Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | ANABELA CALAFATE | ||
| Descritores: | ANULAÇÃO DE CASAMENTO COACÇÃO MORAL VIOLÊNCIA DOMÉSTICA DIVÓRCIO HONORÁRIOS DE ADVOGADO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 02/06/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | I - As inúmeras insultuosas mensagens enviadas pelo apelante à apelada por si só demonstram a inveracidade do alegado ascendente desta e fragilidade emocional do apelante, que se apresentou como pessoa inexperiente e vítima de manipulação para sustentar o pedido de anulação do casamento por, na sua tese, ter sido celebrado sob coacção moral. II - Contraditoriamente com a versão da sua alegada fragilidade emocional e psíquica, o apelante diz que é empresário de grande sucesso, pelo que o valor da multa nada tem de desproporcionado face à sua conduta processual. III - O apelante instaurou a acção pedindo a anulação do casamento somente depois da condenação por crime de violência doméstica e poucos dias após o trânsito em julgado da sentença que decretou o divórcio na acção instaurada pela apelada, mostrando-se esta actuação bem demonstrativa da utilização dos meios processuais para retaliar contra o ex-cônjuge. IV - Não tem fundamento legal a pretensão de que os honorários do mandatário da apelada correspondam ao valor fixado no âmbito do patrocínio judiciário. V - É irrelevante não ter a apelada comprovado que já pagou os honorários ao seu mandatário, como decorre do disposto no nº 4 do art.º 543º do CPC. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I – Relatório Por não se conformar com a decisão singular proferida pela relatora em 19/11/2024, OC requereu que seja proferido acórdão. Esse requerimento apresenta argumentação extensa, que poderá ser consultada no citius e que não reproduzimos, atenta a sua prolixidade e por continuar a não ser utilizado formato word. * A parte contrária não se pronunciou sobre o requerimento. ** * OC instaurou acção declarativa comum em 23/11/2021 contra AEK, pedindo que seja anulado o casamento entre ambos. A ré contestou e pediu a condenação do autor por litigância de má fé. * Realizada a audiência final, foi proferida sentença em 17/11/2023 com este dispositivo: «IV – Decisão Face ao que precede e com os fundamentos expostos julgo a acção decide-se: a) Julgar improcedente a acção proposta pelo Autor OC contra a Ré AEK; e b) Julgar procedente o pedido de condenação do Autor como litigante de má fé. c) Custas pelo Autor.». * Mais consta na sentença, imediatamente antes do dispositivo: Não constando dos autos elementos que permitam fixar a multa e indemnização nos termos dos nº1 a 3 do art.º 543º do CPC notifique as partes para, no prazo de dez dias, se pronunciarem e juntarem os elementos que reputem convenientes para a decisão a proferir pelo Tribunal nesta sede.» * Em 08/11/2023 a ré apresentou requerimento nestes termos: «1.º- Quanto à multa, sendo a mesma fixada dentro dos limites estabelecidos pelo art.º 27º do RCP (entre 2 UC e 100 UC), requer-se a V.exa. que a mesma seja fixada sujeito ao seu douto e prudente arbítrio, ainda que no entendimento da Ré atento que o Autor ao intentar esta acção tenha actuado com dolo ou com negligência grave, bem sabendo da sua falta de fundamento para a sua pretensão deduzida em juízo, encontrando-se numa situação que se lhe impunha ter esse conhecimento, alegando uma realidade que se provou inexistir e cuja inexistência forçosamente conhecia, alterando de forma grave a verdade dos factos, fazendo uso do processo ilicitamente de forma desleal e grave mas totalmente consciente, entende a Ré, nessa conformidade, não dever a sua fixação ser inferior pelo menos a 20 (vinte) UC. 2.º- Quanto à indemnização, requer a Vexa que se digne limitar a fixação da mesma (i) ao valor dos honorários do seu mandatário constituído para a defender nestes autos (ii) e ainda, se dignar ordena que os mesmos sejam pagos directamente ao seu mandatário pelo Autor, porque por seu mandatário à presente data, ainda não se encontra embolsado dos mesmos. 