Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2909/2006-3
Relator: ANTÓNIO SIMÕES
Descritores: MEDIDAS DE COACÇÃO
PRISÃO PREVENTIVA
REQUISITOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/29/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I – Não pode manter-se o despacho que determina a prisão preventiva de jovem de 18 anos, sem antecedentes criminais, detido por fortes indícios da prática, vários meses antes, integrado num grupo com outros arguidos, de crimes de roubo uma vez que:

II – O mesmo foi detido, na sequência de investigações efectuadas a esses acontecimentos distanciados no tempo, sem ser em situação de flagrante delito, sem que resulte que o arguido esteja integrado num grupo organizado para a prática de delitos da mesma natureza, tendo sido possível, antes da detenção reunir os elementos probatórios possíveis e não resultando quaisquer suspeitas de que o arguido se queira pôr em fuga.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Por ordem da Coordenadora de Investigação Criminal da Polícia Judiciária (Directoria de Lisboa) foi detido o arguido A. e outros quatro cidadãos que tinham acabado de prestar declarações nas instalações da PJ. a propósito de acontecimentos verificados cerca de quatro meses atrás na área da Comarca de Mafra.
Foram os detidos presentes à Mmª. Juiz do 2º Juízo da Comarca de Mafra no dia seguinte ao da detenção (31.1.2006) e interrogados nos termos do que prescreve o artº. 141º do CPP.
Decidiu a Mmª. Juiz colocar todos os interrogados sob prisão preventiva, o que fez a coberto do despacho que segue transcrito:

Resultam dos autos indícios fortes e suficientes de que os arguidos B., C., A., D. e E., todos devidamente identificados nos respectivos Termos de Identidade e Residência de folhas. 169, 180, 202, 211 e 216, de forma perfeitamente concertado, agindo em bando e utilizando armas, uma dos quais de fogo, no dia 29.08.2005 na Praça dos navegantes sita no Ericeira através de violência física se apropriaram de um Nokia topo de gama e de uns brincos que retiraram ao ofendido/dos através de violência.
No dia 4.09.2005 os mesmos arguidos com excepção do B., na localidade de Sobreiro e concretamente no café 0 Jorge por meio de violência físico apropriaram-se de diversos objectos de pessoas que se encontrava dentro do aludido café sendo que em ambos situações abandonaram os respectivos locais em fuga.
Resulta também que os arguidos juntamente com outros ainda não identificados e que se encontram ainda em fuga de forma concertado reuniam-se em determinados locais e utilizavam as viaturas do arguido B. e do arguido C. para praticarem os aludidos factos.
Assim existem fortes indícios de que todos os arguidos cometeram pelo menos um crime de roubo qualificado p. e p. pelo art. o 210º mº.o 1 e 2 do Código Penal com referencia ao art. o 204º nº 2 als. f) e g) do mesmo código.
Resulta ainda que todos os arguidos com excepção do Luís Cortes praticaram um segundo crime de roubo em 04.09.2005 em Sobreiro no café 0 Jorge previsto e punido pelas normas citadas.
Está ainda suficientemente que para além destes arguidos fazem parte deste bando outros que estão ainda a ser procurados pela Policia.
Das declarações dos arguidos resulta obvio o cuidado de protegerem os que se encontram em fuga não dando sobre eles quaisquer elementos que permitam, a sua localização imediata.
Ademais consta já dos autos que o arguido A. tem 8 inquéritos a correr contra si; o arguido B. tem um outro inquérito, e o arguido C. um outro.
Tendo em conta todos estes elementos entendemos haver fortes indícios que estes arguidos combinavam previamente locais e horas de encontro, fazendo-se munir de armas e se deslocavam para os locais previamente combinados onde através de violência física se apropriavam dos objectos que as vítimas transportassem.
É certo que os arguidos estão socialmente inseridos, alguns deles trabalham mas isso não os impediu de se organizarem convenientemente em bando e ou gang e levarem a cabo os roubos acima descritos. Ademais são diversos os ofendidos sendo que este crime tem natureza pessoal.
A investigação ainda está no seu início mas os indícios já recolhidos apontam no sentido de que muitos outros factos similares foram por todos ou por alguns praticados.
Assim e porque por um lado não se encontra ainda esclarecida toda a actividade dos arguidos, por outro ainda de encontra em fuga alguns co-autores e por outro ainda a personalidade revelada por todos eles, sendo certo que tais tipos de crimes causam obvia perturbação da ordem tranquilidade publica havendo ainda perigo para aquisição e conservação da prova e não se descurando também o perigo de fuga, atendendo aos princípios da proporcionalidade e da adequação julgamos que a única medido de coacção adequada e proporcional ao caso concreto é a prisão preventiva.

