Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9569/20.2T9LSB.L1-9
Relator: FERNANDA SINTRA AMARAL
Descritores: CRIME DE DIFAMAÇÃO
OFENSA A ORGANISMO
SERVIÇO OU PESSOA COLECTIVA
DIREITO À HONRA E CONSIDERAÇÃO SOCIAL
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
PROPORCIONALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/02/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: (da responsabilidade da relatora):

I. Para se concluir pela integração da objectividade típica nos crimes de difamação, p. e p. pelo art. 180º e de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, p. e p. pelo art. 187º, ambos do Código Penal, há que ter presente que existe uma potencialidade conflituante do direito à honra e consideração com outros direitos constitucionalmente consagrados, com particular ênfase para a liberdade de expressão, que compreende não só a liberdade de pensamento como a liberdade de exteriorização de opiniões e juízos, de harmonia com o art. 37º da Constituição da República Portuguesa.
II. Não existe entre os referidos direitos qualquer relação de prevalência, devendo a sua concordância prática ser alcançada através do critério da proporcionalidade que, na análise, caso a caso, dos bens e valores em conflito, ditará a compressão de um deles.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - RELATÓRIO
I.1 No âmbito do processo comum singular n.º 9569/20.2T9LSB, que corre termos pelo Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, em que é arguido AA, melhor identificado nos autos, foi proferida sentença, na qual se decidiu [transcrição]:
“(…)
V – DECISÃO:
Pelo exposto, e na sequência da alteração não substancial comunicada, decide-se:
A) Condenar o arguido AA pela prática de dois crimes de difamação p. e p. pelos arts. 180º e 183º nº2 do Código Penal, na pena de 170 (cento e setenta) dias de multa por cada um dos crimes.
B) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, p. e p. pelo arts. 187º nº1 e 2 e 183º nº2 do Código Penal, na pena de 170 (cento e setenta) dias de multa.
C) Em cúmulo jurídico, condenar o arguido AA na pena única de 280 (duzentos e oitenta) dias de multa, à taxa diária de €10,00 (dez euros), no valor global de €2.800,00 (dois mil e oitocentos euros).
D) Condenar o arguido nas custas do processo e na taxa de justiça, que se fixa em 3 UC’s (arts. 513.º e 514.º do Código de Processo Penal e artigo 3.º n.º 1, 8.º n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais.
*
E) Julgar procedentes os pedidos de indemnização civil formulados por BB, CC e DD contra AA e, consequentemente, condena-se este no pagamento de uma indemnização no valor de 500,00€ (quinhentos euros), a cada um dos demandantes BB, CC e no valor de €1.000,00 (mil euros) ao demandante DD a pagar àqueles.
(…)”
»
I.2 Recurso da decisão final
Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido para este Tribunal da Relação, com os fundamentos expressos na respectiva motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões [transcrição]:
“(…)
II. CONCLUSÕES
1. O presente recurso tem como objecto toda a matéria de facto e de Direito da Sentença proferida nos presentes autos.
2. Concretamente, a questão que se coloca à consideração do Meritíssimo Tribunal ad quem resume-se a saber se, atenta a prova produzida em audiência, resultou provada a prática, pelo Recorrente, dos crimes pelo qual foi condenado – analisando-se, concretamente, quais os factos que, segundo o Recorrente, foram indevidamente julgados como provados e que, em função disso, impunham a absolvição do Recorrente, quer dos crimes, quer do pedido de indemnização civil.
3. O Recorrente foi condenado pela prática de dois crimes de difamação previstos e punidos pelos artigos 180.º e 183.º, n.º 2, do Código Penal, na pena de 170 (cento e setenta) dias de multa por cada um dos crimes, bem como pela prática de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, previsto e punido pelos artigos 187.º, n. º1 e n.º 2, e 183.º, n.º 2, do Código Penal, na pena de 170 (cento e setenta) dias de multa. Em cúmulo jurídico, foi o Recorrente condenado na pena única de 280 (duzentos e oitenta) dias de multa, à taxa diária de €10,00 (dez euros), no valor global de €2.800,00 (dois mil e oitocentos euros).
4. Quanto aos Pedidos de Indemnização Civil, o Recorrente foi condenado a pagar, a título de danos não patrimoniais, a quantia de €500,00 (quinhentos euros) à Assistente “BB”, a quantia de €500,00 (quinhentos euros) ao Assistente CC e a quantia de €1.000,00 (mil euros) ao Assistente DD.
5. Salvo o devido respeito por diversa opinião, entende o Recorrente que não se fez a devida Justiça, porquanto a decisão em crise não tem correspondência com a prova produzida em audiência, pelo que a Sentença deverá ser revogada e alterada por uma outra que absolva o aqui Recorrente dos crimes de que vinha acusado e dos pedidos de indemnização de que vinha demandado.
DA SINDICÂNCIA DA MATÉRIA DE FACTO
6. O Meritíssimo Tribunal a quo sustentou ter analisado e ponderado a totalidade dos meios de prova, nomeadamente as declarações do Arguido e dos Assistentes, o depoimento das testemunhas e a prova documental, na qual se incluía a reportagem designada “…”, emitida pelo programa “Sexta às 9, da ..., de 06-11-2020, concluindo que “Nas suas declarações o arguido não nega ter proferido as expressões que lhe são imputadas. O que diz é que a montagem e edição da reportagem não é da sua responsabilidade.”.
7. Porém, o Recorrente não admitiu ter proferido todas as expressões mencionadas nas Acusações Particulares, tendo esclarecido que, parte delas, eram conclusões da jornalista EE, ou do Narrador – e que, por isso, não podia ser responsabilizado pelas mesmas.
8. O Meritíssimo Tribunal a quo concluiu que, apesar de o Arguido ter referido que só acedeu dar a entrevista porque a Jornalista EE lhe havia dito que estava em causa o seu nome nome e actuação no negócio dos ..., “... em momento algum dessa mesma entrevista a actuação do ora arguido é referida, analisada ou escalpelizada. O que o arguido faz é referir-se à conduta dos assistentes nos presentes autos num determinado âmbito” – contudo, tal conclusão não se mostra consentânea com a prova produzida em audiência, particularmente se se atentar no depoimento da Testemunha EE na sessão de julgamento de 13/09/2023 (vide ficheiro “Diligencia_9569-20.2T9LSB_2023-09-13_14-45-31.mp3, minutos 3:50 a 5:42”), transcrito nas Alegações, em que a mesma corrobora a versão do Arguido.
9. Mais concluiu o Meritíssimo Tribunal a quo que, apesar de o Arguido ter referido ter dado duas entrevistas, a Jornalista EE referiu ter entrevistado aquele apenas uma vez – novamente, tal conclusão mostra-se em desacordo com a prova produzida, chamando-se particular atenção para os depoimentos da Testemunha EE na sessão de julgamento de 13/09/2023 (vide ficheiro “Diligencia_9569-20.2T9LSB_2023-09-13_14-45-31.mp3”, minutos 43:35 a 44:37), transcrito nas Alegações, e da Testemunha GG, na sessão de julgamento de 16/05/2023 (vide ficheiro “Diligencia_9569-20.2T9LSB_2023-05-16_09-35-55.mp3”, minutos 3:55 a 4:49), transcrito nas Alegações, em que a Jornalista EE admite não ter a certeza absoluta se falou com o Arguido uma ou duas vezes, tendo a Testemunha GG admitido que viu o Arguido por duas vezes, em duas reportagens.
10. De seguida, o Meritíssimo Tribunal a quo concluiu pela existência de uma contradição entre as declarações do Arguido em audiência com aquelas que prestou ao longo da entrevista no que concerne ao património da BB – no entanto, inexiste qualquer contradição, visto que, num primeiro momento, o Arguido se estava a referir ao património em 2016/2017, momento no qual ainda pertencia aos quadros da empresa, e, nas declarações retiradas da entrevista, refere-se a um momento posterior, em que a empresa se apresenta ao PER; o que se mostra corroborado na entrevista em questão nos autos, visualizada na sessão de julgamento de 14/06/2023 (vide ficheiro “Diligencia_9569-20.2T9LSB_2023-11-06_14-33-13.mp3”, minutos 15:10 a 18:29), transcrito nas Alegações.
11. Ora, das declarações do Arguido não se retira qualquer “suspeição”, sendo que a entrevista prossegue com o Narrador a afirmar que foi a equipa do “Sexta às 9” que entrou em contacto com a BB e que, atenta a documentação fornecida, dali retirou aquelas conclusões – pelo que as conclusões e alegadas suspeições não são proferidas pelo Arguido, mas pela equipa jornalística responsável pela entrevista.
12. Prosseguindo na sua motivação, o Meritíssimo Tribunal a quo conclui que não compreende o facto do Arguido se referir à criação de empresas em cascata e, ao mesmo tempo, evidenciar orgulho na criação da BB – sucede que o Arguido, de facto, confirmou a sua intervenção na criação da BB, mas, em momento algum (da entrevista, ou da audiência de julgamento), admitiu ter tido qualquer intervenção na criação das demais empresas em questão; veja-se aquilo que o Arguido refere na entrevista em questão nos autos, visualizada na sessão de julgamento de 14/06/2023 (vide ficheiro “Diligencia_9569-20.2T9LSB_2023-11-06_14-33-13.mp3”, minutos 18:29 a 18:48), transcrito nas Alegações.
13. Analisada no âmbito da entrevista, verifica-se que a colocação daquela frase do Arguido na entrevista é feita sem o mínimo de contexto, mas, ainda assim, da mesma não poder concluir que o Arguido levanta qualquer tipo de suspeitas sobre a BB e, muito menos, sobre as pessoas com a mesma relacionadas, concretamente os Assistentes DD e CC.
14. O Meritíssimo Tribunal a quo volta a manifestar a sua incompreensão pelo facto de o Arguido, nas suas declarações em audiência, ter referido que foi vendido património da BB, em 2016/2017, atenta a falta de liquidez da empresa, mas que, na entrevista, afirma, de forma conclusiva, que a empresa se desfez de património antes do PER – porém, mais uma vez, a conclusão do o Meritíssimo Tribunal a quo mostra-se desenquadrada com o que foi dito pelo Arguido na entrevista, visualizada na sessão de julgamento de 14/06/2023 (vide ficheiro “Diligencia_9569-20.2T9LSB_2023-11-06_14-33-13.mp3”, minutos 19:07 a 21:35), transcrita nas Alegações.
15. Verifica-se que o Arguido começou por afirmar que a BB chegou a ter sete helicópteros; de seguida, afirmou que, quando saiu, a BB detinha um hangar, equipamento e material; e concluiu que o património havia desaparecido, chamando a atenção para a necessidade de serem as autoridades a investigar e a tirar as suas ilações – dali, o Narrador aborda a existência de processos de inquérito a decorrer e que era o Assistente DD a acusar o Arguido de ser o responsável pela garantia bancária alegadamente falsa, utilizando, o Narrador (e não o Arguido), a expressão “dissipação de património”.
16. Por fim, o Meritíssimo Tribunal a quo manifesta a sua incompreensão pela declaração produzida na reportagem quanto à intenção do Assistente DD ir buscar ao Estado o dinheiro dos ... não entregues versus aquilo que o Arguido afirmou quanto à forma como decorreu o concurso e a sua participação no mesmo – ora, mais uma vez, a conclusão do Meritíssimo Tribunal a quo mostra-se desenquadrada com o contexto da entrevista, visualizada na sessão de julgamento de 14/06/2023 (vide ficheiro “Diligencia_9569-20.2T9LSB_2023-11-06_14-33-13.mp3”, minutos 14:29 a 15:10), transcrita nas Alegações.
17. Nas suas declarações, o Arguido afirma, apenas, que pensava que a intenção do Assistente DD era de fazer o que realmente aconteceu, de ir buscar ao Estado o dinheiro dos ... que não tinham sido entregues – sendo que, daqui, não se infere qualquer juízo negativo ou atentatório da honra ou consideração dos Assistentes; depois, e quando instado a concluir se a intenção do mesmo era lesar o Estado, o mesmo não respondeu, remetendo para as autoridades; por último, e atenta a nova insistência da Jornalista EE, o Arguido admitiu que, na sua opinião, o Estado poderá ter sido lesado – o que difere de ser o Arguido a afirmar que a intenção do Assistente era lesar o Estado.
18. Nessa medida, o Arguido não pode deixar de manifestar a sua total discordância pelo facto de o Meritíssimo Tribunal a quo ter concluído que “Não se pode assim, concluir, que o arguido fez as declarações que fez, convicto de que as mesmas correspondiam à verdade.”, “E, como tal, a conjugação da prova produzida, de acordo com as regras da experiencia comum, permite ao Tribunal concluir que o arguido actuou da forma descrita, sabendo que ao fazê-lo atingia na honra e consideração os assistentes pessoas singulares e na sua reputação a assistente pessoa colectiva.”, porquanto a mesma não tem mínimo de correspondência com a realidade e com a prova produzida em audiência, conforme se demonstrou.
