Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
44/20.6PDSNT.L1-9
Relator: MADALENA CALDEIRA
Descritores: OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA QUALIFICADA
AGENTE POLICIAL FORA DE SERVIÇO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I – É de atribuir valor agravante à prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada cometida contra agente de força policial desfardado e de folga, facto que era do conhecimento do arguido.
II – Não é de suspender a execução de uma pena de prisão em que as necessidades de prevenção geral, fruto do superior alarme social, se encontram acima da média e o arguido exibe instabilidade vivencial, com indicadores de falta de inserção social e familiar, a par de um percurso de vida de várias décadas pautado pela prática de diversos crimes, embora espaçados no tempo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordaram, em conferência, os Juízes Desembargadores da 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
Por sentença datada de 07.04.2022, na parte que para aqui importa, foi o arguido A condenado pela prática, em coautoria material, do crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, e 145.º, n.ºs 1, al. a), e 2, do Código Penal, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. h), do mesmo diploma legal, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período e sujeita a regime de prova a elaborar pela DGRSP.
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Recurso da decisão
Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso da decisão, tendo extraído da sua motivação as seguintes conclusões (que transcrevemos):
CONCLUSÕES
1.ª– Nos presentes autos, foram os arguidos condenados, pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 143.º, n.º 1, e 145.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, do Código Penal, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. h), do mesmo diploma legal, tendo sido aplicada ao arguido A a pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período e mediante regime de prova a delinear e a fiscalizar pela DGRSP.
2.ª – Não pode, todavia, o Ministério Público conformar-se com a mencionada decisão de suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido, questão a que se restringe o presente recurso.
3.ª – O Tribunal Constitucional e o Supremo Tribunal de Justiça têm vindo a entender, de forma pacífica, tratar-se a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do disposto no artigo 50.º, do Código Penal, de um poder-dever, de um poder vinculado do julgador, tendo o tribunal sempre de fundamentar, especificadamente, quer a concessão quer a denegação da suspensão.
4.ª – Tal fundamentação é, aliás, expressamente exigida pelos artigos 205.º, da Constituição da República Portuguesa, 50.º, n.º 4, do Código Penal e 374.º e 375.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
5.ª – A douta sentença em crise, todavia, não dá cumprimento à exigida especial fundamentação da decisão de (no caso) suspender a pena de prisão aplicada ao arguido A limitando-se a referir que é ainda possível fazer um juízo de prognose favorável quanto ao mesmo (de que a mera censura do facto e a ameaça de cumprimento de pena de prisão são suficientes para o afastar da prática de factos semelhantes aos que estão em causa no  autos), sem, todavia, esclarecer em que medida é ainda possível fazer tal juízo de prognose ou quais as circunstâncias que abonam a favor do arguido que levaram a concluir por tal decisão.
6.ª – Tal falta de fundamentação inquina a sentença recorrida do vício de nulidade, previsto no artigo 379.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Código de Processo Penal, a qual se invoca e deve ser declarada, para todos os efeitos legais.
7.ª – De acordo com o disposto no nº 1, do artigo 40.º, do Código Penal, a aplicação de uma pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, o que vale por dizer que a pena cumpre sempre a função de responder às necessidades de prevenção gerais e especiais que se fazem sentir em cada caso.
8.ª - Já por força do disposto no n.º 2, do mesmo normativo, a punição em concreto terá sempre como limite máximo inultrapassável a culpa do agente e como limite mínimo, irrenunciável, as necessidades de prevenção geral.
9.ª – Acresce que, de acordo com o disposto no n.º 2, do artigo  71.º, do Código Penal, dentro daqueles referidos limites mínimo e máximo, a pena ideal alcançar-se-á, ponderando, entre o mais, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, as condições pessoais do agente e a sua situação económica, a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime.
10.º - E, de acordo com o disposto no artigo 50.º, do Código Penal o Tribunal suspende a pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos, quando lhe for possível fazer um juízo de prognose favorável de que a mera censura do facto e a simples ameaça de cumprimento de pena de prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição, em face da personalidade do agente, as suas condições de vida e a sua conduta anterior e posterior ao crime.
11.ª - Tal prognose exige a valoração conjunta de todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, pois a finalidade político-criminal visada com o instituto da suspensão da pena é o afastamento da prática pelo arguido, no futuro, de novos crimes.
12.ª – Como ensina Figueiredo Dias, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada, se a ela se opuserem as finalidades da punição, nomeadamente considerações de prevenção geral ou necessidades de prevenção especial.
