS TRÂMITES NORMAIS, FAZENDO-SE A TÃO ACOSTUMADA JUSTIÇA.
A Embargante/Executada não contra-alegou.
Admitido o recurso neste tribunal e colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
II. Questões a decidir:
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do art. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
“1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas ;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, é pelas conclusões da alegação dos Recorrentes Apelantes que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este Tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, na ponderação do objecto do recurso interposto pela Recorrente Embargante, delimitado pelo teor das conclusões expostas, as únicas questão a decidir e que importa apreciar são:
i. – Nulidade da sentença – art. 615.º do CPC (ponto 77 das alegações de recurso e al. EE) das respectivas conclusões;
ii. - Impugnação da al. B da Matéria de Facto não Provada (als. G) a O) das Conclusões das Alegações de Recurso);
iii. – Do prazo prescricional aplicável: 5 anos (art. 310.º, al. e) do CC) vs 20 anos (art. 309.º do CC) – (alíneas P) a DD) das Conclusões das Alegações de Recurso).
*
III. Fundamentação:
Receberam-se da 1.ª instância os seguintes:
FACTOS PROVADOS
1. No dia 18 de dezembro de 2001, foi celebrado um contrato de compra e venda, empréstimo e fiança, relativamente à fração autónomo designada pela letra G, correspondente ao terceiro andar direito, para habitação, do prédio urbano, designado por Lote 43, situado na Localização 2, concelho de Vila Franca de Xira, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Franca Xira sob o número … da referida freguesia, afeto ao regime de propriedade horizontal pela inscrição F-2, nela registada a seu favor pela inscrição G-3, inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo …, com o valor patrimonial referente à fração de vinte milhões duzentos e trinta e três mil quatrocentos e setenta escudos;
2. Nesse contrato ficou estabelecido que EE e AA confessaram-se vendedores da quantia de cento e quarenta e quatro mil seiscentos e cinquenta e um euros e trinta e nove cêntimos, os quais foram emprestados pela Caixa Económica Montepio Geral (CEMG);
3. Os quartos outorgantes – BB e CC – constituíram-se fiadores e principais pagadores das dívidas contraídas pelos segundos outorgantes, renunciando ao benefício da excussão prévia;
4. No âmbito do documento complementar anexo a tal contrato, ficou estabelecido, no âmbito da cláusula décima segunda, que a CEMG reserva-se o direito de resolver o contrato considerando o crédito imediatamente vencido se o imóvel hipotecado for alienado, arrendado ou de qualquer forma cedido ou onerado sem o seu consentimento escrito, se lhe for dado fim diverso do estipulado, e ainda, nos casos de falta de cumprimento pela parte devedora de qualquer das obrigações assumidas neste contrato;
5. A Embargante recebeu uma missiva relativa à cessão de créditos entre a LX Investment Partners III S.à.r.l e à Scalabis – Stc, S.A, dirigida à morada Localização 1, Pontinha;
6. Foi proferido título de transmissão do bem em causa, o qual foi adjudicado no âmbito da Execução Fiscal n.º …548;
7. A Embargante emigrou para França, desde agosto de 2011, e não atualizou a morada junto do Banco.
FACTOS NÃO PROVADOS
Não resultou provado que:
A. A Embargante desconhecesse o teor da sua posição no contrato e as consequências de tal circunstância;
B. A Embargante tenha recebido missivas sobre o início do incumprimento do contrato celebrado.
Da Nulidade da Sentença
Nas suas alegações de recurso dedica a recorrente um ponto das suas alegações e uma alínea das suas conclusões à defesa da nulidade da sentença nos termos do art. 615.º do CPC.
São eles os seguintes:
Ponto 76: Razão pela qual a sentença encontra-se ferida de nulidade, por força do disposto no artigo 615.º do CPC.
Alínea EE: EE. Pelo que a Douta Sentença de fls._______ encontra-se ferida de nulidade por força do disposto no Art. 615.º do CPC.
Os argumentos em que a recorrente esgrime a nulidade da senteça cingem-se a estas singelas afirmações.
Cumpre apreciar de forma breve, embora não tão breve quanto as lapidares afirmações da recorrente.
É, desde há muito, entendimento pacífico, que as nulidades da decisão não incluem o erro de julgamento seja de facto ou de direito ( Cf. acórdão STJ, de 09-04-2019, Proc. nº 4148/16.1T8BRG.G1.S1): as nulidades típicas da sentença reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal.
Tratam-se, assim, de vícios de formação ou actividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afectam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento ( error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei (Cf. Acórdãos STJ de 17-10-2017, Proc. nº 1204/12.9TVLSB.L1.S1. e 10-09-2019, Proc. nº 800/10.3TBOLH-8.E1.S2).
Dispõe o n.º 1 do art. 615.º do CPC que:
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido”.
A decisão do Tribunal encontra-se dificultada, por um lado, e facilitada, por outro, pelo simples facto de (i) a recorrente não especificar ela própria quais os fundamentos de facto de facto ou de direito que justificam a nulidade da sentença e ainda (ii) não integrar a recorrente a nulidade invocada em qualquer uma das alíneas do refrido art. 615.º do CPC.
As razões pelas quais a recorrente entende ser a sentença nula não são conhecidas deste Tribunal de recurso pelo simples facto de que a recorrente não as deu a conhecer.
Feitas estas considerações, de todo o modo, no caso em apreço, é nosso entendimento que não ocorre qualquer das nulidades a que aludem as diversas als. do art. 615.º do CPC na decisão recorrida:
- A decisão contem a assinatura do juiz;
- a decisão especifica e justifica os fundamentos de facto e de direito que a justificam;
- os fundamentos não estão em oposição com a decisão (antes encerram, concorde-se ou não, um processo lógico), nem ocorre qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne a mesma initeligível;
- o juiz pronunciou-se sobre todas as questões submetidas e não tomou conhecimento de outras não convocadas pelas partes;
- o juiz não condenou nem em quantidade superior nem em objecto diverso do pedido.
A recorrente pode, naturalmente, discordar do sentido decisório acolhido no acórdão em apreço ou até considerar a fundamentação do mesmo errónea, designadamente no que se refere à fundamentação ou motivação da decisão da matéria de facto (o que contenderá com a decisão de mérito e que pode conduzir à sua revogação ou alteração) e à fundamentação de direito, mas não pode sustentar, de forma procedente, que a decisão em crise é nula seja nula.
Destarte, neste segmento, improcede a arguição de nulidade da sentença.
Da Impugnação da Matéria de Facto
V.1. Cumprimento do ónus de impugnaçao - generalidades
Dispõe o art. 662.º n.º 1 do Código de Processo Civil: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
Tem sido entendido que, ao abrigo do disposto no citado preceito, a Relação tem os mesmos poderes de apreciação da prova do que a 1ª instância, por forma a garantir um segundo grau de jurisdição em matéria de facto.
Donde, deve a Relação apreciar a prova e sindicar a formação da convicção do juiz, analisando o processo lógico da decisão e recorrendo às regras de experiência comum e demais princípios da livre apreciação da prova, reexaminando as provas indicadas pelo recorrente, pelo recorrido e na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto - neste sentido, vide António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pág. 287.
O actual art. 662.º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava, ficando claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia.
O Tribunal não está vinculado a optar entre alterar a decisão no sentido pugnado pelo recorrente ou manter a mesma tal como se encontra, antes goza de inteira liberdade para apreciar a prova, respeitando obviamente os mesmos princípios e limites a que a 1ª instância se acha vinculada.
Não obstante, a amplitude da actividade de reapreciação, essa mesma actividade está desde logo condicionada ao cumprimento de ónus apertados por parte de quem a requer ao Tribunal.
Sobre o ónus a cargo do(s) recorrente(s) que impugne(m) a decisão relativa à matéria de facto, dispõe o art. 640.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
Assim, os requisitos a observar pelo recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto, são os seguintes:
- A concretização dos pontos de facto incorrectamente julgados;
- A especificação dos meios probatórios que no entender do recorrente imponham uma solução diversa;
- A decisão alternativa que é pretendida.
