Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
138/22.3PLLRS-D.L1-5
Relator: ESTER PACHECO DOS SANTOS
Descritores: MEDIDAS DE COAÇÃO
PRISÃO PREVENTIVA
ACORDÃO CONDENATÓRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL EM SEPARADO
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: I–Por observância do disposto no n.º 3 do art. 213.º do CPP, não sendo a audição do arguido (e do Ministério Público) obrigatória a sua omissão não constitui qualquer vício, estando-se, no limite, perante uma irregularidade que ficou sanada por não ter sido arguida em tempo (art. 123.º, n.º 1).

II–O recurso para o tribunal superior não é o meio próprio para arguir irregularidades ou sequer nulidades que não tenham sido previamente suscitadas, devendo antes o recurso ser interposto do despacho que conhecer de nulidades ou de irregularidades previamente arguidas perante a 1ª instância.

III–O artigo 193.º, n.º 3, do CPP, no quadro do princípio da necessidade e da subsidiariedade da prisão preventiva, estabelece a preferência da obrigação de permanência na habitação em relação à prisão preventiva. Nessa medida, esta última só pode ser imposta se, nomeadamente, a obrigação de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, não puder assegurar as correspondentes finalidades estritamente cautelares.

IV–A medidas de coação estão sujeitas à condição “rebus sic stantibus”, o que significa que as mesmas apenas devem ser alteradas quando se tenha verificado uma alteração das circunstâncias que tenham dado origem à sua decretação.

V–Às medidas de coação correspondem finalidades estritamente cautelares e não de satisfação de exigências de prevenção, geral e especial, que correspondem às penas.

VI–A evidência de que o recurso a outros meios de coação deixou de ser suficiente para evitar, pelo menos, o perigo de continuação da atividade criminosa inicialmente registado quanto aos arguidos, resultando ex novo, é de molde a considerar que as necessidades cautelares deixaram de ser as mesmas e assim justificar o seu agravamento.


(Sumário da responsabilidade da relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Em conferência, acordam os Juízes na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I–Relatório


1.AA, BB, CC e DD, arguidos no processo n.º 138/22.3PLLRS do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo Central Criminal de Loures - Juiz 3, vieram, respetivamente, interpor recurso da decisão judicial, proferida em sede de acórdão condenatório no passado dia 5 de dezembro de 2023, que, ao abrigo do disposto nos arts. 193.º, 202.º, n.º 1, als. b) e), 203.º, 204.º, n.º 1, als. a) e c) e 212.º, n.º 2, todos do CPP, submeteu, cada um deles, à medida de coação de prisão preventiva.

2.Retiram das respetivas motivações as conclusões que se transcrevem:

2.1.–Arguido AA:

a.-O despacho de alteração da medida de coação está ferido de nulidade, por violação do disposto nos art. 212.º n.º4 do CPP, por os arguidos não terem sido ouvidos sobre a invocada alteração dos pressupostos da fixação da mais gravosa medida de coação.
b.-Dispõe o artigo 61º, nº 1, alínea b) do C.P.P., o direito do arguido, em especial e em qualquer fase do processo, de “ser ouvido sempre que o tribunal deva tomar qualquer decisão que pessoalmente o afete” (princípio ou direito de audiência).
c.-E resulta ainda do princípio do contraditório, constitucionalmente consagrado no art 32º n.º 5 da CRP, interpretado no sentido de que nenhuma decisão deve ser tomada pelo tribunal sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade ao arguido de a contestar.
d.-O Recorrente encontra-se detido, em regime de prisão preventiva, desde o passado dia 5 de Dezembro de 2023
e.-Os fundamentos invocados ou a falta deles para justificar tal perigosidade, parecem frágeis, e em última instância, podem incorrer na violação do princípio fundamental consagrado na CRP, da presunção de inocência.
f.-O princípio constitucional da presunção de inocência implica que a medida de coação de prisão preventiva não tem em vista uma punição antecipada, só podendo ser excecionalmente aplicada, quando tal se justifique e seja adequado e proporcional ao comportamento do arguido e desde que não lhe possa ser aplicada outra medida de coação.
g.-A lei exige que se indique concretamente em que termos se regista os mencionados perigos, quais os factos, tendo em conta as circunstâncias do crime e a personalidade do agente que impõe a que os direitos fundamentais da arguida cedam perante exigências cautelares do processo.
h.-Assim, a medida de coacção anteriormente imposta só poderá ser substituída por medida menos gravosa se e quando se verificar uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a aplicação da medida de coacção anteriormente fixada e só poderá ser substituída por medida mais gravosa se sobrevierem motivos que legalmente justifiquem a sua aplicação.
i.-Trata-se da aplicação, em matéria de medidas de coacção, da cláusula rebus sic stantibus que determina que a decisão proferida permanecerá imutável enquanto se mantiverem os pressupostos em que foi proferida, devendo ser alterada se as condições que determinaram tal decisão se tiverem modificado.
j.-Ora, é a existência em concreto de qualquer um dos perigos enunciados no artigo 204º do Código de Processo Penal e não a gravidade dos crimes indiciariamente cometidos, que poderá fundamentar a imposição de medidas de coação.
k.-Esquecendo-se, com o devido respeito, o douto despacho recorrido de demonstrar concretamente, através de factos objetivos ou circunstâncias, que indicam tais alegados perigos e ainda, que o recurso a outros meios de coação seriam insuficientes para evitar tais perigos ou perturbação.
l.-Quanto ao alegado perigo de continuação da atividade criminosa, apenas poderia resultar das circunstâncias dos alegados crimes imputados aos arguidos ou então da sua personalidade.
m.-A lei impõe que o perigo de continuação da actividade criminosa seja concreto. O perigo terá de ser aferido a partir de elementos factuais que o revelem ou o indiciem e não de mera presunção, abstrato e genérica, como no caso em apreço.
n.-Assim sendo, a mera evidencia, possibilidade de perigo de continuação da atividade criminosa não constitui motivo suficiente para caracterizar uma qualquer situação como consubstanciadora de perigo de continuação da atividade criminosa.
o.-O Tribunal “a quo” dentro do elenco das medidas de coação previstas na nossa legislação entendeu aplicar a da prisão preventiva que aparece como a mais gravosa de todas as medidas.
p.-Crê o Recorrente que o Tribunal Recorrido cometeu graves equívocos no que respeita à aplicação desta medida de coacção e que condicionaram fortemente a sua aplicação.
q.-A prisão preventiva só pode emergir quando todas as outras medidas se revelem inadequadas ou insuficientes e não para uma antecipação do cumprimento da pena.
r.-Logo, para a fundamentação da prisão preventiva não basta que se apresente as razões que levaram à sua aplicação. Aquilo que se exige é que se apresentem as razões que levaram á não aplicação das restantes medidas de coação, o que não sucedeu no caso concreto.
s.-Assim, e face a tudo quanto se deixa alegado, verifica-se também que o douto despacho recorrido, ao aplicar a medida de prisão preventiva, violou claramente o principio da adequação e da proporcionalidade previstos no artigo 193º do Código de Processo Penal, por as exigências cautelares do caso afastarem completamente a necessidade de tal medida;
t.-Ora, no caso em apreço e pelo acima exposto existem razões que levam o Recorrente, a crer que a medida de coação de prisão preventiva deve ser alterada por uma menos gravosa, uma vez que os pressupostos de aplicabilidade daquela medida de coação já não se encontram preenchidos, se é que alguma vez estiveram.
Pelo acima exposto, o douto despacho recorrido por incorreta aplicação violou o estatuído nos artigos 18º, 27º, 28º , 32º e 205º da Lei Fundamental e ainda o disposto nos artigos 97º, ñº5 ,191º, 192º, 193º, 201º, 202º e 204º todos do Código de Processo Penal, ou seja, o dever geral de fundamentação, bem como os princípios que regem as medidas de coação em geral e a prisão preventiva em particular, princípio da tipicidade, da necessidade, da adequação e proporcionalidade, da subsidiariedade da obrigação de permanência na habitação e da prisão preventiva, da preferência daquela a esta.
Termos em que deve o presente recurso merecer, da parte de Vossas Excelências, o consequente provimento, por ser de Lei e de Justiça e, consequentemente, ser revogado o douto despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro, e assim sendo deverão V. Exas:
a)-Revogar a medida de coação aplicada ao Arguido AA por não se verificarem em concreto as circunstâncias em que o tribunal “a quo” fundamentou a sua aplicação (fuga e continuação da atividade criminosa);
b)-E substituir a mesma por uma medida de coação menos gravosa, com recurso à vigilância eletrónica, por a mesma se revelar adequada e proporcional às exigências cautelares dos presentes autos.