13.ª – No caso dos autos, haveria que ponderar: quanto à personalidade do arguido A, a sua conduta anterior e posterior ao crime, realçando-se o teor do seu certificado de registo criminal, sendo que, nos presentes autos, nunca mostrou qualquer arrependimento, desresponsabilizando-se pelos seus actos e culpabilizando a vítima; no que concerne às circunstâncias do crime cometido, a ilicitude e a culpa do arguido muito elevadas, atento o modo como perpetrou as agressões, a violência das mesmas, o uso de um objecto contundente, o facto de ter agido em grupo e ainda as partes vitais do corpo do ofendido que foram atingidas e as extensas lesões que a conduta dos arguidos lhe causou e, bem assim, o motivo fútil que determinou a sua actuação.
14.ª – As condenações anteriores sofridas pelo arguido A, salientando-se as sofridas por crimes contra bens jurídicos eminentemente pessoais, revelam que o arguido tem uma personalidade anti-jurídica, mantendo um comportamento reiterado e prolongado de violação daqueles bens jurídicos, como sejam a integridade física de terceiros.
15.ª – Consideramos, pois, que a personalidade do arguido A vem-se revelando refratária, desde há alguns anos atrás, a uma normal convivência social, ao respeito das regras do direito, pelo que a prognose sobre o seu comportamento à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização é claramente negativa, o que impunha decisão oposta à tomada pelo Tribunal quanto à conclusão por um juízo de prognose favorável quanto ao mesmo e à consequente aplicação da pena de substituição de suspensão da pena de prisão em que foi condenado.
16.ª – Antes se impunha ao Tribunal dar ao arguido a percepção de que os seus comportamentos ilícitos típicos, muito concretamente aquele por que foi condenado nos autos, são de elevada gravidade e deveria o Tribunal puni-los com a severidade proporcional àquela.
17.ª - Forçoso é, pois, concluir que a suspensão da pena de prisão não se mostra adequada às finalidades da punição do caso sub judice, já que os antecedentes criminais do arguido espelham de forma suficientemente eloquente que as penas anteriormente aplicadas se revelaram infrutíferas para que aquele pudesse pautar os seus comportamentos de acordo com as normas legais vigentes e de acordo com as normas societárias e se coibisse de continuar a praticar factos como os que estão em causa nos autos.
18.ª - Pelo exposto, ao decidir como decidiu, o Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 205.º, da Constituição da República Portuguesa, 97.º, 374.º e 375.º, do Código de Processo Penal, 40.º, 50.º e 71.º, do Código Penal.
19.ª - Pelo que se impõe a revogação da sentença proferida e a sua substituição por outra que decida pela não aplicação da suspensão da execução da pena de dois anos de prisão a que o arguido A foi condenado nos autos e determine o seu efectivo cumprimento.
20.ª – Com o que farão Vossas Excelências inteira J U S T I Ç A.
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Notificado, o arguido A não respondeu ao recurso.
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O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
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Parecer do Ministério Público junto da Relação
Subidos os autos a este Tribunal da Relação, em sede de parecer a que alude o art.º 416°, do CPP, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto aderiu às alegações do recurso apresentadas pelo Ministério Público na primeira instância.
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Cumprido o disposto no art.º 417º, n.º 2, do CPP, não foi apresentada resposta.
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Após exame preliminar e colhidos os Vistos, realizou-se a conferência, cumprindo agora apreciar e decidir, nos termos resultantes do labor da conferência.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
A delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, sendo essas que balizam os limites do poder cognitivo do tribunal superior, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como ocorre por exemplo com os vícios previstos nos artigos 410º, n.º 2, ou 379º, n.º 1, ambos do CPP (cfr. art.ºs 412º, n.º 1, e 417º, n.º 3, ambos do CPP).
Posto isto, passamos a delimitar o thema decidendum, que o mesmo é dizer a elencar as questões colocadas à apreciação deste tribunal, pela ordem em que foram invocadas:
1. Da nulidade da sentença recorrida, por falta de fundamentação da suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido A.
2.  Se é de revogar, ou de manter, a decisão de suspensão da pena de prisão de 2 anos aplicada ao arguido A.
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A Decisão Recorrida:
A decisão recorrida tem o seguinte teor (que se transcreve parcialmente, nas partes mais relevantes para a apreciação do recurso):
I. Relatório:
Requerendo julgamento em processo comum e com intervenção do tribunal singular, o Ministério Público deduziu Acusação contra:
B, solteiro, nascido a 30-10-1999, em São Sebastião da Pedreira – Lisboa, filho de J… e de C…, residente na Rua …, Loja F, Lisboa;
A, solteiro, nascido a 13-07-1974, em São Salvador – Viseu, filho de B… e de I…, residente …, n.º 41, Lisboa;
E,
C, solteiro, nascido a 12-02-1980, em Cabo-Verde, filho de C… e M…, servente de construção civil, residente na Av….Castelo Branco.
