Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | CARLOS M. G. DE MELO MARINHO | ||
Descritores: | PROPRIEDADE INTELECTUAL MARCA FUNÇÃO DISTINTIVA DA MARCA REPRODUÇÃO DA MARCA REGISTO DE MARCA | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/21/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I. Por regra, o consumidor faz uma aproximação ao objecto das suas escolhas de forma globalizante e de conjunto; II. A abordagem com vista ao consumo não corresponde a uma análise de detalhe; não é particularmente criteriosa e profissional; é de natureza rápida e ligeira; atende a elementos salientes; III. Tal saliência pode emergir do uso da cor, do humor, de um grafismo apelativo, da convocação de uma referência subconsciente, do apelo a dados de natureza cultural, a aprendizagens anteriores, a referentes nacionais ou regionais, a elementos multimédia populares ou virais, a imagens ou palavras da infância de uma geração-alvo, a conceitos e provérbios populares; IV. O cidadão envolvido no confronto de marcas revela mediano nível de atenção; V. O cotejo das marcas não é, tendencialmente, coevo e paralelo, quer isto dizer que a comparação é feita, invariavelmente, entre algo que se vê e algo que se recorda sendo que, como não se ignora, a memória tende a tornar nebuloso, difuso, fantasiado, impreciso, o recordado. Este fenómeno gera ainda menor rigor. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção em matéria de Propriedade Intelectual e de Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa: * I. RELATÓRIO X..., com os sinais identificativos constantes dos autos, apresentou «Recurso» «de Despacho de Recusa» «do Diretor-Geral de Marcas, INPI» «proferido em 19 de Fevereiro de 2019, publicado no Boletim da Propriedade Industrial n.º 40/2019, em 26 de Fevereiro de 2019». O Tribunal «a quo» descreveu os contornos da acção e as suas principais ocorrências processuais até à sentença nos seguintes termos: X..., com sede na Rua … nº 82 na Gafanha da Nazaré, veio interpor recurso da decisão da Direcção de Marcas e Patentes do Instituto Nacional da Propriedade Industrial que recusou o seu pedido de Registo da Marca Nacional nº 604126 “ Aduz, em síntese, não consubstanciar a marca recorrida uma imitação das marcas nacionais nº 305299 e 555290, tituladas pela Recorrida, por inexistir identidade/afinidade do tipo de serviços assinalados por ambas, inclusive divergindo da classe na classificação de Nice, nem haver semelhanças gráficas e figurativas entre as marcas em apreço susceptíveis de facilmente gerar confusão nos consumidores. Na distinção classificatória ressalta o elemento figurativo do galo inserta na marca nº 555290, em total oposição à marca nº 604126. Cumprido o art.º 43 do CPI, o INPI remeteu cópia do processo administrativo. Citada a titular das marcas registadas consideradas obstativas, a Recorrida sufragou a improcedência do recurso, estribado no entendimento do despacho em crise ter efectuado uma análise ponderada e, nessa medida, não merecer censura Foi proferida sentença que negou provimento ao recurso. É dessa sentença que vem o este recurso interposto por X..., que alegou e apresentou as seguintes conclusões: 1 - O presente recurso tem por objecto a douta Sentença proferida nos autos supra, datada de 08.10.2019, que manteve o despacho que havia recusado o pedido de registo da marca nacional n° 604126, ao Requerente. 2 - Entendendo, o Recorrente, que o Tribunal a quo errou na aplicação e interpretação da lei, nomeadamente dos art.ºs 232° e 238° do Código da Propriedade Industrial, ao considerar que se encontram preenchidos os pressupostos/fundamentos de recusa de registo de marca. 3 - Ora, ao abrigo do disposto no art.º 232°, n° 1, al b) do CPI, impera recusar o registo de marca que corresponda a reprodução de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços afins ou a imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor ou compreenda o risco de associação com a marca registada, 4 - E, o art.º 238°, n° 1 do CPI define o conceito de imitação, condicionando-o à verificação cumulativa dos seguintes requisitos: 1° - a marca registada ter prioridade; 2° - sejam ambas as marcas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins;3° - tenham semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra susceptível de induzir facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou compreenda um risco de associação com a marca anteriormente registada, de modo ao consumidor não as possa distinguir senão após exame atento ou confronto. Á luz do n° 3 do citado preceito, considera-se ainda imitação ou usurpação parcial de marca o uso de certa denominação de fantasia integrante da marca alheia anteriormente registada. 