3.º - Tal sucede, porque seu mandatário com a aceitação do patrocínio dias depois da citação da Ré ocorrida em 21 de dezembro de 2022, anuiu a tal pedido por parte da Ré, desde que sujeito à verificação da condição do julgamento da procedência do pedido deduzido e reclamado nos autos de condenação por litigância de má fé do Autor, caso obtivesse improcedência, a Ré obrigou-se a liquidar-lhe o valor dos honorários do seu mandatário incorridos pelos serviços prestados em sua defesa na presente acção. 4.º - Tendo ficado acordado entre ambos, qual seria o critério para a fixação dos mesmos, concretamente a aplicação do valor hora no montante de € 85.00 pela total das horas incorridas nos serviços de advocacia incorridos na defesa da Ré. 5.º - Atenta a notificação em cabeçalho identificada na sequência da procedência do pedido a esse título formulado contra o Autor, a Ré requereu ao seu mandatário que emitisse a respectiva nota de honorários pelos seus serviços prestados até à presente data, e que aqui vem juntar para os devidos e legais efeitos, conforme Doc. nº 1. 6.º- Resulta da mesma que o valor dos honorários devidos ao seu mandatário até à presente data atinge o montante de € 4.165.00 acrescido de IVA (23%), totalizando os mesmos o total de € 5.122,95. 7.º- Admite a Ré, atenta a estratégia subjacente à instauração da presente acção, que o Autor continue interessado em manter pendente a presente acção para assim adiar até onde lhe for possível o respectivo trânsito em julgado, assim tem sucedido em todas as acções judiciais em que ambos são ou foram partes, pois só assim conseguirá manter que a mesma represente a natureza de causa prejudicial em relação a ser dada pela Ré de imediato à execução, o acordo pré nupcial junto aos autos celebrado entre ambos, que acarreta a Ré ser ver obrigada a adiar e que o Autor muito bem sabe que o fará imediatamente após o respectivo trânsito. 8.º - Ora nessa situação, e nos presentes autos já consta o termo de entrega das gravações de todas as sessões de julgamento na sequência do pedido do Autor por requerimento referência 430875446, enviado aos autos após a notificação da sentença, em 29 de novembro de 2023, o que indicia que o Autor irá apelar da decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa, nessa situação, a verificar-se, irá originar mais serviços a prestar pelo mandatário da Ré, que se desconhece de momento obviamente qual o valor adicional do adicional de horas a incorrer na defesa da Ré, mas que igualmente deverá o Autor ser condenado a suportar em caso de manutenção do decidido na 1º instância quanto à condenação obtido do Autor como litigante de má fé. Termos em que e noutros que doutamente suprirá, se requer a Vexa que se digne fixar: A) O valor a título de multa que resulte do seu douto e prudente arbítrio, ainda que a Ré entenda que não deverá o mesmo ser fixado em valor inferior a 20 (vinte unidades) de conta; B) O valor a fixar a título de indemnização, limitado ao valor dos honorários do seu mandatário constituído para a sua defesa, ordenando que os mesmos sejam pagos directamente ao seu mandatário, no montante de € 4. 165,00 acrescido de IVA (23%), totalizando os mesmos o total de € 5.122.95, referentes ao incorridos até à data de ter sido lavrada a douta sentença e já na presente data liquidáveis (art.º 609 nº 2 do CPC); C) Dignando-se ainda quanto aos honorários decorrentes dos serviços a prestar pelo seu mandatário em caso de ser deduzida a apelação sob a decisão lavrada por parte do Autor, não existindo elementos por ora para os fixar, a relegar para execução de sentença após trânsito em julgado da mesma, a liquidação desse adicional desse valor que à presente data não são liquidáveis, condenando o Autor pelas custas desse incidente de liquidação relativo ao adicional de honorários devidos nessa situação ao mandatário da Ré, a ser impulsionado pela Ré (art.