A este respeito, cumpre recordar duas restrições a uma leitura literal e formal destes ónus processuais inerentes ao exercício da faculdade de impugnação da matéria de facto.
Deverá ter-se em atenção a tendência consolidada da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de não se exponenciarem os efeitos cominatórios previstos no art. 640.º do CPC e de realçar a necessidade de extrair do texto legal soluções capazes de integrar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, “dando prevalência aos aspectos de ordem material” (na expressão de Abrantes Geraldes, ob. cit., pg. 171 (nota 279) e 174).
Em primeiro lugar, apenas se mostra vinculativa a identificação dos pontos de facto impugnados nas conclusões recursórias; as respostas alternativas propostas pelo recorrente, os fundamentos da impugnação e a enumeração dos meios probatórios que sustentam uma decisão diferente, podem ser explicitados no segmento da motivação, entendendo-se como cumprido o ónus de impugnação nesses termos.
No que tange à decisão alternativa, tenha-se em atenção o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 12/2023, de 17/10/2023, publicado no Diário da República nº 220/2023, Série I, de 14/11/2023, com o seguinte dispositivo:
Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.
Quanto aos restantes requisitos, vejam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal, de 01/10/2015 (Ana Luísa Geraldes), de 14/01/2016 (Mário Belo Morgado), de 19/2/2015 (Tomé Gomes); de 22/09/2015 (Pinto de Almeida), de 29/09/2015 (Lopes do Rego) e de 31/5/2016 (Garcia Calejo), todos disponíveis na citada base de dados, citando-se o primeiro:
«(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objecto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.»
Dito isto, analisemos se a apelante observou os ónus que sobre si recaiam:
- a recorrente identificou o ponto de facto, na sua perspectiva, incorrectamente julgado – al. B. dos factos Não provados;
- convocou a prova pertinente para resposta que pretende: declarações da embargante e depoimento da testemunha DD;
- referiu pretender que o Tribunal dê como provado o facto incluído na matéria de facto.
Por outro lado há ainda que ter em atenção que, qualquer alteração pretendida pressupõe em comum um pressuposto: a relevância da alteração para o mérito da demanda.
A impugnação de factos que tenham sido considerados provados ou não provados e que não sejam importantes para a decisão da causa, não deve ser apreciada, na medida em que alteração pretendida não é susceptível de interferir na mesma, atenta a inutilidade de tal acto, sendo certo que de acordo com o princípio da limitação dos actos, previsto no art.º 130.º do Código de Processo Civil não é sequer lícita a prática de actos inúteis no processo.
Veja-se o Acórdão do STJ de 17/05/2017 (Fernanda Isabel Pereira), também disponível em www.dgsi.pt:
“O princípio da limitação de actos, consagrado no artigo 130º do Código de Processo Civil para os actos processuais em geral, proíbe a sua prática no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – desde que não se revelem úteis para este alcançar o seu termo.
Trata-se de uma das manifestações do princípio da economia processual, também aflorado, entre outros, no art. 611.º, que consagra a atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes, e no art. 608.º, n.º 2, quando prescreve que, embora deva resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, o juiz não apreciará aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Nada impede que também no âmbito do conhecimento da impugnação da decisão fáctica seja observado tal princípio, se a análise da situação concreta em apreciação evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual, cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir.
Com efeito, aos tribunais cabe dar resposta às questão que tenham, directa ou indirectamente, repercussão na decisão que aprecia a providência judiciária requerida pela(s) parte(s) e não a outras que, no contexto, se apresentem como irrelevantes e, nessa medida, inúteis.”
E, ainda, os Acórdãos da Relação de Guimarães, de 15/12/2016 (Maria João Matos) e desta Relação de 26/09/2019 (Carlos Castelo Branco), também da citada base de dados:
Não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.).
Dito isto, cumpre apreciar a impugnação da matéria de facto concretamente efectuada pela Autora /Recorrente.
V.2. Impugnação da al. B dos Factos Não provados
É o seguinte o teor da al. B) dos Factos Não provados:
B. (Que) A Embargante tenha recebido missivas sobre o início do incumprimento do contrato celebrado.
Foi a seguinte a fundamentação do Tribunal a quo:
“(…)
Em primeiro lugar, cumpre aferir que pouca documentação consta acerca deste contrato e das comunicações inerentes ao mesmo.
Tal justifica-se, à partida, pelo facto de distar cerca de 24 anos desde a sua celebração.
(…)
Não obstante, a documentação junta aos autos revela-se manifestamente insuficiente para podermos inferir que tenha ocorrido uma interpelação, nos termos que posteriormente se explanará (facto não provado B).
(…)
Quanto ao tema das missivas (facto não provado B), cumpre tecer algumas considerações sobre tal circunstância.
Junta aos autos encontra-se a missiva referente ao incumprimento, datada de junho de 2009, porém: (i) a missiva não foi enviada por correio registado, inexistindo forma de atestar o envio e entrega da mesma, (ii) a missiva reporta-se às prestações em falta e não à prestação em dívida após o vencimento antecipado desta.
O Tribunal não pode firmar a convicção de que as mesmas foram enviadas e, no mais, conforme infra se explanará, entende-se que deve ser dado a conhecer a totalidade do capital em dívida.
Quanto às restantes testemunhas, as mesmas pouco acrescentaram à versão já veiculada pela Embargante, sendo que a testemunha FF, sobrinha das Executadas, somente acompanhou a tia, aqui Embargante, aquando da obtenção de novas informações sobre a situação da casa, em 2014.
Também a testemunha DD, irmã da Embargante, somente mencionou que também a acompanhou ao banco em 2014.
No mais, este testemunho criou a dúvida se a casa sempre esteve habitada. Porém, atendendo às considerações já efetuadas, pouca relevância tem este aspeto, na medida em que não se considerou, pelas razões já expostas, que a interpelação foi realizada.
(…)”
A este respeito refere o Apelante nas conclusões das suas conclusões de recurso que:
14.º
Da prova documental careada para os presentes autos de Embargos de Executado, foi junta pela ora Recorrente, com a sua Contestação, uma Carta remetida pelo Banco Cedente, dando conta do incumprimento relativo ao contrato peticionado nos autos de execução de que este incidente é apenso (operação n.º 063-21-100406-2) informando que, uma vez que não tiveram êxito as diligências realizadas com vista à regularização do contrato em crise, o remanescente do crédito em questão iria ser recuperado pela via judicial.
15.º
Ora, a referida carta datada de 27 de Junho de 2009, foi endereçada à aqui Recorrida e remetida para a seguinte morada: Localização 1.
16.º
No seu depoimento (Registado entre as 10:20 e 10:54 do dia 11 de Fevereiro de 2025), a aqui Recorrida começa por informar que até 2023 não tinha recebido qualquer correspondência remetida pela Caixa Económica Montepio Geral e que apenas tinha recebido a Carta de Resolução do Contrato remetida pela ora Recorrente, aqui Embargada.
17.º
Contudo, da prova documental junta com a sua petição inicial de Embargos de Executado, sob o Doc. 1, a aqui Embargante junta a Carta de Cessão de Créditos recebida em 2022 e de onde se extrai que a referida missiva foi remetida para a mesma morada da carta de 2009, isto é: Localização 1.
18.º
Aliás, e apenas por mera cautela de patrocínio aqui se deixa, conforme resulta da Douta Sentença em crise, mais precisamente do ponto n.º 5 dos factos dados como provados, foi dado como assente que a Embargante recebeu a missiva relativa à Cessão de Créditos operada entre a Lx. Investment Partners III e a ora Recorrente, dirigida à morada indicada pela Embargante à Caixa Económica Montepio Geral aquando da outorga do contrato, isto é Localização 1.