Na qual imputa a cada um dos arguidos, em co-autoria material e na forma consumada, a prática de um crime de Ofensa à Integridade Física Qualificada, p.e.p. pelo artigo 143.º, n.º 1, e 145.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, do Código Penal, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. h), do mesmo diploma legal.

Regularmente notificados para o efeito, os arguidos não apresentaram Contestação, nem arrolaram testemunhas.
Realizou-se a audiência de julgamento, a qual decorreu com observância das formalidades legais, na ausência do arguido B, apesar de regularmente notificado para o efeito.
 (…)
III. Fundamentação de Facto
Factos Provados:
Da discussão da causa, e com relevância para a sua decisão, resultaram provados os seguintes factos:
1. No dia 31 de Janeiro de 2020, pelas 21h00, na Calçada ..., em Lisboa, D estava a escrever uma SMS no seu telemóvel, quando os arguidos, que pernoitavam naquele local em tendas de campismo, por se encontrarem em situação de sem-abrigo, se lhe dirigiram por acharem que o mesmo os estava a filmar;
2. O arguido B dirigiu-se ao ofendido D dizendo-lhe “filho da puta, mas quem tu és, vais levar nos cornos”, solicitando-lhe que lhe entregasse o telemóvel;
3. E encontrava-se no local e declarou perante os restantes arguidos que conhecia o ofendido de vista e que o mesmo era agente da PSP;
4. O ofendido D explicou aos arguidos que não se encontrava a realizar qualquer filmagem, informando ainda que era agente da PSP, mostrando o respectivo cartão profissional, uma vez que se encontrava de folga e trajado à civil;
5. Nessa sequência, o arguido B retorquiu “não quero saber se és polícia, passa para cá o telemóvel”, agarrou a mão do ofendido enquanto tentava retirar o telemóvel que se encontrava na mão do mesmo, não tendo logrado os seus intentos porquanto o ofendido o afastou colocando-lhe a mão no peito, tendo o Arguido B de imediato desferido uma cabeçada na testa do ofendido;
6. Acto contínuo, o arguido A aproximou-se do ofendido pela retaguarda e desferiu-lhe uma pancada na cabeça com uma das canadianas que trazia consigo;
7. Como consequência dessa conduta, o ofendido caiu ao solo, tendo perdido os sentidos durante cerca de 10 segundos;
8. Estando o ofendido prostrado no solo, os arguidos B, A e C cercaram-no e começaram a desferir-lhe um número indeterminado de pontapés na zona das costelas e na cabeça do ofendido, atingindo-o ainda nos braços, com os quais o ofendido tentava proteger a cabeça, depois de recuperar os sentidos;
9. O arguido B desferiu ainda pelo menos três socos na face do ofendido, enquanto o mesmo se encontrava no chão;
10. Como consequência da conduta conjunta dos três arguidos, o ofendido sofreu traumatismo craniano encefálico com perda de consciência e perda de controlo dos esfíncteres, escoriações e edema da pirâmide nasal e região periorbitária, mais acentuada à direita, ferida no couro cabeludo, escoriações no braço direito, ferida incisa na região parieto-occipital esquerda que foi suturada cirurgicamente (da qual resultou cicatriz eutrófica na cor da pele com 4 cm), e fractura da apófise frontal das maxilas e do septo nasal;
11. Tais lesões demandaram 30 dias para cura, com afectação da capacidade de trabalho geral por 7 dias e com afectação da capacidade de trabalho profissional por 14 dias;
12. Os arguidos A, B e C agiram concertadamente e em união de esforços, em execução de plano conjunto, com o propósito concretizado, de molestar o corpo e a saúde do ofendido, do modo descrito, causando-lhe lesões e dores;
13. Os três arguidos estavam cientes de que a superioridade numérica com que actuavam colocava o ofendido indefeso perante as suas investidas, o que representaram e quiseram, não se coibindo de o agredir conjuntamente, acertando-lhe na zona da cabeça, enquanto o mesmo se encontrava prostrado no solo;