5 - Assim, o primeiro requisito, de natureza objectiva, e de imediata verificação, prende-se com a prioridade da marca e afere-se pelo confronto das datas da concessão dos registos. 6 - Ora, quanto à verificação do primeiro requisito: verifica-se a prioridade do registo das marcas elencadas, tituladas pela Restaurante Bom Gosto Lda, por confronto com a marca nacional n° 604126 peticionada pelo Recorrente, face à concessão das marcas nacionais nº 305299 e 555290 em data anterior ao próprio pedido da marca registanda. 7 - Quanto ao segundo requisito, relativo à identidade/afinidade dos serviços destinados a assinalar pelas marcas em confronto, cumpre referir que a Marca Nacional n.º 555290, tem um Sinal Misto e mantém a concessão para a Classe 33, 8 - E, a Marca Nacional n.º 305299, tem um Sinal Misto e mantém a concessão mas para a Classe 42, 9 - Como naturalmente se infere a Classe das Marcas Nacionais n.º 555290, e n.º 305299, apresentam Classes, 33 e 42, expressamente diferentes do pedido de concessão de Marca Nacional n.º 604126, 10 - Como se sabe o próprio texto da Classe 43, supra identificado, atesta bem as notórias diferenças concretamente e desde logo no tipo de estabelecimento, no tipo de atividade, nas suas especificidades ou especialidades que caracterizam e compõem a Marca, 11 - Pelo que, como se pode facilmente constatar a Classe do Recorrente, é perfeitamente distinta das Classes das Marcas Nacionais n.º 555290, e n.º 305299. 12 - Relativamente ao terceiro requisito, que exige que tenham semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra susceptível de induzir facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou compreenda um risco de associação com a marca anteriormente registada, de modo ao consumidor não as possa distinguir senão após exame atento ou confronto, tal também não se verifica conforme se demonstrará. 13 - Como se poderá facilmente constatar a Marca Nacional n.º 604126, é perfeitamente distinta das Marcas Nacionais n.º 555290 e ° 305299. 14 - Assim, as semelhanças gráficas e figurativas respeitam à imagem do sinal ou aos seus efeitos visuais (formas, motivos, cores, etc.). 15 - No caso das semelhanças figurativas estas referem-se tanto à imagem como ao conceito concreto por elas invocado. 14 - Pelo que, confrontado as marcas do Recorrente (Marca Nacional nº 604126) com as Marcas Nacionais n.º 555290 e ° 305299, visualizando-as e revisualizando-as, lenta e rapidamente, lendo-as e relendo-as, ouvindo e reouvindo, lenta e rapidamente, os sons com das suas pronúncias, a memória sensível que nos fica da sua imagem-reprodução, quer visual, quer auditiva, é a de que não existe, entre ambas, semelhança gráfica e sonora, 15 - Já que o tipo de letra utilizado entre elas é diferente, 16 - O texto da Marca Nacional do Recorrente (604126), apresenta uma identidade de negócio, uma identidade de funções e apresenta uma identidade de serviços e de especialidade ou especialidades de serviços absolutamente distintória e inovadora em relação às demais aqui em presença: Marca Nacional n° 604126: "Restaurantes Bom Gosto Wok Grill Buffet Livre"; Marca Nacional n.O555290: "Bom Gosto Restaurante"; Marca Nacional n° 305299: "Bom Gosto Restaurante". 17 - Os elementos figurativos ou desenhísticos nas marcas n.º 555290 e ° 305299 (galo) saltam à vista, conferindo-lhe individualidade própria, pois a marca do Recorrente é apenas nominativa, 18 - Pois, a marca nacional n.º 555290, possui até uma distinção classificatória, com uma base figurativa (elemento figurativo), VIDE, Classe, 3.7.3, GALOS, GALINHAS, PINTOS, (Classificação de Viena) precisamente para junto do seu público e do consumidor apresentar uma característica distintória do seu serviço, da sua marca e que é, PODE CONSTATAR-SE, totalmente diferente do serviço da marca nacional n° 604126, 19 - Assim, não se encontra e não existe nenhuma semelhança Gráfica entre o Sinal do Recorrente e os demais, bastando atentar no sinal em si, o sinal do Recorrente é rectangular, e o Sinal das restantes é quadrado, com sinal Misto com claros elementos figurativos - o conhecido desenho de um Galo de Barcelos (perfeitamente identitário da Região Portuguesa do Minho). 20 - Além de que o uso da expressão "BOM GOSTO", não pode, APENAS pela expressão, constituir uma marca registada indicada por distinção de singularidade ao consumidor que se trata de um produto diferente daquele produto a que corresponde e a que identifica as marcas 555290 e o 305299. 21 - A obrigatoriedade de os elementos integrantes de uma marca assumirem capacidade distintiva, exclui, em princípio, quando uma marca é integrada por palavras, o uso de expressões genéricas, meramente descritivas ou equívocas, porque referenciáveis a mais entidades partilhando a mesma natureza, nos termos do art.