2.2.–BB:

1.–O douto despacho recorrido, ao fundamentar a necessidade da prisão preventiva, foi negativamente influenciado pelo conteúdo do douto acórdão e pelo “quantum” da pena no mesmo imposta.
2.–O douto despacho recorrido violou grosseiramente o disposto no art.º 61.º n.º 1 alínea b) do CPP, violando também claramente o princípio do contraditório, ao não conceder qualquer prazo ao arguido ou ao seu mandatário para exercerem o contraditório quanto à agravação da medida e coacção.
3.–O arguido, em processo penal tem direito a ser ouvido previamente pelo Tribunal quando este tome uma decisão que pessoalmente o afecte. Tal comunicação ao arguido e concessão de prazo para que este se pudesse defender não foi facultada pelo Tribunal, o qual, de modo precipitado decidiu enviar o arguido para o cárcere.
4.–Violação do art.º 28.º n.º 2 da Constituição da República – a prisão preventiva como “ultima ratio” – ou da inexistência de alteração dos pressupostos. É comummente aceite nos dias de hoje e numa interpretação hodierna do Direito Processual Penal que a prisão preventiva é uma realidade dura – e nefasta para aqueles que a sofrem – e que só em “ultima ratio” deve ser aplicada.
5.–Por isso - mesmo apesar da gravidade indiciária do crime dos autos – o recorrente se manteve em OPHC/VE durante este período de tempo, sendo certo que a prolacção de um acórdão condenatório, não transitado em julgado e sem eficácia “erga omnes”, não tem o condão de afectar os pressupostos de aplicação de qualquer medida de coacção.
6.–Os autos não indiciam que ao arguido não pudesse ser mantida a medida e OPHC/VE.
7.–Por isso se mostra ter sido violado o disposto no art.º 193.º n.º 2 e 3 do CPP.
8.–Nem o receio de fuga nem o perigo de fuga de podem presumir. O eventual “perigo” de fuga,” como bem se acentua em notável aresto da Veneranda Relação de Lisboa não se pode presumir. Diz-nos o douto acórdão (proferido em 8.10.97 - 3ªSecção): “O perigo de fuga não se presume; tem de ser concreto, resultar de circunstâncias ligadas à pessoa do arguido e não deduzido da gravidade do crime, em abstracto.”
9.–Nem existe qualquer prova de continuação da actividade criminosa.
10.–Deste modo, como aliás nenhum dos perigos elencados no art.º 204.º do CPP se podem presumir, antes devendo resultar da personalidade do arguido ou das circunstâncias em que o crime foi cometido, devendo o Tribunal usar de equanimidade na aplicação das Leis, houve manifesto erro interpretativo no recorrido despacho, ao agravar de modo súbito e infundamentado, a medida de coacção a que anteriormente o arguido se encontrava sujeito.
11.–Não tendo o arguido violado – de qualquer modo que fosse - a medida de coacção em que há meses se encontrava sujeito, não poderia o douto Tribunal agravá-la apenas com o argumento da prolação de uma decisão judicial não transitado em julgado.
12.–Tendo ainda existido violação do princípio equitativo da aplicação das Leis: já que pessoas indiciadas e pronunciadas por crimes bem mais graves encontram-se em liberdade, como ocaso dos inspectores do SEF que assassinaram um cidadão ucraniano no Aeroporto de Lisboa.
13.–O douto despacho recorrido violou, por erro interpretativo, o disposto no art.º 204.º do CPP e 193 n.º 2 e 3 do mesmo diploma adjectivo.
14.–Devendo ser substituído por outro, que, por mais douto e acertado, mantenha a sua sujeição do arguido – ora recorrente - ao regime de O.P.H mediante V.E (art.º 201 do CPP), regime no qual aliás se encontrava de há meses a esta parte, sem ocorrência de qualquer incumprimento.
Assim exercendo Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, a melhor e a mais acostumada JUSTIÇA!

2.3.–Arguido CC:

1.–Foram violados os princípios da adequação e proporcionalidade, consagrados nos art. 193º, 202º e 204º do Código de Processo Penal;
2.–Foi igualmente violada a Convenção Europeia dos Direitos do Homem no que respeita às medidas de privação da liberdade (art. 3º, 5º e 9º);
3.–Ora, no douto Acórdão depositado nos presentes autos, foi proferido despacho a alterar a medida de coação de obrigação de permanência na habitação sob vigilância electrónica para a medida de coação de prisão preventiva, agravando assim o estatuto coactivo.
4.–Considera o ora recorrente que tal despacho está ferido de nulidade, por violação do disposto nos art. 212.º n.º4 do CPP, por os arguidos não terem sido ouvidos sobre a invocada alteração dos pressupostos da fixação da mais gravosa medida de coação.
5.–Esta audição prévia, trata-se, na realidade, do direito a tomar posição prévia sobre qualquer decisão que pessoalmente possa afectar o arguido, nomeadamente, na sujeição à medida de coação mais gravosa prevista no CPP.
6.–Para além disso, dispõe o artigo 61º, nº 1, alínea b) do C.P.P., o direito do arguido, em especial e em qualquer fase do processo, de “ser ouvido sempre que o tribunal deva tomar qualquer decisão que pessoalmente o afete” (princípio ou direito de audiência).
7.–E resulta ainda do princípio do contraditório, constitucionalmente consagrado no art 32º n.º 5 da CRP, interpretado no sentido de que nenhuma decisão deve ser tomada pelo tribunal sem que previamente tenha sido dada ampla e efetiva possibilidade ao arguido de a contestar.
8.–Considera o Recorrente que o presente despacho está ferido de nulidade, o que se alega para todos os devidos e legais efeitos.
9.–Acresce que para fundamentar o douto despacho foram alegados factos alegadamente cometidos noutros autos, factos esses que não estão (nem devem) a ser apreciados nos presentes autos onde é de todo omisso quaisquer meios de prova, violando-se o princípio da presunção da inocência.
10.–Qualquer medida de coacção apenas pode ser agravada se sobrevierem factos que permitam ajuizar que a medida de coacção anteriormente aplicada não acautele os perigos do art 204º do CPP.
11.–Certo é que, quanto a um alegado perigo de fuga, o arguido desde o momento em que foi detido que sabia que arriscava uma pena de 25 (vinte e cinco) anos de prisão e nunca fugiu, se não o fez até agora porque o faria agora?
12.–Não basta a mera indicação de qualquer perigo de forma retórica sem que seja esse perigo em concreto objetivado, e no caso dos autos não o foi.
13.–A condenação ora sofrida e não transitada em julgado, que foi já pelo arguido objeto de fundado recurso não altera qualquer dos perigos do art.º 204º do CPP, pois certo é que o arguido se quisesse fugir já o teria seguramente feito.
14.–A OPHVE acautela ainda todos os perigos do art.º 204º do CPP, pelo que deve o despacho que agravou ao Recorrente a sua medida de coação ser revogado e deve ser decretada a manutenção do arguido em OPHVE.
15.–Violados se revelam, em consequência, salvo melhor opinião, os preceitos legais invocados nas presentes alegações de recurso.
Nestes termos e nos mais de direito, deve ser julgado procedente o presente recurso, revogando-se o despacho recorrido e aplicando medidas de coacção conformes, tudo com as legais consequências, por ser de…
…JUSTIÇA!!!