19. Assim, nos termos e para os efeitos previstos no número 2 do artigo 410.º do CPP e no número 3 do artigo 412.º do CPP, considera o Recorrente que foram incorrectamente julgados como PROVADOS os factos constantes dos pontos 11), 12), 15), 17), 29), 30) e 31) dos Factos Provados anteriormente referidos e constantes da Sentença de que ora se recorre.
Assim,
Dos factos que foram indevidamente julgados como PROVADOS
20. No que concerne aos Factos Provados 11) e 12), se atentarmos naquilo que foi dito na entrevista, reproduzida na sessão de julgamento de 06/11/2023, transcrita nas Alegações, conclui-se, inequivocamente, que as expressões ali em causa não foram proferidas pelo Arguido, sendo afirmações proferidas pela Jornalista EE (vide ficheiro “Diligencia_9569-20.2T9LSB_2023-11-06_14-33-13.mp3, minutos 2:14 a 3:46”).
21. Quanto ao Facto Provado 15), verifica-se, uma vez mais, que as expressões ali em causa não foram proferidas pelo Arguido, mas pelo Narrador da peça jornalística), transcrito nas Alegações (vide ficheiro “Diligencia_9569-20.2T9LSB_2023-11-06_14-33-13.mp3”, minutos 7:04 a 7:34).
22. Caso idêntico sucede no que concerne ao Facto Provado 17), pois se aquilo que resulta da entrevista reproduzida na sessão de julgamento de 06/11/2023, transcrito nas Alegações, é que as expressões ali em causa não foram, mais uma vez, proferidas pelo Arguido, mas sim pelo Narrador (vide ficheiro “Diligencia_9569-20.2T9LSB_2023-11-06_14-33-13.mp3”, minutos 8:24 a 8:55).
23. Ora, nas conclusões da Motivação da Matéria de Direito, o Meritíssimo Tribunal a quo considerou que aquelas afirmações em concreto eram susceptíveis de atingir a honra e considerarão dos Assistentes pessoas singulares e a reputação da Assistente pessoa colectiva, pelo que importava, desde logo, aferir se o Arguido proferiu, sequer, as expressões em causa – o que, conforme se deixou patente, não fez.
24. Para prova daqueles concretos pontos da matéria de facto, o único meio de prova a ter em consideração seria a reportagem designada “A Segunda Ruína dos Kamovs”, emitida pelo programa “Sexta às 9”, da ..., de 06/11/2020, que foi reproduzida em audiência de julgamento, não existindo, sequer, duas versões antagónicas quanto à prova produzida em audiência
25. É, assim, manifesto o erro na apreciação daqueles concretos pontos da matéria dada como provada – pelo que o Meritíssimo Tribunal a quo devia ter julgado como NÃO PROVADOS os factos constantes do Ponto 11), 12), 15) e 17) dos Factos Provados, o que se alega nos termos e para os efeitos previstos no número 2 do artigo 410.º do CPP e no número 3 do artigo 412.º do CPP.
26. Quanto aos Factos Provados 29), 30) e 31), face ao que se acabou de referir, é patente que o Arguido não “agiu da forma descrita”, nem sequer ficou demonstrado que o animus do Arguido fosse ofender os Assistentes, conforme o mesmo demonstrou em audiência, mas antes o seu contrário – vejam-se as declarações do Arguido na sessão de julgamento de 06/11/2023, transcritas nas Alegações (vide ficheiro “Diligencia_9569-20.2T9LSB_2023-11-06_14-57-26.mp3”, minutos 23:45 a 27:30).
Isto posto,
27. Ao contrário da versão defendida pelos Assistentes, o Arguido não mudou a sua estratégia de defesa ao longo do julgamento, visto que, desde o primeiro momento, sustentou que só acedeu dar a entrevista para defender a sua honra e o seu bom nome, o que foi corroborado pela Jornalista EE, conforme supra se aduziu, acrescentando que não era responsável pela edição da entrevista – a este propósito, atente-se nas primeiras declarações prestadas pelo Arguido, na sessão de julgamento de 17/05/2023, transcritas na Alegações (vide ficheiro “Diligencia_9569-20.2T9LSB_2023-05-17_09-32-38.mp3”, minutos 48:44 a 49:07), e naquelas dadas na sessão de julgamento de 17/05/2023, igualmente transcritas nas Alegações (vide ficheiro “Diligencia_9569-20.2T9LSB_2023-05-17_09-32-38.mp3”, minutos 01:04:07 a 01:05:24).
28. Assim, atenta a prova produzida em audiência, é patente que o propósito do Arguido jamais foi o de colocar em causa o nome ou a honradez dos Assistentes, mas tão-só defender o seu próprio bom nome, visto que era acusado (pelos Assistentes) de ter falsificado uma caução – e, quanto a este aspecto, não existem, sequer, duas versões antagónicas quanto à prova produzida em audiência.
29. Como tal, é manifesto o erro na apreciação daqueles concretos pontos da matéria dada como provada, pelo que o Meritíssimo Tribunal a quo devia ter julgado como NÃO PROVADOS os factos constante do Ponto 29), 30) e 31) dos Factos Provados, o que se alega nos termos e para os efeitos previstos no número 2 do artigo 410.º do CPP e do número 3 do artigo 412.º do CPP.
Isto posto,
DA SINDICÂNCIA DA MATÉRIA DE DIREITO
30. Na Motivação da Matéria de Direito, o Meritíssimo Tribunal a quo faz uma enumeração das expressões que, no seu entender, foram proferidas pelo Arguido e que “são afirmações suscetíveis de atingir a honra e considerarão das pessoas a quem se refere, os ora assistentes e a reputação da assistente BB” (vide fls. 18 da Sentença).
31. Porém, se daquela enumeração excluirmos as expressões que não foram proferidas pelo Arguido (mas pela Jornalista EE, ou pelo Narrador), não se afere em que medida é que as mesmas possam ser interpretadas como ofensivas da honra, consideração e reputação dos Assistentes.
32. Veja-se que o Arguido apenas referiu o nome do Assistente CC quando afirma que, na sua opinião, o Assistente DD apenas entra na empresa para dar uma empresa ao seu genro e não para fazer favores a ninguém; tal afirmação não tem o mínimo de ofensivo, sendo evidente que o Arguido apenas expressou que, no seu entender, o Assistente DD, que nada percebia do sector da aeronáutica, apenas acedeu financiar a empresa porque o seu genro fazia parte da mesma – reitera-se, tal expressão não pode ser vista como atentatória do nome de qualquer um dos Assistentes.
33. Quanto ao Assistente DD, a expressão de que o mesmo fez aquilo que queria fazer, que era ir buscar ao Estado o dinheiro dos helicópteros que não tinham sido entregues pelo Estado, não poderá ter outra leitura que não aquela que o Assistente DD, reputado empresário, pretendia exigir do Estado o cumprimento integral do contrato, visto que o Estado não havia entregue a totalidade dos helicópteros – mais uma vez, tal expressão não pode ser vista como atentatória do bom nome do Assistente.
34. Assim, e uma vez que para se encontrar preenchido o elemento objectivo do crime de difamação, há que apurar se o facto ou juízo formulado em questão são, per se, ofensivos da honra e consideração do visado, olhando, para aquilo que foi proferido, nas circunstâncias concretas em que foi proferido, haveria sempre que ter em consideração o motivo/contexto que levou o Arguido a dar a entrevista.
35. A este propósito, e conforme já salientado, ficou demonstrado em audiência que o Arguido apenas acedeu dar a entrevista porque a Jornalista EE lhe transmitiu que existiam suspeitas sobre si, quanto à alegada falsificação de uma caução, tendo o Arguido afirmado, desde o início da audiência, que apenas a aceitou dar numa perspectiva de defesa da sua honra e do seu bom nome, desconhecendo, no momento em que presta as declarações, de que forma é que a mesmas iriam ser utilizadas, sendo alheio à edição e montagem da peça jornalística (vide ficheiro “Diligencia_9569-20.2T9LSB_2023-11-06_14-57-26.mp3”, minutos 23:45 a 27:30; ficheiro “Diligencia_9569-20.2T9LSB_2023-05-17_09-32-38.mp3”, minutos 48:44 a 49:07 e ficheiro “Diligencia_9569-20.2T9LSB_2023-05-17_09-32-38.mp3”, minutos 01:04:07 a 01:05:24).
36. Pelo exposto, e tendo ficado demonstrado que havia acções pendentes instauradas de parte a parte, entre os Assistentes e o Arguido, não poderá deixar de se constatar que das expressões que foram efectivamente proferidas pelo Arguido (vide factos provados 16, 20, 22, 25, 26 e 27), no contexto em que foram utilizadas, não se afere nenhum facto ou juízo desonroso, mas tão-só críticas e opiniões do Arguido, sustentadas na sua percepção dos factos, reputando-as, por isso, como verdadeiras.
37. Por sua vez, o Arguido jamais actuou com dolo, tendo-se limitado a responder às questões que lhe eram feitas pela Jornalista EE, a qual, na sessão de julgamento de 13/09/2023, admitiu que fez perguntas de forma provocatória, mas que, ainda assim, o Arguido as respostas o mesmo eram evasivas (vide ficheiro “Diligencia_9569-20.2T9LSB_2023-09-13_14-45-31”, minutos 5:59 a 7:28).
38. Assim, ficou patente que foi aquela Jornalista a contactar o Arguido, dando-lhe conta das suspeitas que existiam sobre o mesmo e, face às respostas evasivas que o mesmo deu, ao longo de toda a entrevista, induziu-o a falar do nome dos Assistentes – no entanto, a Jornalista admite, ainda, que as conclusões e afirmações utilizadas durante a peça jornalística não advieram das respostas do Arguido, mas de outros factos, ou seja, as conclusões de que a BB se desfez do património antes de aderir ao PER, o alegado esquema de dissipação de património e que a responsabilidade pela quebra do contrato com o Estado ser da responsabilidade da BB (afirmações proferidas pela Jornalista EE ou pelo Narrador, conforme supra se demonstrou) são próprias da Jornalista EE e do seu colega, Narrador da peça, não tendo partido de afirmações do Arguido.
39. Pelo exposto, e ao contrário do concluído pelo Meritíssimo Tribunal a quo, ficaram devidamente demonstradas que as afirmações realmente proferidas pelo Arguido foram feitas por forma a realizar interesses legítimos (a defesa do seu bom nome e reputação) e que o mesmo sempre as reputou como verdadeiras – o que, nos termos do número 2 do artigo 180.º do Código penal, sempre excluiria a ilicitude da sua conduta.
40. Como tal, quer porque não se encontra preenchido o tipo objectivo e subjectivo do crime de difamação, quer porque a actuação do Arguido sempre cabia na previsão do número 2 do artigo 180.º do Código Penal, deveria ter sido absolvido dos crimes de difamação.
41. O mesmo quanto ao crime de ofensa a pessoa colectiva, na medida em que, em primeiro lugar, o Meritíssimo Tribunal a quo, na Motivação da Matéria de Direito, conclui “à data em que o arguido profere as expressões que resultam da matéria de facto provada, estava constituído um tribunal arbitral para decidir as questões relacionadas com o contrato celebrado entre o Estado Português e a empresa BB” sem que, no entanto, tenha ficado provado em que data é que o Arguido proferiu as expressões – isto é, a data em que a entrevista é dada; momento que jamais se pode confundir com o momento em que a entrevista é emitida na ..., em 06/11/2020 (vide Facto Provado 9).
42. Nessa medida, o Meritíssimo Tribunal a quo não estava em condições de concluir, como concluiu, que na data em que o arguido proferiu as expressões estava constituído um Tribunal Arbitral, não tendo também ficado provado qual a data em que aquele Tribunal foi constituído, mas tão só a data em que foi proferida a decisão (vide Facto Provado 36).
43. Face ao exposto, e por ter admitido que “Analisadas nesse contexto as declarações proferidas pelo arguido, não se pode deixar de concluir que as mesmas eram aptas a atentar contra a imagem, notoriedade, credibilidade, confiança, prestígio e credibilidade da pessoa coletiva.”, constata-se que o Meritíssimo Tribunal a quo assentou a sua decisão de condenar o Arguido com base em factos que não constam sequer dos autos – o que acarreta a nulidade da sentença, nos termos da alínea c) do número 1 do artigo 379.º do CPP, a qual aqui se argui para os devidos e legais efeitos.
44. Sem prescindir, a verdade é que, ao contrário do concluído pelo Meritíssimo Tribunal a quo, nem sequer se encontram preenchidos o elemento objectivo e subjectivo do crime em questão, porquanto o Arguido reputou como verdadeiras todas as afirmações que proferiu, sendo que, na sua perspectiva, nenhuma das expressões usadas era susceptível de ofender a reputação da BB (vide ficheiro “Diligencia_9569-20.2T9LSB_2023-11-06_14-57-26.mp3”, minutos 23:45 a 27:30).