19.º
Facto que foi confirmado posteriormente pela ora Recorrida, quando confrontada com o referido Documento, conforme se transcreve infra:
Juiz: Portanto o que está a dizer é que não recebeu carta do banco.
Embargante CC: Nunca recebi carta do banco, não não.
Juiz: Sem ser essa em 2023, foi isso que me transmitiu.
Embargante CC: Do banco nunca recebi nada até à data de hoje nunca recebi nada e nunca consegui negociar com o Banco porque o Banco não deixou.
Juiz: Pois esta carta também foi de 2023 segundo o registo.
Juiz (Minuto 16:21): Foi quando em 2023 que recebeu essa carta? Recorda-se do mês?
Embargante CC: Foi em Dezembro, provavelmente com a carta foi para para… lá para a casa, para Portugal e o meu filho como veio passar o fim de ano a Portugal foi ver o pai e em Janeiro quando regressou deu me a carta.
Juiz: E (confronta a Embargante com a Carta de Cessão de Créditos), só para confirmar aqui. Esta carta recebeu?
Embargante CC (Minuto 17:15): Exatamente, esta carta foi a primeira carta que eu recebi. Deve ter sido, porque tem a morada de Portugal. Foi a única. Eu só recebi uma carta com a morada de Portugal.
Juiz: Pronto, só para clarificar. Porque disse-nos que nunca recebeu qualquer comunicação até 2023 e quando recebeu a comunicação foi na morada portuguesa com o montante da dívida.
Embargante CC: Exatamente, com data de 2023. Com o montante da dívida.
Juiz: Mas essa carta não tem o montante da dívida.
Embargante CC: Mas esta carta, não não, esta carta eu não recebi. A primeira carta que eu recebi tinha montante da dívida (Minuto 17:43).
Juiz: Essa carta recebeu porque até a juntou e indicou no requerimento que recebeu.
Embargante CC: Se a recebeu não fui eu, eu recebi uma única carta na morada de Portugal com o montante da dívida (17:56) por isso eu telefonei para saber o que era aquela dívida.
Juiz: Certo eu isso eu percebo mas é para nos situarmos temporalmente. Porque essa carta foi junta com o requerimento, onde reconheceu que recebeu. Em Dezembro de 2022, mas essa carta aí… porque podia estar a fazer confusão com essa carta, porque essa carta não tem o montante da dívida.
Embargante CC: Não, a carta que eu recebi tinha o montante da dívida por isso é que eu telefonei a saber o que é que se estava a passar.
Juiz: A segunda carta foi esta aqui que exibimos, já compreendi temporalmente. Então vamos lá só para clarificar em termos de ordem temporal. Em 2014 (Minuto 18:37) o seu cunhado faleceu, foi quando a sua irmã teve essa situação de terem ido à casa, dizendo que a casa tinha sido vendida. Tentou obter informações junto do Banco não obteve nenhuma informação. A sua irmã entretanto já não estava na casa.
Embargante CC: Não, ela entretanto como disseram que lhe iam mudar a fechadura (Minuto 18:54) começou a tirar as coisas de casa, alugou uma casa.
Juiz: Pronto e em 2022, ou seja, o Banco não lhe deu informação, segundo o que está aqui a transmitir, em 2022, em Dezembro, recebe a notificação da cessão e em 2023 a dizer o montante da dívida.
Embargante CC: Exatamente.
Ora,
20.º
Em primeiro lugar, deverá notar-se a contradição presente nas declarações prestadas pela ora Embargante que, a principio, começa por afirmar que nunca recebeu qualquer carta antes do ano de 2023 mas depois admite que recebeu uma carta em 2022 quando confrontada com o facto de a mesma ter sido junta com o seu requerimento inicial de embargos de executado.
Aliás, da análise do depoimento da Recorrida conjuntamente com a prova documental junta nestes autos de Embargos de Executado, e salvo o devido respeito por opinião contrária, não pode o argumento da Embargante colher, nem tão pouco pode a mesma alegar que nada sabia no que concerne ao incumprimento do contrato em causa, uma vez que alega não ter recebido a Carta remetida em 2009, altura que se encontrava em Portugal, mas reconhece que recebeu uma Carta em 2022, enviada para a mesma morada da primeira carta, aquela que se encontrava registada no Banco e que foi facultada pela própria aquando da outorga do contrato em crise.
Além disso,
22.º
A Recorrida no seu depoimento informou o Tribunal a quo que emigrou para França em 2011 e que nunca atualizou a sua morada estrangeira junto Banco:
Mandatária da Embargada: Realmente a maior parte das questões que tinha já foram respondidas, nomeadamente quanto à carta (Minuto 23:57) de 2009 que diz que desconhece e que nunca recebeu a questão que eu tinha aqui mais relevante e que também já acabou por ser respondida tem a ver com a atualização da morada que podia ter sido feita no Banco. O próprio Banco de Portugal tem direções nesse sentido, não tem que fazer à entidade cedente se não o quiser fazer mas a partir do momento em que muda de morada questiono, mais uma vez, quando parte para França se teve a diligência de, juntamente do Banco, informar da sua nova morada (Minuto 24:30). Agora estar aqui a dizer-nos que nunca recebeu…
Embargante CC: É assim quando eu fui para França nunca recebi nada, eu fui para França em 2011
Mandatária da Embargada: Mas como é que havia de receber? A questão é essa…
Embargante CC: E automaticamente eu tratei logo da minha morada no cartão de cidadão…
Mandatária da Embargada: Mas no Banco não tinha informação.
Embargante CC: No banco não, se eu não sabia que havia nada eu, eu a única obrigação que eu acho que tinha era mudar a minha morada no cartão de cidadão
Mandatária da Embargada: É uma questão de diligência…
Embargante CC: Porque eu ainda continuo com uma conta no Banco, está lá o meu nome. Tenho lá dinheiro.
Mandatária da Embargada: Mas se mudar de país sabendo que temos algumas obrigações ou possíveis obrigações bancárias, não é uma obrigação mas é um dever de diligência que devemos ter no sentido de informar a nova morada para precaver futuros, futuras situações do género. Portanto o banco ainda que quisesse interpela-la não como faze lo para a sua morada.
23.º
Ora, posteriormente, a Recorrida afiançou ao Tribunal a quo que após ter emigrado para França em 2011, a casa sita no Localização 1, esteve sempre habitada conforme resulta do excerto do depoimento transcrito infra:
Juiz: A questão aqui e eu acho que é o que é preciso ficar clarificado, sem prejuízo dessa diligência que (Minuto 25:29) de facto é muito importante e é importante também transmitir aos cidadãos que de facto às vezes quando nos mudamos de casa não nos lembramos desses pequenos aspetos, que as moradas devem estar atualizadas, mas sem prejuízo disso, a questão que eu lhe quero aqui questionar, um pouco em linha com o que a Dra. estava aqui a mencionar é que, a sua morada portuguesa nunca esteve desabitada..
Embargante CC: Não não, o meu ex-marido continua lá.
Juiz: A minha (Minuto 25:59) questão é, ou seja, o seu ponto não é não me enviaram para a morada francesa o seu ponto é eu não recebi carta porque se tivesse sido enviada eu receberia porque sempre houve alguém que…
Embargante CC: Exatamente
Juiz: Diligenciou..
Embargante CC: Que me devolvem as cartas, todo o correio que vá registado que não seja isso vem tudo para mim.
Juiz: Pronto, é que quanto à questão que a Senhora Dra. estava aqui a mencionar. A senhora doutora tem razão porque efetivamente, sem prejuízo dessa questão que nem se coloca aqui quanto ao mérito da causa, a verdade é que deve haver essa diligência para atualizar moradas. A questão aqui que é importante perceber é se efetivamente pode me garantir que a casa sempre esteve habitada.
Embargante CC: Sempre esteve habitada (destacado nosso)
Juiz: E sempre recebeu lá a correspondência. Portanto o facto de o Banco enviar a carta para a morada portuguesa era um (Minuto 26:54) meio de poder conhecer a correspondência.