2.4.–Arguido DD:

a.-O despacho de alteração da medida de coação está ferido de nulidade, por violação do disposto nos art. 212.º n.º4 do CPP, por os arguidos não terem sido ouvidos sobre a invocada alteração dos pressupostos da fixação da mais gravosa medida de coação.
b.-Dispõe o artigo 61º, nº 1, alínea b) do C.P.P., o direito do arguido, em especial e em qualquer fase do processo, de “ser ouvido sempre que o tribunal deva tomar qualquer decisão que pessoalmente o afete” (princípio ou direito de audiência).
c.-E resulta ainda do princípio do contraditório, constitucionalmente consagrado no art 32º n.º 5 da CRP, interpretado no sentido de que nenhuma decisão deve ser tomada pelo tribunal sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade ao arguido de a contestar.
d.-O Recorrente encontra-se detido, em regime de prisão preventiva, desde o passado dia 5 de Dezembro de 2023
e.-No caso do ora recorrente, em nenhum momento, o mesmo teve qualquer comportamento violador das regras impostas para a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação.
f.-O ora recorrente DD nunca foi alvo de algum relatório da DGRSP que colocasse em causa o cumprimento das suas obrigações e todas as suas saídas foram devidamente autorizadas e justificadas.
g.-Acresce que, o ora recorrente por forma a ganhar o seu sustento e ajudar os seus pais que o acolheram em sua casa para cumprimento da referida medida, celebrou um contrato de trabalho a 24/08/2023 com a empresa ..., com a função de operador de televendas, desempenhando em concreto a divulgação de produtos e serviços, através de ligações efetuadas aos clientes.
h.-O ora recorrente DD não é um dos visados no processo que foi junto aos presentes autos já na fase de julgamento e, mesmo ultrapassando o facto que no referido processo ainda nem sequer existiu a constituição de arguidos, a verdade é que foi devidamente esclarecido através de ofício da Polícia Judiciário que o arguido DD não tem qualquer envolvimento no mesmo.
i.-Assim sendo, os fundamentos invocados ou a falta deles para justificar tal perigosidade, parecem frágeis, e em última instância, podem incorrer na violação do princípio fundamental consagrado na CRP, da presunção de inocência.
j.-O princípio constitucional da presunção de inocência implica que a medida de coação de prisão preventiva não tem em vista uma punição antecipada, só podendo ser excecionalmente aplicada, quando tal se justifique e seja adequado e proporcional ao comportamento do arguido e desde que não lhe possa ser aplicada outra medida de coação.
k.-A lei exige que se indique concretamente em que termos se regista os mencionados perigos, quais os factos, tendo em conta as circunstâncias do crime e a personalidade do agente que impõe a que os direitos fundamentais da arguida cedam perante exigências cautelares do processo.
l.-Assim, a medida de coacção anteriormente imposta só poderá ser substituída por medida menos gravosa se e quando se verificar uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a aplicação da medida de coacção anteriormente fixada e só poderá ser substituída por medida mais gravosa se sobrevierem motivos que legalmente justifiquem a sua aplicação.
m.-Trata-se da aplicação, em matéria de medidas de coacção, da cláusula rebus sic stantibus que determina que a decisão proferida permanecerá imutável enquanto se mantiverem os pressupostos em que foi proferida, devendo ser alterada se as condições que determinaram tal decisão se tiverem modificado.
n.-Ora, é a existência em concreto de qualquer um dos perigos enunciados no artigo 204º do Código de Processo Penal e não a gravidade dos crimes indiciariamente cometidos, que poderá fundamentar a imposição de medidas de coação.
o.-Esquecendo-se, com o devido respeito, o douto despacho recorrido de demonstrar concretamente, através de factos objetivos ou circunstâncias, que indicam tais alegados perigos e ainda, que o recurso a outros meios de coação seriam insuficientes para evitar tais perigos ou perturbação.
p.-Quanto ao alegado perigo de continuação da atividade criminosa, apenas poderia resultar das circunstâncias dos alegados crimes imputados aos arguidos ou então da sua personalidade.
q.-A lei impõe que o perigo de continuação da actividade criminosa seja concreto. O perigo terá de ser aferido a partir de elementos factuais que o revelem ou o indiciem e não de mera presunção, abstrato e genérica, como no caso em apreço.
r.-Assim sendo, a mera evidencia, possibilidade de perigo de continuação da atividade criminosa não constitui motivo suficiente para caracterizar uma qualquer situação como consubstanciadora de perigo de continuação da atividade criminosa.
s.-O Tribunal “a quo” dentro do elenco das medidas de coação previstas na nossa legislação entendeu aplicar a da prisão preventiva que aparece como a mais gravosa de todas as medidas.
t.-Crê o Recorrente que o Tribunal Recorrido cometeu graves equívocos no que respeita à aplicação desta medida de coacção e que condicionaram fortemente a sua aplicação.
u.-A prisão preventiva só pode emergir quando todas as outras medidas se revelem inadequadas ou insuficientes e não para uma antecipação do cumprimento da pena.
v.-Logo, para a fundamentação da prisão preventiva não basta que se apresente as razões que levaram à sua aplicação. Aquilo que se exige é que se apresentem as razões que levaram á não aplicação das restantes medidas de coação, o que não sucedeu no caso concreto.
w.-Assim, e face a tudo quanto se deixa alegado, verifica-se também que o douto despacho recorrido, ao aplicar a medida de prisão preventiva, violou claramente o principio da adequação e da proporcionalidade previstos no artigo 193º do Código de Processo Penal, por as exigências cautelares do caso afastarem completamente a necessidade de tal medida;
x.-Ora, no caso em apreço e pelo acima exposto existem razões que levam o Recorrente, a crer que a medida de coação de prisão preventiva deve ser alterada por uma menos gravosa, uma vez que os pressupostos de aplicabilidade daquela medida de coação já não se encontram preenchidos, se é que alguma vez estiveram.
Pelo acima exposto, o douto despacho recorrido por incorreta aplicação violou o estatuído nos artigos 18º, 27º, 28º , 32º e 205º da Lei Fundamental e ainda o disposto nos artigos 97º, nº5 ,191º, 192º, 193º, 201º, 202º e 204º todos do Código de Processo Penal, ou seja, o dever geral de fundamentação, bem como os princípios que regem as medidas de coação em geral e a prisão preventiva em particular, princípio da tipicidade, da necessidade, da adequação e proporcionalidade, da subsidiariedade da obrigação de permanência na habitação e da prisão preventiva, da preferência daquela a esta.
Termos em que deve o presente recurso merecer, da parte de Vossas Excelências, o consequente provimento, por ser de Lei e de Justiça e, consequentemente, ser revogado o douto despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro, e assim sendo deverão V. Exas:
a)-Revogar a medida de coação aplicada ao Arguido DD por não se verificarem em concreto as circunstâncias em que o tribunal “a quo” fundamentou a sua aplicação (fuga e continuação da atividade criminosa);
b)-E substituir a mesma por uma medida de coação menos gravosa, com recurso à vigilância eletrónica, por a mesma se revelar adequada e proporcional às exigências cautelares dos presentes autos.