45. Acresce que o Meritíssimo Tribunal a quo nem sequer sustenta que da prova produzida tenha ficado realmente provado que o Arguido sabia serem inverídicos os factos que havia afirmado – pelo que, em qualquer dos casos, se justificava a absolvição do Arguido daquele crime.
46. Ademais, por não ter cometido os crimes de que vem acusado/pronunciado (nem os que lhe foram comunicados, nos termos do disposto nos números 1 e 3 do artigo 358.º do CPP), fica também demonstrado que o Arguido não violou quaisquer direitos dos Assistentes que permitam concluir pela sua condenação nos pedidos de indemnização civil, pelo que sempre teria que ter sido absolvido dos mesmos.
47. O Arguido, que se presume inocente até prova em contrário, nunca se remeteu ao silêncio ao longo do processo, tanto na sua Contestação, como em audiência de julgamento, onde prestou declarações.
48. Ao contrário das conclusões retiradas pelo Meritíssimo Tribunal a quo, a verdade é que, ao longo de todo o processo, o Arguido manteve sempre um discurso seguro, credível e coerente, não havendo qualquer contradição entre a versão apresentada nas suas declarações em audiência com aquilo que referiu na peça jornalística em questão nos presentes autos.
49. Ademais, e ao contrário do concluído pelo Meritíssimo Tribunal a quo, o Arguido não admitiu, em nenhum momento, ter proferido todas as expressões mencionadas nas Acusações Particulares – sempre se predispondo a explicitar o que o levou a dar a entrevista e o motivo de ter utilizado as afirmações e expressões que utilizou, revelando encontrar-se de consciência tranquila, por não ter cometido qualquer crime.
50. Ora, incumbia à Acusação a prova, além da dúvida razoável, que o Recorrente foi o autor material dos crimes que lhe foram imputados – porém, e salvo o devido respeito por diversa opinião, além de a Acusação não ter logrado provar a culpa do Recorrente, a Defesa provou, indubitavelmente, a inocência do mesmo.
51. Pelo que se impõe que seja revogada a Sentença recorrida e, consequentemente, o Recorrente seja absolvido dos crimes em que foi condenado, bem como dos respectivos pedidos de indemnização civil.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas Doutamente suprirão, deverá ser concedido provimento ao Recurso interposto e, por via dele, ser revogada a Sentença recorrida e, consequentemente, o Recorrente ser absolvido dos crimes em que foi condenado, bem como do respectivos pedido de indemnização civil.
Assim se fazendo INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!
(…)”
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O recurso foi admitido, nos termos do despacho proferido em 22 de Janeiro de 2024, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
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I.3 Resposta ao recurso
Efectuadas as legais notificações, aos assistentes BB, DD e CC, e ao Ministério Público junto da 1ª Instância, apenas aqueles responderam ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela sua improcedência apresentando as seguintes conclusões [transcrição]:

(…)
CONCLUSÕES
A. Bem andou o Douto Tribunal a quo ao condenar o Recorrente pela prática, em autoria material e na forma consumada, de dois crimes de difamação p. e p. pelos arts. 180º e 183º nº2 do Código Penal, na pena de 170 (cento e setenta) dias de multa por cada um dos crimes, pela prática de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, p. e p. pelo arts. 187º nº1 e 2 e 183º nº2 do Código Penal, na pena de 170 (cento e setenta) dias de multa e, na decorrência, julgar procedentes os pedidos de indemnização civil formulados pelos assistentes.
B. E melhor decidiu o Douto Tribunal a quo ao considerar totalmente provada toda a factualidade constante da acusação particular, nomeadamente, que o Recorrente deu a entrevista do dia 06 de Novembro de 2020 e que do conteúdo da mesma resulta claramente uma tentativa de imputação de factos aos assistentes dos quais sempre resultariam, para o homem médio, a assumpção de que os assistentes teriam tentado dissipar património, seriam corruptos, teriam lesado o Estado, entre outras imputações.
C. O recorrente baseia as suas alegações apenas na discordância da apreciação da prova feita pelo Tribunal a quo, sem nunca fornecer qualquer elemento que permita aquilatar bondade de tais erros.
D. No entanto, a sentença apreciou de forma crítica a prova produzida e examinada em sede de audiência de julgamento, designadamente, as declarações do arguido, dos assistentes, depoimento das testemunhas e prova documental e a reportagem designada “A Segunda Ruina dos Kamovs”, emitida pelo programa “Sexta às 9, da ..., de 06-11-2020, e determinou que os factos provados são suficientes para determinar, com toda a certeza e para além de qualquer dúvida, que o Arguido proferiu as expressões que lhe são imputadas, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar em que as mesmas são referidas na acusação particular.
E. Embora o recorrente comece por afirmar que teria dado duas entrevistas e que a reportagem seria uma montagem descontextualizada das declarações que proferiu efectivamente, com conclusões da jornalista, às quais é alheio e que apenas acedeu a dar a entrevista porque seria colocada em causa a sua honra, tal não tem qualquer cabimento nem sustentação na prova produzida.
F. Atentando na referida entrevista, a mesma inicia-se com a explicação que decorrem inquéritos judiciais originados em queixas e denúncias do ex director da BB, AA, aqui recorrente.
G. Resulta da prova testemunhal, nomeadamente declarações da jornalista EE, que todo o conteúdo da reportagem que é atribuído ao recorrente foi pelo mesmo proferido, independentemente de se conseguir visionar o mesmo a proferir as afirmações, ou de terem sido incluídas pelo narrador ou pela jornalista na peça.
H. E resulta das declarações do arguido, que deu a referida entrevista, entre alegadamente muitas outras, embora depois resulte da restante prova e de posteriores declarações contrárias do próprio arguido, que tal não correspondia à verdade, pois a jornalista EE apenas fez uma entrevista com o recorrente e apenas o contactou nesse momento e para esse único efeito, sendo que o aqui Recorrente até nem seria a sua primeira escolha para entrevistar no âmbito das alegadas suspeitas contra os assistentes, já que existiriam outras pessoas “muito mais importantes” e que sabiam muito mais sobre o cheque caução.
I. Ainda assim, não obstante o alegado motivo para conceder a entrevista e as alegações de que a referida entrevista resultou numa montagem descontextualizada, a verdade é que se o recorrente entendia que o teor da reportagem, que lhe era directamente imputado, não correspondia à verdade material daquilo que tinha declarado, deveria ter agido da forma que entendesse adequada no sentido de repor a verdade, o que não fez, apesar de a entrevista datar de 6 de novembro de 2020 e ter sido notificado da acusação deduzida contra si em Abril de 2022.
J. E, portanto, não corresponde à verdade que o Arguido tenha concordado dar a entrevista apenas porque seria abordada a questão do cheque caução/garantia pois, como se viu, este nem sequer seria uma pessoa de grande interesse jornalístico, o que significa, logicamente, que a questão do cheque caução/garantia seria marginal.
K. As alegações do recorrente, de que não existe nas declarações do Arguido qualquer “suspeição”, estando a sua frase devidamente enquadrada e sustentada nas afirmações do ... HH, que também foi ouvido na entrevista em questão é, com o devido respeito, tentar “atirar areia para os olhos” do Tribunal e assistentes pois é o próprio arguido quem afirma, a certo ponto, que nem se lembrava que havia outras pessoas na peça, além de que não terá sido o responsável pela tal montagem da reportagem, pelo que nunca saberia que as suas declarações iam ser, ou não, enquadradas por afirmações de outras pessoas.
L. Visualizando-se a dita reportagem, acrescenta-se algo que falta às peças escritas, que é a linguagem corporal que, no caso do momento específico em que o arguido diz “a própria BB diz que não tem meios materiais, não tem aeronaves, não tem trabalhadores, não têm instalações, portanto não sei o que é que nós podemos chamar a isso” revela um certo esgar de “gozo” ou cinismo.
M. Mais, as referidas declarações não foram proferidas isoladamente nem consideradas fora de um determinado contexto e, se atentarmos às declarações que o arguido prestou em audiência, temos a confirmação que não só o arguido queria dizer o que disse e da forma que disse, para ofender a honra e consideração dos assistentes, como o reiterou em sede de audiência de julgamento e ainda permaneceu na intenção difamatória.
N. O recorrente não pode, honestamente, esperar que quem assiste a uma reportagem, onde é dito pelo ex director geral de uma empresa que era à época visada por suspeitas e parte em diversos processos judiciais, que não seja devidamente enquadrado com aquilo de que se falava especificamente nessa reportagem e que era, como muito bem sabia o arguido, a “alegada dissipação de património da empresa que operou os helicópteros ... até ao início de 2018”:
O. O Recorrente entende também que a conclusão do Tribunal a quo “E tendo em conta a afirmação que produziu nas suas declarações em audiência de que parte do património da empresa foi vendido em 2016/2017 por falta de liquidez da empresa, para depois afirmar, de forma conclusiva, que a empresa se desfez do património antes do PER.”, está desenquadrada daquilo que foi dito por si na entrevista, sendo que parece ignorar que qualquer afirmação, seja em que contexto for, de que alguém tenta dissipar património, tem sempre carácter nefasto, não sendo possível, nem sequer concebível, que tal afirmação possa ser entendida, seja quem for o destinatário e a sua formação, em outro sentido que não seja o de diminuir, fazer desaparecer, esbanjar, destruir, etc. o património em causa, sendo que o mesmo diz explicitamente que o “património desapareceu”.
P. Acresce ainda que é o próprio arguido quem, durante as suas declarações, explica que, afinal, a venda de património tinha por objectivo gerar liquidez e que, afinal até já vinha de trás e até tinha sido negociada por si.
Q. Depois, o Recorrente quer fazer crer que imputar a intenção a alguém, de ir buscar dinheiro ao Estado, relativamente a aparelhos não entregues e assim, potencialmente, lesar o Estado, também não é ofensivo mas, dizer-se que destas declarações não se pode inferir qualquer juízo negativo sobre a consideração dos assistentes é, em si próprio, insultuoso, até da própria inteligência dos assistentes, do Ministério Público e do Tribunal o que, obviamente, não se pode admitir.
R. No mais, as declarações do arguido são eivadas de contradições, dizendo que ora tinha visto a entrevista no dia anterior, ora havia duas, depois muitas, várias e depois que afinal já nem se lembrava do que constava da entrevista, mesmo após a mesma ter sido exibida em julgamento.
S. No que respeita às afirmações de ter visto corrupção e lidado com ela de frente, quando presta declarações em 06/11/2023, ao invés de manter a versão que trazia, de que se referia a tudo o que terá experienciado nos seus 56 anos e não especificamente aos Assistentes e ao que estava em causa na reportagem, remete-se ao silêncio o que, só por si, é bastante elucidativo de que a versão que pretendia fazer valer não tinha mais sustentação possível.
T. Quanto ao desacordo com tudo, que teria levado à sua saída e que o recorrente pretende agora fazer crer que não disse, resulta das suas declarações que em momento algum contraria a afirmação cuja autoria lhe é atribuída pela reportagem, e que chega mesmo a confirmar.
U. Quanto ao facto provado 17, verifica-se exactamente a mesma coisa: o recorrente vem alegar que não proferiu as declarações, mas depois, em declarações prestadas durante a audiência de julgamento, afirma implicitamente o contrário.
V. Assim, outra não pode ser a conclusão que não seja que muito bem andou o Tribunal a quo ao considerar provado que o arguido proferiu as expressões injuriosas e difamatórias que lhe são imputadas e que, ainda que não seja visível na reportagem algumas das afirmações que a mesma transmite como sendo da sua autoria, as mesmas são efectivamente da sua autoria e tiveram como efeito denegrir a honra e consideração dos assistentes perante todos os que delas tomaram conhecimento pela transmissão do programa televisivo.
W. Assim, resulta claro que não existiu qualquer erro de apreciação de prova e o Recorrente pode dessa apreciação discordar, mas tal não significa que seja errada, até porque se encontra sobejamente sustentada pelos elementos probatórios existentes, a que acresce que o arguido prestou as declarações que quis, como quis e, diga-se, durante o tempo que quis, não se fazendo de rogado nas considerações que teceu acerca da matéria, dos assistentes, tribunais arbitrais, tribunais judiciais e até sobre as forças armadas, nem demonstrando qualquer tipo de arrependimento ou reconhecimento do mal causado aos assistentes o que, obviamente, também terá sido livremente valorado pelo Tribunal, contribuindo para a condenação de que o arguido ora recorre.
X. Acresce que o recurso interposto não abrange toda a matéria de facto dada como provada, pelo que também não poderia, assim, o presente recurso ter o resultado pretendido pelo recorrente, que seria a substituição da sentença recorrida por uma que o absolvesse da prática dos crimes pelos quais foi, justamente, condenado.
Y. Certamente o recorrente não pode ignorar que o tipo de críticas e opiniões que alega ter feito, transmitidas num programa televisivo e com menção expressa a determinadas pessoas singulares e colectivas, seria, como o foi, susceptível de configurar a prática dos crimes de difamação com publicidade, p. e p. pelo artigo 180.º n.º 1 e 183.º n.º 1 alínea a) e b) e n.º 2, do Código Penal e de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 187.º n.º 1 e n.º 2, 183.º n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Código Penal e 30.º n.º 2 da Lei n.º 2/99, de 13-01.
