Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1661/20.0T8CSC.L2-4
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: CAUÇÃO
CONDENAÇÃO GENÉRICA
INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Deve entender-se que, sendo proferida sentença de condenação genérica, o prazo a que se referem a parte final do n.º 3 e o n.º 4 do art. 650.º do CPC se conta do trânsito em julgado da decisão final do incidente de liquidação da obrigação, que complementa aquela.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório
Nos presentes autos de acção com processo comum em que são Autora AA e Ré XX, SA e outra, foi proferida sentença em 14/01/2022, que, além do mais, decidiu:
«A. Condenar a Ré XX, SA a reintegrar a Autora AA, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
B. Condenar a Ré XX, SA a pagar à Autora AA as retribuições que esta deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão (…)»
Através de requerimento de 30/05/2022, foi junta garantia bancária do Banco YY, SA a favor da Ré XX, SA, no valor de 17.224,97 €, para efeitos de fixação de efeito suspensivo ao recurso interposto pela mesma da sentença proferida.
Por Acórdão da Relação de Lisboa de 29/03/2023, tal recurso foi julgado improcedente e foi confirmada a sentença, «(…) com o seguinte esclarecimento no que concerne à alínea B) da decisão: O Tribunal decide condenar a Ré XX, SA a pagar à Autora AA as retribuições que esta deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão (sem prejuízo do disposto no art. 390.º, n.º 2 do Código do Trabalho), acrescidas de juros moratórios, à taxa legal, até integral pagamento. Tudo conforme se vier a liquidar em sede de incidente de liquidação.”
Em 30/10/2023, foi proferido despacho, em que se decide:
«No Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido nos presentes autos foi decidido: (…)
Nos termos do n.º 3 do art.º 650º do CPC, se a caução tiver sido prestada por fiança, garantia bancária ou seguro-caução, a mesma mantém-se até ao trânsito em julgado da decisão final proferida no último recurso interposto, só podendo ser libertada em caso de absolvição do pedido ou, tendo a parte sido condenada, provando que cumpriu a obrigação no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado.
Pese embora a Secção de Processos não tenha atestado o trânsito em julgado da decisão final, o certo é que procedeu à elaboração da conta em 07-07-2023, não tendo a R., no prazo de 30 dias, feito prova nos autos do cumprimento da obrigação (a qual está dependente da dedução de incidente de liquidação).
Em conformidade, determina-se o cumprimento pela Secção de Processos do n.º 4 do art.º 650º do CPC, sendo que a “entidade que prestou a caução” mencionada nesse preceito legal não é a R. mas a entidade caucionante (no caso dos autos o Banco YY, SA – cfr. garantia bancária de 30-05-2022).»
Em 21/12/2023, a Ré veio apresentar recurso de tal despacho, formulando as seguintes conclusões:
«a) Em 30.03.2023 foi a R. notificada do Acórdão deste Venerando Tribunal que confirmou a decisão de 1ª Instância, nos seguintes termos:
(...)
“IV-Decisão
Em face do exposto, o Tribunal acorda em julgar improcedente o recurso de apelação e confirmar a sentença recorrida, com o seguinte esclarecimento no que concerne à alínea B) da decisão : o Tribunal decide condenar a Ré XX, SA a pagar à Autora AA as retribuições que esta deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão ( sem prejuízo do disposto no art. 390.°, n.° 2, do Código do Trabalho), acrescidas de juros moratórios, à taxa legal, até integral pagamento. Tudo conforme se vier a liquidar em sede de incidente de liquidação.”
(...)
b) Após trânsito em julgado, na data de 05.09.2023, a Recorrente, apresentou o requerimento junto do Tribunal a quo, ref. Citius 23977707, onde expôs o seguinte:
“XX, SA, SA, R. nos autos à margem identificados em que é A. AA, notificada nos termos previstos no nº 4 do artº 650º do C.P. vem expor e requerer a V.Exa. o seguinte:
1 - Nos termos que melhor resultam da douta Sentença, a R. foi condenada a reintegrar a A., sem prejuízo da sua categoria e antiguidade e no pagamento das retribuições intercalares estas, cujo valor, nos termos do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, deveria ser apurado em incidente de liquidação de Sentença.
O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, conforme resulta dos autos transitou em julgado no dia 11/05/2023.
2 - Tendo em vista o cumprimento da decisão judicial a R., em 15/05/2023 contactou a A., convocando-a para comparecer nas suas instalações no dia 17/05/2023 – Doc. 1.