14. Os três arguidos agiram de modo deliberado, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei penal.

Mais se provou que:
Quanto a C:
15. (…)
16. (…)
17. (…)
18. (…)
19. (…)
20. (…)
Quanto a B:
21. (…)
22. (…)
23. (…)
Quanto a A:
24. O arguido encontra-se reformado;
25. Aufere uma reforma mensal de €448,22;
26. Apesar de se encontrar actualmente preso, paga €33,20 mensais de renda;
27. Tem uma filha com 4 anos de idade;
28. Tem o 7.º ano de escolaridade;
29. Tem as seguintes condenações averbadas no seu Certificado de Registo Criminal:
a) Proc. n.º 244/96.8TBVFX: Condenação pela prática de um crime de furto, em 11/04/1996, na pena de 45 dias de multa, à taxa diária de $500,00;
b) Proc. n.º 536/92.5PDLSB: Condenação pela prática de um crime de roubo, na pena de 3 anos de prisão, suspensa pelo período de 4 anos, por decisão transitada em julgado em 08/06/1999. Pena extinta por cumprimento em 07/07/2003;
c) Proc. n.º 79/99 (380/94.5TCLSB): Condenação pela prática de um crime de furto qualificado, praticado em 21/01/1991, na pena de 1 ano de prisão, por acórdão transitado em julgado em 02/02/2000;
d) Proc. n.º 133/01.6S6LSB: Condenação pela prática de crime de injúria, praticado em 06/03/2001, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de €4,00, por sentença transitada em julgado em 09/12/2002. Pena extinta por cumprimento em 03/02/2004;
e) Proc. n.º 687/02.0PBOER: Condenação pela prática de um crime de violação na forma tentada e um crime de roubo, praticados em 12/05/2002, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, por acórdão transitado em julgado em 18/04/2005. Pena extinta por cumprimento em 10/12/2007;
f) Proc. n.º 648/04.4TBMFR: Condenação pela prática de um crime de roubo, em 04/02/2000, na pena de 3 anos de prisão, suspensa por 4 anos com regime de prova, por acórdão transitado em julgado em 06/11/2006. Pena extinta por cumprimento em 06/11/2014;
g) Proc. n.º 334/17.5PWLSB: Condenação pela prática de um crime de violência doméstica contra cônjuge ou análogos, 22/04/2017 e um crime de ameaça agravada, em 22/04/2018, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa por igual período, com regime de prova, por sentença transitada em julgado em 31/08/2020.
Factos Não Provados:
Inexistem.
(…)
Motivação da Matéria de Facto:
(…)
*
Fundamentação de Direito:
(…)
a) Da Medida da Pena:
O crime de ofensa à integridade física qualificada é punido com pena de prisão até 4 anos.
 (…  )
Quanto ao arguido A:
Devem ser tidos em conta:
– O grau de ilicitude do facto, o modo da sua execução e a gravidade das suas consequências: neste caso, entende-se que a ilicitude do facto se situa num grau elevado, cumprindo, ainda, atentar a que o arguido fez uso de um objecto (a muleta) aumentando o potencial lesivo da sua conduta, utilizando aquele instrumento sobre a cabeça do ofendido, atingindo, deste modo, uma parte vital do corpo da vítima, o que foi valorado desfavoravelmente,
– A intensidade do dolo, que deve considerar-se ser dolo directo de ofensas ao corpo da vítima;
– Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que determinaram a sua prática: atendendo ao motivo frívolo que conduziu às agressões perpetradas contra o ofendido, tendo o arguido sido motivo apenas por pensar que o ofendido estaria a filmar o local em que se encontravam. Tendo passado de forma rápida à violência física, mesmo perante as explicações oferecidas, o que foi valorado em seu desfavor;
– As condições pessoais do agente, bem como a sua situação económica: o arguido encontra-se neste momento em prisão preventiva preso à ordem de outro processo e tem uma filha de 4 anos;
– A conduta anterior e posterior aos factos: foi tido em conta de forma desfavorável ao arguido que o mesmo, apesar de ter prestado declarações em duas ocasiões (primeiro interrogatório e julgamento) nunca assumiu qualquer responsabilidade nos factos, assumindo uma postura desculpabilizante em relação a si mesmo e responsabilizando o ofendido pelo ocorrido, por se encontrar no local, na sua óptica, a filmar os arguidos. Ilustrativo de que o arguido não interiorizou o desvalor da sua conduta foi que o mesmo declarou, até, que o grosso das lesões do ofendido resultariam de uma queda que teria sofrido antes de entrar na ambulância na data dos factos;
– A falta de preparação do agente do crime para manter uma conduta lícita: relevando, neste ponto, que o arguido tem averbadas no seu CRC seis condenações anteriores, por crimes de diferente natureza, ainda que três deles por também crimes contra bens jurídicos pessoais (dois roubos e uma violação na forma tentada). Acresce que o arguido já cumpriu penas de prisão efectiva. O que vem de se expor foi valorado em seu desfavor por revelar alguma propensão para a prática de factos  ilícitos típicos e alguma resistência aos efeitos das penas.
No que se reporta às exigências de prevenção geral, as mesmas devem considerar-se elevadas pela frequência da ocorrência de casos de ofensa à integridade física. É, portanto, exigível uma forte repressão destes comportamentos, reafirmando-se a eficácia da norma na nossa Ordem Jurídica.