Z. E, portanto, o recorrente não agiu para realizar qualquer interesse legítimo como fosse a defesa do seu bom nome e reputação, nem se pode crer que o mesmo repute como verdadeiras tais afirmações, pelo que a ilicitude não poderia nunca ser excluída, sendo que o próprio irmão do recorrente e ... da BB, II, depôs no sentido de que as afirmações do recorrente na entrevista correspondiam a um conjunto de inverdades.
AA. Alega ainda que “a Sentença é totalmente omissa quanto à data em que o Arguido profere as expressões”, sendo que tal não é relevante para a decisão, uma vez que aquilo que releva para a consumação da prática do crime de ofensa a pessoa colectiva é a difusão da entrevista com cariz difamatório, pois essa é a acção que é apta a criar o perigo para o bem jurídico protegido.
BB. Finalmente, o recorrente não podia ter como verdadeiros os factos que imputou à BB, pois desempenhou funções de administração nessa empresa e, em resultado dessas funções, tinha obrigação de saber que nada do que afirmava correspondia à verdade.
CC. Assim, concluindo-se como na Douta Sentença Recorrida, deve manter-se a condenação pela prática dos ilícitos criminais, bem como a condenação nos pedidos de indemnização civil formulados pelos Assistentes.
Pelo exposto, deverá ser improceder o recurso interposto, devendo o mesmo ser rejeitado na matéria de facto como supra alegado, mantendo-se a sentença recorrida nos exactos termos em que foi exarada, desta forma fazendo V. Exas. a costumada
JUSTIÇA.
(…).”
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I.4 Parecer do Ministério Público
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, alegando, quanto à matéria do recurso, o seguinte [transcrição]:
“ (…)
II - O arguido interpôs recurso visando matéria de facto e de direito, pugnando pela sua absolvição total.
Nos termos e para os efeitos previstos no número 2 do artigo 410.º do CPP e do número 3 do artigo 412.º do CPP, considera que foram incorretamente julgados como provados os factos 11), 12), 15), 17), 29), 30) e 31).
Desenvolvendo, refere que as expressões a que se reportam os pontos 11 e 12 dos factos provados, não foram proferidas por si, tratando-se de afirmações da jornalista, o mesmo sucedendo com as expressões em causa nos pontos 15 e 17, que defende terem sido proferidas pelo narrador da peça jornalística.
No que concerne aos pontos 29 a 31 da matéria de facto provada, entende que não ficou demonstrado o animus de ofender os Assistentes, mas sim que jamais quis colocar em causa o nome ou a honra daqueles e tão-só defender o seu próprio bom nome.
Assim sendo, considera ser manifesto o erro na apreciação daqueles concretos pontos da matéria dada como provada, os quais deveriam ser julgados como não provados.
Consequentemente, impugnando a matéria de direito, atentas as expressões que assume ter proferido e que constam dos factos provados 16, 20, 22, 25, 26 e 27, entende que no contexto em que foram utilizadas não se afere nenhum facto ou juízo desonroso, tratando-se apenas de críticas e opiniões que emitiu, sustentadas na perceção que tinha dos factos, que o levava a reputá-las como verdadeiras.
Acrescenta que jamais atuou com intenção de afetar a honra e o bom nome dos Assistentes, limitando-se a responder às perguntas que lhe foram feitas pela Jornalista, muitas vezes feitas de forma provocatória, tendo ficado demonstrado que as afirmações que fez foram para realizar interesses legítimos (a defesa do seu bom nome e reputação), as quais reputava como verdadeiras, o que exclui a ilicitude, nos termos do n.º 2 do artigo 180.º do Código Penal.
Conclui que aquelas afirmações não preenchem o tipo objetivo e subjetivo do crime de difamação.
Quanto ao crime de ofensa a pessoa coletiva, refere que a sentença é omissa quanto à data em que o ora recorrente proferiu as expressões, que o Tribunal recorrido não podia concluir que na data em que proferiu as expressões estava constituído um Tribunal Arbitral, que não ficou provada a data em que aquele Tribunal foi constituído, mas tão só a data em que foi proferida a decisão, sendo notório que a conclusão assenta em premissas incorretas, não suportadas na prova efetivamente produzida, sendo inequívoco que reputou como verdadeiras todas as afirmações que proferiu, que na sua perspetiva não eram suscetíveis de ofender a reputação da BB, mais referindo que da sentença não resulta que se provou que o recorrente sabia serem inverídicos os factos que afirmou, pelo que não estão preenchidos o tipo objetivo e subjetivo do crime de ofensa a pessoa coletiva.
III – Os assistentes responderam ao recurso, apreciando todos os argumentos invocados pelo recorrente que contrariaram com uma análise completa, correta e adequada da prova e do direito aplicável, concluindo pela sua improcedência e manutenção da condenação nos seus precisos termos.
Fazem notar que o recorrente se limita a fazer a sua interpretação e valoração pessoal sobre os elementos de prova apreciados e analisados em sede de audiência de julgamento, defendendo, em função dessa sua apreciação, descontextualizada, que deveriam ser dados como não provados os factos relevantes para a sua absolvição.
IV - O recurso não suscita objeções quanto à sua admissibilidade, tempestividade, legitimidade, espécie, forma, momento de subida e efeito fixado.
V - Percorrendo o douto Acórdão condenatório não se deteta qualquer erro de julgamento, estando a decisão bem fundamentada e explanadas as razões da condenação do arguido, que assentam em elementos de prova suficiente, mostrando-se o exame crítico da prova feito adequadamente, como por exemplo a apreciação e valoração conjugada da prova documental, visionamento da peça jornalística e os depoimentos prestados em sede de audiência.
O recurso da matéria de facto, consubstanciando um duplo grau de jurisdição, não significa no nosso sistema recursivo que se proceda a um segundo julgamento. A reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação é possível em dois planos distintos.
Num primeiro, ao aferir da existência dos vícios previstos no artigo 410. °, n° 2, do Código de Processo Penal, os quais têm que resultar do texto da decisão recorrida por si só, de acordo com as regras da experiência comum, sem recurso a elementos externos. Trata-se da verificação de erros de julgamento que se infiram do próprio texto da decisão, cujo conhecimento é oficioso.
Num segundo, quando, mediante impugnação especificada, se procura convencer o Tribunal da Relação a modificar a matéria de facto, pressupondo uma reapreciação dos elementos probatórios, com fundamento no erro na apreciação da prova, determinativo de erro judiciário. Nesta vertente, a reapreciação da prova está contida dentro dos limites impostos pelo artigo 412. °, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Penal, que constitui um ónus de especificação por parte do recorrente, sob pena de, não o fazendo, o recurso ficar inviabilizado.
No caso em apreço, pretendendo impugnar a matéria de facto, o recorrente invoca, além do mais, o vício do erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410.º nº 2, alínea c), do CPP. Porém o texto decisório não evidencia tal vício, nem nenhum dos demais.
No que respeita à impugnação alargada, como referem os assistentes, o recorrente visa tão só questionar a forma como o tribunal formou a sua convicção, na medida em que lhe foi desfavorável.
Examinados os fundamentos do recurso interposto e da douta sentença impugnada, consideramos que os assistentes identificaram corretamente o objeto do recurso, rebatendo especificadamente todos os aspetos nele suscitados e argumentando criteriosamente com clareza, rigor e correção jurídica, o que merece o nosso total acolhimento, dispensando-nos, assim, porque de todo desnecessário e redundante, de aduzir outros considerandos.
V – Pelo exposto, aderindo aos fundamentos da resposta apresentada, emite-se parecer no sentido de que o recurso deve ser julgado improcedente.
(…)”
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I.5. Resposta
Pese embora tenha sido dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta ao dito parecer.
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I.6 Concluído o exame preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento do recurso em conferência, nos termos do artigo 419.º do Código de Processo Penal.
Cumpre, agora, apreciar e decidir.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
II.1- Poderes de cognição do Tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso:
Conforme decorre do disposto no n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal, bem como da jurisprudência pacífica e constante [designadamente, do STJ1], e da doutrina2, são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição do Tribunal ad quem, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal3, relativas a vícios que devem resultar directamente do texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito), ou quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do C.P.P.).
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II.2- Apreciação do recurso
Veio o arguido recorrer da matéria de facto e da matéria de direito.
Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do recurso interposto nestes autos, as questões decidendas a apreciar são as seguintes:
- se a sentença recorrida padece de nulidade, nos termos da alínea c) do número 1 do artigo 379.º do CPP, por ter assentado a sua decisão de condenar o arguido, na fundamentação de Direito, com base em factos que não ficaram provados nos autos, no que respeita ao crime de ofensa a pessoa colectiva;
- se a sentença recorrida, nos pontos 11), 12), 15), 17), 29), 30) e 31) dos factos provados, padece de algum dos vícios previstos no nº 2, do art. 410º ou de erro de julgamento, nos termos do nº 3, do art. 412º, ambos do CPP;
- se as afirmações proferidas pelo arguido foram feitas por forma a realizar interesses legítimos (a defesa do seu bom nome e reputação) e que o mesmo sempre as reputou como verdadeiras – o que, nos termos do número 2 do artigo 180.º do Código Penal, sempre excluiria a ilicitude da sua conduta, pelo que deveria o arguido ter sido absolvido quer dos crimes de difamação quer de ofensa a pessoa colectiva;
- se a sentença recorrida deveria ter sustentado que da prova produzida ficou provado que o arguido sabia serem inverídicos os factos que havia afirmado;
- se, em consequência, deveria o arguido ser também absolvido dos pedidos de indemnização civil em que foi condenado.
Vejamos.
II.3 - Da decisão recorrida [transcrição dos segmentos relevantes para apreciar as questões objecto de recurso]:
“ (…)
I-RELATÓRIO
Para julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal foi pronunciado o arguido:
AA, casado, filho de II e de JJ, natural de ..., nascido em ...-...-1967, residente na ...,
Sendo-lhe imputada a prática, como autor material, em concurso efectivo, de um crime de difamação com publicidade, previsto e punido pelo artigo 180.º, n.º 1, e 183.º, n.º 1, alínea a) e b), e n.º 2, do Código Penal, e de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 187.º, n.º 1 e n.º 2, 183.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Código Penal, e 30.º, n.º 2, da Lei n.º 2/99, de 13-01, nos exactos termos das acusações (fls. 376 a 386, fls. 389 a 401, e ref. 415290592, de 29-04-2022), cujos factos se deram por reproduzidos, e pela mesma qualificação jurídica.
*
Foi proferido o despacho a que se refere o art.311º do C,P.Penal.
*
O arguido apresentou contestação escrita, oferecendo o merecimento dos autos, alegando que correm termos diversos processos, que enuncia, em que são partes o arguido e os queixosos. O enquadramento da entrevista e as expressões referidas enquadram-se no art. 180º nº2 al.a) e b) do C.Penal. as mencionadas expressões não podem deixar de ser vistas dentro do contexto de litigiosidade entre os assistentes e o arguido e nesse contexto não são injuriosas. É manifesta a falta de dolo do arguido que agiu para fazer valer um interesse legitimo. Acresce que estava convicto da verdade do que afirmava conforme documentação que se protesta juntar.
Arrolou testemunhas.
***
*
Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal, não se tendo suscitado outras questões prévias ou incidentais, que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
*
Foi comunicada uma alteração não substancial nos termos do disposto no art. 358º nº1 e 3 do C.P.Penal, nada tendo sido requerido e tendo sido prescindido o prazo de defesa.
Na sequência da comunicação efectuada, foi dada a palavra ao Ministério Público atento o disposto no art. 14º nº2 al. b) do C.P.Penal, tendo sido requerido o prosseguimento do julgamento com intervenção do Tribunal singular, nos termos do disposto no nº3 do art. 16º do C.P.Penal.
*
A instância mantém-se válida e regular.
II- FUNDAMENTAÇÃO
Matéria de facto provada
De relevante para a discussão da causa, resultou provada a seguinte matéria de facto:
1. ..., com o NUIPC ... tem por objecto a consultadoria em negócios de aviação e gestão de companhias de aviação civil, foi registada a sua constituição em ...-...-2013 e tem como sócios gerentes II e CC.
2. BB com o NUIPC ... tem por objecto o transporte aéreo em avião e helicóptero, importação, exportação, comercialização, representação e aluguer de aeronaves e de equipamento aeronáutico, manutenção e assistência de aeronaves, hangaragem, serviços aéreos e actividades conexas e auxiliares de transporte e trabalhos aéreos, gestão aeroportuária, serviços operacionais do espaço aéreo e das infra-estruturas aeronáuticas, prestação de serviços de assistência em escala, escola de pilotagem e de técnicos de manutenção de aeronaves e representação de marcas e de companhias aéreas. Transporte aéreo de correio, carga ou mercadoria foi registada a sua constituição em ...-...-2011, provisória por dúvidas, que veio a ser convertida em ...-...-2011, sendo o conselho de administração constituído por CC, na qualidade de Presidente e II na qualidade de ....