3.A Magistrada do Ministério Público junto da 1ª instância apresentou resposta aos recursos interpostos pelos arguidos, no sentido de que a decisão recorrida não merece censura, concluindo, quanto a cada um deles, nos seguintes termos (transcrição):

Arguido AA:

1.–Por acórdão, não transitado em julgado, o arguido AA foi condenado na pena única de 16 anos de prisão, pela prática como co-autor material de um crime de homicídio consumado, de um crime de homicídio tentado e de um crime de detenção de arma proibida, estando em causa, como é possível ler no despacho recorrido: ”(...) crimes que se inscrevem num registo de delinquência juvenil de lutas entre gangues, em que estes recorrem, sem pejo, a actos extremos de violência.”.
2.–O arguido foi interrogado em sede de 1.º interrogatório de arguido detido e sujeito à medida de coacção de prisão preventiva em 19-08-2022, o que sucedeu depois de se ter ausentado para a ..., logo após a ocorrência dos factos. Posteriormente, a medida de coacção de prisão preventiva foi substituída pela medida de coacção de obrigação de permanência na habitação sujeita a vigilância electrónica, a requerimento do Ilustre defensor.
3.–Sucede, porém, que os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, que regem a aplicação de medidas de coacção, impõem a adaptação dessas medidas à evolução das exigências cautelares, por persistir um grave perigo de continuação da actividade criminosa, bem como a existência de perigo de fuga.
4.–Ao contrário do que o arguido alega, não foi violado o disposto no artigo 61.º n.º 1, alínea b) do CPP e nem o princípio do contraditório, ao não ser concedido prazo ao arguido e ao seu Ilustre mandatário para exercerem o contraditório quanto à agravação da medida de coacção, desde logo porque não era obrigatória a sua audição prévia.
5.–Na realidade, estabelece o artigo 213.º do CPP, com a epígrafe “ Reexame dos pressupostos da prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação “, no seu n.º 1, o seguinte: “ O juiz procede oficiosamente ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva ou da obrigação de permanência na habitação, decidindo se elas são de manter ou devem ser substituídas ou revogadas: (...) b) Quando no processo forem proferidos despacho de acusação ou de pronúncia ou decisão que conheça a final, do objecto do processo e não determine a extinção da medida aplicada. Por sua vez, o n.º 2 da referida disposição legal dispõe que: “Sempre que necessário, o Juiz ouve o Ministério Público e o arguido.”.
6.–Ora, resulta da referida disposição legal que o juiz procede oficiosamente ao reexame destas medidas de coacção, com o objectivo de avaliar da subsistência dos pressupostos da medida, decidindo fundamentadamente se ela é de manter, ser substituída ou revogada e a audição prévia do Ministério Público e do arguido só ocorre quando necessária.
7.–Todavia, caso assim não se entenda, a referida omissão apenas constitui urna irregularidade processual, nos termos conjugados dos artigos 118, n.º 1 e n.º 2, 119, 120 e 123, todos do Código de Processo Penal.
8.–Irregularidade processual essa que teria de ser invocada pelo arguido nos três dias seguintes após o conhecimento da sua prática, o que não sucedeu (art. 123, n.º 1 do C.P.P).
9.–Nessa medida, encontra-se precludido o prazo legal para o exercício de tal direito e em consequência a aludida irregularidade sanada (art. 123, n.º 1 do C.P.P.).
10.–Quanto ao perigo de fuga (artigo 204.º, alínea a) do CPP), constata-se que o arguido tem familiares residentes no estrangeiro, sendo também notório que o mesmo conta com o apoio da sua família, continuando a existir o perigo de se eximir à acção da justiça.
11.–Ao contrário do que alega no seu recurso, existe assim manifesto perigo de fuga uma vez que em liberdade, abandonará o país não tendo medida de coacção que o impeça em face da gravidade dos crimes em causa nestes autos e da presença de familiares a residirem no estrangeiro e o efectivo apoio desses familiares.
12.–No que respeita ao perigo de continuação da actividade criminosa (art.204 alínea c), do CPP) – continua a existir, desde logo porque nos autos existe notícia de participação, nomeadamente, do arguido AA, em actos de violência – conforme expediente que foi junto aos autos e relativo ao NUIPC 7369/23.7T9LSB, em que são participados factos também de muita violência.
13.–Acresce, ainda, que foram constatados incidentes e relatadas pelas equipas da DGRSP, dificuldades do arguido no cumprimento zeloso da medida de coacção em causa de OPHC/VE.
14.–Do anteriormente exposto, resulta claramente que este perigo subsiste se ao arguido fosse aplicada qualquer outra medida de coacção – nomeadamente se mantida a anteriormente aplicada, a medida de OPHC/VE.
15.–Nesta medida, consideramos que se mostra cabalmente fundamentada a verificação das circunstâncias descritas nas alíneas a) e c) do art.º 204º do Código de Processo Penal.
16.–No caso concreto, e em face das mencionadas necessidades de equilíbrio, em face dos mencionados perigos, encontram-se reunidos os pressupostos de aplicação de medida de coacção de prisão preventiva pois apenas tal medida poderá garantir os interesses comunitários, sendo que a mesma se mostra adequada em face das sanções que foram aplicadas ao arguido, ainda que não tenha transitado em julgado a decisão que as aplicou (art.193º do CPP).
17.–Na verdade, a aplicação de qualquer outra medida não garante e frustra mesmo os interesses comunitários de aplicação da justiça atrás mencionados em face do elevado perigo de fuga do arguido e o grave perigo de continuação da actividade criminosa, não salvaguardando também as necessidades cautelares que ao caso se impõem outra que não seja a medida de coacção de prisão preventiva.
18.–Desta forma e de acordo com as disposições conjugadas dos art. (s) 193 nº 1, nº 2, nº 3, 202 nº 1 alíneas a) e b) e c) e 204 alíneas a) e c) todos do CPP, entende-se como adequada manutenção da medida de coacção de prisão preventiva.
19.–Por se verificarem todos os pressupostos da aplicação da prisão preventiva, o despacho impugnado não violou qualquer disposição constitucional ou legal, nomeadamente o previsto nos artigos 18º, 27º, 28º, 32º e 205º da Constituição da República Portuguesa e ainda o disposto nos artigos 97º, nº 5 ,191º, 192º, 193º, 201º, 202º e 204º todos do Código de Processo Penal.
20.–Face ao exposto, entendemos ser de confirmar na totalidade o douto despacho, ora recorrido, mantendo a medida de coacção prisão preventiva aplicada ao arguido e, assim, negando provimento ao recurso.

• –BB:

1.–Por acórdão, não transitado em julgado, o arguido BB foi condenado na pena única de 16 anos de prisão, pela prática como co-autor material de um crime de homicídio consumado, de um crime de homicídio tentado e de um crime de detenção de arma proibida, estando em causa, como é possível ler no despacho recorrido: ”(…) crimes que se inscrevem num registo de delinquência juvenil de lutas entre gangues, em que estes recorrem, sem pejo, a actos extremos de violência.”.
2.–O arguido foi interrogado em sede de 1.º interrogatório de arguido detido e sujeito à medida de coacção de prisão preventiva em 09-06-2022 e, posteriormente, a medida de coacção de prisão preventiva foi substituída pela medida de coacção de obrigação de permanência na habitação sujeita a vigilância electrónica.
3.–Sucede, porém, que os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, que regem a aplicação de medidas de coacção, impõem a adaptação dessas medidas à evolução das exigências cautelares, por persistir um grave perigo de continuação da actividade criminosa, bem como a existência de perigo de fuga.
4.–Ao contrário do que o arguido alega, não foi violado o disposto no artigo 61.º n.º 1, alínea b) do CPP e nem o princípio do contraditório, ao não ser concedido prazo ao arguido e ao seu Ilustre mandatário para exercerem o contraditório quanto à agravação da medida de coacção, desde logo porque não era obrigatória a sua audição prévia.
5.–Na realidade, estabelece o artigo 213.º do CPP, com a epígrafe “ Reexame dos pressupostos da prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação “, no seu n.º 1, o seguinte: “ O juiz procede oficiosamente ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva ou da obrigação de permanência na habitação, decidindo se elas são de manter ou devem ser substituídas ou revogadas: (...) b) Quando no processo forem proferidos despacho de acusação ou de pronúncia ou decisão que conheça a final, do objecto do processo e não determine a extinção da medida aplicada. Por sua vez, o n.º 2 da referida disposição legal dispõe que: “Sempre que necessário, o Juiz ouve o Ministério Público e o arguido.”.
6.–Ora, resulta da referida disposição legal que o juiz procede oficiosamente ao reexame destas medidas de coacção, com o objectivo de avaliar da subsistência dos pressupostos da medida, decidindo fundamentadamente se ela é de manter, ser substituída ou revogada e a audição prévia do Ministério Público e do arguido só ocorre quando necessária.
7.–Todavia, caso assim não se entenda, a referida omissão apenas constitui urna irregularidade processual, nos termos conjugados dos artigos 118, n.º 1 e n.º 2, 119, 120 e 123, todos do Código de Processo Penal.
8.–Irregularidade processual essa que teria de ser invocada pelo arguido nos três dias seguintes após o conhecimento da sua prática, o que não sucedeu (art. 123, n.º 1 do C.P.P).
9.–Nessa medida, encontra-se precludido o prazo legal para o exercício de tal direito e em consequência a aludida irregularidade sanada (art. 123, n.º 1 do C.P.P.).
10.–Quanto ao perigo de fuga (artigo 204.º, alínea a) do CPP), constata-se que o arguido tem familiares residentes no estrangeiro, sendo também notório que o mesmo conta com o apoio da sua família, continuando a existir o perigo de se eximir à acção da justiça.
11.–Ao contrário do que alega no seu recurso, existe assim manifesto perigo de fuga uma vez que em liberdade, abandonará o país não tendo medida de coacção que o impeça em face da gravidade dos crimes em causa nestes autos e da presença de familiares a residirem no estrangeiro e o efectivo apoio desses familiares.
12.–No que respeita ao perigo de continuação da actividade criminosa (art.204 alínea c), do CPP) – continua a existir, desde logo porque nos autos existe notícia de participação, nomeadamente, do arguido BB, em actos de violência – conforme expediente que foi junto aos autos e relativo ao NUIPC 7369/23.7T9LSB, em que são participados factos também de muita violência.
13.–Acresce, ainda, que foram constatados incidentes e relatadas pelas equipas da DGRSP, dificuldades do arguido no cumprimento zeloso da medida de coacção em causa de OPHC/VE.
14.–Do anteriormente exposto, resulta claramente que este perigo subsiste se ao arguido fosse aplicada qualquer outra medida de coacção – nomeadamente se mantida a anteriormente aplicada, a medida de OPHC/VE.
15.–Nesta medida, consideramos que se mostra cabalmente fundamentada a verificação das circunstâncias descritas nas alíneas a) e c) do art.º 204º do Código de Processo Penal.
16.–No caso concreto, e em face das mencionadas necessidades de equilíbrio, em face dos mencionados perigos, encontram-se reunidos os pressupostos de aplicação de medida de coacção de prisão preventiva pois apenas tal medida poderá garantir os interesses comunitários, sendo que a mesma se mostra adequada em face das sanções que foram aplicadas ao arguido, ainda que não tenha transitado em julgado a decisão que as aplicou (art.193º do CPP).
17.–Na verdade, a aplicação de qualquer outra medida não garante e frustra mesmo os interesses comunitários de aplicação da justiça atrás mencionados em face do elevado perigo de fuga do arguido e o grave perigo de continuação da actividade criminosa, não salvaguardando também as necessidades cautelares que ao caso se impõem outra que não seja a medida de coacção de prisão preventiva.
18.–Desta forma e de acordo com as disposições conjugadas dos art. (s) 193 nº 1, nº 2, nº 3, 202 nº 1 alíneas a) e b) e c) e 204 alíneas a) e c) todos do CPP, entende-se como adequada manutenção da medida de coacção de prisão preventiva.
19.–Por se verificarem todos os pressupostos da aplicação da prisão preventiva, o despacho impugnado não violou qualquer disposição constitucional ou legal, nomeadamente o previsto no artigo 28º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e arts. 61.º, n.º 1, alínea b), 193º, n.º 2 e 3, 201º e 204º do Código de Processo Penal.
20.–Face ao exposto, entendemos ser de confirmar na totalidade o douto despacho, ora recorrido, mantendo a medida de coacção prisão preventiva aplicada ao arguido e, assim, negando provimento ao recurso.

–Arguido CC:

1.–Por acórdão, não transitado em julgado, o arguido CC foi condenado na pena única de 16 anos e 3 meses de prisão, pela prática como co-autor material de um crime de homicídio consumado, de um crime de homicídio tentado e de um crime de detenção de arma proibida, estando em causa, como é possível ler no despacho recorrido: ”(…) crimes que se inscrevem num registo de delinquência juvenil de lutas entre gangues, em que estes recorrem, sem pejo, a actos extremos de violência.”.
2.–O arguido foi interrogado em sede de 1.º interrogatório de arguido detido e sujeito à medida de coacção de prisão preventiva em 09-06-2022 e, posteriormente, a medida de coacção de prisão preventiva foi substituída pela medida de coacção de obrigação de permanência na habitação sujeita a vigilância electrónica, por requerimento do Ilustre defensor.
3.–Sucede, porém, que os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, que regem a aplicação de medidas de coacção, impõem a adaptação dessas medidas à evolução das exigências cautelares, por persistir um grave perigo de continuação da actividade criminosa, bem como a existência de perigo de fuga.
4.–Ao contrário do que o arguido alega, não foi violado o disposto no artigo 61.º n.º 1, alínea b) do CPP e nem o princípio do contraditório, ao não ser concedido prazo ao arguido e ao seu Ilustre mandatário para exercerem o contraditório quanto à agravação da medida de coacção, desde logo porque não era obrigatória a sua audição prévia.
5.–Na realidade, estabelece o artigo 213.º do CPP, com a epígrafe “ Reexame dos pressupostos da prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação “, no seu n.º 1, o seguinte: “ O juiz procede oficiosamente ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva ou da obrigação de permanência na habitação, decidindo se elas são de manter ou devem ser substituídas ou revogadas: (...) b) Quando no processo forem proferidos despacho de acusação ou de pronúncia ou decisão que conheça a final, do objecto do processo e não determine a extinção da medida aplicada. Por sua vez, o n.º 2 da referida disposição legal dispõe que: “Sempre que necessário, o Juiz ouve o Ministério Público e o arguido.”.
6.–Ora, resulta da referida disposição legal que o juiz procede oficiosamente ao reexame destas medidas de coacção, com o objectivo de avaliar da subsistência dos pressupostos da medida, decidindo fundamentadamente se ela é de manter, ser substituída ou revogada e a audição prévia do Ministério Público e do arguido só ocorre quando necessária.
7.–Todavia, caso assim não se entenda, a referida omissão apenas constitui urna irregularidade processual, nos termos conjugados dos artigos 118, n.º 1 e n.º 2, 119, 120 e 123, todos do Código de Processo Penal.
8.–Irregularidade processual essa que teria de ser invocada pelo arguido nos três dias seguintes após o conhecimento da sua prática, o que não sucedeu (art. 123, n.º 1 do C.P.P).
9.–Nessa medida, encontra-se precludido o prazo legal para o exercício de tal direito e em consequência a aludida irregularidade sanada (art. 123, n.º 1 do C.P.P.).
10.–Quanto ao perigo de fuga (artigo 204.º, alínea a) do CPP), constata-se que o arguido tem familiares residentes no estrangeiro, sendo também notório que o mesmo conta com o apoio da sua família, continuando a existir o perigo de se eximir à acção da justiça.
11.–Ao contrário do que alega no seu recurso, existe assim manifesto perigo de fuga uma vez que em liberdade, abandonará o país não tendo medida de coacção que o impeça em face da gravidade dos crimes em causa nestes autos e da presença de familiares a residirem no estrangeiro e o efectivo apoio desses familiares.
12.–No que respeita ao perigo de continuação da actividade criminosa (art.204 alínea c), do CPP) – continua a existir, desde logo porque nos autos existe notícia de participação, nomeadamente, do arguido CC, em actos de violência – conforme expediente que foi junto aos autos e relativo ao NUIPC 7369/23.7T9LSB, em que são participados factos também de muita violência.
13.–Acresce, ainda, que foram constatados incidentes e relatadas pelas equipas da DGRSP, dificuldades do arguido no cumprimento zeloso da medida de coacção em causa de OPHC/VE.
14.–Do anteriormente exposto, resulta claramente que este perigo subsiste se ao arguido fosse aplicada qualquer outra medida de coacção – nomeadamente se mantida a anteriormente aplicada, a medida de OPHC/VE.
15.–Nesta medida, consideramos que se mostra cabalmente fundamentada a verificação das circunstâncias descritas nas alíneas a) e c) do art.º 204º do Código de Processo Penal.
16.–No caso concreto, e em face das mencionadas necessidades de equilíbrio, em face dos mencionados perigos, encontram-se reunidos os pressupostos de aplicação de medida de coacção de prisão preventiva pois apenas tal medida poderá garantir os interesses comunitários, sendo que a mesma se mostra adequada em face das sanções que foram aplicadas ao arguido, ainda que não tenha transitado em julgado a decisão que as aplicou (art.193º do CPP).
17.–Na verdade, a aplicação de qualquer outra medida não garante e frustra mesmo os interesses comunitários de aplicação da justiça atrás mencionados em face do elevado perigo de fuga do arguido e o grave perigo de continuação da actividade criminosa, não salvaguardando também as necessidades cautelares que ao caso se impõem outra que não seja a medida de coacção de prisão preventiva.
18.–Desta forma e de acordo com as disposições conjugadas dos art. (s) 193 nº 1, nº 2, nº 3, 202 nº 1 alíneas a) e b) e c) e 204 alíneas a) e c) todos do CPP, entende-se como adequada manutenção da medida de coacção de prisão preventiva.
19.–Por se verificarem todos os pressupostos da aplicação da prisão preventiva, o despacho impugnado não violou qualquer disposição constitucional ou legal, nomeadamente o previsto na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (artigos 3.º, 5.º e 9.º), no artigo 32º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa e arts. 61.º, n.º 1, alínea b), 193º, n.º 2 e 3, 201º, 204º e 212.º, n.º 4 do Código de Processo Penal.
20.–Face ao exposto, entendemos ser de confirmar na totalidade o douto despacho, ora recorrido, mantendo a medida de coacção prisão preventiva aplicada ao arguido e, assim, negando provimento ao recurso.