Embargante CC: Sim sim. 2009 eu estava em casa, estava em Portugal. Estou em França desde 2011, Agosto de 2011. Desde o dia 25 de Agosto de 2011 que eu pus os pés em França, 2009 eu estava em casa.
Porém,
24.º
No sentido contrário ao depoimento da Embargante CC, depôs a Testemunha arrolada pela própria, DD, no seu depoimento registado entre as 11:01 e 11:09 do dia 11 de Fevereiro de 2025.
25.º
A referida testemunha informou ser irmã da aqui Recorrida tendo confirmado que a mesma emigrou para França no decurso do ano de 2011.
26.º
Contudo, quando confrontada com o facto de a casa da aqui Recorrida ter estado sempre habitada, após a aqui Recorrida ter emigrado para França em 2011, a testemunha respondeu o seguinte:
Juiz (Minuto 05:55): Sabe só confirmar, se efetivamente mencionou que não sabe precisar temporalmente que a sua irmã, quando é que a sua irmã emigrou, mas ficou sempre algum familiar na casa em Portugal?
Na casa que era da sua irmã?
Testemunha DD: Que era da minha irmã? O ex-marido se calhar provavelmente…
Juiz: Mas não tem a certeza se estavam sempre pessoas em casa.
Testemunha DD: Não, isso eu não sei. Isso eu não sei.
Juiz: E o seu sobrinho? Filho da Senhora CC? Residia nessa habitação em Portugal?
Testemunha DD: O meu sobrinho não, eles foram todos para França (Minuto 06:46)
Juiz: E o ex-marido da Senhora?
Testemunha DD: O meu cunhado depois também foi para França e teve lá (Minuto 06:51) um tempo com ela. (destacado nosso)
Ora,
27.º
Do depoimento prestado pela Embargante a mesma afirmou ao Tribunal que a casa onde tinha a sua morada antiga, depois de ter emigrado para França em 2011, esteve sempre habitada.
28.º
Depoimento contrário foi aquele registado pela Testemunha por si arrolada que afirmou ao Tribunal que nem sempre a casa esteve habitada, mesmo depois de a Embargante ter emigrado para França, em 2011.
29.º
A referida Testemunha afirmou que o ex-marido da Embargante foi também para França, durante um determinado período de tempo, tendo a casa sempre se mantido em nome do mesmo e da Embargante.
30.º
Pelo que não pode a ora Recorrida afiançar que nunca foi interpelada pelo Banco Cedente e que nunca recebeu qualquer carta remetida pelo mesmo, designadamente entre os anos de 2011 e 2022, uma vez que a casa nem sempre esteve habitada, como tal a mesma quis fazer crer ao Tribunal a quo!
31.º
Bem assim andou mal o Tribunal a quo quando decidiu dar como não provado que a Embargante ‘‘nunca tenha recebido missivas sobre o início do incumprimento do contrato celebrado’’.
32.º
Pelo que motivo pelo qual urge revogar a decisão do Tribunal a quo no que a esta parte diz respeito, ficando a constar como provado que a aqui Embargante foi interpelada pelo Banco Cedente e recebeu as missivas sobre o início do incumprimento do contrato celebrado. (…)”
Analisando esta concreta impugnação:
O facto não provado refere-se a “Comunicações sobre o incumprimento” dirigidas à embargante, enquanto fiadora dos mutuários.
É óbvio que assentando essas comunicações em “suporte físico” – cartas – necessário se torna localizar essas mesmas cartas.
Refere a Embargada na sua contestaçao, e junta, uma única carta datada de 2009.
Com o seguinte teor:

E logo aqui vemo-nos confrontados com a primeira incongruência da recorrente e de toda a restante argumentação da mesma: a carta de comunicação de incumprimento supostamente enviada à embargante data de 2009.
Vamos, para já abstrair da circunstância de nenhuma prova ter sido feita nos autos do envio dessa mesma carta, que não sabemos se foi por correio simples, registado ou com aviso de recepção.
Mas mesmo abstraindo desses factos, se atentarmos no requerimento executivo com o qual se deu início à execução, a Exequente alega:
“4.
Sucede que, em 08/09/2011, os Executados deixaram de efetuar os pagamentos a que estavam adstritos, ficando nessa data em dívida o valor de € 43 492,98 (quarenta e três mil quatrocentos e noventa e dois euros e noventa e oito cêntimos) a título de capital.”
O que desde logo nos leva a uma primeira afirmação: nunca poderá revelar para os presentes autos uma eventual comunicação anterior ao próprio incumprimento!
E repare-se que é com base nesta concreta comunicação – e sua articulação com as declarações e depoimentos prestados – que a Recorrente pretende que se dê como provado – relativamente a um incumprimento que se iniciou em 2011 – que “A Embargante tenha recebido missivas sobre o início do incumprimento do contrato celebrado”.
Ou dito de outro modo: A Embargante pretende que se dê como provado que a embargante recebeu missivas sobre um incumprimento de 2011, com fundamento numa carta enviada em 2009!
A argumentação da Embargada/Exequente quanto ao documento que serve de suporte a esta concreta impugnação é, por isso, incongruente inconsequente, o que só por si nos dispensa de analisar contradições entre o depoimento da declarante e da testemunha, na medida em que as declarações prestadas se cingem ao momento em que a Embargante foi para Paris e ao saber se ficou ou não alguém em casa que pudesse receber a correspondencia. Ora, a concreta carta é de 2009 e a Embargante foi para França em 2011 e o marido, a ter ido ter com ela, foi posteriormente…
Tem sentido, para saber se a Embargante recebeu uma carta enviada em 2009, saber quem estava em casa para a receber em 2011? Afigura-se-nos evidente que não!
Improcede por isso esta concreta impugnação da matéria de facto, mantendo-se por isso a mesma inalterada.
Da oposição por Embargos
A oposição à execução por embargos constitui um incidente de natureza declarativa, enxertado no processo executivo e dele dependente, através do qual o(s) executado(s) requer(em) ao tribunal a improcedência total ou parcial da execução, assumindo o carácter de uma contra-acção destinada a impedir a produção dos efeitos do título executivo, sendo estruturalmente autónoma, ainda que funcionalmente ligada à acção executiva.
Ora, a oposição do executado visa, antes de mais, a extinção da execução, mediante o reconhecimento da actual inexistência do direito exequendo ou da falta dum pressuposto, específico ou geral da acção executiva – cf. art.º 732.º, n.º 4 do CPC.
Constituindo os embargos de executado uma verdadeira acção declarativa, que corre por apenso ao processo de execução, nela podem levantar-se questões de conhecimento oficioso, mas também alegar-se factos novos, apresentar-se novos meios de prova e levantar-se questões de direito que estejam na disponibilidade da parte .
Assim, a oposição do executado “visa a extinção da execução, mediante o reconhecimento da actual inexistência do direito exequendo ou da falta dum pressuposto, específico ou geral, da acção executiva”, assumindo “o carácter duma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo e(ou) da acção que nele se baseia. Quando veicula uma oposição de mérito à execução, visa um acertamento negativo da situação substantiva (obrigação exequenda), de sentido contrário ao acertamento positivo consubstanciado no título executivo (judicial ou não), cujo escopo é obstar ao prosseguimento da acção executiva mediante a eliminação, por via indirecta, da eficácia do título executivo enquanto tal”
Para o que interessa para efeitos do presente recurso está em causa a aferição da prescrição do direito exequendo.
VII.1 – Prescrição
Resta-nos assim a apreciação da questão que determinou a procedência dos presentes embargos: a aplicação do instituto da prescrição.
Revisitemos a decisão recorrida:
“A. DA EXEQUIBILIDADE DO TÍTULO
Conforme emerge do acervo factual acima descrito, é inequívoco que o Banco/Exequente celebrou com os Executados/Embargos um contrato de mútuo.