Nessa comunicação a R. alertou a A. que, atendendo à sua categoria profissional – Vigilante - era imprescindível à sua reintegração a formalização escrita do vínculo laboral, nos termos do previsto no regime jurídico da atividade de ..., devendo ser portadora nessa ocasião, entre outros documentos, do cartão profissional válido, nos termos legalmente exigidos pela referida lei – artºs 18º, 27º, 29º e 36º da Lei 34/2013 de 16 de Maio.
No dia 23/05/2023 a A. compareceu nas instalações da R, porém apresentou um cartão profissional caducado em 09/06/2021, facto que impede legalmente a R. de proceder à reintegração da A. – doc. nº 2.
Assim, A R. aguarda desde a referida data que a A. proceda à obtenção de cartão profissional válido sem o qual, nos termos que regulam a atividade de ..., está totalmente vedada à A. o exercício das funções de Vigilante e consequentemente a sua reintegração ao serviço da R.
3 – Tendo em conta o supra referido e o que rege o nº 4 do artº 650º do C.P.C., a R., no prazo legalmente exigido, diligenciou no sentido de cumprir a única obrigação exequível – a Reintegração – já que o pagamento das retribuições intercalares dependem ainda do impulso processual da A. mediante incidente de liquidação da Sentença.
Até à presente data a A. ainda não facultou à A. cartão profissional válido adequado ao desempenho das suas funções, o que a R. aguarda, nem requereu incidente de liquidação de Sentença.
Consequentemente, é forçoso entender que nos termos e para os efeitos do previsto no nº 3 do artº 650º do C.P.C., a R. cumpriu a obrigação decorrente da Decisão judicial, podendo, aliás, solicitar a devolução da caução.
No entanto, Se assim não se entender,
Requer a V.Exa., seja fixado prazo entendido razoável para que A. obtenha cartão profissional e o apresente à R., prazo findo o qual, sem que tal suceda, deverá ser restituída à R. a caução que se encontra nos autos.”
(...)
c) Na data de 18.09.2023 a A. por intermédio do seu Ilustre Mandatário apresentou o requerimento com a ref.ª Citius 24057514, a expor o seguinte:
(...)
AA, A. nos autos supra referenciados, tendo sido notificada do requerimento apresentado pela R. XX, SA, vem junto de Ex.a expor como segue:
9. A situação em que a R. colocou e coloca a A. é inaceitável e desumana;
10. Até ao presente, a R. nada pagou à A.;
11. A A. não foi admitida na R. porque tinha o cartão caducado, porém, a renovação sempre foi suportada pela entidade patronal, aliás, como está previsto no CCT aplicável;
12. A verdade é que a R. não quis tratar do procedimento de renovação pois, como sempre acontecia, era a entidade patronal que marcava a formação e a suportava, se não na totalidade, em parte;
13. Entre mandatários não existiu acordo para o valor a pagar, emergente do douto acórdão decisório;
14. Importa referir que as RR. nunca pagaram nada que fosse à A., deixando esta sem dinheiro e sem forma de recorrer ao subsídio de desemprego;
15. A A. não teve meios para renovar o seu cartão;
16. A R. sabe da troca de correspondência entre Advogados para o pagamento do valor da condenação, mas no tempo decorrido daquela, propôs-se a pagar uma quantia completamente fora, por muito aquém, do valor da condenação, o que foi, naturalmente, rejeitado;
9. Pelo que:
4. a) A R. não cumpriu com a sua obrigação de reintegração que, neste caso, implicava o tratamento da renovação e custeio do cartão da A., como era prática na empresa;
5. b) Vê-se, assim, a A. na necessidade de avançar com liquidação de sentença, o que fará muito em breve;
6. c) Não deve ser levantada a caução.
(...)
d) Em 11.12.2023, o Tribunal a quo fez recair despacho a ordenar o cumprimento do disposto no n.º 4 do art.º 650º do CPC, nos seguintes termos:
No Acórdão do Tribunal da relação de Lisboa proferido nos presentes autos foi decidido: “ Em face do exposto, o Tribunal acorda em julgar procedente o recurso de apelação e confirmar a sentença recorrida, com o seguinte esclarecimento no que concerne à alínea B) da decisão: O Tribunal decide condenar a Ré XX, SA a pagar à Autora AA as retribuições que esta deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão (...), acrescidas de juros moratórios, à taxa legal. Até integral pagamento. Tudo conforme vier a liquidar em sede de incidente de liquidação.”