º 358º e seguintes e art.º 604 nº 2 ambos do CPC), se mantida a decisão de condenação do Autor como litigante de má fé pela 2ª instância.». * Em 11/12/2023 o autor apresentou requerimento – que aqui não reproduzimos por estar no citius em formato de imagem - no qual diz que não litigou de má fé e que a ser fixada multa, deverá ser de valor simbólico, e que não deve ser fixada indemnização. * Em 09/01/2024 o autor interpôs recurso da sentença, em que pugnou pela sua revogação e para que seja anulado o casamento. * A ré contra-alegou. * Em 08/03/2024 foi proferida a seguinte decisão: «Da aplicação de multa e indemnização em consequência da condenação do Autor como litigante de má fé Como resulta da sentença proferida nos autos, o Autor, para além de ter vista a sua pretensão naufragar, foi condenado como litigante de má fé. Importa ainda fixar o valor da multa e também da indemnização a favor da Ré. Foram ouvidas as partes a tal propósito. Cumpre apreciar e decidir. Os montantes da condenação do litigante de má fé têm que corresponder, por um lado, ao grau de culpa do litigante e à maior ou menor censurabilidade do comportamento que adoptou. No que diz respeito à indemnização a mesma deve corresponder ao reembolso das despesas a que a má fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários do mandatário, e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência directa ou indirecta da má fé (cfr. art.º 457º, nº 1, do Código de Processo Civil). Na avaliação e graduação da culpa tem de atender-se à diligência do bom pai de família, tendo em conta as concretas condições do caso. Ora, nos presentes autos, o comportamento do Autor é amplamente censurável quando comparado com a diligência exigível a bom pai de família, isto é, o homem comum que parâmetros de seriedade, lealdade e probidade processuais. Não pode olvidar-se que a má fé se traduz na violação do dever de probidade que o artigo 264º do CPC impõe às partes - dever de não formular pedidos injustos ou não articular factos contrários à verdade. No caso concreto o Autor alegou ter casado com a Ré por a mesma o lhe ter dito que se não o fizesse iria para a Polónia com os filhos comuns. Ora, tendo sido ouvido em declarações em audiência, o Autor disse coisa claramente diversa, sendo certo que tratando-se de factos pessoais a discrepância entre o que consta da petição inicial e o que relatou ao Tribunal não pode deixar de traduzir má fé acentuada. Como é sabido, o nº 3 do art.º 27º do RCP estabelece que a multa por litigância de má fé varia entre duas e cem Ucs. Ponderados os elementos acima indicados afigura-se equilibrada a aplicação de multa no valor 25 (de vinte e cinco) UCs, correspondendo a uma justa ponderação dos elementos colhidos nos autos. Por fim, como peticionado o Autor é ainda condenado a pagar à Ré o valor dos seus honorários, acrescidos de IVA. Tais honorários até à presente data têm o valor € 4.165.00 acrescido de IVA (23%), totalizando os mesmos € 5.122,95. A este montante acrescerá o dos honorários que venham a ser apresentados após a data de apresentação da nota de honorários, relegando-se, assim, para liquidação de sentença a determinação do seu concreto montante. Pede a Ré que os honorários ao seu Il. Advogado sejam pagos directamente a este. Todavia, não se vislumbra fundamento legal para tal. Assim sendo, indefere-se o requerido.» * O autor interpôs recurso dessa decisão em 17/03/2024. * Em 07/05/2024 foi proferido o seguinte despacho: «Referências 38099782 e 385 32828: Por legal e tempestivo, admito o recurso apresentado, o qual sobe nos próprios autos de imediato e com efeito suspensivo (arts. 644º, nº 1, al. a), 645º, nº 1, al. a) e 647º, nº 3, al. a), todos do CPC). * Referência 48319371: Por legal e tempestivo, admito o recurso apresentado, o qual sobe