Ao abrigo do disposto no artigo 1142.º, do Código Civil, “mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”.
Com a celebração deste contrato, as partes obrigaram-se, mutuamente, a emprestar dinheiro e a restituí-lo.
As partes celebraram um contrato de mútuo, sendo que o mesmo data de 2001. Em primeiro lugar, não se vislumbra que o mesmo corresponda a um documento particular, mas sim a uma escritura realizada perante notário.
Ademais, mesmo que assim não fosse, sempre seria título executivo. Neste sentido, conforme referido no Acórdão do TC n.º 408/2015, de 23.09, mantém-se a exequibilidade de um título emitido antes da entrada em vigor da reforma do CPC de 2013, que, ao tempo da sua emissão, era título executivo por força do art. 46.º, n.º 1, al. c), do antigo CPC; ou seja, desde que esse título, estando assinado pelo devedor, importe a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético.
Pelo que o documento apresentado é, efetivamente, título executivo.
(…)
B. DA FALTA DE INTERPELAÇÃO
Nos termos do disposto no artigo 1145.º, do Código Civil, as partes podem convencionar o pagamento dos juros como retribuição do mútuo, sendo que este contrato se presume oneroso.
No mais, atentas as particulares características deste contrato, mormente as prestações periódicas e sucessivas, este contrato está sujeito ao disposto no artigo 781.º, do Código Civil.
(…)
Quanto à interpelação, o Banco/Exequente não logrou provar que tivesse remetido carta de interpelação à Executada, uma vez que tratando-se de declarações receptícias, e não descurando que efetivamente a responsabilidade pela manutenção das moradas atuais pertença aos clientes, certo é que não se vislumbra, pelas cartas simples juntas aos autos, que tais declarações chegaram ao conhecimento dos devedores.
No mais, salvo melhor opinião, deveria ter sido indicada a quantia em dívida, não bastando referir que ocorre o vencimento automático da totalidade da dívida em caso de não regularização.
Por outro lado, o Tribunal não acompanha o entendimento segundo o qual a citação neste caso valeria como interpelação judicial.
Uma solução nesse sentido pecaria por abusiva e violaria as garantias do devedor.
Com efeito, a citação não seria idónea para obviar às consequências não automáticas da mora do devedor, pois não lhe seria dada oportunidade de pagar as prestações vencidas, evitando a exigibilidade das vincendas (cfr. Ac. do TRL, de17-11-2017, Processo n.º 1156/09.2TBCLD-D.L1, disponível em www.dgsi.pt.).
De todo o modo, sempre estaríamos perante uma situação de claro abuso de direito. Pois, uma coisa é alertar os devedores de que estão em dívida uma, duas ou três prestações. Outra, bem diferente, é interpelar/citar os mesmos para o pagamento de todas as prestações que se venceram nos últimos 14 anos. É, aliás, uma conduta manifestamente abusiva e contrária aos mais elementares ditames da boa-fé.
Assim sendo, efetivamente, verifica-se que as cartas enviadas não são suficientes para considerar-se os devedores interpelados.
Porém, é mister referir que as partes contratualizaram ao abrigo da autonomia privada que ocorreria o vencimento imediato em caso de falta de cumprimento e em caso de alienação. Uma vez que o imóvel foi adjudicado em agosto de 2011, pelo menos nessa data ocorreu o vencimento imediato de todas as prestações.
(…)
D. DA PRESCRIÇÃO DA DÍVIDA
A prescrição é uma exceção perentória que, enquanto facto modificativo do efeito jurídico dos factos articulados pelo autor, importa a absolvição total ou parcial do pedido – artigo 576º nº 3 do Código de Processo Civil. Nos termos do disposto no artigo 310º do Código Civil, prescrevem no prazo de cinco anos:
a) As anuidades de rendas perpétuas ou vitalícias;
b) As rendas e alugueres devidos pelo locatário, ainda que pagos por uma só vez;
c) Os foros;
d) Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades;
e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros;
f) As pensões alimentícias vencidas;
g) Quaisquer outras prestações periodicamente renováveis.
No artigo mencionado acautelam-se direitos que têm por objeto prestações periódicas, sendo o prazo de prescrição de cinco anos para cada uma das prestações que se vai vencendo, e não para a obrigação no seu todo.
É a circunstância da amortização fracionada do capital em dívida ser realizada conjuntamente com o pagamento dos juros, que determina, por opção legislativa, a aplicabilidade a toda essa prestação deste prazo curto de prescrição.
Como se explica no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10/10/2019 [processo 124549/17.0YIPRT.E1, in www.dgsi.pt] «(…) a razão essencial das prescrições de curto prazo sem natureza presuntiva, como é o caso das prestações periódicas renováveis (art. 310º do Cód. Civil), prende-se com a protecção do devedor contra a acumulação da sua dívida que, de dívida de anuidades, pagas com os seus rendimentos, se transformaria em dívida de capital susceptível de o arruinar, se o pagamento pudesse ser-lhe exigido de um golpe ao cabo de um número demasiado de anos; a lei funda-se no intuito de evitar que o credor deixe acumular os seus créditos (retarde demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis) a ponto de ser mais tarde ao devedor excessivamente oneroso pagar. Ora, foi com este intuito em mente que o legislador incluiu no prazo quinquenal de prescrição, não só os juros destas prestações, mas igualmente as quotas de amortização do capital pagáveis com estes juros, visando evitar precisamente que, por via da inércia do credor, o devedor visse agravada a sua posição.”
É irrelevante que o não pagamento de uma prestação vencida acarrete o vencimento das prestações posteriores (vincendas), não lhe sendo aplicável o prazo ordinário de prescrição (artigo 309º do Código Civil).
Decorre do título executivo a obrigação de reembolso das quantias mutuadas em prestações mensais e sucessivas, de capital e juros.
Entendemos, tal como a Embargante, ser de enquadrar a situação dos autos na situação prevista na alínea e) do artigo 310º do Código Civil.
O Supremo Tribunal de Justiça fixou, sobre a temática em análise, a seguinte Uniformização de Jurisprudência (Acórdão 6/2022, de 22 de setembro):
"I - No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.
II - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo 'a quo' na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas".
Ora, atenta a análise já efetuada, conforme o supra exposto, dúvidas inexistem de que o vencimento da totalidade da dívida ocorreu pelo menos em agosto de 2011. Assim, a prescrição ocorreu em agosto de 2016. O Exequente instaurou a ação executiva a 24-06-2023, pelo que, à data da instauração da execução, a divida já se encontrava prescrita, e os correspondentes juros. Nestes termos, impõe-se concluir pela procedência dos embargos, por se encontrar prescrito o direito que o Embargado pretendia fazer valer.
(…)”
Relevam nos autos os seguintes factos:
A) Foi dado à execução um contrato de compra e venda, empréstimo e fiança, em 18 de dezembro de 2001, relativamente à fração autónomo designada pela letra G, correspondente ao terceiro andar direito, para habitação, do prédio urbano, designado por Lote 43, situado na Localização 2, concelho de Vila Franca de Xira, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Franca Xira sob o número … da referida freguesia, afeto ao regime de propriedade horizontal pela inscrição F-2, nela registada a seu favor pela inscrição G-3, inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo …, com o valor patrimonial referente à fração de vinte milhões duzentos e trinta e três mil quatrocentos e setenta escudos (Facto provado 1).
B) . Nesse contrato ficou estabelecido que EE e AA confessaram-se vendedores da quantia de cento e quarenta e quatro mil seiscentos e cinquenta e um euros e trinta e nove cêntimos, os quais foram emprestados pela Caixa Económica Montepio Geral (CEMG) (Facto Provado 2).