Nos termos do n.º 3 do art.º 650º do CPC, se a caução tiver sido prestada por fiança, garantia bancária ou seguro-caução, a mesma mantém-se até ao trânsito em julgado da decisão final proferida no último recurso interposto, só podendo ser libertada em caso de absolvição do pedido ou, tendo a parte sido condenada, provando que cumpriu a obrigação no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado.
Pese embora a Secção de Processos não tenha atestado o trânsito em julgado da decisão final, o certo é que procedeu à elaboração da conta em 07-07-2023, não tendo a R., no prazo de 30 dias, feito prova nos autos do cumprimento da obrigação (a qual está dependente da dedução de incidente de liquidação).
Em conformidade, determina-se o cumprimento pela Secção de Processos do n.º 4 do art. 650º do CPC, sendo que a “entidade que prestou a caução” mencionada nesse preceito legal não é a R. mas a entidade caucionante (no caso dos autos o Banco YY, SA – cfr. garantia bancária de 30-05-2022).
Notifique.
e) Ora, a Recorrente de forma alguma pode concordar com o despacho que ordenou a entrega à A. do montante caucionado, nos termos do n.º 4 do art. 650º do CPC, e é dele que se recorre;
f) A Recorrente pretendeu cumprir a decisão deste Venerando Tribunal, mas tal não foi possível;
g) Disso deu conta a Recorrente quando informou o tribunal a quo que pretendeu cumprir a decisão, mas que tal foi impossível por falta de condições por parte da A. em iniciar a prestação de trabalho, cfr. requerimento da Ré ref.ª Citius 23977707 e da A. ref.ª Citius 24057514;
h) Os presentes autos, encerram em si mesmos, questões particulares, que impedem o cumprimento de uma decisão com clareza e certeza jurídica, a saber:
i) Quando a A. foi convocada para iniciar a sua prestação de trabalho, após decisão deste Venerando Tribunal, a mesma não era detentora de cartão válido de vigilante;
j) A Ré não é responsável pela renovação do cartão de vigilante dos vigilantes que contrata, essa é uma obrigação que recai sobre os profissionais, quando são recrutados e contratados, de serem possuidores de cartão de vigilante, conforme dispõem os artigos 18º, 27º, 29º e 36º da LSP;
k) Se tal se passava enquanto a A. foi trabalhadora da outra Ré ZZ, tal facto não é do desconhecimento da Recorrente;
l) Sendo certo que a A. foi sempre trabalhadora da Ré ZZ e nunca trabalhou para a ora Recorrente XX, SA e nunca o quis fazer, pelo menos até 9.11.2021, quando em audiência de julgamento disse de forma determinada que não queria trabalhar para a Recorrente, pretendendo manter-se na ZZ, - cfr. - Sessão de 9 de novembro de 2021 - Depoimento de AA - T_ 00.35.48 - Inicio 00.00.53 a 00.01.44, T_ 00.35.48 início em 00.04.45 a 00.06.40;
m) Ora, o cartão da A. caducou em 09.06.2021, pelo que, como pode a Recorrente ser responsável por uma renovação, de uma trabalhadora que até à prolação do Acórdão nunca pertenceu aos seus quadros e nunca quis pertencer (?);
n) Ora, não pode a Recorrente ser responsabilizada, por uma coisa, in casu, renovação ou caducidade de cartão de vigilante, de uma vigilante que nunca foi sua trabalhadora, e a própria foi responsável por não vir trabalhador para a XX, SA, opondo-se expressamente à sua contratação.
o) No que concerne à alegado incumprimento por parte da Recorrente, no que respeita à admissão da A., ora Recorrida, a mesma não existe porquanto a mesma não reuniu as condições legais para que possa ser admitida numa empresa de ..., situação que lhe incumbe totalmente e que a XX, SA continua a aguardar, conforme mencionado no requerimento supra transcrito, nos termos legais supra exposto, devendo por esta razão o despacho ora em crise sere revogado;
p) Quanto às quantias devidas à A., e o seu alegado não pagamento, não podemos deixar de referir que o despacho é manifestamente precipitado. Na verdade, conforme mencionado no requerimento supra transcrito, apresentado pela Recorrente a mesma referiu o seguinte:
(...) “3 – Tendo em conta o supra referido e o que rege o nº 4 do artº 650º do C.P.C., a R., no prazo legalmente exigido, diligenciou no sentido de cumprir a única obrigação exequível – a Reintegração – já que o pagamento das retribuições intercalares dependem ainda do impulso processual da A. mediante incidente de liquidação da Sentença.”