º 222º e 223º do C.P.I. 22 - É neste sentido que se fala, a propósito da essência distintiva de uma marca, de um carácter "exclusiva e directamente" descritivo - a expressão é particularmente feliz e é empregue no Acórdão do STJ de 10/09/2009 referido na nota 23 -, excluindo designações genéricas, correspondentes ao próprio nome da actividade ou do serviço prestado, ou meramente descritivas de um aspecto ou elemento particular dessa actividade ou serviço (seria o caso da pretensão de registar a marca: "Banco", "Oculista", "Cheque", "Financiamento", "Empréstimo" ou "Crédito Hipotecário"). 23 - É também neste sentido que se exclui que possam corresponder a marcas (no sentido de serem insusceptíveis de apropriação) expressões vocabulares e designações sociologicamente usuais na linguagem comum e na actividade comercial. 24 - Entendendo o Recorrente que a expressão "BOM GOSTO" é genérica e descritiva e por consequência não pode ser apropriada em exclusivo por qualquer pessoa colectiva/ singular de direito privado em detrimento de outros com idêntico direito de uso. 25 - Assim, do confronto entre a marca requerida e as marcas prioritariamente registadas não ressaltam semelhanças gráficas, fonéticas ou outras susceptíveis de gerar o risco de confusão ou de associação necessário para que se considere preenchido o conceito jurídico de imitação. 26 - Além de que, a eventual co-existência dos sinais distintivos de comércio em confronto no mercado também nunca poderão assim redundar materialmente em situações e concorrência desleal, independentemente de qualquer intenção do seu titular, nos termos nomeadamente do Código da Propriedade Industrial. 27 - Assim sendo, deve ser revogada a douta Sentença e substituída por outra que substitua o Despacho de Recusa por outro que admita a concessão da Marca Nacional n° 604126. RESTAURANTE BOM GOSTO, L.DA respondeu às alegações de recurso concluindo: I- A marca da recorrida beneficia do princípio da prioridade do registo. II - A marca registada e a marca registanda destinam-se a proteger e sinalizar o mesmo tipo de produtos/serviços (Classificação nº 43 de Nice). III- É patente a confusão (quase igualdade) gráfica da marca registanda com a marca da recorrida e que se traduz em fácil confusão fonética (de ouvido) por parte do consumidor comum, dado o carácter meramente nominativo da marcada do recorrente. IV- Estão verificados todos os requisitos que constituem o conceito de imitação de marca prevista no artigo 238 nº1, do CPI. V- A douta sentença recorrida fez uma correta interpretação e aplicação da lei em face da matéria de facto provada. VI- Deve manter-se in totum a douta sentença recorrida. Cumprido o disposto na 2.ª parte do n.º 2 do art.º 657.º do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir. São as seguintes as questões a avaliar: 1. A expressão "BOM GOSTO" é genérica e descritiva e, por consequência, não pode ser apropriada em exclusivo por qualquer pessoa colectiva/singular de direito privado em detrimento de outros com idêntico direito de uso? 2. Do confronto entre a marca requerida e as marcas prioritariamente registadas não ressaltam semelhanças gráficas, fonéticas ou outras susceptíveis de gerar o risco de confusão ou de associação necessário para que se considere preenchido o conceito jurídico de imitação? 3. A eventual co-existência dos sinais distintivos de comércio em confronto no mercado também nunca poderão assim redundar materialmente em situações de concorrência desleal, independentemente de qualquer intenção do seu titular? II. FUNDAMENTAÇÃO Fundamentação de facto Vem provado que: 1. Em 19.2.2019, o INPI recusou o pedido de registo da marca nacional nº 604126 “ 2. Em 7.11.1995, foi registada a marca nacional nº 305299 “ 3. Em 27.1.2016, foi registada a marca nacional nº 555290 “ Fundamentação de Direito 1. A expressão "BOM GOSTO" é genérica e descritiva e, por consequência, não pode ser apropriada em exclusivo por qualquer pessoa colectiva/singular de direito privado em detrimento de outros com idêntico direito de uso? Mostram-se adequadas ao Direito constituído as referências lançadas na sentença impugnada relativas ao genérico enquadramento normativo e doutrinal do conceito de marca, seu regime e finalidades. Por não passar por aí o thema decidendum, nada se acrescentará ao dito e menos se referirá em paralelo, sob pena de se lançarem, em sede de definição conceptual, menções bem conhecidas e constantemente repetidas, consensuais e, enquanto afastadas do eixo do debate, ociosas, desnecessárias e