Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
260/09.1TBCSC-A.L1-7
Relator: ROQUE NOGUEIRA
Descritores: PROCESSO JUDICIAL DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO DE MENOR EM PERIGO
MEDIDA DE APOIO JUNTO DA MÃE
REVISÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/03/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDÊNCIA
Sumário: I - O processo judicial de promoção e protecção é de jurisdição voluntária (art.100º, da Lei nº147/99, de 1/9, que aprovou a Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo), pelo que não há, propriamente, um conflito de interesses a compor, mas um só interesse a regular, muito embora possa haver um conflito de representações ou opiniões acerca do mesmo interesse.
II - Os princípios a que obedece a intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo, encontram-se previstos no art.4º, destacando-se, em primeiro lugar, o interesse superior da criança e do jovem (cfr. a al.a)).
III - Depois, entre outros, haverá que ter em consideração, por um lado, o princípio da proporcionalidade e actualidade, nos termos do qual a intervenção deve ser a necessária e adequada à situação concreta de perigo no momento em que a decisão é tomada, só podendo interferir na vida da criança ou do jovem e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade (cfr. a al.e)).
IV - E, por outro lado, os princípios da responsabilidade parental e da prevalência da família, segundo os quais a intervenção deve ser efectuada de modo que os pais assumam os seus deveres, devendo ser dada prevalência às medidas que integrem a criança ou o jovem na sua família (cfr. as als.f) e g)).
V - As medidas de promoção e protecção ou são executadas no meio natural de vida, como acontece, por exemplo, com a de apoio junto dos pais, ou em regime de colocação, como acontece, designadamente, com a de acolhimento em instituição (cfr. o art.35º, nºs1, als.a) e f), 2 e 3).
VI - Tendo a decisão recorrida mantido em execução a medida de apoio junto da mãe até ao final de 2013, e, sobretudo, tendo-a subordinado a várias obrigações, haverá que aguardar o fim daquele prazo, dada a sua proximidade, para que, face aos novos elementos entretanto apurados, e em sede de revisão da medida aplicada, se possa optar pela intervenção que se mostre mais adequada à situação em que o menor se encontre nesse momento.
VII - Caso contrário, substituindo-se, aqui e agora, a medida aplicada pela pretendida medida de acolhimento institucional, violar-se-ia o princípio da actualidade, legalmente consagrado.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1 – Relatório.
No Tribunal de Família e Menores e de Comarca de C..., o Magistrado do Ministério Público junto daquele Tribunal instaurou processo de promoção de protecção a favor dos menores PR e DR, nascidos, respectivamente, em .../05 e .../07.
Por decisão proferida em .../09, foi homologada a medida de apoio junto da progenitora, obtida mediante consenso (cfr.fls.47).
Tal medida foi mantida por decisão proferida em .../09, embora com aditamento de várias cláusulas (cfr.fls.50).
No âmbito da revisão daquela medida, foi determinado, em 25/6/10, a título provisório, o acolhimento institucional dos menores, que foram acolhidos, em .../10, no Centro de Acolhimento Temporário (CAT) «C.P» (cfr.fls.53 e 65).
Esta medida foi mantida por decisões proferidas em .../10, .../11 e .../12 (cfr.fls.57, 59 e 144).
Por decisão proferida em ... de 2012, em sede de revisão da medida, foi aplicada a favor do menor PR a medida de apoio junto da mãe pelo período de 6 meses e com apoio económico (cfr.fls.151).
Por decisão proferida em ... de 2013, em sede de revisão da medida, foi determinado o seguinte:
«Porque se mantêm os pressupostos que determinaram a intervenção deste Tribunal a nível de Promoção e Protecção mantenho em execução a medida de apoio junto da mãe até ao final de 2013, com efeitos a partir de .../2013, subordinada às seguintes obrigações:
- o menor PR frequentará uma colónia de ferias, ou ATL no verão, de preferência no mês de Agosto, e de preferência na Fundação "S" de modo a permitir ao jovem contactar com outras crianças, divertir-se e ganhar novos horizontes;
- o menor PR continuará a beneficiar de apoio psicológico devendo começar a trabalhar-se o trauma subjacente a toda a problemática que deu lugar à abertura deste processo, ou seja, a tentativa de homicídio de C e suicídio do pai do D;
- a mãe submeter-se-á a acompanhamento psicológico com vista a trabalhar também o trauma de que fora vitima, e, em especial, recuperar a sua auto-confiança, aprender a andar sozinha na rua e nos transportes públicos, assim perdendo esses medos que neste momento a limitam;
- o agregado do menor será acompanhado pelo MDV que, apesar de não ter competência territorial na área de C..., assegurará esse acompanhamento a nível excepcional, dada a falta de congénere, sendo que o MDV deverá fazer uma avaliação da situação, identificar os problemas (é falta de capacidade da mãe, ou é a falta de condições para que a mãe possa desenvolver as suas capacidades?) e tentar corrigir essas deficiências com vista a dar autonomia à mãe do PR;
- a mãe, seu companheiro S e a Senhora que os albergou devem colaborar com as orientações da ECJ e das outras instituições, em especial, o MDV no sentido de tornar exequível a manutenção da medida.