Já quanto às exigências de prevenção especial, no caso vertente, as mesmas são elevadas. Pese embora o arguido não apresente antecedentes criminais por crime da mesma natureza, não deixa de se verificar que estes factos são graves pela violência da conduta e pelas consequências que teve para a vítima, atendendo às suas lesões, período de recuperação e sequelas.
Donde, a ilicitude verificada no caso vertente é elevada, sendo também elevadas as exigências de prevenção geral e especial, bem como a culpa, reportada ao dolo directo de ofensas.
Neste conspecto, julga-se ser adequada e proporcional a aplicação ao arguido de uma pena de 2 anos de prisão.
*
Quanto ao arguido C:
(…)
Da Suspensão da Execução da Pena de Prisão:
Dispõe o art.º 50.º, n.º 1 do CP que «O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.»
Existem, assim, pressupostos formais da suspensão da execução de pena, que se materializam na condenação prévia do agente numa pena de prisão até 5 anos, encontrando-se este requisito preenchido no caso sub judice; e pressupostos materiais que se corporizam na adequação da mera censura do facto e ameaça de prisão às necessidades de prevenção verificadas no caso (tanto de prevenção geral, como de prevenção especial), donde resulta que, nesta ponderação, não está em causa a culpa do agente, mas apenas a possibilidade de ser efectuado um juízo de prognose favorável em relação ao seu comportamento futuro, olhando-se, para o efeito, às suas condições de vida e ao seu comportamento anterior e posterior aos factos, sendo este juízo de prognose reportado à data da decisão(6).
A pena de prisão está pensada, no nosso Ordenamento Jurídico, como uma medida de ultima ratio, o que se reflecte também no regime da possibilidade de suspensão da sua efectiva execução mesmo quando se tenha concluído pela escolha dessa pena em momento anterior. Tal configuração prende-se com as desvantagens para a ressocialização do agente que são aportadas pelo cumprimento de penas de prisão.
Arguido B
(…)
Arguido A
Com efeito, encontram-se averbadas no seu certificado de registo criminal 2 condenações pelo crime de roubo e 1 condenação pelo crime de violação, forma tentada. No entanto, não pode deixar de ser sopesada a circunstância de o último crime de roubo ter sido praticado em 12/05/2002, na mesma data do crime de violação na forma tentada. Constando, depois disso, apenas mais uma condenação (com trânsito em julgado posterior aos factos em causa), pela prática do crime de violência doméstica e de ameaça agravada, em 22/04/2017 e 22/04/2018 que, não sendo tidos em conta como antecedente nestes autos, podem ser valorados como comportamento posterior relevante.
Apesar das anteriores condenações sofridas pelo arguido, e de o mesmo já ter cumprido penas de prisão efectiva, entende-se ser, ainda, possível, considerar que em relação ao crime em causa nestes autos, a simples censura do facto e a ameaça da pena são, ainda, aptas a realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, sendo possível levar a cabo um juízo de prognose favorável em relação ao arguido, motivo pelo qual se suspende a pena ora aplicada pelo período de 2 anos, conforme previsto pelo art.º 50.º, n.º 5 do CP.
Suspensão esta que deve ser acompanhada de regime de prova, de modo a promover a sua reintegração na sociedade. Regime este que deve assentar num plano delineado e fiscalizado pela DGRSP, nos termos previstos no art.º 53.º, n.º 1 e 2 do CP.
Arguido C
(…)
b) Do Destino dos Bens Apreendidos:
(…)
IV. Custas:
(…)
V. Dispositivo:
Em face do exposto, julga-se a acusação pública procedente por provada, e em consequência decide-se:
A) Condenar o arguido B pela prática do crime de Ofensa à Integridade Física Qualificada, p.e.p. pelo artigo 143.º, n.º 1, e 145.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, do Código Penal, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. h), do mesmo diploma legal na pena de 1 ano de prisão suspensa na sua execução pelo mesmo período e sujeita a regime de prova a elaborar pela DGRSP;
B) Condenar o arguido A pela prática do crime de Ofensa à Integridade Física Qualificada, p.e.p. pelo artigo 143.º, n.º 1, e 145.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, do Código Penal, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. h), do mesmo diploma legal na pena de 2 anos de prisão suspensa na sua execução pelo mesmo período e sujeita a regime de prova a elaborar pela DGRSP;
C) Condenar o arguido C pela prática do crime de Ofensa à Integridade Física Qualificada, p.e.p. pelo artigo 143.º, n.º 1, e 145.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, do Código Penal, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. h), do mesmo diploma legal na pena de 1 ano e 6 meses de prisão suspensa na sua execução pelo mesmo período;
D) Condenar os arguidos no pagamento de custas criminais, incluindo taxa de justiça, que se fixam em 2UC, cfr. art. 513.º, n.º 1 e 514.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, e art. 1.º e 8.º, n.º 9, por referência à Tabela III, do Regulamento das Custas Processuais;
E) Determinar que se diligencie pela devolução do blusão apreendido a fls. 14 ao arguido B, cfr. 186.º, n.º 2 do CPP.