de imediato nos próprios autos e com efeito suspensivo (arts. 644º, nº 1, al. a), 645º, nº 1, al. a) e 647º, nº 3, al. a), todos do CPC). * Subam os autos ao Tribunal da Relação de Lisboa.». * Neste Tribunal da Relação foi proferido em 02/11/2024 o seguinte despacho pela Exma Desembargadora relatora em funções na 8ª Secção: «Como decorre no nosso anterior despacho, o recurso que importa agora instruir, porque deveria ter subido em separado, é o de apelação que foi interposto em 17/03/2024, tendo por objecto a decisão de 08/03/2024 que liquidou o valor da multa e da indemnização pela litigância de má fé, e que foi proferida posteriormente à prolação da sentença que conheceu do mérito da causa. Por isso, em vista do requerimento de 03/07/2024 (refª 49389133), impõe-se cingir as peças ali indicadas às que efectivamente respeitam e interessam ao recurso em separado. Se a sentença de 17/11/2023, que conheceu do mérito da causa, se reveste de relevo por ter sido a mesma que condenou o Recorrente como litigante de má fé, embora em valor a liquidar posteriormente e que veio a ser liquidado pela decisão de 08/03/2024 que é objecto do recurso em separado, já o mesmo não acontece no que concerne às alegações de recurso de 09/01/2024 uma vez que respeitam ao recurso nos próprios autos que incide sobre a sentença de 17/11/2023 que conheceu do mérito da causa, não havendo fundamento legal nem interesse prático para a junção das alegações relativas ao outro recurso. Por seu turno, a acta de 23//01/2023, respeitando à realização da audiência prévia, não apresenta qualquer conexão com a matéria sobre a qual versa o recurso em separado. Assim, instrua-se o recurso em separado com: - Petição inicial de 23/11/2021; - Resposta de 08/03/2022; - Gravação da sessão de julgamento de 15/06/2023 (por nela terem sido prestadas as declarações de parte do Recorrente, às quais o mesmo alude nas alegações do recurso que deve subir em separado); - Sentença de 17/11/2023, que condenou o Recorrente como litigante de má fé em montante a fixar posteriormente; - Requerimento de 11/12/2023 (refª 47380919 / refª citius 37854291); - Decisão recorrida de 08/03/2024, que procedeu à liquidação da condenação do Recorrente como litigante de má fé; - Alegações de recurso de 17/03/2024 (juntamente com o respectivo requerimento de interposição). Por fim, ainda com cópia do nosso despacho de 02/07/2024 e do presente despacho. * A regular tramitação desse recurso em separado importa a sua sujeição a distribuição, o que se determina. Após, conclua estes autos para o prosseguimento desta instância». * As partes conformaram-se com esse despacho, pois tendo sido notificadas, não requereram que sobre o mesmo recaísse acórdão. * Assim, cumprido que foi o despacho, foi o recurso em separado distribuído à ora relatora em 08/11/2024. * Neste recurso o autor terminou a alegação com estas conclusões: «I – Nunca o A. declarou que se quis casar com a R. por gostar dela. II – O que o A. disse em juízo é que gostava da R. III – Entre as declarações do A. e o pedido por este formulado não existe qualquer contradição grave, nem sequer essa eventual contradição revelaria má fé no intentar desta acção. IV – O A. depôs com toda a verdade toda a clareza. V – Todas as testemunhas corroboraram o que disse. VI – O A. não falsificou qualquer documento. VII – As eventuais contradições encontradas na douta sentença resultam apenas dos sentimentos que o A. transmitiu. VIII – As razões do casamento e os eventuais afectos que ao longo de toda a relação existiram, deixaram de existir e se modificaram, não são mentiras nem falsidades. IX – A douta sentença, na concreta quantificação do valor das sanções limitou-se a indicar que o Recorrente não agiu com a diligência que seria de esperar de um bom pai de família e não ponderou quaisquer dos elementos necessários à sua fixação. X – Ou seja, a douta sentença não verificou nem referiu