(...)
q) Quando o Tribunal a quo proferiu o despacho ora em crise, os valores devidos a título de retribuições intercalares não estavam determinados (líquidos), na medida em que não se sabia o que se tinha vencido na pendência da acção, nem tão pouco haviam sido descontadas as quantias que a A. tinha eventualmente recebido, bem como os períodos em que não se venceram retribuições, porquanto a A. não podia prestar trabalho em resultado de não ter cartão de vigilante válido;
r) Do mesmo modo, nem a A., nem a Recorrente sabem os valores devidos, nem conseguiram chegar a um consenso em sede negocial, devido aos factores supra;
s) Isto porque, a quantia devida à A. não é líquida;
t) Depende de impulso processual por parte da Recorrida, mais precisamente de incidente de liquidação, que até à data não deu entrada em Tribunal;
u) Pelo que o cumprimento desta parte da decisão, depende de ser definida em sede de incidente de liquidação de sentença;
v) Não se compreende, por isso, que perante todas as estas razões, que são do conhecimento do Tribunal a quo, esta instância tenha proferido o despacho ora em crise, permitindo o acesso ao montante caucionado através de garantia bancária, quando, no nosso modesto entender não estão, de maneira alguma, reunidas as condições de facto e de direito que permitam seguir o sentido do despacho recorrido;
w) Também por esta razão, deve o mesmo ser revogado;
x) E consequentemente, uma vez que o incumprimento não é da responsabilidade da Recorrente deve o mencionado despacho ser substituído por um que determine a devolução da garantia bancária prestada à Recorrente;
y) ou, em última instância, caso assim não se entenda, outro que ordene a manutenção da identificada garantia afeta aos próprios autos, até que estejam reunidas as condições para o cumprimento da decisão final proferida nos autos, que a Recorrente pretende cumprir na integra, desde que seja determinado o que cabe no âmbito da mesma, fixando-se sempre um prazo limite para tal, findo o qual, deverá ser ordenada a devolução da garantia à Recorrente;»
A Autora não apresentou resposta ao recurso.
O recurso foi admitido e o processo requisitado na sequência de reclamação, por decisão da ora Relatora de 22/03/2024.
Em 8/04/2024, a Autora apresentou requerimento de incidente de liquidação, liquidando a quantia devida em 18.613,15 €, acrescida de juros de mora à taxa legal até efectivo e integral pagamento.
A Ré deduziu oposição em 4/06/2024, alegando, em síntese, que: as retribuições devidas estão sujeitas a descontos legais; desconhece o valor dos subsídios de desemprego auferidos pela Autora; a Autora só pode reclamar retribuições entre 26 de Maio de 2020, por força da al. b) do n.º 2 do art. 390.º do Código do Trabalho, e 9 de Junho de 2021, em razão da caducidade do seu cartão de vigilante; estando correctos os valores dos subsídios indicados pela Autora, a quantia devida importa em 6.368,54 €; os juros de mora só são devidos após a liquidação.
O incidente de liquidação aguarda os ulteriores termos.
Cumprido o disposto no art. 87.º, n.º 3 do CPT, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
Observado o preceituado no art. 657.º do CPC, cabe decidir em conferência.
2. Questões a resolver
Tal como resulta das conclusões do recurso, que delimitam o seu objecto, a única questão que se coloca a este tribunal é a de saber se se verificam os requisitos para notificação do Banco YY, SA, que prestou a garantia bancária, nos termos do art. 650.º, n.º 4 do CPC.
3. Fundamentação
3.1. Os factos considerados provados são os decorrentes do Relatório supra.
3.2. Estabelece o art. 650.º do CPC:
Caução
(…)
3 - Se a caução tiver sido prestada por fiança, garantia bancária ou seguro-caução, a mesma mantém-se até ao trânsito em julgado da decisão final proferida no último recurso interposto, só podendo ser libertada em caso de absolvição do pedido ou, tendo a parte sido condenada, provando que cumpriu a obrigação no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado.
4 - No caso previsto na segunda parte do número anterior, se não tiver sido feita a prova do cumprimento de obrigação no prazo aí referido, será notificada a entidade que prestou a caução para entregar o montante da mesma à parte beneficiária, aplicando-se, em caso de incumprimento e com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 777.º, servindo de título executivo a notificação efetuada pelo tribunal.