C) Nos termos desse mesmo contrato de compra e venda Empréstimo e Fiança ficou a constar que:
Disseram os Segundos e o Terceiros Outorgantes (por minuta):
Que nas qualidades que outorgam é celebrado o presente contrato de mútuo om hipoteca nos termos das cláusulas seguintes e ainda das constantes do documento complementar anexo, que expressamente declaram conhecer e aceitar e que faz parte integranbte da presente escritura, que arquivo:
Primeira
(…)
2- O presente contrato é celebrado tendo em consideração um regime de prestações de amortizaçao de capital e juros calculado segundo um métido misto, nos termos do qual nos primenros 10 anos de vida do contrato as prestações são calculadas segundo um métido crescente e no remanescente periodo segundo um métido constante.
(…)
Segunda
1- O capital mutuado vernce juros dirante o primeiro semste à taxa anual de quatro virgula dois, sete, nove por cento (taxa contratual determinada com base na taxa nominal de quatro, virgula, oito, dois, zero, zero por centro) a qual é calculada aplicada e revista semestralmente nos termos da cláusula segunda do documento complementar anexo.
(…)
D) Do documento complementar anexo que faz parte integrante da escritur de mútuo consta que:
“ (…)
Cláusula Primeira
Este contrato é celebrado pelo prazo de TRINTA anos a contar da presente data.
(…)
Cláusula quarta
(Reembolso)
1. O presente empréstimo será reembolsado em trezentos e sessenta prestações mensais de capital e juros, calculadas nos termos da cláusula primeira da escritura.
2. A primeira das referidas prestaçes vence-se a um mês desta data e as restantes em igual dia dos meses seguintes.
(…)
Cláusula décima segunda:
1. A CEMG reserva-se o direito de resolver o contrato considerando o crédito imediatamente vencido se o imóvel hipotecado for aliendado, arrendado ou de qualquer forma cedido ou ou onerado sem o seu consentimento escrito, se lhe for dado fim diverso do estipulado, e ainda nos casos de falta de cumprimento pela parte Devedora de qualquer das obrigações assumidas neste contrato.
(…)” (Facto provado 4).
E) Os quartos outorgantes – BB e CC – constituíram-se fiadores e principais pagadores das dívidas contraídas pelos segundos outorgantes, renunciando ao benefício da excussão prévia (Facto Provado 3).
F) . Foi proferido título de transmissão do bem em causa, o qual foi adjudicado no âmbito da Execução Fiscal n.º …548 (em 03-08-2011) (Facto Provado 6).
G) A Embargante recebeu uma missiva relativa à cessão de créditos entre a LX Investment Partners III S.à.r.l e à Scalabis – Stc, S.A, dirigida à morada Localização 1, Pontinha (Facto Provado 5) ;
O que entende a Recorrente/Embargada quanto a esta questão?
“ (..)
P. O Tribunal a quo julgou ainda os Embargos de Executado procedentes por provados pela prescrição do Direito que a Exequente pretende querer fazer valer quanto ao decurso de tempo entre o incumprimento registado quanto ao contrato em causa, ocorrido em 2011, e a data de propositura da presente ação, 2023.
Q. Afirma que o mesmo se encontra prescrito uma vez que a prescrição ocorreu em Agosto de 2016 pelo que ao contrato em crise se aplicam as disposições presentes na alínea e) do Artigo 310.º do Código Civil.
R. Com tal não pode a aqui Recorrente concordar!
S. Senão vejamos, a Caixa Económica Montepio Geral, no exercício da sua atividade bancária, celebrou no dia 18 de Dezembro de 2001, a pedido de EE e AA, enquanto mutuários, e BB e CC, enquanto fiadores, um contrato de compra e venda com empréstimo e fiança ao qual foi atribuído o n.º ....
T. O referido empréstimo foi integralmente utilizado tendo os mutuários deixado de efetuar os pagamentos a que estavam adstritos no dia 08 de Setembro de 2011 pelo que face ao incumprimento verificado a Recorrente procedeu à resolução do contrato mediante Carta enviada no dia 01 de Junho de 2023.
U. Não obstante as diligências para resolução extrajudicial, efetuadas pela ora Recorrente, a Embargante persistiu no incumprimento, razão pela qual foi intentada a presente ação executiva para pagamento do remanescente do seu crédito.
V. Ao presente caso não poderá ser aplicado o prazo prescricional de 5 (cinco) anos a que alude a alínea e) do Artigo 310.º do Código Civil, mas sim o prazo de 20 (vinte) anos, conforme disposto no Artigo 309.º do mesmo diploma legal.
W. Com o vencimento total das prestações, após resolução do contrato, o plano contratualmente convencionado foi dado sem efeito deixando, consequentemente, de as prestações de amortização de capital e juros serem exigíveis.
X. Pelo que entende a aqui Recorrente que não serão exigíveis as diversas prestações periódicas acordadas mas sim a totalidade do montante em dívida, uma vez que nos encontramos perante uma obrigação única, que resulta da celebração de um contrato de crédito, passível de ser fracionada no tempo.
Y. Atendendo à necessária distinção entre obrigações únicas com pagamentos fracionados e periódicas é certo que a obrigação em causa nos presentes autos se trata de uma obrigação única com pagamentos fracionados pelo que não poderá ser aplicado o prazo prescricional de 5 (cinco) anos mas sim o prazo de 20 (vinte) anos aplicável nos termos do disposto no Art. 309.º do Código Civil.
Z. Uma vez que não estando perante quotas de amortização e por uma pluralidade de prestações mas antes sim na presença de obrigações unitárias que aquando do seu incumprimento recuperam a sua globalidade a decisão a ser proferida por este colendo Tribunal apenas será a de revogar a decisão recorrida.
AA. Considerando, também, que no caso em apreço se aplica o prazo prescricional de 20 (vinte) anos e que por conseguinte, à data da instauração da ação executiva, ainda não havia decorrido o prazo de prescrição ordinário para o cumprimento da obrigação exequenda.
BB. A interpretação do artigo 310.º, al. e) do Código Civil, de que se aplicará a regra prescricional excecional de cinco anos aos contratos de financiamento liquidáveis em prestações mensais e sucessivas, de capital e juros, quando o vencimento antecipado das obrigações ocorre por incumprimento contratual dos mutuários e que essa prescrição abrange a totalidade da dívida, viola os princípios constitucionais da segurança jurídica, proporcionalidade e, ainda o princípio da tutela jurisdicional efetiva.
CC. Salvo o devido respeito por opinião contrária, não se vislumbra qualquer alteração legislativa que permitisse ou permita à aqui Recorrente entender que a sua possibilidade de recuperação de créditos seria mitigada por um prazo de cinco anos.
(…)”
Nas suas alegações chama, nomeadamente à colação, Acs. da Relação de Guimarães de 16-03-2017 (processo 589/15.0T8VNF-A.G1), da Relação de Coimbra de 12-06-2018 (processo 17012/17.8YIPRT.C1, da Relação de Lisboa de 19-01-2021 (não identificado, mas que localizámos como sendo o 8636/16.1T8LRS-A.L1) e ainda o voto de vencido lavrado no Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 21-05-2020 (processo 8563/15.0T8STB-A.E1).
A particularidade de todos estes Acórdãos convocados pela Recorrente/Embargada prende-se com a circunstância de serem, todos eles, anteriores ao Acórdão Uniformizador de Jurisprudência tirado pelo Pleno das Secções Cíveis do STJ de 30-06-2022 (AUJ 6/2022, publicado no Diário da República 184/2022, I Série, 22-09-2022).
Foi exactamente por a questão não ser pacífica e existirem Acórdãos contraditórios sobre a concreta questão do prazo prescricional aplicável que se procedeu ao julgamento ampliado de revista no STJ.
Embora seja certo que os Acórdãos uniformizadores de jurisprudência não têm força obrigatória geral – que no passado era atribuída aos assentos pelo art. 2.º do CC, já revogado – não deixa de ser certo que os mesmos comportam em si um valor reforçado que deveriva não apenas do facto do emanarem do pleno das Secções Cíveis do STJ como ainda da circunstância de o seu não acatamento pelos Tribunais de 1.ª instância e Relação serem causa de admissibilidade especial de recurso (art. 629.º, n.º 2, al. c), do CPC).