Com vista a concretizar as obrigações a que a medida ora ficou sujeita, tomando-as exequíveis - e porque não se pode exigir aos pais aquilo que as estruturas societárias por sua vez não fornecem - determino o seguinte:
a) se oficie com nota de muito urgente e com cópia deste despacho à Fundação "S" a fim de integrar o menor PR num campo ou colónia de férias, no mês de Agosto, e a quem se pede os melhores ofícios nesta diligência a qual é fundamental para se poder executar esta medida de promoção e protecção;
b) se oficie de igual modo, com nota de muito urgente e com cópia deste despacho ao "MDV" - a quem também se pede os melhores ofícios, e a título excepcional, a sua intervenção junto do agregado do PR, nomeadamente sua mãe, em termos, diários, se possível, ou pelo menos, bi- semanalmente;
c) se comunique à ECJ a qual servirá de intermediária entre a Fundação "S" e o "MDV", devendo coordenar com estas nobres instituições as respectivas actuações de modo a permitir não só a sua rápida implementação, como, em pareceria com as mesmas, submeter um relatório a final, devendo ainda a ECJ providenciar pelo acompanhamento psicológico da mãe do menor, de preferência com um/a técnico/a que seja da confiança da mesma a iniciar o mais rapidamente possível;
d) se oficie com nota de muito urgente à Câmara Municipal de C... -Departamento de Habitação a quem se solicita os melhores ofícios no sentido de rapidamente providenciar por uma habitação camarária para o PR, mãe e companheiro de modo a garantir-lhes autonomia e um espaço próprio com dignidade, informando-se a respectiva Câmara de que a situação do menor é crítica, que poderá estar em causa o seu acolhimento institucional, e que é absolutamente fundamental para que a medida de promoção e protecção junto da mãe, ora aplicada, tenha eficácia que o respectivo agregado se consiga autonomizar do lugar onde se encontra actualmente acolhido.
Próxima revisão: até .../2014.
Relatório: até finais de Dezembro, devendo ser entregue um relatório intercalar até finais de ... de 2013 a fim de se saber como correram as férias do menor na Fundação "S".
Notifique a mãe e a ECJ do teor integral deste despacho devendo ser enviado cópia do mesmo à Fundação "S" e ao MDV».
Inconformado, o M.ºP.º interpôs recurso daquela decisão.
Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Fundamentos.
2.1. O recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões:
1 - Vem o presente recurso interposto da decisão de fls 877 a 885, que, em sede de revisão de medida, manteve em execução a medida de apoio junto da progenitora, prevista na al. a) do n° l do art° 35 da LPP, aplicada ao menor PR.
2 - Entendeu a Mmª Juiz que:
"Não é por a mãe do PR não saber cozinhar ou organizar uma casa que a criança lhe deve ser retirada....."
3 - Entendemos que a Mmª Juiz ao cingir a situação do menor a uma questão de "culinária", ignora os factos que resultam das diversas diligências efectuadas e que permitem concluir que o menor se encontra em situação de perigo.
4 - Com efeito, o que resulta essencialmente de todas estas diligências é que a progenitora do menor e o seu companheiro não revelam capacidade para prestar ao menor os cuidados de que este necessita.
5 - A progenitora e seu companheiro desde ... de 2009 que não conseguem autonomizar-se, em termos de providenciar pelo arrendamento de uma habitação e desempenhar as tarefas diárias próprias de um agregado familiar.
6 - Por força dessa incapacidade de autonomização aceitam colocar-se na dependência de terceiros de cuja idoneidade previamente não se asseguram.