inúteis. Ao propor a formulação desta pergunta, o Recorrente isolou exagerada e parcialmente o objecto a ponderar, tratando as marcas em confronto como meramente nominativas e assinaladas pela mesma expressão. Não é assim. O que se compara tem maior extensão. A marca anterior é de natureza mista, sendo exornada por um conjunto verbal («Bom Gosto»), um grafismo assente na escolha prévia de um específico tipo de letras (marcada pela opção por sobre-dimensionadas letras iniciais), um desenho (o de um galo vulgo «de Barcelos») e uma menção, de novo onomástica, referenciadora de uma actividade económica através da substantivação do estabelecimento típico da prestação: restaurante. Só no isolamento «laboratorial» proposto faria sentido o referido. Realmente, «bom gosto» constitui uma expressão meramente descritiva e sem capacidade distintiva. Porém, tudo junto e articulado constrói um quadro perfeitamente distintivo e referenciador que nada tem de descritivo. Foi certamente por querer fugir à limitação por si aqui utilizada como ariete dirigido à marca anterior que o Recorrente sentiu a necessidade, ao formar a sua proposta de marca, de acrescentar algo à expressão central destituída de carácter autonomizador e diferenciador («Bom gosto»), que porfia em utilizar. Para o efeito, aditou um grafismo, uma forma forma geométrica, uma letra estilizada, menções a tipos de prestação e o plural de «restaurante» ou seja, construiu bem pouco para distinguir a sua da marca pré-existente já que adicionou a palavra «restaurantes» (unicamente acrescentando um «s» à marca prévia), aditou um rectângulo incaracterístico que contém o que parece ser uma letra «W» central e incluiu as menções a «Wok», «Buffet» «Grill» e «Livre» que mais parecem querer caracterizar serviços a prestar do que assumir-se como elementos distintivos. É demasiado extensa a sobreposição. A marca anterior está imitada em mais do que um decisivo elemento referenciador. Não estamos situados num contexto singelo de mero uso de uma expressão verbal não distintiva. Aliás, a ter sentido o alegado no sentido de se estar a usar elemento não distintivo, a ser verdadeira a alegação de inexistência de elementos diferenciadores complementares e sendo a marca do Recorrente igual à prévia em termos nominativos, sempre teria o Recorrente que concluir (e nós a jusante), que se estaria perante fundamento de recusa do registo da sua marca assente no preenchimento do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 231.º do Código da Propriedade Industrial. A resposta à questão proposta, afirmativa caso a pergunta se limitasse a um mero enquadramento teórico, é negativa quando referenciada ao caso concreto em apreço por a expressão surgir associada a outros elementos que, todos ligados, possuem eficácia distintiva. 2. Do confronto entre a marca requerida e as marcas prioritariamente registadas não ressaltam semelhanças gráficas, fonéticas ou outras susceptíveis de gerar o risco de confusão ou de associação necessário para que se considere preenchido o conceito jurídico de imitação? Não merece discussão o preenchimento da fattispecie das als. a) e b) do n.º 1 do art.º 238.º do Código da Propriedade Industrial. A primeira marca com a qual se confronta a registranda tem prioridade manifesta e ambas destinam-se a assinalar serviços «idênticos» (actividade de restauração). Admite-se, ainda, com o Tribunal «a quo», a existência da referida «ténue relação de afinidade» entre a categoria «vinhos» e a de «restauração», no que tange à outra marca anterior reportada à classe 33. Ficou para debate, em sede de recurso, a existência de «semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto» para o efeito de se preencher a previsão vertida na al. c) do mesmo número e artigo. A este nível, assiste razão ao Tribunal «a quo» ao inscrever na sentença criticada um elemento que resulta de conhecimento consolidado quanto à psicologia do consumidor. Corresponde, efectivamente, à realidade que este sujeito faz uma aproximação ao objecto das suas escolhas de forma globalizante ou de conjunto. Com efeito, a abordagem com vista ao consumo não corresponde a uma análise de detalhe. Essa avaliação não é particularmente criteriosa e profissional. Apresenta-se com sendo de natureza rápida e ligeira. Atende a elementos salientes (sendo que esta saliência pode emergir do uso da cor, do humor, de um grafismo apelativo, da convocação de uma referência subconsciente, do apelo a dados de natureza cultural, a aprendizagens anteriores, a referentes nacionais, regionais ou outros, a elementos multimédia muito populares ou virais, a imagens ou palavras da infância de uma geração-alvo, a conceitos e provérbios