•– Arguido DD:

1.–Por acórdão, não transitado em julgado, o arguido DD foi condenado na pena única de 16 anos de prisão, pela prática como co-autor material de um crime de homicídio consumado, de um crime de homicídio tentado e de um crime de detenção de arma proibida, estando em causa, como é possível ler no despacho recorrido: ”(…) crimes que se inscrevem num registo de delinquência juvenil de lutas entre gangues, em que estes recorrem, sem pejo, a actos extremos de violência.”.
2.–O arguido foi interrogado em sede de 1.º interrogatório de arguido detido e sujeito à medida de coacção de prisão preventiva em 16-07-2022 (ref.ª 1535539646) e tal como é possível ler-se no despacho que fundamentou a aplicação dessa medida de coacção e no que respeita ao perigo de fuga, pode ler-se: “ (…) No que concerne à exigência cautelar de fuga ou perigo de fuga verifica-se sempre que existam factos ou circunstâncias, que não sejam simplesmente conjecturais, donde resulte que em face da personalidade do arguido e circunstância dos factos seja formulado um juízo de prognose que aponta como forte a probabilidade de o arguido de eximir à acção da justiça.
Trata-se de uma conduta que tem de ser expectável com certa intensidade e tal perigo existe quando se verifica a demonstração lógica e racional, segundo as máximas da experiência no caso concreto, tendo por base elementos objectivos onde se possa inferir que o arguido em liberdade se poria em fuga.
Em relação ao juízo normativo em causa cfr. Ac. Relação do Porto de 29-10-2008 relatado pelo Exmº Juiz desembargador, Dr. Joaquim Gomes, in www.dgsi.pt – e que cita Luigi Tramontano, « Il Códice di Procedura Penal – Spegiato (2006) p. 533 em comentário ao art.º 274º do Código de Processo . Note-se que o perigo de fuga não decorre apenas da gravidade do crime, antes tal juízo normativo deve ter em conta a gravidade das sanções criminais previsíveis para o crime mas ainda «outros factores relacionados com o carácter do arguido, a sua casa, a sua ocupação, as suas posses, os seus laços familiares e os laços que tem com o país onde é investigado» (cfr. Paulo de Albuquerque, ob. Cit.p. 555). Ou, como doutamente se exara no Acórdão da Relação de Évora de 06-06-2006 reltado pelo Exmº Juiz desembargador Dr. Martins Simão acessível in www.dgsi.pt: «A existência de perigo de fuga deve ser apreciada em concreto. Esta exigência legal resulta satisfeita sempre que face á contextualidade da situação do caso submetido à apreciação do tribunal seja legítimo concluir, mediante a formulação de um juízo de experiência, que ocorre o risco de fuga, ou, pelo menos, que se verifique uma forte probabilidade de aquele acontecer», o que sucede no caso em apreço (veja-se a sua ida para a ... pouco tempo após a prática dos factos em apreço e que em tal país o arguido tem ligações familiares e amorosas, como o próprio referiu em sede primeiro interrogatório judicial) (…). “, não obstante de, posteriormente, a medida de coacção de prisão preventiva ter sido substituída pela medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, sujeita a vigilância electrónica, por requerimento do Ilustre defensor.
3.–Sucede, porém, que os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, que regem a aplicação de medidas de coacção, impõem a adaptação dessas medidas à evolução das exigências cautelares, por persistir um grave perigo de continuação da actividade criminosa, bem como a existência de perigo de fuga.
4.–Ao contrário do que o arguido alega, não foi violado o disposto no artigo 61.º n.º 1, alínea b) do CPP e nem o princípio do contraditório, ao não ser concedido prazo ao arguido e ao seu Ilustre mandatário para exercerem o contraditório quanto à agravação da medida de coacção, desde logo porque não era obrigatória a sua audição prévia.
5.–Na realidade, estabelece o artigo 213.º do CPP, com a epígrafe “ Reexame dos pressupostos da prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação “, no seu n.º 1, o seguinte: “ O juiz procede oficiosamente ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva ou da obrigação de permanência na habitação, decidindo se elas são de manter ou devem ser substituídas ou revogadas: (...) b) Quando no processo forem proferidos despacho de acusação ou de pronúncia ou decisão que conheça a final, do objecto do processo e não determine a extinção da medida aplicada. Por sua vez, o n.º 2 da referida disposição legal dispõe que: “Sempre que necessário, o Juiz ouve o Ministério Público e o arguido.”.
6.–Ora, resulta da referida disposição legal que o juiz procede oficiosamente ao reexame destas medidas de coacção, com o objectivo de avaliar da subsistência dos pressupostos da medida, decidindo fundamentadamente se ela é de manter, ser substituída ou revogada e a audição prévia do Ministério Público e do arguido só ocorre quando necessária.
7.–Todavia, caso assim não se entenda, a referida omissão apenas constitui urna irregularidade processual, nos termos conjugados dos artigos 118, n.º 1 e n.º 2, 119, 120 e 123, todos do Código de Processo Penal.
8.–Irregularidade processual essa que teria de ser invocada pelo arguido nos três dias seguintes após o conhecimento da sua prática, o que não sucedeu (art. 123, n.º 1 do C.P.P).
9.–Nessa medida, encontra-se precludido o prazo legal para o exercício de tal direito e em consequência a aludida irregularidade sanada (art. 123, n.º 1 do C.P.P.).
10.–Quanto ao perigo de fuga (artigo 204.º, alínea a) do CPP), constata-se que o arguido tem familiares residentes no estrangeiro, sendo também notório que o mesmo conta com o apoio da sua família, continuando a existir o perigo de se eximir à acção da justiça.
11.–Ao contrário do que alega no seu recurso, existe assim manifesto perigo de fuga uma vez que em liberdade, abandonará o país não tendo medida de coacção que o impeça em face da gravidade dos crimes em causa nestes autos e da presença de familiares a residirem no estrangeiro e o efectivo apoio desses familiares.
12.–No que respeita ao perigo de continuação da actividade criminosa (art.204 alínea c), do CPP) – está identificado e continua a existir, atenta a personalidade do arguido e porque foram constatados incidentes e relatadas pelas equipas da DGRSP, dificuldades do arguido no cumprimento zeloso da medida de coacção em causa de OPHC/VE.
13.–Do anteriormente exposto, resulta claramente que este perigo subsiste se ao arguido fosse aplicada qualquer outra medida de coacção – nomeadamente se mantida a anteriormente aplicada, a medida de OPHC/VE.
14.–Nesta medida, consideramos que se mostra cabalmente fundamentada a verificação das circunstâncias descritas nas alíneas a) e c) do art.º 204º do Código de Processo Penal.
15.–No caso concreto, e em face das mencionadas necessidades de equilíbrio, em face dos mencionados perigos, encontram-se reunidos os pressupostos de aplicação de medida de coacção de prisão preventiva pois apenas tal medida poderá garantir os interesses comunitários, sendo que a mesma se mostra adequada em face das sanções que foram aplicadas ao arguido, ainda que não tenha transitado em julgado a decisão que as aplicou (art.193º do CPP).
16.–Na verdade, a aplicação de qualquer outra medida não garante e frustra mesmo os interesses comunitários de aplicação da justiça atrás mencionados em face do elevado perigo de fuga do arguido e o grave perigo de continuação da actividade criminosa, não salvaguardando também as necessidades cautelares que ao caso se impõem outra que não seja a medida de coacção de prisão preventiva.
17.–Desta forma e de acordo com as disposições conjugadas dos art. (s) 193 nº 1, nº 2, nº 3, 202 nº 1 alíneas a) e b) e c) e 204 alíneas a) e c) todos do CPP, entende-se como adequada manutenção da medida de coacção de prisão preventiva.
18.–Por se verificarem todos os pressupostos da aplicação da prisão preventiva, o despacho impugnado não violou qualquer disposição constitucional ou legal, nomeadamente o previsto nos artigos 18.º, 27.º, 28º, 32.º e 205.º da Constituição da República Portuguesa e arts. 61.º, n.º 1, alínea b), 97.º n.º 5, 191.º, 192.º193º, n.º 2 e 3, 201º, 204º, do Código de Processo Penal.
19.– Face ao exposto, entendemos ser de confirmar na totalidade o douto despacho, ora recorrido, mantendo a medida de coacção prisão preventiva aplicada ao arguido e, assim, negando provimento ao recurso.