7 - Não conseguem transmitir ao menor PR regras referentes à forma de gerir o seu dia-a-dia.
8 - Não conseguem acompanhar o menor PR no seu percurso escolar.
9 - Perspectivam o menor como um cuidador da progenitora, não lhe dando espaço para agir como uma criança.
10 - E, a par desta incapacidade constata-se ainda que a progenitora rejeitou o acompanhamento clínico que lhe foi disponibilizado em ... de 2009 e rejeitou o acompanhamento psicológico que lhe foi disponibilizado em Dezembro de 2010.
11 - Culpabilizam o menor por toda esta situação, numa conduta que consideramos que constitui um verdadeiro mau trato psicológico.
12 - Assim, estamos claramente perante uma situação de perigo a exigir uma intervenção imediata do tribunal, à luz do que dispõe o art° 3° da LPP.
13 - Estamos perante uma situação de perigo a exigir uma intervenção imediata do tribunal, à luz do que dispõe a al. b)- do n° 3 do art° 62 da LPP, devendo o tribunal fazer cessar a medida de apoio junto da progenitora e, em sua substituição, aplicar agora a medida de acolhimento institucional, prevista na al. f)- do art° 35 da LPP, determinando a condução imediata do menor ao CAT '"C P" sita em C..., com vista à definição de um projecto de vida alternativo ao meio familiar.
14 - A superioridade dos interesses desta criança significa, precisamente que, quando o interesse da criança conflitua com os interesses da progenitora, a decisão deve ser tomada no sentido de consagrar o interesse da criança, mesmo que, em detrimento dos restantes.
15 - Neste contexto, é manifestamente ilegal a aplicação de qualquer outra medida de protecção, como a medida de apoio junto da progenitora, que o tribunal manteve, porque viola o disposto nos arts. 34 e 35 n° l al. a)-, e 62 n° 3 al. b)-, todos da LPP.
16 — Tal decisão deve, por isso, ser revogada e substituída por outra que, faça cessar, de imediato, a medida de apoio junto da progenitora e, em sua substituição, aplique agora a medida de acolhimento institucional, prevista na al.f) do art.35º da LPP, determinando a condução do menor ao CAT «C P» sita em C..., com vista à definição de um projecto de vida alternativo ao meio familiar.
2.2. A mãe do menor contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:
I. Muito bem andou o Tribunal a quo ao manter a execução da medida de apoio junto da progenitora do menor, visando o respeito pelos princípios constitucionais da criança, em especial o princípio da prevalência da família.
II. Clarificando que não são as limitações económicas ou físicas e psicológicas da mãe do menor que a tornam incapaz de cuidar do seu filho e que justificam a institucionalização do menor.
III. Até porque a institucionalização deve ser último recurso dando-se sempre prevalência à criança poder desenvolver-se numa família (artigo 67. ° CRP).
IV. Sendo que neste caso em concreto, a institucionalização não se pode justificar já que mantém-se efectivamente, as condições que já existiam quando o Tribunal em ... de 2012 reviu e aplicou a medida de apoio junto da progenitora.
V. Alega porém o Digníssimo Magistrado do MP que o menor está em sofrimento e que como tal corre perigo.
VI. Fá-lo contudo de forma vaga, imprecisa e não circunstanciada já que não concretiza qual é efectivamente a situação de perigo que o menor está a atravessar.
VII. Refere assim nas suas conclusões que a progenitora e seu marido não revelam capacidade para prestar ao menor os cuidados de que este necessita; que não conseguem desempenhar as tarefas diárias próprias de um agregado familiar; ou que não conseguem transmitir ao PR regras referentes à forma de gerir o seu dia-a-dia.
VIII. Ora nada disto é verdade.
IX. Pois não obstante as evidentes limitações de C, em virtude da tentativa de homicídio de que foi vítima, em concreto devido ao tiro que levou na cabeça, e que deixou muitas sequelas ao nível da sua saúde física e psicológica a mesma tem feito progressos evidentes física e psicologicamente.
X. Progressos referidos no relatório e também nas alegações do Magistrado do MP, vide fls. 903: "Tendo-se constatado uma melhoria das condições da progenitora, sobretudo no plano físico, entendeu-se que, uma vez mais, se deveriam esgotar todos os meios que permitissem concretizar, para o PR, uma solução no meio familiar, mais concretamente junto da progenitora."