(…)
*
Da análise dos fundamentos do recurso (pela ordem de lógica jurídica):
1. Da nulidade da sentença recorrida, por falta de fundamentação da suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido A.
O Recorrente considera que a sentença recorrida está inquinada de nulidade, vício previsto no art.º 379º, n.º 1, al. a), do CPP, por falta de fundamentação da suspensão da pena de prisão aplicável ao arguido A.
Vejamos.
Preceitua o art.º 379º, do CPP, respeitante à “nulidade da sentença”, que:
1 - É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;
b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º;
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
2 - As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º
3 - Se, em consequência de nulidade de sentença conhecida em recurso, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido, o recurso que desta venha a ser interposto é sempre distribuído ao mesmo relator, exceto em caso de impossibilidade.
De acordo com o n.º 3, do art.º 410º, do CPP, “o recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal à matéria de direito, e inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.”.
Dispõe o  art.º 374º, n.º 2, do CPP, referente aos “requisitos da sentença” que: ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame critico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
E o art.º 375º, n.º 1, do CPP, referente à “sentença condenatória” que: a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada, indicando, nomeadamente, se for caso disso, o início e o regime do seu cumprimento, outros deveres que ao condenado sejam impostos e a sua duração, bem como o plano individual de readaptação social.
 Por seu turno, dispõe o art.º 50º, n.º 4, do Código Penal, sob a epígrafe “pressupostos e duração”, que a decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.

As sentenças ou acórdãos judiciais, enquanto atos decisórios, carecem necessariamente de fundamentação, seja no que respeita à enumeração ou especificação da matéria de facto provada e não provada (reportada à factualidade constante da acusação e/ou da pronúncia, da contestação do arguido, do pedido cível do demandante) e motivação explícita do processo de convencimento ou convicção do julgador, seja no que respeita à escolha, medida da pena e concessão ou negação da suspensão de pena de prisão aplicada - art.ºs 205.º, n.º 1, da CRP, 97.º, n.ºs 1, al. a) e 5, 375º e 374º, todos do CPP.
No caso em concreto a falta de fundamentação invocada respeita exclusivamente à decisão de suspensão da pena de prisão de 2 anos aplicada ao identificado arguido, por o tribunal ter fundamentado tal suspensão da execução da pena de forma vaga e ligeira.
Ora a sentença recorrida, depois de discorrer sobre os ditames legais que subjazem à suspensão da execução da pena de prisão e de interpretar tais normativos, reporta-se aos antecedentes criminais do arguido, ao comportamento posterior relevante do mesmo, terminando por concluir ser ainda viável realizar um juízo de prognose favorável ao arguido.
Trata-se de uma fundamentação concisa e algo espartana, concordamos, porém, percebem-se ainda os fundamentos que justificaram a decisão de suspensão da execução da pena de prisão.
Considera-se, por isso, que a sentença recorrida não padece de falta de fundamentação que a inquine da nulidade invocada.
O que não significa que não possa padecer de erro de subsunção, questão que será em seguida tratada.
Termos em que improcede o recurso neste segmento.

2.  Se é de revogar, ou de manter, a decisão de suspensão da pena de prisão de 2 anos aplicada ao arguido A.
O Recorrente considera que a pena de prisão em que foi condenado o arguido A não deveria ter sido suspensa na sua execução.
Para tanto invoca que a sentença recorrida não valorou adequadamente a personalidade do arguido A, a sua conduta anterior e posterior ao crime (realçando o teor do seu certificado de registo criminal), a ausência de arrependimento, o facto de a ilicitude e a culpa serem muito elevadas, atento o modo como perpetrou as agressões, a violência das mesmas, o uso de um objeto contundente, o facto de ter agido em grupo, as partes vitais do corpo do ofendido que foram atingidas, as extensas lesões que a conduta dos arguidos causou e o motivo fútil que determinou a sua atuação.

Recordemos que o arguido foi condenado pela prática, em coautoria material, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, e 145.º, n.ºs 1, al. a), e 2, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. h), ao excerto “praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas”, todos do Código Penal.

Vejamos se assiste razão ao Ministério Público:
Dispõe o art.º 50º, do Código Penal, sob a epígrafe “pressupostos e duração”, que:
1 - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 - O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3 - Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.
4 - A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5 - O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos.

É consentâneo que a suspensão da execução da pena obedece à regra da preferência pelas sanções criminais não detentivas face às detentivas, no pressuposto de que estas últimas realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, princípio ínsito no art.º 70º do CP.