4.Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da manutenção do decidido, acompanhando os fundamentos de facto e de Direito contidos quer na resposta do Ministério Público quer no despacho recorrido.

Consequentemente, pugna pela improcedência dos recursos.

5.Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta.

6.Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II–Fundamentação

1.–Objeto do recurso

De acordo com o estatuído no art. 412.º do CPP e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem deve apreciar, sem prejuízo das que sejam conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no art. 410.º n.º 2 CPP.

Por conseguinte, conforme as conclusões das respetivas motivações, as questões a decidir são as seguintes:
Da nulidade do despacho recorrido por violação do princípio do contraditório;
Da efetiva alteração das circunstâncias que justificaram a substituição da medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica (OPHVE) pela de prisão preventiva.

2.–Do despacho recorrido (transcrição):
Os arguidos ora condenados em penas de prisão efetiva por crimes de extrema gravidade, atingindo os bens jurídicos que maior tutela merecem por parte do nosso sistema jurídico, estão submetidos à medida de coação de obrigação de permanência na habitação sob vigilância eletrónica.
Estão em causa crimes que se inscrevem num registo de delinquência juvenil de lutas entre gangues, em que estes recorrem, sem pejo, a atos extremos de violência.
Esse enquadramento deixa perceber um grave perigo de continuação da atividade criminosa, que está identificado e que serviu, de resto, de fundamento à medida de coação em causa.
Verificamos, contudo, que a mesma, chegados a este momento, em que os arguidos são conhecedores da sua condenação e das penas, já não serve adequadamente os fins de natureza cautelar a que se destinam.
Conforme resulta dos autos, já na pendência do processo, os próprios arguidos carrearam para os autos informação de que têm sido alvo de ameaça por parte de membros do grupo rival.
Há notícia de participação de alguns deles em atos de violência, no decurso do julgamento, contra elementos desse grupo – veja-se o expediente junto aos autos relativo ao NUIPC 7369/23.7T9LSB, em que é feita participação de atos de violência em que terão estado envolvidos os arguidos BB, CC, EE e AA) e têm-se verificado incidentes, relatados pelas Equipas da DGRSP nos autos, que revelam dificuldade dos arguidos no cumprimento zeloso da medida de coação em causa.
Acresce que quase todos os arguidos têm familiares residentes no estrangeiro, sendo que dois deles foram detidos em cumprimento de mandados de detenção europeu para serem submetidos a julgamento no âmbito dos presentes autos e é notório que contaram com o apoio das respetivas famílias.
O tribunal não desconhece a jurisprudência dos tribunais superiores relativa ao agravamento do estatuto coativo dos arguidos no momento da a leitura do acórdão.
Mas está em crer que as circunstâncias específicas do caso assim o impõem, importando travar a escalada de violência e impedir que a fuga dos arguidos obste à realização da justiça.
Assim, decide Tribunal, ao abrigo do disposto nos arts. 193º, 202º, nº 1, als. b) e e) e 203º e 204º, nº1, als . a) e c) e 212º, nº 2, todos do CPP, submeter os arguidos AA, FF, BB, CC, GG e DD à medida de coação de prisão preventiva.
Emita de imediato mandados de detenção dos arguidos com vista á sua condução ao estabelecimento prisional.
No que concerne ao arguido HH, declaram-se cessadas todas s medidas de coação ao mesmo aplicadas, com exceção do TIR.
***

3.–Apreciando

Os quatro recursos em apreciação foram interpostos da decisão de 5 de dezembro de 2023, integrante do acórdão condenatório proferido nessa mesma data, que procedeu à alteração da medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica (OPHVE) para a de prisão preventiva.

Foi, pois, proferida de acordo com o disposto no art. 213.º, n.º 1, al. b) do CPP, ou seja, a propósito da decisão que conheceu, a final, do objeto do processo, correspondendo ao reexame dos pressupostos da obrigação de permanência na habitação a que cada um dos arguidos se mostrava sujeito.

Não obstante, pretendem os arguidos que tal decisão se mostra ferida de nulidade por violação do contraditório.

Ora, antes de mais, cumpre ter presente que, ao contrário daquilo que defendem os recorrentes, aquilo que está em causa é a aplicação do n.º 3 do art. 213.º do CPP e não do n.º 4 do art. 212.º do mesmo diploma legal.

Porém, e mesmo que nos encontrássemos neste último domínio, nunca estaríamos perante uma nulidade prevista no art. 120.º, n.º 1, al. d), mas antes perante uma irregularidade processual prevista no art. 123.º, por apenas se tratar de uma omissão de um direito de pronúncia e não de um ato a que obrigatoriamente devessem estar presentes - neste sentido, leia-se o comentário de Maria do Carmo Silva Dias ao art. 212.º do CPP no Comentário Judiciário do CPP, Tomo III, 2.ª Edição, pág. 461, nota §36.