Como se refere no Ac. da Relação de Lisboa de 21-05-2024 ou no Ac. da Relação de Lisboa de 06-03-2025 (Relatado pela aqui também Relatora), “Um Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, valendo interpartes, não tem efeito vinculativo extra-processual, mas não deixa de ter objectivos orientadores e persuasivos erga omnes (art. 13.º do CC e art. 695.º, n.º 3, do CPC)”, sendo que – como se refere no primeiro acórdão citado – “Para decidir em sentido contrário a um acórdão uniformizador é necessário trazer uma argumentação nova e ponderosa, quer pela via da evolução doutrinal posterior, quer pela via da actualização interpretativa.”
Analisemos então a questão colocada e decidida no AUJ 6/2022 para aferir da pertinência da aplicação do ali decidido aos presentes autos.
Refere-se ali:
“Para conhecimento da matéria do julgamento ampliado de revista, está em causa a aplicabilidade ao caso dos autos do disposto no artigo 310.º alínea e) do Código Civil, expressamente citado pelo acórdão recorrido, nos termos do qual prescrevem no prazo de 5 anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros.
O prazo curto de prescrição justificou-se nos trabalhos preparatórios do Código Civil (Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, Bol.106/112ss.) com o facto de a acumulação de juros com quotas de amortização poder originar, por sua vez, uma acumulação de contas rapidamente ruinosa para o devedor; o mesmo Autor se pronunciou na Revista Decana, 89.º/328, justificando o prazo curto com o facto de "proteger o devedor contra a acumulação da sua dívida que, de dívida de anuidades, pagas com os seus rendimentos, se transformaria em dívida de capital susceptível de o arruinar, se o pagamento pudesse ser-lhe exigido de um golpe, ao cabo de um número demasiado de anos".
Visou a lei evitar que o credor deixasse acumular os seus créditos (retardando em demasia a exigência de créditos periodicamente renováveis) a ponto de ser mais tarde ao devedor excessivamente oneroso pagar (Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 1983, pg. 452, e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 3.ª ed., pg. 278).
A Exequente/Embargada chamou em seu proveito de alegação o disposto no artigo 781.º do Código Civil, segundo o qual "se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas".
Como é doutrina comum e maioritária, este preceito legal não prevê um vencimento imediato, apelidado por alguns "em sentido forte", das prestações previstas para liquidação da obrigação, designadamente da obrigação de restituição inerente a um contrato de mútuo com hipoteca, acrescido de um outro contrato de mútuo, como no caso dos autos - constitui antes um benefício que a lei concede ao credor, que não prescinde da interpelação, na pessoa do devedor, para que cumpra de imediato toda a obrigação, em consequência manifestando o credor a vontade de aproveitar o benefício que a lei lhe atribui - assim Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 7.ª ed., 1997, pg.54, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª ed., 2009, pgs. 1017 a 1019, Pessoa Jorge, Lições de Direito das Obrigações, I (75/76), pg. 317, e Menezes Cordeiro, Tratado, Direito das Obrigações, IV (2010), pg. 39.
A obrigação fica assim apenas exigível, ou, como alguns entendem, exigível "em sentido fraco".
Note-se que a norma do artigo 781.º do Código Civil não se constitui como norma imperativa, mas existindo, como existe, nos contratos de mútuo dos autos uma cláusula no sentido de que à credora fica reconhecido o direito de "considerar o empréstimo vencido se a parte devedora deixar de cumprir alguma das obrigações resultantes deste contrato", concedia-se à mutuante a possibilidade de actuar o vencimento do direito à totalidade das prestações convencionadas pelo simples facto de intentar acção executiva contra os mutuários, como intentou.
Não existe, desta forma, nos contratos dos autos, qualquer cláusula de vencimento automático, apenas a reprodução do esquema de vencimento das prestações que a doutrina associa ao disposto no artigo 781.º do Código Civil.
A considerar-se, como em diversas decisões das Relações (1), que o vencimento imediato das prestações convencionadas origina a sujeição do devedor a uma obrigação única, exigível no prazo de prescrição ordinário de 20 anos (artigo 309.º do Código Civil), não se atende ao escopo legal de evitar a insolvência do devedor pela exigência da dívida, transformada toda ela agora em dívida de capital, de um só golpe, ao cabo de um número demasiado de anos (por todos, e de novo, cf. Vaz Serra, Prescrição e Caducidade, Bol.107/285, citando Planiol, Ripert e Radouant).
Esta a forma de respeitar o espírito do legislador que os trabalhos preparatórios espelharam.
Para efeitos de prescrição, o vencimento ou exigibilidade imediata das prestações, por força do disposto no artigo 781.º do Código Civil, não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas, isto é, se altera o momento da exigibilidade das quotas, não altera o acordo inicial, o escalonamento inicial, relativo à devolução do capital e juros em quotas de capital e juros.
E pese embora devermos considerar que, "no contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento de juros remuneratórios nelas incorporados", como exarado no Ac. de Uniformização de Jurisprudência do S.T.J., n.º 7/2009, de 5/5/2009, a referida desoneração do pagamento dos juros não descaracteriza, em qualquer caso, a "acumulação de contas rapidamente ruinosa para o devedor" que a doutrina pretendeu evitar, ou, de outro ângulo, o incentivo à rápida cobrança dos montantes em dívida, por parte do credor.
Como se escreveu no Ac. S.T.J. 29/9/2016, n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1 (Lopes do Rego), por explicita opção legislativa, o artigo 310.º alínea e) do Código Civil considera que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição, situação que foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis.
"Ou seja, o legislador entendeu que, neste caso, o regime prescricional do débito parcelado ou fraccionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido artigo 310.º".
Pode assim afirmar-se que, na doutrina maioritária, não suscita particular controvérsia a aplicabilidade do prazo curto de prescrição de cinco anos às obrigações, de natureza híbrida, que visam simultaneamente operar a amortização e a remuneração do capital mutuado.
A "ratio" das prescrições de curto prazo, se radica na protecção do devedor, protegido contra a acumulação da sua dívida, também visa estimular a cobrança pontual dos montantes fraccionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito (assim, Ana Filipa Morais Antunes, Algumas Questões sobre Prescrição e Caducidade, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Sérvulo Correia, III, 2010, pg. 47).
III.
A posição doutrinal que, em II, entendemos a mais adequada, ou seja, a aplicação da prescrição de 5 anos à acumulação das quotas de amortização do capital por perda de benefício do prazo (artigo 781.º CCiv), vem sustentada na quase totalidade da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, designadamente no Ac. S.T.J. 29/9/2016, revista n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1 (Lopes do Rego) cit. e também nos Acs. S.T.J. 8/4/2021, revista n.º 5329/19.1T8STB-A.E1.S1 (Nuno Pinto Oliveira), S.T.J. 9/2/2021, revista n.º 15273/18.4T8SNT-A.L1.S1 (Fernando Samões), S.T.J. 14/1/2021, revista n.º 6238/16.1T8VNF-A.G1.S1 (Tibério Nunes da Silva), S.T.J. 12/11/2020, revista n.º 7214/18.5T8STB-A.E1.S1 (Maria do Rosário Morgado), S.T.J. 3/11/2020, revista n.º 8563/15.0T8STB-A.E1.S1 (Fátima Gomes), S.T.J. 23/1/2020, revista n.º 4518/17.8T8LOU-A.P1.S1 (Nuno Pinto Oliveira), S.T.J. 27/3/2014, revista n.º 189/12.6TBHRT-A.L1.S1 (Silva Gonçalves), e em numerosas decisões das Relações. (2)” (realce nosso).
IV.
Visto o teor do despacho adrede proferido, nos termos do disposto no artigo 686.º n.º 2 do Código Civil, a matéria da uniformização de jurisprudência suscitava-se na ponderação da aplicação de um prazo curto de prescrição a uma quantia total que não poderia ser considerada "quota de amortização de capital" (artigo 310.º alínea e) do Código Civil) - posto que as quotas tinham prazos de vencimento pré-determinados no contrato.