a maior ou menor intensidade do dolo ou da negligência GRAVE DO Recorrente, a gravidade e as consequências da intenção malévola, o valor e a natureza da causa, a situação económico-financeira do Recorrente e a maior ou menor gravidade dos riscos corridos pelos interesses funcionais do Estado. XI – A decisão proferida pelo Tribunal a quo não teve em conta nenhuma circunstância do caso concreto nomeadamente quanto às partes, ao objecto do litígio, à finalidade do processo, etc. XII – A douta sentença não cuidou por se pronunciar quanto à posição exposta pelo Recorrente sobre a condenação, ignorando tudo o que o mesmo alegou. XIII – Mesmo que se considere que a decisão proferida se encontra devidamente fundamentada, a multa fixada é totalmente desproporcionada aos factos em causa, o valor da lide aos interesses sem causa. XIV – A aplicar qualquer multa, a mesma não pode ultrapassar o mínimo legal. XV - A nota de despesas apresentada nos autos foi impugnada e não foi sujeita a qualquer decisão sobre a sua razoabilidade. XVI – Tal nota não indica quantas horas durou cada diligência ou os trabalhos desenvolvidos. Limitando-se a indicar um valor genérico. XVII – A nota não se encontra liquidada, não possui destinatário e foi elaborada apenas para fundamentar este pedido, não estando demonstrado o seu pagamento ou apresentação à R. XVIII – A lei já prevê, através da condenação em custas de parte, a compensação dos honorários do mandatário. XX – Além disso, como já foi decidido por este Tribunal em 08/11/2022 no processo 7819/18,4T8LSB-D.L1-7, Inexistindo razões ponderosas em contrário a indemnização correspondente aos honorários da parte contrária deve ser fixada com recurso à Tabela de Honorários para a Protecção Jurídica, anexa à Portaria nº 1386/2004, de 10 de Novembro. XX – A douta sentença violou o disposto nos artigos 542º e 543º do CPC. Face ao exposto, deve a douta sentença ser revogada e substituída por outra que revogue a condenação do A. como litigante de má fé ou que fixe a indemnização por essa litigância numa multa do mínimo valor e nada atribua à R. a título de honorários de mandatário.». * Não há contra-alegação. * Colhidos os vistos, cumpre decidir. II – O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do apelante, sem prejuízo de questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, neste recurso apenas cabe conhecer desta questão: - se o valor da multa é desproporcionado e se não deve ser atribuída indemnização * III – Fundamentação A) Além do que já consta no relatório é de considerar: Para justificar a condenação do apelante como litigante de má fé, vem exposto na sentença recorrida: «Pretende a Ré que o Autor não tinha sequer o direito de propor a acção sub iudice uma vez que não invocou os factos aqui trazidos na acção de divórcio. O Autor nega tal situação, afirmando que não existe caso julgado. Resulta do disposto no art.º 571º do CPC que o Réu pode contestar por impugnação e por excepção, contradizendo os factos articulados na petição inicial, afirmando que tais factos não podem ter as consequências jurídicas pretendidas na petição inicial, alegando factos que obstam à apreciação do mérito da causa ou que sirvam de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor. É inequívoco que o Autor poderia ter trazido os factos agora em discussão à acção de divórcio. Todavia, não cremos que o facto de não o ter feito obste a que possa suscitar a questão na presente acção. Os factos que o Autor trouxe a juízo são de natureza pessoal, alavancando-se em direitos indisponíveis. Deste modo, o facto de o Autor não os ter invocado previamente não implica qualquer renúncia aos mesmos (in casu, a invocá-los em acção diversa). A exceção invocada pela Ré não poderia, pois, proceder. Situação juridicamente diversa do acima exposto é a verificação da existência de litigância de má fé por parte do Autor. A apreciação desta questão obriga, não