3. O ora arguido integrou o conselho de administração da BB na qualidade de ..., tendo sido objecto de registo em ...-...-2011 e cessou funções por renúncia de ... de ... de 2012 registada a ...-...-2012.
4. Com data de ...-...-2020 foi registada a nomeação de ... judicial provisório no âmbito de processo especial de revitalização.
5. Com data de ... de ... de 2015 foi celebrado entre Estado Português, representado pela ... e BB., um contrato denominado de “Contrato aquisição dos serviços de operação, de gestão da continuidade da aeronavegabilidade e de manutenção dos meios aéreos pesados próprios para missões do ..., junto aos autos a dfls. 133 a 163 que aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta designadamente que:
Considerando que:
A) No âmbito do procedimento por Concurso Público com Publicidade Internacional com referência CPI/02/.../..., foi adjudicada a proposta apresentada pela empresa BB, por despacho datado de ... de ... de 2014, do Sr. Presidente da Autoridade nacional de Proteção Civil, (...).
(...)ENTRE:
ESTADO PORTUGUÊS, representado pela ..., (...), (doravante designada por Primeiro Outorgante),
E
A empresa BB, (...), aqui representada pelo Sr. CC, (...), na qualidade de represenates legais, (doravante, designada por Segundo Outorgante),
Em conjunto designados por PARTES,
É celebrado o contrato de Aquisição de Serviços de Operação, de Gestão da Continuidade da Aeronavagabilidade e de manutenção dos Meios Aéreos Pesados Próprios para Missões do ..., que se rege pelas clausulas seguintes:
(...)CLAUSULA 2ª
Definições e abreviaturas
1. Para o efeito do CONTRATO deve entender-se que a utilização dao seguintes termos, quer em formato “CAPS”, quer no singular ou no plural, têm os seguintes significados:
a) AERONAVES – Os helicópteros pesados da marca
..., modelo KA – 32ª11BC, versão 324.04, com as matriculas CS-HMK, CS-HML, CS-HMM, CS-HMN. CS-HMO e CS-HMP, fabricados em ... e que integram o património da ... (...)
6. O assistente DD é empresário.
7. O assistente DD é sogro do assistente CC.
8. O assistente DD foi sócio da sociedade ... entre ...-...-2013 e ...-...-2018 e a BB integra o património daquela sociedade
9. No dia 6 de Novembro de 2020 o programa Sexta às 9 foi emitido pela ..., rádio e televisão portuguesa, SA., sediada em Lisboa, em canal aberto sob o titulo “A segunda ruína dos kamov disponível na world wide web em https;//www.rtp.pt/p6596/sexta-as-9.
10. O arguido participou no supra mencionado programa televisivo.
11. O ora arguido em entrevista ao programa “sexta as 9, apresentado pela jornalista EE, “alega que a empresa do Sr. DD e do genro se desfez do património antes de aderir ao plano especial de revitalização (minuto 17.08. Da reportagem)
12. E mais refere” um alegado esquema montado pela família DD para rigor a uma indemnização de 24 milhões ao estado, uma indemnização reclamada pelo facto da BB ter deixado de cumprir o caderno de encargos, um ano antes do fim do contrato e ser responsável pelos kamov estarem hoje no chão, inoperacionais desde ..., o que já custou ao Estado só em alugueres de helicópteros de substituição 15 milhões e 380 mil euros (minuto 17,18 da reportagem).
13. Na referida entrevista ao programa “Sexta as 9” é mencionado o conflito que corre termos no Tribunal arbitral relativo “a uma exigência que a BB fez ao estado de uma indemnização de 45 milhões de euros por nunca ter podido utilizar os 6 kamov” (minuto 21.07 da reportagem).
14. Afirma o arguido nas circunstâncias de tempo e lugar já referidas, “não sei porque é que existem Tribunais Arbitrais, porque já la vão três anos, a não ser que seja como aquela ideia que nós temos, comum dos cidadãos que é que no Tribunal Arbitral ninguém perde, toda a gente ganha. O Tribunal Arbitral dá jeito que exista nestas situáveis. Rápido não é (...) e tao claro como água, tao clarinho como a água esta situação, que e fácil de resolver (minuto 21.18 da reportagem).
15. Mais disse, em referência à sua saída da BB, “na altura estava em desacordo com tudo, especialmente com a forma como DD e a restante administração do grupo proprietário da BB tinha gerido o dossier dos kamov. Mas os problemas entre o antigo Comandante da Força aérea e o principal acionista começaram pouco depois da entrada de DD e da família na BB, pouco depois de consumado o negócio da helicópteros” (minuto 21.53 da reportagem).
16. O arguido afirma que “o DD entra por uma questão de dar uma empresa ao seu genro CC e, portanto, ele não entra para fazer favor a ninguém (...) era um negócio, eventualmente apetecível, tinha o seu genro que já andava a tentar negociar e comprar outras empresas no passado (,,) minuto 22.14 da reportagem).
17. Nas declarações prestadas pelo arguido ao programa “Sexta às 9”, o arguido ”insistiu sempre na ideia de que a responsabilidade da quebra de contrato entre o Estado e a BB foi da empresa, em todos os momentos, incluindo o final em ..., quando a BB foi expulsa do hangar de ponte de sor, aonde garante que ia fazer a manutenção dos kamov (minuto 23.17 da reportagem).
18. O arguido acusa a BB de se recusar a fazer o overhaul da peça PC60 do 1º helicóptero que estava para sair da manutenção em ... “estava pronto, à espera de receber a peça PC-60 e que não recebeu essa peça PC60 por e simplesmente porque não quiseram mandar fazer o overhaul dessa peça que levava dois meses e meio a três meses a estar pronta (minuto 23.42 da reportagem)
19. Quando questionado pela Sra. jornalista sobre quem é que não quis fazer a inspecção, o arguido afirma “que as mesmas entidades que dizem que não fizeram a manutenção porque foi encerrado o hangar poderão vir esclarecer se era caro, se era barato. O que eu sei é que toda a manutenção dos overhauls estava orçamentada e estava prevista (minuto 24:16 da reportagem).
20. O arguido afirma na referida peça televisiva que “eu penso que o DD, na realidade não queria fazer nada, queria fazer aquilo que aconteceu (...) Havia uma intenção desde o início que era ir buscar ao Estado o dinheiro dos Kamovs que não tinham sido entregues (minuto 29:08 da reportagem).
21. Questionado pela Sra jornalista se era intenção “lesar o Estado”, o arguido afirmou que “eventualmente isso poderá vir a acontecer e poderá ter acontecido, porque na realidade o contrato que a BB assinou, e o caderno de encargos e o programa de concurso prevê exactamente que o Estado só iria pagar o número de helicópteros que aterrasse (minuto 29:24 da reportagem).
22. Confrontado com a posição da BB contra o Estado, nesta questão da aquisição das peças e correspondentes prejuízos financeiros para o primeiro, o arguido afirma “o Estado em 4 anos pagou 7 helicópteros à BB, portanto concretamente, as empresas é que lucram (minuto 25:17 da reportagem).
23. Neste seguimento a referida peça televisava orça os prejuízos que “o Estado já teve por não estar a utilizar os ... no combate a incêndios e em missões de emergência médica (minuto 25:30 da reportagem) baseado “nos gastos com os helicópteros de substituição em cada um dos últimos 3 anos em que todos os ... estiveram inoperacionais (minuto 25:40 da reportagem), afirmando o arguido “4 milhões e meio para uma operação de 4 meses quando pagava 7 milhões para uma operação de 12 meses (minuto 25:49 da reportagem) e concluindo que o Estado “esta efectivamente a perder dinheiro” (minuto 25:57 da reportagem).
24. Instado pela Sra. jornalista a apresentar uma previsão de custos de reparação dos ..., o arguido determina um montante de “7 milhões de euros para cada um” (minuto 25:57 da reportagem). Para que estes voltem a voar, concluindo se tratar de “cerca de 21 milhões, mais coisa, menos coisa, estamos a falar de cerca 20 milhões de euros, por aí, entre 15, pronto, e 20 milhões de euros” (minutos 26:55 da reportagem).
25. E mais diz “a própria BB diz que não tem meios...materiais, não tem aeronaves, não tem trabalhadores, não tem instalações, portanto não sei o que é que nós podemos chamar a isso” (minuto 30:28),
26. E mais diz “de facto muitas coincidências, as empresas todas são criadas em cascata, a BB, a ..., uma série de empresas que são criadas, a ..., a ......” (minuto 33:08 da reportagem), e que “os factos falam, por si” (minuto 33:25 da reportagem).
27. Ainda quanto ao património, o arguido alega que “A BB detinha 7 helicópteros, quando eu saí, a BB detinha um hangar, a BB detinha equipamento, material, estava em número 1 para poder concorrer ao combate a incêndios e voltar a ganhar concurso que tinha-os executado nos últimos 5 anos e todo esse património desapareceu (minuto 33.45 da reportagem).
28. Quando questionado pela Sra jornalista se “viu corrupção de frente”, o arguido respondeu “obviamente, lidei com ela” (minuto 37:46 da reportagem).
29. Ao agir da forma descrita, o arguido quis e conseguiu, atingir na sua honra e consideração o assistente DD, o assistente CC e na sua reputação, a assistente BB.
30. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta não era permitida por lei.
31. E agiu da forma descrita através de um meio de comunicação social, num programa informativo e jornalístico.
Mais se provou que:
32. Ate à sua saída da empresa BB o arguido foi director geral da empresa até ... e posteriormente ate à sua saída, director de operações e de treino.
33. Anteriormente à saída do arguido da BB foram vendidos 5 helicópteros e 1 avião executivo e a negociação para a venda destas aeronaves foi feita pelo arguido.
34. Estas vendas tiveram lugar para fazer face a constrangimentos financeiros da empresa.
35. Entre arguido e a BB, por um lado, e o assistente DD, por outro, correram termos vários processos judiciais.
36. A decisão do Tribunal arbitral data de ... de ... de 2022.
37. O arguido é piloto aviador e declarou retirar desta actividade €3.400 líquidos mensais.
38. Trabalha também como instrutor e dessa actividade declarou retirar cerca de €5.000,00 mensais.
39. É casado e a sua mulher encontra-se desempregada.
40. Tem uma filha de 7 anos de idade.
41. Vivem em casa propiá suportando uma prestação mensal para amortização de empréstimo contraído para a sua aquisição no valor de €1.300,00 mensais.
42. Ao nível de habilitações literárias concluiu uma licenciatura.
43. Do certificado do registo criminal do arguido nada consta.
Matéria de facto não provada
Não existem factos não provados com relevo para a decisão da causa.
Fundamentação da matéria de facto
A prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção
do julgador, salvo quando a lei dispuser diferentemente.
A livre apreciação da prova não se confunde com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova, pois que a prova livre tem pressupostos valorativos de obediência a critérios de experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
O Tribunal analisou e ponderou conjugadamente todos os meios de prova produzidos, designadamente, as declarações do arguido, dos assistentes, depoimento das testemunhas e prova documental, nomeadamente, certidão permanente de fls. 83 a 86 do apenso, 125 a 127, 129 a 132, contrato de fls. 133 a 163, decisão do Tribunal arbitral de fls. 571 a 705 e reportagem designada “A Segunda Ruina dos Kamovs”, emitida pelo programa “Sexta às 9, da ..., de 06-11¬2020, junta aos autos
Nas suas declarações o arguido não nega ter proferido as expressões que lhe são imputadas. O que diz é que a montagem e edição da reportagem não é da sua responsabilidade.
Diz que existiam 2 peças jornalísticas com 2 enquadramentos diferentes. Foi o criador da BB. Foi contratado para montar uma empresa de aviação, pelo anterior dono, o que fez. Com inicio em ....
Em ... passou a director geral da empresa e em ... foi afastado dessas funções, passando a ser director de operações e de treino, acabando por sair em ... por decisão sua.
Em ... o dono da BB precisava de vender a empresa pelo que contactou com o ora assistente CC, que era seu co-piloto perguntando-lhe se ele conhecia alguém que tivesse capacidade económica para o efeito. O CC e o II é que lideraram o processo de aquisição da empresa.
Em ... CC entra para a administração da BB.
Em meados de ... a empresa inicia um novo negócio de Airbus para a madeira, tendo sido o arguido a ter a iniciativa de trazer este negócio para a empresa.
A documentação relativa ao concurso foi preparada por si, tendo elaborado os documentos necessários. “Eu preparava tudo e eles assinavam”.
Dos 7 helicópteros que a empresa tinha um foi perdido num acidente. A empresa tinha também 2 Dauphin e um Phennon. 2 dos helicópteros foram vendidos entre 2016/2017 por falta de liquidez da empresa fruto da operação montada para a ....