XI. Assim as limitações da mãe C foram sendo trabalhadas e já não são as mesmas de há um ano e cada vez serão menos e terão menor impacto no dia-a-dia da progenitora.
XII. Actualmente, a mãe de PR já usa óculos, que lhe permite relativamente a um dos olhos ter uma acuidade visual que até então nunca teve, o que a torna cada vez menos dependente de terceiros.
XIII. É assim a mãe de PR que faz a lide da casa em geral, cria rotinas e hábitos diários para o PR de forma a que este aprenda a gerir o seu dia-a-dia e é quem toma conta dele com o auxílio do S.
XIV. Alega ainda o MP que o casal não consegue autonomizar-se em termos de providenciar pelo arrendamento de uma habitação, contudo o casal tem conseguido claramente providenciar pelo arrendamento de uma habitação, pelo que estão actualmente a arrendar uma casa pequena, casa esta que tem as necessárias condições.
XV. Tentando ainda assim obter junto do ENGHA uma casa camarária.
XVI. Porém não é com certeza a situação sócio-económica, da família, por si só, que justifica a institucionalização de uma criança, sendo que sempre que não resultem especiais perigos para a criança ou jovem, é incumbência do Estado auxiliar as famílias na sua função.
XVII. Importa ainda destacar a actual estabilidade habitacional que a família tem vivido pelo que é irrelevante o percurso habitacional que o MP traça que nada pode influir na actual decisão já que tal já foi considerado em decisões anteriores.
XVIII. O MP também refere que a progenitora não consegue acompanhá-lo no seu percurso escolar, o que novamente se discorda já que PR é sempre auxiliado na realização dos trabalhos de casa pela Sra. MC, e pelo S, dada a incapacidade visual da mãe.
XIX. Também é falso como alega o MP que perspectivam o menor como um cuidador da progenitora não lhe dando espaço para agir como criança, já que este preocupa-se com a mãe mas leva a vida de uma criança normal e é FELIZ!
XX. Vem ainda o MP alegar que PR é culpabilizado por toda esta situação o que é disparatado.
XXI. O PR nunca foi culpabilizado por esta situação é sim bastante protegido pela mãe que é preocupada, atenciosa, carinhosa e atenta ao seu desenvolvimento.
XXII. Igualmente o S, marido da progenitora, sempre cuidou, do menor como se fosse seu, apoiando a sua companheira incondicionalmente.
XXIII. Pelo que acolhe-se na íntegra o entendimento da Mm.ª juiz, que refere que a ajuda a esta criança deve passar pelo apoio psicológico de forma a tratar as lesões psicológicas com que ficou em virtude da situação traumática que vivenciou e não pela institucionalização!
XXIV. Referiu ainda o MP que também a pedopsiquiatria entendia que PR estava numa situação de perigo, no entanto a mesma na audiência que teve lugar a .../2013, quando questionada pela mandatária da progenitora, se entendia que o melhor para o menor seria a institucionalização, a mesma refere clara e expressamente que uma nova institucionalização neste momento seria mais prejudicial para o menor PR do que a manutenção da situação que o mesmo actualmente enfrenta.
XXV. De facto uma nova institucionalização do menor só provocaria angústia, instabilidade e revolta ao menor por estar a ser afastado do seu lar e da sua mãe.
XXVI. Face ao exposto, é excessivo e sobejamente subjectivo, "afirmar que o menor PR se encontra em sofrimento", já que não existem nos autos provas ou factos de que o menor PR Rodrigues tenha alguma vez estado em situação de perigo.
XXVII. Pelo que ilegal será aplicar a medida de acolhimento institucional.
XXVIII. A medida de confiança a instituição com vista a futura adopção implica a verificação dos requisitos previstos no artigo 1978° do Código Civil (cf. artigo 38°-A da LPCJP).
XXIX. Só em casos excepcionais, devidamente justificados pelo superior interesse da criança, esta pode ser retirada aos pais biológicos.
XXX. Refira-se ainda a inconstitucionalidade da medida que o MP pretende já que viola claramente os princípios da «intervenção mínima», «proporcionalidade», «responsabilidade parental» e «prevalência da família».
XXXI. Não se pode optar pela medida de «institucionalização» se outra, for susceptível de ser aplicada no meio natural de vida dos menores.