Importa pois aquilatar, neste momento, se a prescrição incide sobre cada uma das prestações de capital (tendo como termo inicial o vencimento dessas mesmas prestações de acordo com o plano de reembolso inicialmente gizado pelas partes) ou, no reverso, se a prescrição se reporta à integralidade da obrigação em dívida (tendo como termo inicial a data do incumprimento pelo devedor, enquanto data a partir da qual o direito podia ser exercido - artigo 306.º n.º 1 1.ª parte do Código Civil).
Na hipótese dos autos, continuariam a ter um prazo pré-fixado antes da citação para a acção executiva e, seguindo tal critério, não se encontrariam prescritas parte das prestações que integravam a quantia total por via da perda de benefício do prazo - designadamente as quantias integrando prestações vencidas há menos de 5 anos, à data da interrupção da prescrição - artigo 323.º n.º 1 CCiv (sem prejuízo do conteúdo da alegação do devedor/Embargante, a que já aludimos).
Desta forma, a integral procedência da prescrição deveria pressupor que as prestações de amortização, considerado o seu prazo inicial convencionado de vencimento, se encontrassem já igualmente prescritas, considerando o prazo de 5 anos, do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, na data em que a prescrição se mostrar interrompida.
Este último critério apontado tem sido seguido por alguma jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, mas sobre o mais das Relações, (3) cabendo salientar o Ac. S.T.J. 4/5/93 Col. II/82 (Santos Monteiro) o Ac. S.T.J. 15/1/2008, revista n.º 4059/07 (Cardoso Albuquerque), in www.stj.pt e o Ac. S.T.J. 25/5/2017, revista n.º 1244/15.6T8AGH-A.L1.S2 (Olindo Geraldes, in www.direitoemdia.pt).
Outras decisões, porém, afirmam que, tendo cessado o pagamento das prestações convencionadas em determinada data, e tendo decorrido mais de cinco anos, após essa data, sem que o credor suscitasse o direito relativo à perda de benefício do prazo, ocorre a prescrição relativamente a todas as prestações, incluindo as vencidas entre a data do primeiro incumprimento e a data do exercício do direito relativo à perda de benefício do prazo.
É o que decorre dos fundamentos do Ac. S.T.J. 9/2/2021, revista n.º 15273/18.4T8SNT-A.L1.S1 (Fernando Samões), do Ac. S.T.J. 12/11/2020, revista n.º 7214/18.5T8STB-A.E1.S1 (Maria do Rosário Morgado) e do Ac. S.T.J. 27/3/2014, revista n.º 189/12.6TBHRT-A.L1.S1 (Silva Gonçalves).
(…)”
Nesta conformidade, o STJ fixou jurisprudência no seguinte sentido:
“I - No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.
II - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo 'a quo' na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.».
Vejamos agora o caso concreto:
A única diferença do caso presente ao tratado no AUJ cinge-se à circunstância de naqueles autos termos por demonstrado a data em que o credor suscitou o direito relativo à perda do benefício do prazo, resolvendo o contrato.
Alega a aqui embargante, no seu requerimento executivo que:
“ 4.
Sucede que, em 08/09/2011, os Executados deixaram de efetuar os pagamentos a que estavam adstritos, ficando nessa data em dívida o valor de € 43 492,98 (quarenta e três mil quatrocentos e noventa e dois euros e noventa e oito cêntimos) a título de capital.”
“6.
Face ao incumprimento verificado, a Exequente enviou em 01-06-2023 carta de resolução do contrato conforme Documento que aqui se junta como Doc. 4 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.”
Na sentença refere-se que “dúvidas inexistem de que o vencimento da totalidade da dívida ocorreu em pelo menos agosto de 2011”, pelo que a prescrição ocorreu em Agosto de 2016.
Temos dúvidas sobre a bondade de tal afirmação na medida em que a mesama assenta na seguinte fundamentação: “Porém, é mister referir que as partes contratualizaram ao abrigo da autonomia privada que ocorreria o vencimento imediato em caso de falta de cumprimento e em caso de alienação. Uma vez que o imóvel foi adjudicado em agosto de 2011, pelo menos nessa data ocorreu o vencimento imediato de todas as prestações.”
1. Não obstante, afigura-se-nos que tal conclusão é precipitada. O que resulta do contratualizado ao abrigo da autonomia privada é o que se referiu supra por referência ao n.,º 1 da cláusula 12.ª foi que: “A CEMG reserva-se o direito de resolver o contrato considerando o crédito imediatamente vencido se o imóvel hipotecado for aliendado, arrendado ou de qualquer forma cedido ou ou onerado sem o seu consentimento escrito, se lhe for dado fim diverso do estipulado, e ainda nos casos de falta de cumprimento pela parte Devedora de qualquer das obrigações assumidas neste contrato.
Ora, se é certo que o imóvel foi alienado não menos certo é que é duvidoso dizer que o foi sem o seu consentimento…na medida em que, se perscrutarmos o título de adjudicação a que alude o facto 6, facilmente chegamos à conclusão que a compradora do imóvel foi (nem mais nem menos) a CEMG, ou seja, aquela que tinha que de prestar o seu consentimento escrito para a alienação!
Mas se assim é, por um lado, entendemos que este entendimento não altera a decisão da causa – embora, para tal, atenda a diferentes fundamentos.
Embora não resulte dos factos provados, alega a exequente que resolveu o contrato em 2023.
A questão que se coloca é a de saber se o prazo de 5 anos é de aplicar ao momento a partir do qual a credora resolveu o contrato ou do momento em que, nos termos do art. 781.º poderia resolver, embora não o tenha feito.
A essa questão deu resposta o Ac. do STJ de 09-02-2021.
Nele se refere:
“Tendo cessado o pagamento das prestações convencionadas em 19/6/2013 e tendo decorrido mais de cinco anos, após essa data, sem que a exequente nada fizesse com vista a obter o seu pagamento, acabando por propor a acção executiva apenas em 1/9/2018, cremos não haver dúvidas de que ocorreu a prescrição relativamente a todas, visto que a mesma apenas foi interrompida em 6/9/2018 (cfr. art.º 323.º, n.º 2, do Código Civil), pois, entretanto, não ocorreu qualquer causa de suspensão ou de interrupção, legalmente previstas, como bem se decidiu na sentença.
Em face do exposto, estabelecido que o prazo de prescrição é de cinco anos e que este prazo é aplicável a todas as prestações vencidas e não pagas, conclui-se estar verificada a prescrição do crédito exequendo.”
Ora foi exatamente esse o caso dos autos: o incumprimento remonta a 2011. A Exequente refere ter resolvido o contrato em Junho de 2023 , mês e ano em que, igualmente, intentou a presente acção executiva.
Entre a data de cessação de pagamento das prestações (Setembro de 2011) e Junho de 2023 a exequente nada fez, acabando por enviar a carta de resolução em Junho de 2023 e dias depois intentar a presente acção.
Foi exactamente este o fundamento da prescrição quinquenal: evitar a perpetuação, com a consequente incerteza e insegurança, da situação dos devedores.
Pelo que improcede o recurso de apelação interposto pela Embargada/Exquente, conformando-se a decisão recorrida.
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No que à matéria da responsabilidade tributária respeita:
As custas ficarão a cargo da Apelante/ Embargada.
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V. Decisão:
Por todo o exposto, acordam os Juízes desta 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a presente apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela Apelante/Embargada.
Registe e notifique.
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Lisboa, 23 de Outubro de 20252
Maria Teresa Mascarenhas Garcia
Elsa Melo
Vera Antunes
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1. Por opção da relatora, o acórdão utilizará a grafia decorrentes do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1945, respeitando, não obstante, nas citações a grafia utilizada pelos citados.
2. Acórdão assinado digitalmente – cf. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.