Assistente CC prestou declarações dizendo ter sido sócio do ora arguido numa empresa denominada ... que foi a “mãe” da BB. Em ..., o arguido demitiu-se de cargo de director geral que exercia na BB, sendo que a razão para o efeito foi a redução do seu vencimento mensal.
Existiu um incumprimento por parte do Estado uma vez que deixou de pagar as facturas.
Na entrevista refere que o arguido diz que “dissipámos” património da empresa quando quendo ele saiu a empresa já não tinha nada e a decisão de venda de património tinha sido tomada pelo arguido.
A negociação para a venda de aeronaves foi feita por ele (5 helicópteros e 1 avião executivo). Sendo que depois de 2018 foram vendidas duas aeronaves pelo dobro do preço que ele tinha vendido.
O arguido sabia que o hangar havia sido prometido vender a uma empresa que tinha posto dinheiro na empresa e estava dependente da autorização da ....
O contrato celebrado com o Estado e as operações de manutenção foram geridas pelo arguido até à saída dele da empresa. Por isso sentiu revolta quando viu a entrevista.
Considera que o negócio não estava bem concebido e por isso a empresa entrou em dificuldades. O dossier dos kamov foi tratado pelo arguido, sendo as decisões tomadas por ele, e esta operação foi um desastre financeiro para a empresa.
Disse na entrevista que “precisam de 20 mil milhões para arranjar os helicópteros”, quando sabe que isto é mentira.
Quando a BB fica com a concessão, o Estado entregou-lhe 3 helicópteros. A concessão foi explorada de ... a ....
A partir de 2018 os helicópteros nunca mais voaram porque o Estado não os queria pôr a actuar.
O hangar foi fechado com os aviões lá dentro e administrativamente os helicópteros entregues à ....
A peça PC60 não é motivo de paragem dos helicópteros. Quem pediu as extensões de vida à autoridade foi o arguido.
Esta entrevista foi má para a empresa quando se inicia o tribunal arbitral.
Assistente DD, disse que o arguido andou cerca de um ano a tentar convencê-lo a participar no negócio da BB. Como por aquele foram apresentados “bons saldos económicas”, acabou por se convencer ainda que inicialmente tivesse reservas por se tratar de uma área de negócio que não conhecia. O que aconteceu foi que o arguido apresentou estudos de viabilidade económica que não se concretizaram. Andou um ano antes a tentar convencê-lo, sendo que o assistente não queria porque não era a sua área.
As declarações do arguido “tiram” a confiança às pessoas, sendo que foi a defesa da sua honra que o motivou a apresentar a denuncia nos presentes autos.
Trabalha com várias empresas multinacionais que o questionaram quanto ao conteúdo das declarações do arguido.
Testemunha GG, foi um dos concorrentes neste negócio através da ... tendo a sua posposta sido preterida em favor da BB.
Almoçou com o assistente DD uma vez há 5/6 anos porque tinha ouvido dizer que ele se ia meter no negócio dos helicópteros e foi para lhe dizer que ele era maluco (sic), porque ele não percebia nada de aviação. O preço da BB (referindo-se à proposta apresentada a concurso) era um preço “maluco”, pelo que viu logo que aquilo ia ser um desastre por causa do preço oferecido que era impossível manter. Obviamente, o negócio não tinha sustentabilidade, concluiu.
A titulo de exemplo disse que o preço dos kamov no mercado é de €8500 por hora e eles estavam a oferecer €3200.
Mais referiu que a BB concorreu sem ter as peças e as ferramentas necessárias ao negócio.
E tem conhecimento destes factos porque eles tentaram comprar-lhes as peças que tinha em stock e as ferramentas especificas.
Na abertura de propostas relativo ao concurso estava o arguido, em representação da BB, que era quem dava a cara.
Recorda-se de estarem helicópteros da BB no hangar para venda e as pessoas iam lá ver, sendo que o arguido estava lá nessas alturas.
Testemunha KK, empresário, conhece o arguido por ele ter trabalhado para si até ..., na empresa .... Está zangado com o arguido e instaurou contra o mesmo acções judiciais.
Ficou chocado da forma como o arguido falou na televisão. “Ele dizia que os seus sócios eram corruptos”.
Considera que o arguido “levou” o assistente DD para um negócio ruinoso.
Considera que a aquisição dos helicópteros ... pelo Estado foi um mau negócio na medida em que quando foram adquiridos já estavam ultrapassados. O arguido pela sua actividade profissional sabia do estado dos helicópteros à data da realização do negócio.
Testemunha LL trabalhou para o grupo propriedade da BB (de ... a ... de ... de 2016) e nessa altura o arguido era director geral da empresa.
Quando ali exerceu funções a empresa já tinha problemas financeiros.
Testemunha MM, trabalhou com o arguido de ... ate ..., altura em que ele saiu da empresa. Exercia funções como administrativa e secretária dele. O arguido era o director geral da BB.
As questões relacionadas com pagamentos e contratações eram tomadas pelo arguido.
O assistente CC só interveio depois de o arguido sair.
A empresa estava com dificuldades económicas, ao que julga por “negócios que correram mal”.
Foi o arguido que tratou do concurso dos .... Era ele que tratava dos assuntos relacionados com os ... e que fazia a gestão de tudo com aqueles relacionado.
Testemunha NN, director financeiro do grupo de empresas onde o assistente DD tem participações desde ....
Não intervinha no dia a dia da BB. Do que foi dado a perceber considera que existiu uma má avaliação do contrato dos .... Uma má avaliação do projecto de avaliação comercial e de um conjunto de operações de charters.
O contrato dos ... não foi executado da forma como foi contratado pois deviam ter sido entregues 6 helicópteros e o Estado só entrega 3.
Por via da entrevista e das declarações constantes da mesma, a posição no mercado, designadamente, internacional do assistente DD “saiu beliscada” empresas contactavam a pedir esclarecimentos quanto às alegações.
5 helicópteros e 1 avião executivo foram vendidos pelo arguido quando ainda se encontrava na BB. Posteriormente foram vendidos 2 helicópteros negociados pelo assistente CC.
O assistente DD não participou na gestão corrente da empresa nem participou na venda de nenhum bem.
Testemunha OO, engenheiro aeronáutico, trabalhou com o ora arguido desde ... até à saída daquele da empresa. O arguido era seu superior hierárquico.
O valor de manutenção referido pelo arguido na reportagem, de 20 milhões de euros, “é descabido”.
Quem geria o dia a dia da empresa era o arguido. Todo o trabalho da testemunha relacionado com manutenção e gestão de navegabilidade era organizado e autorizado pelo arguido.
As extensões (2ªs) das peças já tinham um processo iniciado pelo arguido ou por ordem dele, pelo que não corresponde à realidade a referência feita pelo arguido de a assistente se recusar a fazer o overhaul da peça.
O objecto do contrato eram 5 helicópteros com a possibilidade de recuperar um 6º e só fizeram operação com os 3 disponibilizados. E ainda assim tivemos uma operacionalidade de cerca de 95% em relação ao anterior operador. O que não podia deixar de ser do conhecimento do ora arguido.
Testemunha PP, piloto de avião civil
O arguido foi seu comandante na empresa ... e BBe está zangado com aquele.
Conhece o assistente CC por terem sido colegas de curso e foi co piloto na BB.
Trabalhou na BB entre ... a ... e era o arguido quem lhe dava ordens, era o seu chefe.
Testemunha II, irmão do arguido.
O arguido cortou relações com ele desde ... do ano passado.
Conheceu os assistentes como parceiros de negócio. A empresa BB foi comprada em ... e a testemunha assumiu a presidência. No ano seguinte a presidência alterou-se mas manteve-se como ....
40% do capital era seu e do seu irmão. 40% da ... da família DD e 20% do assistente CC.
O arguido trabalhava na empresa que estava em dificuldades mas convenceu-o de que era um bom negócio para o futuro.
O concurso dos ... não foi relevante para a concretização do negócio. Mas o concurso já tinha sido ganho antes da aquisição da empresa. O processo para o concurso foi instruído pelo arguido que era o executivo da empresa. As decisões relativas à parte operacional da empresa eram tomadas pelo arguido. A administração não intervinha. E ate à sua demissão em ... exerceu estas funções.
Antes de ... verificaram-se dificuldades de tesouraria. Houve necessidade de proceder a uma injecção de um total de 11 milhões de euros, sendo 10.300 por parte do Sr. DD e o remanescente pela testemunha.
Teve de ser vendido património da empresa, aeronaves e foi o meu irmão que tratou dessas vendas.
Depois da saída do seu irmão só foram vendidos 2 helicópteros.
E o património que foi vendido foi para suprir necessidades de tesouraria.
O que o seu irmão disse na entrevista é um conjunto de inverdades.
Testemunhas QQ, não tem qualquer conhecimento da questão dos ....
Testemunha RR, ..., desde ...1.../2016 ate ... da BB. Renunciou a tais funções pelo facto de a empresa, a partir do fecho das contas de 2018 demorar a entregar os documentos e a prestar as informações necessárias.
Testemunha SS, ... certificado desde o inico de ... da BB.
Empresa foi precisando de fundos para pagar as suas obrigações perante os credores.
Em ... a empresa já tinha um prejuízo operacional de cerca de 3 ou 4 milhões de euros.
Testemunha EE, jornalista.
Conhece os assistentes e o arguido do exercício da sua actividade profissional.
O dono da ... dizia que teria existido um conluio entre o Sr DD e o então Ministro da tutela no concurso dos ...
À data dos contratos como o arguido era o director operacional da empresa pelo que contactou com ele.
Investigava o assunto dos ... desde ... pelo que conhecia bem a questão.
A entrevista que pode ser vista na reportagem foi a única que fez ao arguido.
Testemunha TT, empresário
A sua empresa tem pendente uma ação contra a BB.
Em ... não foi feita a manutenção pelo facto de a BB não ter conseguido a extensão da manutenção. Foi o assistente CC que lhe disse para não fazerem o overhaul da peça PC 60.
Testemunha UU, ... foi contactada em ... pelo arguido que lhe pediu para fazer uma auditoria a uma empresa de que ela era sócio e que era participada a 100% pela ....
Não chegou a fazer a mesma porque pediu documentação e a mesma não lhe foi entregue.
Analisando.
Diz o arguido num determinado momento das suas declarações que só acedeu a dar a entrevista em causa nos autos porque lhe foi dito pela Sra. jornalista que estava em causa o seu bom nome e atuação no âmbito do negócio relativo aos ..., sendo que ao contrário do afirmado pelo arguido, a Sra. jornalista no seu depoimento diz que entrevistou o arguido uma única vez.
Ora, em momento algum dessa mesma entrevista a actuação do ora arguido é referida, analisada ou escalpelizada. O que o arguido faz é referir-se à conduta dos assistentes nos presentes autos num determinado âmbito.
Nas declarações que o arguido presta em audiência de julgamento diz que dos 7 helicópteros que a empresa tinha um foi perdido num acidente. A empresa tinha também 2 Dauphin e um Phennon e que 2 dos helicópteros foram vendidos entre 2016/2017 por falta de liquidez da empresa fruto da operação montada para a ....
Não se compreende assim, como afirma que a empresa” não tem meios, não tem aeronaves, não tem trabalhadores, não tem instalações, portanto não sei o que nos podemos chamar a isso”. Afirmação esta que tem, no contexto em que foram produzias, uma reportagem relativa a um contrato em que podia estar em causa a circunstância de o Estado ter sido lesado, levantar uma suspeição sobre a empresa e as pessoas com a mesma relacionadas. E refere ainda a criação de empresas em cascata, empresas cuja denominação enuncia, dizendo que se trata de “muitas coincidências”. Ora, no que à BB respeita o arguido diz nas suas declarações, evidenciando até orgulho, que foi ele que a criou. Não se compreende assim a sua afirmação na reportagem.
E tendo em conta a afirmação que produziu nas suas declarações em audiência de que parte do património da empresa foi vendido em 2016/2017 por falta de liquidez da empresa, para depois afirmar, de forma conclusiva, que a empresa se desfez do património antes do PER.
Não se compreende como afirma nas declarações em audiência que foi ele a contactar o assistente CC para saber se ele tinha conhecimento de alguém que tivesse capacidade económica para comprar a BB, para depois afirmar na reportagem que o assistente DD entra na empresa para dar uma empresa ao genro (CC). E mais “ tinha o seu genro que já andava a tentar negociar e comprar outras empresas no passado”
Também no que respeita à declaração produzida na reportagem de que “eu penso que o DD, na realidade não queria fazer nada, queria fazer aquilo que aconteceu (...) Havia uma intenção desde o início que era ir buscar ao Estado o dinheiro dos Kamovs que não tinham sido entregues, a mesma não pode ser compreendida de outra forma como não que o arguido pretendia atingir a honra e consideração deste, na medida em que é o arguido a afirmar que a estrutura do concurso foi ele que a fez, o que também é afirmado por testemunhas. E mais afirma o arguido que foi ele o grande impulsionador do concurso.