2 . O arguido interpôs recurso deste despacho, pedindo para que seja revogado o decidido, fixando-se medida de coacção não detentiva ou, no máximo, “prisão domiciliária com pulseira de segurança” (sic).
Da motivação extraiu as seguintes conclusões:

a) O arguido encontra-se preso preventivamente por indiciariamente ter cometido 2 crimes de roubo.
b) Ilididas todas as presunções, existe neste momento a exigência FUMUS COMISSI DELITI e consequentemente a exigência do disposto no artº 192º nº.2, 193º, 197º nº.1, 198º e 199º que exigem imputação, e dos artºs 200º, 201º e 202º todos do CP que exigem fortes indícios da prática de crime doloso, mas tal resulta também da própria confissão do arguido.
c) Contudo, já não se alcança do despacho em apreço onde encontrar a exigência do PERICULUM LIBERTATIS.
d) Na realidade, o despacho impugnado, não refere por outro lado elementos em concreto que corroborem a continuação da actividade criminosa, o perigo de fuga, o alarme social e o perigo para a aquisição da prova.
e)Nada nos é referido porque razão em concreto se pende para essa interpretação. Será futurologia?
f) Admitindo sem conceder que o Mtº Juiz do Tribunal “a quo” viu haver comprovação objectiva face aos elementos de prova disponíveis, sempre se dirá que face aos elementos decorrentes do interrogatório, e os restantes trazidos aos autos, outra devia ter sido a decisão do tribunal.
g) Desde logo e como já se escreveu porque estamos face a um ­primário, estudante e com graves problemas de saúde.
h) Depois porque confessou a sua actuação delituosa, não podendo nesta fase o tribunal aduzir que a sua actuação foi diferente.
i) Depois, porque colaborou no que pode, não podendo acrescentar mais porque não sabe a identidade dos outros intervenientes.
Í) Depois porque também nunca utilizou nenhuma arma na sua actuação.
k) Acresce que, quanto aos inquéritos pendentes, dos que conhece, (apenas 3) 2 pensa que foram arquivados e o outro trata-se do furto de 2 açaimes de uma loja de animais.
l) Por outro, lado a prisão preventiva é a última das medidas de coacção utilizada quando nenhuma das outras pode servir os seus fins.
m) No caso vertente, entende-se que “maxime” prisão domiciliária ou sujeita a pulseira de segurança, respondem
n) 0 despacho ora em apreciação violou assim o príncípio da adequação e proporcionalidade.
o) Foi, ainda violado o artº27 da Constituição e o artº5 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e ainda o artº9 do pacto Internacional de Protecção dos Direitos Cíveis e Políticos.
P) Deve assim o despacho "sub-judicata" ser substituído por outro, ordenando que se aplique, medida coactiva não privativa da liberdade, ou no limite prisão domiciliária com pulseira de segurança.

2 . 1 . Admitido o recurso, a Dª. Magistrada do Mº.Pº. junto do Tribunal Judicial da Comarca de Mafra usou do direito de resposta, pronunciando-se no sentido de que sendo elevado o perigo de perturbação do inquérito, de continuação da actividade criminosa e de fuga, não pode deixar de ser confirmada a decisão recorrida.
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Nesta instância, o Exmº. Procurador-Geral-Adjunto pronunciou-se sucintamente no mesmo sentido da sua colega junto do Tribunal de primeira instância.

3 . Corridos os vistos cumpre decidir.

Compulsada a documentação instrutória do presente recurso, e admitindo que dela faz parte o que lhe compete, isto é, tudo o necessário à boa decisão da causa, crê-se que decididamente queda por explicar a razão que levou a que, no penúltimo dia de Janeiro de 2006 se tivesse ordenado a detenção de quatro arguidos por factos ocorridos em 29.8.2005 e 4.9.2005, porque terão tais factos provocado grande alarme social, mormente pela similitude com o “arrastão” que por aquela altura tinha coberto de confessado ridículo um corpo policial, por haver perigo de continuação de actividade criminosa eivada de “enorme violência” e ainda, pelo perigo de fuga que levará os arguidos a eximirem-se à acção da justiça por saberem que já foram recolhidos elementos que os referenciam à prática de outros roubos e finalmente porque, mantendo-se em liberdade os arguidos, poderiam ocultar ou destruir provas (uma arma de fogo e equipamentos – leia-se telemóveis – roubados) e alertar os restantes autores ainda não identificados nem localizados.
É que não se entende o porquê de naquele preciso dia terem sido levados para interrogatório nas instalações da PJ e, na sequência dessa diligência, se ter constatado a plúrima exigência cautelar de que dá conta o relatório da Srª. Coordenadora de Investigação Criminal da PJ de fls. 69 a 74, de onde se respigaram algumas considerações acima referidas.
E para concluir o bosquejo que se entendeu fazer sobre a decisão que está na génese da situação aqui sob apreciação, anota-se que na parte final do relatório da Srª. Coordenadora se registou a opinião de que apenas se considerava adequada a aplicação de uma medida de cariz detentivo por ser a única que permite a apresentação perante autoridade judiciária dos arguidos e a correcta avaliação dos factos criminosos que lhes são imputados.
Lidas e relidas estas considerações que imediatamente precedem a determinação da detenção dos arguidos não se consegue enquadrá-las no ordenamento processual penal vigente, sendo certo aliás, que muito dificilmente poderá aceitar-se que alguém seja privado da liberdade para ser presente à autoridade judiciária e beneficiar de uma correcta avaliação dos factos criminosos que indiciariamente tenha cometido.
Mas, o certo é que as detenções assim determinadas foram, após o interrogatório judicial, consideradas válidas “tout court” e, no tocante à questão da oportunidade da detenção, nada foi dito.
E, para além disto (e isto, é que não se questione coisa alguma sobre o quando e porquê das detenções), o certo é que a Mmª. Juiz não só validou as detenções, como ordenou a prisão preventiva.
Valerá ainda a pena que se consigne, a este propósito, que dos documentos que constam do início dos presentes autos de recurso emanados dos postos da GNR da Ericeira e Sintra, constava já a identificação dos veículos utilizados pelos arguidos, bem como a dos seus proprietários – um deles aqui arguido – e, bem assim, a referência à identificação de outros arguidos, dentre os quais o ora recorrente, na posse do qual foram encontrados e apreendidos pela GNR objectos subtraídos, no caso, um telemóvel e uma carteira com documentos. Tais documentos policiais foram produzidos praticamente em momentos coincidentes com os factos, tudo isto dando conta da manifesta facilidade da investigação, pelo menos no que respeita à pessoa do recorrente e dos demais detidos, facilidade que se reflecte também no documento de fls. 63 e ss, elaborado pela PJ e que constitui a apresentação do estado das investigações à Srª. Coordenadora de Investigação Criminal atrás aludida.
A isto se faz referência para, de outro ângulo, sublinhar a estranheza pela eclosão das necessidades cautelares que subitamente parecem ter assaltado a PJ e se vêm transmitidas às autoridades judiciárias em relação a factos, repete-se, ocorridos alguns meses antes, e que, de acordo com a documentação instrutória destes autos, não tiveram sequência.
E esqueceu-se no caso que, fora de flagrante delito, a detenção só pode ser ordenada por autoridades de polícia criminal quando existirem elementos fundamentantes do receio de fuga, o que na situação vertente estava longe de ocorrer (cf. artº. 257º, 2 do CPP).