XXXII. E porque existe efectivamente a possibilidade de aplicar uma medida susceptível de ser aplicada no meio natural de vida do menor que é a que está actualmente a ser aplicada a medida que o MP propõe é desproporcional e inconstitucional.
2.3. A única questão que importa apreciar no presente recurso consiste em saber se a decisão de revisão recorrida, que manteve em execução a medida de apoio junto da mãe, deve ser revogada e substituída por outra que aplique a medida de acolhimento em instituição.
Dir-se-á, antes do mais, que o processo judicial de promoção e protecção é de jurisdição voluntária (art.100º, da Lei nº147/99, de 1/9, que aprovou a Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo – serão desta Lei as demais disposições citadas sem menção de origem).
O que significa que não há, propriamente, um conflito de interesses a compor, mas um só interesse a regular, muito embora possa haver um conflito de representações ou opiniões acerca do mesmo interesse. Sendo que, por força do art.1410º, do C.P.C., nas providências a tomar o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna. O que vale por dizer que o julgador deve olhar para o caso concreto e procurar descobrir a solução que melhor serve o interesse em causa.
A citada LPCJP tem por objecto a promoção dos direitos e a protecção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral (art.1º).
Os princípios a que obedece a intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo, encontram-se previstos no art.4º. Destes destaca-se, em primeiro lugar, o interesse superior da criança e do jovem (cfr. a al.a)). Depois, entre outros, haverá que ter em consideração, por um lado, o princípio da proporcionalidade e actualidade, nos termos do qual a intervenção deve ser a necessária e adequada à situação concreta de perigo no momento em que a decisão é tomada, só podendo interferir na vida da criança ou do jovem e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade (cfr. a al.e)). E, por outro lado, os princípios da responsabilidade parental e da prevalência da família, segundo os quais a intervenção deve ser efectuada de modo que os pais assumam os seus deveres, devendo ser dada prevalência às medidas que integrem a criança ou o jovem na sua família (cfr. as als.f) e g)).
As medidas de promoção e protecção ou são executadas no meio natural de vida, como acontece, por exemplo, com a de apoio junto dos pais, ou em regime de colocação, como acontece, designadamente, com a de acolhimento em instituição (cfr. o art.35º, nºs1, als.a) e f), 2 e 3).
E podem ser decididas a título provisório, nomeadamente enquanto se procede ao diagnóstico da situação da criança e à definição do seu encaminhamento subsequente, mas não podendo a sua duração prolongar-se por mais de 6 meses (cfr. o art.37º).
A medida de apoio junto dos pais não poderá ter duração superior a um ano, embora possa ser prorrogada até 18 meses se o interesse da criança ou do jovem o aconselhar (cfr.o art.60º).
A medida aplicada é obrigatoriamente revista decorridos períodos nunca superiores a seis meses, podendo tal revisão determinar, além do mais, a substituição da medida por outra mais adequada ou a continuação ou a prorrogação da execução da medida (cfr. o art.62º, nºs1, 3, als.b) e c) e 6).
No caso dos autos, já vimos que, em ... de 2012, foi aplicada a medida de apoio junto da mãe pelo período de 6 meses e com apoio económico, em substituição da medida de acolhimento em instituição.
Posteriormente, em ... de 2013, igualmente em sede de revisão da medida, foi mantida em execução a medida de apoio junto da mãe até ao final de 2013, subordinada às obrigações atrás referidas, para o que se ordenaram várias diligências, tendo em vista a concretização daquelas obrigações.
Ora, faltando ... dias para o final de 2013, não se vê que haja necessidade de se alterar o que foi decidido em ... de 2013, designadamente substituindo-se a medida de apoio junto da mãe pela medida de acolhimento em instituição. Tal só se justificaria se se estivesse perante uma situação de emergência, isto é, perante uma situação de perigo do menor, designadamente de maus tratos físicos ou psíquicos, que demandasse uma intervenção imediata e urgente. Mas não é esse, manifestamente, o caso.
Assim, o que resulta dos autos é que os problemas relativos ao bem-estar e desenvolvimento integral do menor advêm, sobretudo, da circunstância de a sua mãe sofrer de algumas limitações, físicas e psíquicas, resultantes de sequelas da tentativa de homicídio de que foi vítima por parte do pai do D, irmão uterino do PR, já que foi atingida com tiros na cabeça.