Não se pode assim, concluir, que o arguido fez as declarações que fez, convicto de que as mesmas correspondiam à verdade.
E, como tal, a conjugação da prova produzida, de acordo com as regras da experiencia comum, permite ao Tribunal concluir que o arguido actuou da forma descrita, sabendo que ao fazê-lo atingia na honra e consideração os assistentes pessoas singulares e na sua reputação a assistente pessoa colectiva.
No que respeita à situação económica e familiar do arguido atendeu o Tribunal às suas declarações.
Quanto à inexistência de antecedentes criminais teve-se em conta o teor do certificado do registo criminal junto aos autos.
III- DO DIREITO
Ao arguido é imputada a prática, como autor material, em concurso efctivo, de um crime de difamação com publicidade, p. e p. pelo artigo 180.° n.° 1 e 183.° n.° 1 alínea a) e b) e n.° 2, do Código Penal e de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 187.° n.° 1 e n.° 2, 183.° n.° 1, alínea a) e n.° 2 do Código Penal e 30.° n.° 2 da Lei n.º 2/99, de 13-01, nos exactos termos das acusações e pela mesma qualificação jurídica.
Dispõe o art. 180° nº1 do Código Penal) que quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.
Por sua vez dispõe o art.183º nº1 als. a) e b) do Código Penal que se no caso dos crimes previstos nos artigos 180.º, 181.º e 182.º:
a) A ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação; ou,
b) Tratando-se da imputação de factos, se averiguar que o agente conhecia a falsidade da imputação;
as penas da difamação ou da injúria são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo.
Por seu turno dispõe o nº2 do art. 30º da Lei nº2/99 de 13-01 que, Sempre que a lei não cominar agravação diversa, em razão do meio de comissão, os crimes cometidos através da imprensa são punidos com as penas previstas na respectiva norma incriminatória, elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo.
Considerando que o assistente DD imputava ao arguido a prática de um crime de difamação em que aquele figurava como visado (ofendido) e também o assistente CC imputava ao arguido a prática de um crime de difamação em que aquele figurava como visado (ofendido), tal como foi objecto de comunicação não substancial, ao abrigo do disposto nos art. 358º do C.P.Penal, estão em causa dois crimes de difamação. De facto, e como no Ac do ... de 22-02-... proferido no proc.696/16.1PSLSB.L1-3 in www.dgsi.pt, se decidiu se com a conduta empreendida, no crime de injúria, o arguido se dirige a duas pessoas, ofendeu por duas vezes o bem jurídico protegido pela norma – a honra e consideração de que goza cada pessoa – incorrendo na prática de dois crimes em concurso efectivo (homogéneo).
O art. 26° nº1 da Constituição da República Portuguesa consagra o direito ao bom nome e reputação entre os vários direitos de personalidade, que representa um lado individual (o bom nome) e um lado social (a reputação), cujo conteúdo é constituído basicamente pela pretensão de cada um ao reconhecimento da sua dignidade por parte dos outros, ou seja, a pretensão de não ser vilipendiado ou depreciado no seu valor aos olhos da comunidade, independentemente do reconhecimento real ou merecido de que uma pessoa goza ou deve gozar (vd Augusto Silva Dias, ob. e loc. cít.) - citado por Ac do TRE de 23-01-2018 relatado pelo Exmo. Sr. Desembargador António João Latas in www.dgsi.pt).
Difamar e injuriar mais não é basicamente que imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, entendida aquela como o elenco de valores éticos que cada pessoa humana possui, tais como o carácter, a lealdade, a probidade, a rectidão, ou seja a dignidade subjectiva, o património pessoal e interno de cada um, e esta última como sendo o merecimento que o individuo tem no meio social, isto é, bom-nome, o crédito, a confiança, a estima, a reputação, ou seja a dignidade objectiva, o património que cada um adquiriu ao longo da sua vida, o juízo que a sociedade faz de cada cidadão, em suma a opinião publica (Ac. do ... de 6-2-96, CJ, I, 156, citado in Ac. do TRG de 25-10-2004 relatado pela Exma. Sra. Desembargadora Nazaré saraiva, consultado in www.dgsi.pt).
A honra é entendida no ordenamento jurídico-penal português, como um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior.
Como refere Faria Costa, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo I, para aferir se as palavras proferidas são ou não ofensivas da honra e consideração de uma pessoa, há que atender ao contexto situacional, pese embora, existam palavras cujo sentido primeiro e último seja tido, por toda a comunidade falante, como ofensivo da honra e consideração e que exprimem e carregam consigo um indesmentível desvalor, objectivamente ofensivo.
Como se refere no Ac do TRE de 23-01-2018, relatado pelo Exmo. Sr. Desembargador António João Latas, consultado in www.dgsi.pt Conforme entendimento que vemos afirmado na jurisprudência nos últimos tempos e que partilhamos, o preenchimento dos tipos legais de difamação e injúria apenas se verifica quando as palavras, no que ao caso importa, devam considerar-se lesivas da honra ou consideração do visado, nas circunstâncias concretas em que foram proferidas, ou seja, as palavras referidas ou dirigidas a outra pessoa só terão típicas se, sendo depreciativas, puder concluir-se que nas circunstâncias concretas em que foram dirigidas ao visado as mesmas violaram o direito de cada um ao reconhecimento da sua dignidade por parte dos outros, ou seja, a pretensão de não ser vilipendiado ou depreciado no seu valor aos olhos da comunidade.
O que se verifica no caso concreto.
De facto, afirmar como o arguido fez num programa televiso que “a empresa do Sr. DD e do genro se desfez do património antes de aderir ao plano especial de revitalização;” um alegado esquema montado pela família DD para rigor a uma indemnização de 24 milhões ao estado, uma indemnização reclamada pelo facto da BB ter deixado de cumprir o caderno de encargos, um ano antes do fim do contrato e ser responsável pelos kamov estarem hoje no chão, inoperacionais desde ..., o que já custou ao Estado só em alugueres de helicópteros de substituição 15 milhões e 380 mil euros; “ o DD entra por uma questão de dar uma empresa ao seu genro CC e, portanto, ele não entra para fazer favor a ninguém (...) era um negócio, eventualmente apetecível, tinha o seu genro que já andava a tentar negociar e comprar outras empresas no passado (,,) minuto 22.14 da reportagem); “a responsabilidade da quebra de contrato entre o Estado e a BB foi da empresa, em todos os momentos, incluindo o final em ..., quando a BB foi expulsa do hangar de ponte de sor, aonde garante que ia fazer a manutenção dos kamov”; “eu penso que o DD, na realidade não queria fazer nada, queria fazer aquilo que aconteceu (...) Havia uma intenção desde o início que era ir buscar ao Estado o dinheiro dos Kamovs que não tinham sido entregues; “o Estado em 4 anos pagou 7 helicópteros à BB, portanto concretamente, as empresas é que lucram; “a própria BB diz que não tem meios...materiais, não tem aeronaves, não tem trabalhadores, não tem instalações, portanto não sei o que é que nós podemos chamar a isso”; “ muitas coincidências, as empresas todas são criadas em cascata, a BB, a ..., uma série de empresas que são criadas, a ..., a ......”; que “os factos falam, por si; e que “A BB detinha 7 helicópteros, quando eu saí, a BB detinha um hangar, a BB detinha equipamento, material, estava em número 1 para poder concorrer ao combate a incêndios e voltar a ganhar concurso que tinha-os executado nos últimos 5 anos e todo esse património desapareceu”, são afirmações suscetíveis de atingir a honra e considerarão das pessoas a quem se refere, os ora assistentes e a reputação da assistente BB
O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta não era permitida por lei. E agiu da forma descrita através de um meio de comunicação social, num programa informativo e jornalístico.
Encontram-se, assim, preenchidos os elementos objectivos e subjectivos dos crimes de difamação que, na sequência da comunicação da alteração não substancial efectuada, estão imputados ao arguido.
As afirmações do arguido não se traduzem num mero juízo critico, numa mera opinião, mas sim na imputação de factos e são idóneas a atingir o essencial do direito à honra e consideração dos assistentes.
De facto, e tal como já na decisão instrutória proferida nos autos se afirmava e que se corrobora, “Essas afirmações são, inegavelmente, e de acordo com regras de normalidade e da experiência comum, imputações de facto, dirigidas a terceiros (através de meio de comunicação social), susceptíveis de ofender a honra das pessoas singulares implicadas, nomeadas pelo arguido, directa e indirectamente, e por referência à pessoa colectiva BB, assim como susceptíveis de ofender a reputação, prestígio e confiança da BB, uma vez que o arguido acusa os assistentes, tanto de modo directo, como por insinuações/sugestões, de terem praticado inúmeros factos susceptíveis de configurarem crimes contra o património e contra o Estado.
Alega o arguido que pretendeu defender a sua honra.
Ora, a defesa da honra não pode ser feita à custa da prática de factos que integram a prática de um crime, a não ser em condições excepcionais e que não se têm por verificadas nos presentes autos.
De facto, a pendência de vários processos judiciais em que são partes os ora assistentes e o ora arguido, não justifica as afirmações que aquele fez e que foram transmitidas na reportagem em casa nos autos, na medida em que não as suportam.
Sendo que no que à decisão proferida pelo Tribunal Arbitral a mesma não havia ainda sido proferida à data em que a reportagem foi exibida.
Pelo exposto, não tendo resultado da discussão da causa quaisquer circunstâncias que excluam a ilicitude ou a culpa do arguido, impõe-se a condenação do arguido pela prática de dois crimes de difamação agravada.
*
Ao arguido é ainda imputada a prática de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 1870 n01 e 2, 1830 n01 alínea a) e n02 do Código Penal.
De acordo com art.1870 do Código Penal, quem sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa colectiva, instituição ou corporação, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 240 dias.
E de acordo com o art.1830 n01 als. a) e b) do mesmo diploma legal (aplicável ex-vi do disposto no n02 alínea a) do art.1870 do Código Penal):
Se (...):
a) A ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação; ou (...)
As penas da difamação ou da injúria são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo.
Também no que a este ilícito respeita, foi feita uma comunicação de uma alteração não substancial.
Constituem elementos objectivos do crime de ofensa a pessoa colectiva:
a) A afirmação ou propalação de factos inverídicos;
b Susceptíveis de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança da pessoa coletiva, corporação, organismo ou serviço;
c) Não tendo o agente fundamento para, em boa fé, reputar tais factos de verdadeiros (Ac do TRC de 04-05-... relatado pelo Exmo. Sr. Desembargador Jorge Dias, consultado in www.dgsi.pt).
O primeiro elemento objectivo do tipo de crime de ofensa a pessoa coletiva, organismos ou serviço é a afirmação ou propalação de factos inverídicos.
O segundo elemento que a lei exige é que se esteja perante factos idóneos – que tenham capacidade para – ofenderem a credibilidade, o prestigio ou a confiança. Esta idoneidade ou capacidade para ofender a credibilidade, prestígio ou confiança deve ser aferida tendo em conta “a compreensão que um normal e diligente homem comum tenha da problemática”.
Segundo Faria Costa, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra, ..., Tomo I, pag. 680 e 681 uma instituição é credível quando “pela actuação dos seus órgãos ou membros, se mostra cumpridora das regras, actua em tempo e de forma diligente e, sobretudo, quando a sua prática corrente se mostra séria e imparcial”, tem prestígio quando, “pelos comportamentos dos seus órgãos ou membros, ela se impõe no domínio específico da sua actuação, perante instituições congéneres e, por isso mesmo, perante a própria comunidade que serve e que a envolve” e é digna de confiança “quando pela sua génese e actuações posteriores se apresenta, paradigmaticamente, como entidade depositária daquele mínimo de solidez de uma moral social que faz com que a comunidade a veja como entidade em quem se pode confiar,.
Em terceiro lugar, é necessário que o agente ao afirmar ou propalar factos inverídicos o faça sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar de verdadeiros.
Não é necessário para que se verifique preenchido este elemento típico, que o agente tenha conhecimento do carácter não verídico dos factos; basta que não tenha fundamento para em boa fé os reputar de verdadeiros.
O Código Penal comina o crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva do art.187º do Código Penal a par dos crimes de difamação de injúria e de ofensa a memória de pessoa falecida respectivamente contemplados no art. 180º, 181, e 185º do Código Penal.
Esta distinta tipificação faz incutir que existe uma distinta tutela penal, estando em causa bens jurídicos e acções típicas igualmente diferenciada.
Naqueles ilícitos criminais tutela-se a honra, abarcando tanto o valor pessoal ou interior que cada pessoa tem por si, como a reputação ou consideração que diz respeito à valoração social que a comunidade tem por essa mesma pessoa. Trata-se, por isso, de um bem jurídico de natureza pessoalíssima, em que se protege a honra e consideração de uma precisa e concreta pessoa, na sua individualidade.