já a uma apreciação em abstracto do direito do Autor a propor esta acção, mas antes à verificação do modo concreto como a mesma foi proposta e prova produzida. A litigância de má-fé é uma figura processual tipicamente portuguesa. Através dela pretende-se sancionar aquele que, de forma dolosa ou com negligência grave, viola os deveres de cooperação ou boa-fé processual, apresentando em juízo pretensões cuja falta de fundamento não poderia desconhecer, alterando a verdade dos factos ou omitindo aspectos relevantes para a decisão da causa, infringindo de forma grave o dever de cooperação ou fazendo do processo um uso manifestamente reprovável (art542º e seguintes do CPC). A doutrina distingue duas modalidades de má-fé processual: uma de índole material e outra de cariz instrumental. A má-fé material relaciona-se com o mérito da causa, aí se integrando as situações em que a parte, não tendo razão, actuou no sentido de obter uma situação injusta ou realizar objectivo que se afasta da função processual. Já a má-fé instrumental diz respeito o comportamento processual assumido pela parte, independentemente do mérito ou demérito das razões por si invocadas quanto ao fundo da causa. Embora tradicionalmente a condenação como litigante de má-fé implicasse a demonstração de que a parte actuara de forma dolosa, na sequência da Reforma de 1995 passou a contemplar-se a possibilidade do instituto ser igualmente aplicado a quem patenteie negligência grave, alteração legislativa que teve em vista uma acrescida responsabilização das partes. Tal alargamento objectivo da litigância de má-fé não significa, porém, poder a mesma alicerçar-se na mera demonstração de que a parte incorreu em erro grosseiro ou mesmo que actuou de forma ousada. A avaliação cautelosa e ponderação casuística de cada uma das situações é ponto assente no tratamento jurisprudencial dispensado a esta figura, reservando-se a condenação como litigante de má-fé para os casos em que pela conduta da parte se demonstre ter a mesma querido, conscientemente, litigar de modo desconforme ao respeito devido, quer ao Tribunal, quer ao seu antagonista na lide. Cabe, assim, dilucidar o que seja o “dolo” e a “negligência grave” a que se alude no art.º 542º do CPC. No que diz respeito à actuação dolosa, traduz-se a mesma num querer e saber estar a actuar contra a verdade ou com propósitos ilegais. Há dolo substancial quando se deduz pretensão ou imposição cuja improcedência não poderia ser desconhecida (dolo directo) ou altera-se a verdade dos factos ou ainda quando se omite um elemento essencial (dolo indirecto). Já o dolo instrumental traduz-se na utilização dos meios e poderes processuais de forma manifestamente reprovável. Mais complexa será a delimitação do conceito de “negligência grave”, sendo certo que parece prevalecer na jurisprudência o entendimento de que esta, além de excepcional, apenas tem por base prevaricações de natureza substantiva e não as meramente processuais. Além disso, porque o que está em causa é uma negligência grave (e não a comum) é igualmente jurisprudência dominante entre nós não poder tal condenação alicerçar-se na mera constatação de que a parte incorreu em erro grosseiro ou pleiteou de forma ousada ou mesmo temerária. Deste modo, a condenação como litigante de má-fé implica a demonstração de que a parte quis litigar de modo desconforme, formulando pedidos cujo carácter injusto conhecia, articulando factos cuja inverdade era do seu conhecimento ou requerendo diligências meramente dilatórias. Cumpre apreciar e decidir. O Autor propôs a acção alegando que casou com a Ré sob coacção moral e, assim não se entendendo, simulando com ela a vontade de se casar. Tal não se provou. O que se provou foi que quis casar com a Ré por dela gostar e não a querer perder, querendo reatar a relação e tendo posto fim a uma outra relação amorosa que não mais reatou. As duas versões (a plasmada na petição inicial e a trazida a juízo) são incompatíveis entre si e tratando-se de matéria pessoal o Autor não pode deixar de o saber. É, pois, claro que propôs acção cuja falta de fundamento não podia deixar de conhecer. Em consequência, a condenação como litigante de má fé (nº1 e al.a) do nº 2 do art.