populares, etc.). Assenta num dado relevante e válido a referência feita na sentença ao facto de que o cidadão envolvido no confronto de marcas revela mediano nível de atenção (id est, nem é especialmente distraído nem particularmente atento). Por outro lado, é importante não olvidar que o cotejo das marcas não é, por regra, coevo e paralelo, quer isto dizer que a comparação é feita, invariavelmente, entre algo que se vê e algo que se recorda sendo que, como não se ignora, a memória tende a tornar nebuloso, difuso, fantasiado, impreciso, o recordado. Este fenómeno gera ainda menor rigor. Temos, pois, no contexto que nos importa ponderar, um consumidor focado no global, não particularmente atento e que apela a uma memória bastas vezes desfocada dos detalhes relativos a elementos da comparação. O cotejo das marcas em confronto, feito numa perspectiva de consumo e à luz dos apontados elementos, revela fortes dados de sobreposição, mais fortes ainda se apreciados de forma global e pouco profunda: repete-se o nome, repete-se a referência à actividade e o plural de «restaurante» não afasta a comparação. Antes agrava o risco de confusão. Se uma marca anterior, ostentando o mesmo nome, contém a menção «restaurante» e a ulterior o seu plural, é de admitir, ao menos numa abordagem pouco profunda, escassamente informada e meramente conjectural, que a nova marca responde ao sucesso de um projecto económico; assim, em aparência, não se estaria já, por hipótese, perante um restaurante singelo mas ante uma rede de restaurantes dos mesmo donos, com idêntica denominação, aproveitando o conhecimento público emergente do sucesso anterior, agora com esquema de prestação de serviço eventualmente mais abrangente face à referência a «wok» e «buffet livre». Nada dos restantes elementos permite fazer a devida destrinça dos empresários e dos projectos económicos. O grafismo é incaracterístico e inexpressivo na marca registranda (um simples rectângulo escuro, sem desenhos, com uma letra central sobre a expressão «bom gosto»). Poderíamos estar, perfeitamente, perante um primeiro restaurante geograficamente mais localizado (por ostentar um galo de Barcelos e ter referência singular) e uma segunda ou terceira marca eventualmente de dimensão nacional e com mais dilatadas ambições económicas. Não causaria surpresa que o tal cidadão (que faz análise perfunctória, ligeira, não informada e de memória), assim pensasse. A semelhança fonética e relativa ao conjunto gráfico-verbal materializada entre, sobretudo, a primeira marca anterior e a que se quis registar é, claramente, subsumível ao estatuído na al. c) do n.º 1 do art.º 238.º do encadeado normativo sempre sob referência nesta decisão. Não pode ser positiva a resposta a dar à questão sob análise, o que ora se declara. 3. A eventual co-existência dos sinais distintivos de comércio em confronto no mercado também nunca poderão assim redundar materialmente em situações de concorrência desleal, independentemente de qualquer intenção do seu titular? Estamos, de forma flagrante, na situação que se aprecia, perante um quadro assinalado pela possibilidade de emergência de concorrência desleal já que o recém-chegado ao mercado quer utilizar um símbolo comercial susceptível de ser confundido com o de um comerciante já instalado nesse espaço de negócio. Existe, in casu, por um lado, a possibilidade de ocorrer um desvio de clientela (confiante esta na boa qualidade dos produtos e serviços do agente pré-existente e convicta de estar a contactar com este) e, por outro, com não menor relevo económico, a potência de se materializar o risco de os eventuais maus produtos e serviços do recém-chegado virem a afastar, com relevo negocial importante, clientes do actor pré-existente. É, justamente, para garantir o bom funcionamento dos mercados e assegurar a efectiva concorrência entre os agentes económicos que se geraram normas como a al. b) do n.º 1 do art.º 232.º do Código da Propriedade Industrial. É para afastar riscos de confundibilidade potencial de marcas e seus destrutivos efeitos ao nível da distorção da concorrência limpa e franca reclamada pela economia e exigida pelo Direito constituído que se erigiu um regime de recusa de registo. É, pois, para responder a quadros fácticos da natureza dos que se analisam que foi montado o mecanismo em que assentou a decisão posta em crise. É, consequentemente, negativa a resposta à questão em apreço. III. DECISÃO Pelo exposto, julgamos a apelação improcedente e, em consequência, confirmamos a sentença impugnada. Custas pelo Apelante. * Lisboa, 21.04.2020 Carlos M. G. de Melo Marinho Ana Isabel de Matos Mascarenhas Pessoa Rui Miguel de Castro Ferreira Teixeira |