In casu, e por observância do disposto no n.º 3 do art. 213.º do CPP, não sendo a audição do arguido (e do Ministério Público) obrigatória a sua omissão não constitui qualquer vício, estando-se, no limite, perante uma irregularidade que ficou sanada por não ter sido arguida em tempo (art. 123.º, n.º 1).

De qualquer forma, sempre se dirá que o recurso para o tribunal superior não é o meio próprio para arguir irregularidades ou sequer nulidades que não tenham sido previamente suscitadas, devendo antes o recurso ser interposto do despacho que conhecer de nulidades ou de irregularidades previamente arguidas perante a 1ª instância.

Nesse pressuposto, e concluindo pela não verificação de qualquer nulidade digna de apreciação, nenhuma razão assiste aos recorrentes.

Outrossim, é verdadeiro que qualquer um dos quatro arguidos foi interrogado em sede de 1º interrogatório de arguido detido e sujeito à medida de coação de prisão preventiva, sendo o arguido AA em 19-08-2022, os arguidos BB e CC em 09-06-2022, e o arguido DD em 16-07-2022, o que se sustentou, para além do mais, na verificação dos perigos de fuga e de continuação da atividade criminosa (art. 204.º, als. a) e c) do CPP).

Posteriormente, viram os arguidos a medida de coação de prisão preventiva substituída pela medida de coação de obrigação de permanência na habitação sujeita a vigilância eletrónica.

A última revisão ordinária das medidas de coação aplicadas aos arguidos, nos termos previstos no art. 213.º do CPP, foi realizada no dia 25-09-2023, com a sua integral manutenção, mostrando-se os mesmos, entretanto, condenados em penas de prisão efetivas, por decisão ainda não transitada em julgado e atualmente em recurso.

O artigo 193.º, n.º 3, do CPP, no quadro do princípio da necessidade e da subsidiariedade da prisão preventiva, estabelece a preferência da obrigação de permanência na habitação em relação à prisão preventiva. Nessa medida, esta última só pode ser imposta se, nomeadamente, a obrigação de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, não puder assegurar as correspondentes finalidades estritamente cautelares.

Para além do mais, encontram-se as medidas de coação sujeitas à condição “rebus sic stantibus”, o que significa que as mesmas apenas devem ser alteradas quando se tenha verificado uma alteração das circunstâncias que tenham dado origem à sua decretação.

Todavia, resulta da análise do despacho recorrido a invocação de um quadro de exceção, fundamentado na seguinte circunstância:
“Há notícia de participação de alguns deles em atos de violência, no decurso do julgamento, contra elementos desse grupo – veja-se o expediente junto aos autos relativo ao NUIPC 7369/23.7T9LSB, em que é feita participação de atos de violência em que terão estado envolvidos os arguidos BB, CC, EE e AA) e têm-se verificado incidentes, relatados pelas Equipas da DGRSP nos autos, que revelam dificuldade dos arguidos no cumprimento zeloso da medida de coação em causa.”

Tais atos, que apenas são afirmados quanto aos recorrentes AA, BB e CC, terão ocorrido após a revisão dos pressupostos da obrigação de permanência na habitação de 25-09-2023, concretamente, no dia 7 de novembro de 2023, cerca das 18.30hs/19.00hs (cf. informação eletrónica 14488787, datada de 21.11.2023), mostrando-se ainda em investigação.

A data em questão coincidiu com a 6ª sessão de julgamento que teve lugar nos presentes autos, na qual estes três arguidos (e outros) estiveram presentes, e cujo termo ocorreu pelas 17.18.55.
Desse modo, aquela notícia é de facto compatível com a informação prestada pela DGRSP no dia 21 novembro de 2023, concretamente, que nessa mesma data o sistema de monitorização eletrónica registou os regressos dos arguidos à habitação apenas nos seguintes horários:
- BB - 18:45h
- CC - 18:44h
- AA - 19:29h.
Ou seja, aquilo que efetivamente “influenciou” o despacho recorrido não foi o conteúdo do acórdão e quantum das penas nele impostas, mas antes a evidência de que o recurso a outros meios de coação deixaram de ser suficientes para evitar, pelo menos, o perigo de continuação da atividade criminosa inicialmente registado quanto aos arguidos.

Tanto resulta ex novo, mas apenas quanto aos arguidos AA, BB e CC, sendo de molde a considerar que de facto as necessidades cautelares deixaram de ser as mesmas e assim justificaram o agravamento contestado, não identificando nós nesse raciocínio a violação de quaisquer princípios de necessidade, adequação e proporcionalidade ou do estatuído na Lei Fundamental.

Não obstante nenhum quadro de exceção se mostra verificado quanto ao arguido DD, o que resulta, desde logo, daquilo que quanto ao mesmo consta apurado em termos de condições pessoais, ou seja, o recorrente nunca foi alvo de algum relatório da DGRSP que colocasse em causa o cumprimento das suas obrigações e todas as suas saídas foram devidamente autorizadas e justificadas, não surgindo sequer referido no NUIPC 7369/23.7T9LSB.

Desta feita, e quanto a este arguido, subsistem inalterados os pressupostos de facto e de direito que determinaram a aplicação da medida de coação de obrigação de permanência na habitação.

Por conseguinte, e quanto a ele, desconhecendo-se qualquer outro desenvolvimento e sendo ponto assente que às medidas de coação correspondem finalidades estritamente cautelares e não de satisfação de exigências de prevenção, geral e especial, que correspondem às penas, importa repor o despacho “reformado”.

Destarte, e sem prejuízo da falência dos recursos interpostos nos autos pelos arguidos AA, BB e CC, aguardará o arguido DD os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coação de obrigação de permanência na habitação mediante vigilância eletrónica, cumulada com o termo de identidade e residência, desde que seja prestado o seu consentimento, bem como das restantes pessoas que o devam prestar e que se mostrem satisfeitas as condições técnicas necessárias à instalação dos meios de vigilância e controlo eletrónico correspondentes (artigos 191.º, 193.º, 201.º, todos do CPP e Lei n.º 33/2010, de 2 de setembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 94/2017, de 23/08).

Na falta de condições técnicas ou de algum dos consentimentos necessários e enquanto não for exequível a medida de obrigação e permanência na habitação mediante vigilância eletrónica, o arguido aguardará os ulteriores termos do processo em prisão preventiva.

No tribunal de primeira instância será dado cumprimento ao disposto nos artigos 4.º, n.ºs 3 a 5 e 7.º, n.º 2, todos da Lei n.º 33/2010, de 2 de setembro na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 94/2017, de 23/08.

III–Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em:
1.–Julgar totalmente improcedentes os recursos interpostos pelos arguidos AA, BB e CC.
2.–Julgar procedente o recurso interposto pelo arguido DD, revogando quanto ao mesmo a decisão recorrida e, em consequência:
a.-Determinam que o arguido/recorrente aguarde os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coação de obrigação de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, no caso de se verificarem as respetivas condições técnicas, a estabelecer e a realizar na primeira instância.
b.-Mais decidem que na falta de condições técnicas ou de algum dos consentimentos necessários e enquanto não for exequível a medida de obrigação e permanência na habitação mediante vigilância eletrónica, o arguido continuará a aguardar os ulteriores termos do processo na situação de prisão preventiva em que se encontra.
Custas pelos arguidos AA, BB e CC, fixando-se a taxa de justiça individual em 3 UC´s.
Sem custas pelo recorrente DD – artigo 513.º, n. º 1, do CPP.

Notifique e comunique de imediato pela via mais expedita ao tribunal de primeira instância com vista a ser dado cumprimento, quanto ao arguido DD, ao disposto nos artigos 4.º n.ºs 3 a 5 e 7.º n.º 2, todos da Lei n.º 33/2010, de 2 de setembro.
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Lisboa, 4 de junho de 2024


(texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal)



Ester Pacheco dos Santos
Paulo Barreto
João Ferreira