º 542º do CPC).». Apenas cumpre apreciar se é de manter os valores da multa e da indemnização, no caso de ser confirmada a condenação do apelante como litigante de má fé. Foi já proferido acórdão em 18 de Dezembro de 2024, que julgou improcedente a apelação, mantendo o julgamento de improcedência da acção e de condenação do apelante como litigante de má fé, discreteando-se, além do mais: «No caso vertente, mesmo levando-nos o facto não provado 50 a abstrair de que esta acção foi precedida de acção de divórcio promovida pela R. e fundamentos da oposição aí apresentada, basta atentarmos no que anteriormente expusemos acerca do mérito da presente acção para observar que se o Autor tivesse ponderado com razoabilidade e regular senso comum o que veio alegar aos autos não poderia deixar de considerar implausível a sua pretensão, e tal deveria levá-lo a indagar seriamente sobre o fundado da mesma e se o tivesse feito não poderia deixar de concluir pela falta de razão da pretensão que trouxe a juízo. Portanto a conduta processual do Autor – ademais estando necessariamente patrocinado por profissional do foro – é merecedora de um juízo de censura pelo menos da vertente da negligência grave, porque qualquer pessoa dotada de mediana inteligência, formação e experiência de vida, colocada na posição do Autor facilmente percepcionaria a desrazoabilidade das suas pretensões, e usando das mais elementares regras de prudência e diligência, que lhe eram exigíveis, inevitavelmente empreenderia sem esforço a indagação que lhe permitiria aperceber-se da total falta de fundamento da presente acção e abster-se-ia de a trazer a juízo. Pelo que deve manter-se a sua condenação como litigante de má fé.». Escusamo-nos de reproduzir os factos provados constantes da sentença proferida no processo em que foi condenado por violência doméstica, designadamente o teor das inúmeras insultuosas mensagens, recheadas de «baixo calão» enviadas pelo apelante à apelada que por si só demonstram a inveracidade do alegado ascendente desta e fragilidade emocional do apelante, que se apresentou como pessoa inexperiente e vítima de manipulação para sustentar o pedido de anulação do casamento por, na sua tese, ter sido celebrado sob coacção moral. Além disso, contraditoriamente com a versão da sua alegada fragilidade emocional e psíquica, o apelante diz que é empresário de grande sucesso, pelo que o valor da multa nada tem de desproporcionado face à sua conduta processual. Lembremos ainda que o apelante instaurou a acção pedindo a anulação do casamento somente depois da condenação por crime de violência doméstica e poucos dias após o trânsito em julgado da sentença que decretou o divórcio na acção instaurada pela apelada, mostrando-se esta actuação bem demonstrativa da utilização dos meios processuais para retaliar contra o ex-cônjuge. Quanto à indemnização referente aos honorários do mandatário judicial, não tem fundamento legal a alegação de que não deve ser concedida ou que deve corresponder ao valor fixado no âmbito do patrocínio judiciário, além de que nem sequer indica o apelante qual o valor dos honorários que são normalmente cobrados por um advogado em acções declarativas com processado similar; por fim, é irrelevante não ter a apelada comprovado que já pagou os honorários ao seu mandatário, como decorre do disposto no nº 4 do art.º 543º do CPC, sendo certo que a decisão recorrida indeferiu o pedido para que fossem pagos directamente ao advogado. Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida. Custas pelo apelante. Lisboa, 06 de Fevereiro de 2025 Anabela Calafate Nuno Ribeiro António Santos |