Conforme refere António Santos Abrantes Geraldes1, estes n.ºs 3 e 4 foram aditados no novo Código de Processo Civil com a intenção de conferir, de forma inequívoca, utilidade à caução que tenha sido prestada pelo recorrente para obter o efeito suspensivo, sendo esta a solução que já devia extrair-se do regime legal anterior.
Assim, prossegue aquele autor, “[t]ransitada em julgado a decisão de que resulte a absolvição do réu do pedido, a caução deixa de se justificar, impondo-se o seu levantamento ou a sua “libertação”, como consta da lei.
Sendo mantida no todo ou em parte a condenação, a entidade caucionante apenas poderá ser liberada da sua responsabilidade se acaso o devedor demonstrar, no prazo de 30 dias, o cumprimento da obrigação. Se tal não ocorrer, a caução que tenha sido prestada por terceiro é convertida em verdadeira obrigação a favor do credor, sendo a entidade garante notificada para efectuar o cumprimento da obrigação e, não o fazendo, fica sujeita a eventual cumprimento coercivo, servindo de título executivo a notificação efectuada pelo tribunal.”
Retornando ao caso em apreço, verifica-se que a Ré não foi absolvida do pedido e ainda não cumpriu a obrigação garantida pelo Banco YY, SA, pelo que não estão reunidas as condições para a “libertação” da garantia bancária que este prestou nos autos.
Contudo, o que está garantido por esta entidade bancária, até ao montante de 17.224,97 €, são as retribuições que a Autora deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão (sem prejuízo do disposto no art. 390.º, n.º 2 do Código do Trabalho), acrescidas de juros moratórios, à taxa legal, até integral pagamento, tudo conforme se vier a liquidar em sede de incidente de liquidação, sendo certo que, conforme decorre do Relatório supra, este incidente só foi requerido pela Autora muito depois da prolação do despacho recorrido e ainda se encontra pendente, sendo várias as questões controvertidas e sendo díspares os valores indicados pelas partes para liquidação da quantia devida.
O despacho recorrido, ao afirmar que, «(…) não tendo a R., no prazo de 30 dias, feito prova nos autos do cumprimento da obrigação (a qual está dependente da dedução de incidente de liquidação)», enferma de contradição nos seus próprios termos, pois se a obrigação está dependente da dedução de incidente de liquidação mostra-se necessariamente prejudicada a possibilidade de prova do seu cumprimento. E nova contradição decorre de, reconhecendo que a obrigação da Ré está dependente da dedução de incidente de liquidação, se determinar que o Banco YY, SA entregue à Autora o montante total da caução, ficando a Autora paga da quantia de 17.224,97 € à revelia do próprio caso julgado.
Como já referido, a Ré não foi condenada a pagar à Autora a quantia de 17.224,97 €, mas sim as retribuições que a mesma deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão (sem prejuízo do disposto no art. 390.º, n.º 2 do Código do Trabalho), acrescidas de juros moratórios, à taxa legal, até integral pagamento, tudo conforme se vier a liquidar em sede de incidente de liquidação, e é tal quantia ainda ilíquida que está garantida pelo Banco YY, SA (até ao montante de 17.224,97 €), se não for voluntariamente paga pela Ré.
Ora, sobre a Autora impendia o ónus de liquidação da obrigação da Ré reconhecida na sentença de condenação genérica, através do respectivo incidente processual, considerando-se renovada a instância extinta (art. 358.º, n.º 2 do CPC). E, tendo havido contestação da Ré, seguem-se os termos subsequentes do processo comum declarativo, mormente a prolação de decisão final destinada exclusivamente a fixar a quantia devida (art. 360.º, n.º 3 do CPC).
Em face do exposto, afigura-se-nos pacífico que se deve entender que, sendo proferida sentença de condenação genérica, o prazo a que se referem a parte final do n.º 3 e o n.º 4 do art. 650.º do CPC se conta do trânsito em julgado da decisão final do incidente de liquidação da obrigação, que complementa aquela.
Assim, procede inteiramente o recurso, sem necessidade de mais considerações, na medida em que os demais fundamentos da Apelante respeitam precisamente à liquidação da obrigação a que importa proceder no incidente respectivo.

4. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido, devendo a garantia bancária prestada pelo Banco YY, SA manter-se nos autos nos sobreditos termos.
Custas pela Apelada.

Lisboa, 9 de Outubro de 2024
Alda Martins
Alves Duarte
Paula Santos


1. Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 181-183.