3 . 1 . Resulta suficientemente esclarecido dos autos que são dois os acontecimentos em que esteve envolvido o recorrente e, pelo menos em termos gerais, também se mostram esclarecidos tais acontecimentos.
O primeiro desses sucessos terá ocorrido em finais de Agosto na Ericeira e numa esplanada a que se dirigiram alguns acompanhantes do grupo em que se integrava o recorrente e que se deslocava em dois automóveis. Esses tais acompanhantes tiraram das mãos de pessoas que estavam na esplanada telemóveis, ao que parece em número de dois e, eventualmente terão subtraído também uns brincos. Transparece dos autos que a violência então usada foi a do “esticão” e, tendo os executores dessas subtracções sido perseguidos até junto dos automóveis, aí terá sido exibido um taco de madeira e uma arma de fogo, o que precedeu a fuga.
O outro, talvez menos esclarecido ainda, reporta-se a um desacato provocado num café, no princípio de Setembro, onde se dirigiu um grupo que integrava o recorrente, para tirar desforço de outros que se “tinham metido” com um dos arguidos e a namorada deste, tendo ocorrido a subtracção de um telemóvel e de uma carteira com documentos indiciariamente da autoria do recorrente, em cuja posse foram tais bens localizados.
Há assim indícios pesados de que o recorrente se envolveu na prática de dois crimes de roubo, ilícito cuja gravidade é elevada, como atesta a moldura sancionatória que abstractamente lhe corresponde.
Porém, dificilmente se sustentará com o acervo probatório dos autos que estamos em presença de um grupo mais ou menos organizado para o cometimento de crimes, conforme se diz no despacho recorrido, e o ali invocado alarme social, não surge alicerçado em factos significativos.
Pode aceitar-se que o conjunto de ilícitos em apreço nos autos são sinal de perigo de continuação de actividade criminosa, aceitação que se traduz no acolhimento da existência de motivação cautelar de grau mediano que cumpre remover.
E essa remoção deverá ter em conta que o recorrente não tem antecedentes criminais e que tinha dezoito anos de idade à data dos factos, o que justificará cuidado especial na ponderação da medida a impor que legalmente se deverá pautar por um juízo de proporcionalidade.
Salvo o devido respeito, tem de afirmar-se que a prisão preventiva neste caso não tem sustentação adequada, devendo ser revogada a decisão que a ordenou assim se dando provimento ao recurso sob apreciação.
Crê-se que a medida cautelar adequada deve ser a apresentação periódica à entidade policial, assim se alcançando também uma vigilância sobre o percurso de vida do recorrente que dá sinais de trajectória desviante.
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Termos em que se revoga o despacho recorrido e se determina a imediata restituição do recorrente à liberdade, determinando-se que fique sujeito a apresentações semanais no posto policial da área da residência, ficando a cargo do tribunal de primeira instância o accionamento do expediente necessário para a execução desta medida de coacção.
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Sem tributação.
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Passe mandados de libertação.
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Lisboa, 30 de Março de 2006
António Simões
Moraes Rocha
Telo Lucas