É preciso, numa palavra, que os factos dados como provados permitam realizar um juízo de prognose futura de socialização do agente em liberdade (dimensão da prevenção especial positiva, de socialização e inserção), e que a esse juízo não se sobreponham necessidades de prevenção geral, que é a outra das finalidades da pena.
Esse juízo de prognose futura de socialização do agente em liberdade traduz-se, numa dimensão positiva, na consideração de que  a simples censura do facto e a ameaça da prisão serão adequadas e suficientes às finalidades da punição e, numa dimensão negativa, na inexistência de razões sérias que possam suscitar reservas sobre a capacidade do agente em adequar no futuro a sua conduta aos bens jurídicos essenciais à coexistência em comunidade.
No que à prevenção geral se reporta, como menciona Figueiredo Dias, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização, a suspensão da execução da pena de prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime, entendidas no sentido de que não estão em causa considerações relativas à culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico (cfr. Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas Editoral Notícias, 1993, pág. 344).

Focando-nos no caso que nos ocupa:
Adianta-se, desde já, que não conseguimos acompanhar a decisão recorrida nesta parte, desde logo porque não existem elementos suficientes dados como provados que permitam realizar o tal juízo de prognose favorável, na sua dupla dimensão positiva e negativa, de que a simples suspensão da execução da pena possa afastar o arguido da prática de novos ilícitos criminais, para além de que as exigências de prevenção geral também se opõem à suspensão da execução da pena.
Se não atentemos.
Deu-se como provado, no que respeita às condições pessoais, que o arguido se encontra reformado, aufere uma reforma mensal de € 448,22, tem o 7.º ano de escolaridade, tem uma filha com 4 anos de idade e está atualmente em prisão preventiva.
À data dos factos, 31.01.2020, o arguido vivia em situação de sem-abrigo.
 Tem as seguintes condenações averbadas no seu certificado de registo criminal:
a) Proc. n.º 244/96.8TBVFX: Condenação pela prática de um crime de furto, em 11/04/1996, na pena de 45 dias de multa, à taxa diária de $500,00;
b) Proc. n.º 536/92.5PDLSB: Condenação pela prática de um crime de roubo, na pena de 3 anos de prisão, suspensa pelo período de 4 anos, por decisão transitada em julgado em 08/06/1999. Pena extinta por cumprimento em 07/07/2003;
c) Proc. n.º 79/99 (380/94.5TCLSB): Condenação pela prática de um crime de furto qualificado, praticado em 21/01/1991, na pena de 1 ano de prisão, por acórdão transitado em julgado em 02/02/2000;
d) Proc. n.º 133/01.6S6LSB: Condenação pela prática de crime de injúria, praticado em 06/03/2001, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de €4,00, por sentença transitada em julgado em 09/12/2002. Pena extinta por cumprimento em 03/02/2004;
e) Proc. n.º 687/02.0PBOER: Condenação pela prática de um crime de violação na forma tentada e um crime de roubo, praticados em 12/05/2002, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, por acórdão transitado em julgado em 18/04/2005. Pena extinta por cumprimento em 10/12/2007;
f) Proc. n.º 648/04.4TBMFR: Condenação pela prática de um crime de roubo, em 04/02/2000, na pena de 3 anos de prisão, suspensa por 4 anos com regime de prova, por acórdão transitado em julgado em 06/11/2006. Pena extinta por cumprimento em 06/11/2014;
g) Proc. n.º 334/17.5PWLSB: Condenação pela prática de um crime de violência doméstica contra cônjuge ou análogos, 22/04/2017 e um crime de ameaça agravada, em 22/04/2018, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa por igual período, com regime de prova, por sentença transitada em julgado em 31/08/2020.

E no que respeita ao crime em que foi condenado, está assente que o arguido, juntamente com mais dois, quando o ofendido estava a escrever um SMS no seu telemóvel, dirigiu-se ao mesmo, por achar que os estava a filmar, o aqui arguido ficou conhecedor de que o ofendido era agente da PSP (embora não estivesse fardado e em serviço, dado que estava de folga), tendo visionado o respetivo cartão profissional. O ofendido explicou que não se encontrava a realizar qualquer filmagem, mas simplesmente a enviar um SMS. Um dos coarguidos iniciou a desferir uma cabeçada na testa do ofendido, o arguido A aproximou-se do ofendido pela retaguarda e desferiu-lhe uma pancada na cabeça com uma das canadianas que trazia consigo, na sequência do que o ofendido caiu ao solo, tendo perdido os sentidos. Estando o ofendido prostrado no solo, o arguido A, juntamente com os coarguidos, cercaram-no e começaram a desferir-lhe um número indeterminado de pontapés nas zonas das costelas, cabeça e braços, com os quais o ofendido tentava proteger a cabeça, depois de recuperar os sentidos. Como consequência da conduta conjunta dos três arguidos, o ofendido sofreu traumatismo craniano encefálico com perda de consciência e perda de controlo dos esfíncteres, escoriações e edema da pirâmide nasal e região periorbitária, mais acentuada à direita, ferida no couro cabeludo, escoriações no braço direito, ferida incisa na região parieto-occipital esquerda que foi suturada cirurgicamente (da qual resultou cicatriz eutrófica na cor da pele com 4 cm), e fratura da apófise frontal das maxilas e do septo nasal, lesões que demandaram 30 dias para cura, com afetação da capacidade de trabalho geral por 7 dias e com afetação da capacidade de trabalho profissional por 14 dias.