O menor PR assistiu a essa tentativa de homicídio, bem como ao suicídio cometido logo de seguida pelo pai do D. Daí que, quer o menor, quer a sua mãe, estejam a beneficiar de apoio psicológico, sendo que o menor tem denotado uma preocupação excessiva com a mãe e tem adoptado em relação a ela uma atitude demasiado protectora, comportamentos estes que têm sido considerados preocupantes, tendo em conta a idade do menor.
De todo o modo, a mãe do menor tem sido apoiada pelo seu companheiro S, que o menor trata como se fosse o seu pai, já falecido.
Claro que, além destes problemas, existem outros de natureza económica e também relacionados com a habitação, alguns dos quais, aliás, tidos em conta na decisão recorrida, ao subordinar a medida aplicada a várias obrigações, para cuja concretização se ordenaram determinadas diligências.
Em suma, estão implicados no caso problemas de vária ordem, quer relacionados com a saúde física e mental do menor e da sua mãe, quer respeitantes à capacidade económica do casal, quer, ainda, do foro educacional. Por isso que não se afigura de fácil solução a opção pela medida mais adequada à situação, embora os princípios orientadores da intervenção, previstos no citado art.4º, sejam um precioso auxiliar na escolha dessa medida.
O primeiro desses princípios é o do interesse superior do menor, ao qual se deverá atender prioritariamente. Só que, a questão reside mais em saber qual é, em concreto, a intervenção que mais satisfaz esse interesse, para o que não poderão deixar de ser tidos em consideração os demais princípios consagrados naquela disposição legal, designadamente o da proporcionalidade e actualidade, responsabilidade parental e prevalência da família.
A propósito destes princípios, refira-se que, recentemente, em 14/5/13, foi publicado o Despacho nº6306/2012 pelo Secretário de Estado da Solidariedade e da Segurança Social, no qual se determinava a criação de um Grupo de Trabalho para a Agenda Criança, «com a missão de avaliar os mecanismos operacionais, funcionais e legais que convergem na definição e defesa do superior interesse da criança».
Entretanto, em 11/6/13, foi publicado no D.R. a Resolução do Conselho de Ministros nº37/2013, na qual são enunciadas três conclusões produzidas por aquele Grupo de Trabalho, das quais se destaca a 3ª, do seguinte teor:
«- Em terceiro, e último lugar, a materialização dos direitos da criança e a sua protecção exigem uma abordagem desburocratizada, para uma concretização alargada dos seus objectivos, assumindo-se, em primeira linha, a família como a célula nuclear de protecção (sublinhado nosso) e, em alternativa, o estímulo da celeridade da articulação intersectorial, com vista à diminuição do acolhimento prolongado e à dinamização dos instrumentos de protecção alternativos».
Seja como for, consideramos que, tendo a decisão recorrida mantido em execução a medida de apoio junto da mãe até ao final de 2013, e, sobretudo, tendo-a subordinado às obrigações atrás referidas, haverá que aguardar o fim daquele prazo, dada a sua proximidade, para que, face aos novos elementos entretanto apurados, e em sede de revisão da medida aplicada, se possa optar pela intervenção que se mostre mais adequada à situação em que o menor se encontre nesse momento.
Caso contrário, substituindo-se, aqui e agora, a medida aplicada pela pretendida medida de acolhimento institucional, violar-se-ia o princípio da actualidade, legalmente consagrado.
Acresce que, de todo o modo, não se está perante uma situação que justifique a retirada imediata do menor do seu meio natural de vida. Na verdade, os autos não revelam que o mesmo se encontre em situação de perigo, por via de qualquer conduta que possa constituir mau trato psicológico. Inclusivamente, tendo este Tribunal procedido à audição da psicóloga, Dr.ª E, e da assistente social, Dr.ª SG, que prestaram declarações em .../13, nada apurou nesse sentido. Aliás, a referida psicóloga chegou a afirmar que, no seu entender, uma nova institucionalização, naquela altura, seria prejudicial para o menor.
Haverá, assim, que concluir que a decisão de revisão recorrida, que manteve em execução a medida de apoio junto da mãe, não deve ser revogada, nem substituída pela medida de acolhimento em instituição.
Improcedem, destarte, as conclusões da alegação do recorrente.
3 – Decisão.
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão apelada.
Sem custas.
(Roque Nogueira)
(Pimentel Marcos)
(Tomé Gomes)