Visto o exposto, o arguido A tinha à data dos factos condições de aparente instabilidade vivencial, não se mostrava integrado socialmente, nem familiarmente, e à data da prolação da sentença encontrava-se em prisão preventiva, tudo materialidade que  não permite sustentar um juízo de prognose favorável de que a simples ameaça de cumprimento de uma pena de prisão será suficiente para o afastar da prática de novos crimes.
Acresce que o registo criminal do arguido também não abona a favor do tal juízo de prognose favorável, considerando ter registada a prática de um crime de furto qualificado praticado em 1991, decisão transitada em 2000, em pena de 1 ano de prisão; um crime de furto praticado em 1996; um crime de roubo, decisão transitada em 1999, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução, pena extinta por cumprimento em 2003; um crime de roubo, praticado em 2000, decisão transitada em 2006, em pena de 3 anos de prisão suspensa na sua execução, cuja  extinção foi decretada em 2014; um crime de injúria, praticado 2001, decisão transitada em 2002; um crime de violação na forma tentada e um crime de roubo, praticados em 2002, decisão transitada em 2005, condenado em pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, pena extinta por cumprimento em 2007; e um crime de violência doméstica contra cônjuge ou análogos, praticado em 2017, e um crime de ameaça agravada, praticado em 2018, decisão transitada em 2020,  na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa por igual período, com regime de prova.
 Ou seja, o que o registo criminal do arguido demonstra é que o mesmo tem vindo a dedicar-se à prática de ilícitos criminais, não só de natureza patrimonial, mas também pessoal, desde o início da década de 90, incluindo furtos,  roubos, violação tentada, violência doméstica, entre outros, de onde resulta que o arguido, além de apresentar uma personalidade violenta, tem-se revelado insensível às penas que lhe foram sendo aplicadas, nomeadamente às de prisão suspensas na sua execução e até à pena de prisão efetiva, o que nos reconduz à consideração de que as exigências de prevenção especial são tão elevadas que não permitem sustentar uma nova suspensão da execução da pena de prisão aplicada.
As condições de vida do arguido e o seu percurso de vida, nomeadamente resultante das suas condenações registadas no CRC, revelam forte impermeabilidade à adoção de um modo de vida consentâneo com o direito.
Ainda que tal não sucedesse, as necessidades de prevenção geral, por si só, também impõem que a pena de prisão aplicada seja efetiva.
Na verdade, um crime de ofensa à integridade física cometido sem motivo minimamente explicativo (com a simples justificação de que o ofendido estaria a filmá-los, quando o mesmo explicou que estava apenas a enviar uma mensagem do seu telemóvel), com diversas e sucessivas agressões (com cabeçada, seguida de agressão com uma canadiana na cabeça, sem que a vítima tivesse possibilidade de defesa, agressão perpetrada por detrás pelo aqui arguido A, seguida de agressões com pontapés na cabeça, costelas e braços, numa altura em que o ofendido estava já prostrado no solo e sem consciência), é demonstrativo de uma ilicitude bem acima da média e também de um desvalor da ação muitíssimo significativo, e nem o facto de o arguido ter tido conhecimento que o ofendido era agente da PSP resfriou os seus intentos, o que nos obriga a concluir que as necessidades de prevenção geral (para além das de prevenção especial) são de tal modo elevadas que impedem a suspensão da execução da pena de prisão.
Pelo exposto, entende-se que não é de suspender a pena de prisão aplicada, devendo o arguido cumprir 2 anos de prisão efetiva.
Procede, nesta parte, o recurso interposto.

III – Dispositivo
Pelo exposto, acordam os juízes da 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, revogam a sentença condenatória, na parte em que julgou suspensa na execução (por dois anos e sujeita a regime de prova a elaborar pela DGRSP) a pena de 2 anos de prisão aplicada ao arguido A.
Sem custas.
Notifique e D.N.

Lisboa, 12-01-2023
Madalena Augusta Parreiral Caldeira
António Bráulio Alves Martins
Maria Carlos Duarte do Vale Calheiros