Como se refere no Ac. do TRP de 14-11-... relatado pelo Exmo. Sr. Desembargador Joaquim Gomes, que aqui seguimos de perto, consultado in www.dgsi.pt, A propósito dos crimes de injúrias e difamação a nossa jurisprudência, tem vindo a aferir critérios apertados de tipificação destes ilícitos, de modo a compatibilizar os mesmos com o princípio constitucional da intervenção mínima do direito penal (art.18º nº2 da Constituição e com outros direitos fundamentais.
Um deles é a liberdade de expressão, que tem consagração no art.37º da constituição, estabelecendo-se no seu nº1 que todos têm o direito de exprimir e divagar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações, acrescentando-se no seu nº2 que o exercício desses direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.
A par deste direito fundamental existe ainda o “direito ao bom nome e reputação (art.26º Constituição), o qual confere dignidade constitucional ao crime de difamação e de injúrias, mas estes, com uma incidência essencialmente pessoalíssima, porquanto tal directiz constitucional surge no âmbito da tutela constitucional da personalidade do cidadão.
No crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva da revisão do art.187º do Código Penal tutela-se, não naturalmente a honra, pois esta característica é um atributo exclusivo dos indivíduos, mas antes a credibilidade, o prestígio ou a confiança desses entes coletivos ou se preferir o seu bom-nome.
E isto tanto das pessoas coletivas publicas, como expressão da organização estadual, como das pessoas coletivas privadas, enquanto sistemas organizativos, com uma dinâmica própria, em que se destacam aquelas com finalidades empresariais
Trata-se de um crime de perigo concreto, pois as respectivas acções típicas têm que ser “capazes de ofender” e de, quanto à sua realização, mera actividade, uma vez que se basta com a afirmação ou propagação de “factos inverídicos”.
No entanto, essa mesma acção típica está sujeita a dois condicionalismos ou requisitos, um de natureza subjectiva, em que o agente tem de conhecer que os factos por si difundidos não são verdadeiros (i), e o outro de característica objectivo, que esses factos sejam susceptíveis de ofender o bom nome da pessoa coletiva (ii).
Nesta ultima vertente, será de destacar que o conceito de bom nome dos entes coletivos não deverá estar subordinado a toda e qualquer desconsideração relativamente à credibilidade, prestigio e confiança dessas pessoas morais e muito menos à compreensão que cada um dos mesmos tem relativamente áquilo que considera precisamente ser ético-socialmente aceitável ou violador da sua aparência enquanto sistema organizativo.
É necessário que resulte da prova produzida que o agente sabia que propalava ou proferia afirmações de actos imputados à assistente, que sabia serem inverídicos. A prática do crime p. e p. pelo art.187º do CP exige, para além do mais, a prova de que os factos propalados sejam inverídicos.
Como no ac do ... de 15-12-2022 proferido no proc.2063/18.3T9ALM.L1-9 in www.dgsi.pt se decidiu, a tutela, ou não, da honra e do bom nome de uma pessoa coletiva pressupõe que, perante cada caso concreto, se atente sempre, quer à essência desse direito, quer ao quadro de actividade e ao fim prosseguido por essa pessoa coletiva, como também à colidente liberdade de expressão e comunicação do agente.
Ora, à data em que o arguido profere as expressões que resultam da matéria de facto provada, estava constituído um tribunal arbitral para decidir as questões relacionadas com o contrato celebrado entre o Estado Português e a empresa BB
Analisadas nesse contexto as declarações proferidas pelo arguido, não se pode deixar de concluir que as mesmas eram aptas a atentar contra a imagem, notoriedade, credibilidade, confiança, prestígio e credibilidade da pessoa coletiva.
Impõe-se, assim, também quanto a este ilícito a condenação do arguido.
Os crimes de difamação pelos quais o arguido deve ser condenado resultam agravados por terem sido cometidos através de meio de comunicação social (art.183º nº2 do C.Penal).
No que respeita ao crime de ofensa a pessoa coletiva, o mesmo é igualmente agravado por essa razão (arts.187º nº1 e 2 al.a) do C.Penal), tal como foi objecto de comunicação, não havendo que fazer apelo ao disposto no nº2 do art. 30º da Lei 2/99 de 13-01).
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Aqui chegados, importa proceder à determinação da medida concreta da pena a aplicar.
Nos termos do artigo 40.º n.º 1 do Código Penal, a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo, em caso, a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
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Nos termos do artigo 70.º n.º 1 do Código Penal, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Tal preceito consagra o princípio basilar que deve presidir à aplicação de penas criminas, na nossa ordem jurídica, a preferência pelas reações criminais não detentivas.
In casu, quer o crime de difamação quer o crime de ofensa a pessoa colectiva agravados por terem sido cometidos através de meio de comunicação social, são punidos com pena de prisão ou de multa.
As finalidades da punição são atingíveis pela aplicação de penas, sendo certo que a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa (art.40 nºs 1 e 2 do Código Penal).
A fundamentação a que se refere o art.70º do Código Penal consiste na demonstração de que a pena não detentiva se mostra suficiente para que, no caso concreto, sejam alcançados os efeitos que se pretendem obter com qualquer reacção criminal, na justificação da prognose social favorável que está na base da opção pela pena não privativa da liberdade.
A prevenção geral afigura-se elevada, tendo em conta os bens jurídicos em causa e o nº de casos que se vêm registando de situações idênticas.
Assim, e embora não tenha confessado os factos, considera o Tribunal que a pena de multa ainda se revela suficiente para acautelar as finalidades da punição, pelo que se opta pela mesma.
Na ponderação da pena concretamente aplicável devem ser atendidos os critérios estabelecidos nos artigos 71.º e 72.º do Código Penal, sendo que a pena deve ser determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção especial de socialização e geral de integração que ao caso se imponham, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, deponham a favor ou contra o arguido.
A pena concreta há-de pois, fixar-se entre um limite mínimo e um limite máximo sempre adequados à culpa, tendo como referencial os mencionados fins de prevenção geral e especial.
No que tange à prevenção especial de socialização, ressalta que o arguido encontra-se social e familiarmente inserido e não tem antecedentes criminais registados.
O crime de difamação agravado por ter sido cometido através de meio de comunicação social e o crime de ofensa a pessoa coletiva agravado por ter sido cometido através de meio de comunicação social, são punidos, cada um daqueles, com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa não inferior a 120 dias.
Há que ter em conta:
- as elevadas necessidades de prevenção geral a que se já se aludiu supra e que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
- no que concerne às necessidades de prevenção especial, sublinha-se, que é impreterível consciencializar o arguido da gravidade da sua conduta, de modo a afastá-lo do cometimento de crimes.
- O arguido é piloto de aviação, encontrando-se social e profissionalmente inserido, gozando de boa reputação profissional.
- O grau de ilicitude dos factos demonstrado pelo arguido é elevado tendo em conta quer o bem jurídico tutelado neste tipo de crime, quer a forma de execução dos crimes cometidos, sendo que estava em causa a relação de duas pessoas singulares e de uma pessoa colectiva com o Estado.
- A intensidade do dolo é, no caso, como se viu, na modalidade de dolo directo, e, como tal, de alta intensidade, por ser a forma mais gravosa do dolo e a que representa maior desvalor.
- A culpa acompanha o dolo, comportando, de igual modo, o mais elevado desvalor. O arguido, quer por via da sua experiência de vida decorrente da sua idade, quer por via da sua experiência profissional, podia e não devia ter actuado como actuou.
- A ausência de confissão integral e sem reservas e a postura do arguido que é reveladora da inexistência de arrependimento.
Tudo visto e ponderado, afigura-se justo, adequado e razoável, condenar o arguido numa pena de 170 (cento e setenta) dias de multa por cada um dos crimes pelos quais deve ser condenado.
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Estando em causa a prática de 3 crimes, os quais se cumulam em concurso real efectivo, ter-se-á de proceder ao respectivo cúmulo de penas, nos termos previstos no artigo 77.º do Código Penal, uma vez que as diversas penas aplicadas são de igual natureza.
Nos termos do artigo 77.º n.º 1, do Código Penal “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.”
A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes – artigo 77.º n.º 2 do Código Penal.
A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas aplicadas aos vários crimes, isto é, in casu, 510 (quinhentos e dez) dias de multa e, como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas, ou seja, 170 (cento e setenta) dias de multa.
O agente será, então, condenado numa única pena, resultante de uma avaliação conjunta dos factos e da sua personalidade, num quadro de combinação das penas parcelares à luz do princípio do cúmulo jurídico.
É de atender, ao facto de, por um lado, à natureza dos crimes praticados, à ausência de confissão e à inexistência de antecedentes criminais.
Tudo ponderado, afigura-se-nos ajustado, por adequado e suficiente, a condenação do arguido na pena única de 280 (duzentos e oitenta) dias de multa.
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Quanto ao quantitativo diário da multa, o mesmo é fixado em função da situação económica e financeira do agente e dos seus encargos pessoais.
É ponto assente na jurisprudência o que se escreveu no Acórdão do STJ de 2 de Outubro de 1997 (In CJSTJ, Ano II, Vol. 3.º, p. 183), que “o montante diário da multa deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado sem, no entanto, deixarem de lhe ser asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respectivo agregado familiar.”
Tendo em conta a situação económica, pessoal e familiar do arguido, fixa-se a taxa diária da pena de multa em €10,00 (dez euros).
(…)”
»
II.4- Apreciemos, então, as questões a decidir.
Veio o recorrente invocar, desde logo, que a sentença recorrida padece de nulidade, nos termos da alínea c) do número 1 do artigo 379.º do CPP, por ter assentado a sua decisão de condenar o arguido, na fundamentação de Direito, com base em factos que não ficaram provados nos autos, no que respeita ao crime de ofensa a pessoa colectiva.
Argumenta o recorrente, quanto ao crime de ofensa a pessoa colectiva, que o Tribunal a quo, na Motivação da Matéria de Direito, conclui “à data em que o arguido profere as expressões que resultam da matéria de facto provada, estava constituído um tribunal arbitral para decidir as questões relacionadas com o contrato celebrado entre o Estado Português e a empresa BB” sem que, no entanto, tenha ficado provado em que data é que o arguido proferiu as expressões – isto é, a data em que a entrevista é dada; momento que jamais se pode confundir com o momento em que a entrevista é emitida na ..., em 06/11/2020 (vide Facto Provado 9).
Conclui o arguido recorrente que o Tribunal a quo não estava em condições de concluir, como concluiu, que na data em que o arguido proferiu as expressões estava constituído um Tribunal Arbitral, não tendo também ficado provado qual a data em que aquele Tribunal foi constituído, mas tão só a data em que foi proferida a decisão (vide Facto Provado 36).
Assim, alega o arguido recorrente que o Tribunal a quo assentou a sua decisão de o condenar com base em factos que não constam sequer dos autos – o que acarreta a nulidade da sentença, nos termos da alínea c) do número 1 do artigo 379.º do CPP.
Vejamos se assiste razão ao recorrente, nesta parte.
Recordemos os factos provados com relevância para a presente questão:
9. No dia 6 de Novembro de 2020 o programa Sexta às 9 foi emitido pela ..., rádio e televisão portuguesa, SA., sediada em Lisboa, em canal aberto sob o titulo “A segunda ruína dos kamov disponível na world wide web em https;//www.rtp.pt/p6596/sexta-as-9.
(…)
13. Na referida entrevista ao programa “Sexta as 9” é mencionado o conflito que corre termos no Tribunal arbitral relativo “a uma exigência que a BB fez ao estado de uma indemnização de 45 milhões de euros por nunca ter podido utilizar os 6 kamov” (minuto 21.07 da reportagem).
14. Afirma o arguido nas circunstâncias de tempo e lugar já referidas, “não sei porque é que existem Tribunais Arbitrais, porque já lá vão três anos, a não ser que seja como aquela ideia que nós temos, comum dos cidadãos que é que no Tribunal Arbitral ninguém perde, toda a gente ganha. O Tribunal Arbitral dá jeito que exista nestas situações. Rápido não é (...) é tão claro como água, tão clarinho como a água esta situação, que é fácil de resolver (minuto 21.18 da reportagem).
(…)
36. A decisão do Tribunal arbitral data de ... de ... de 2022.”
Apreciando.
Como vimos, o arguido recorrente foi condenado pela prática de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, agravado por ter sido cometido através de meio de comunicação social, p. e p. pelo arts. 187º nº1 e 2 e 183º nº 2 do Código Penal,
Ora, o momento relevante para se apurar da eventual consumação de tal crime não é o exacto momento em que o arguido proferiu as expressões, mas, antes, por natureza, quando a reportagem foi difundida pelos meios de comunicação social – in casu, no dia 6 de Novembro de 2020, no programa “Sexta às 9”, que foi emitido pela ..., rádio e televisão portuguesa, SA., sediada em Lisboa, em canal aberto sob o título “A segunda ruína dos kamov”.
Por outro lado, da visualização da referida reportagem (que constituiu meio de prova analisado e considerado pelo Tribunal recorrido), resulta, de forma inequívoca, que, quando o arguido foi entrevistado na mencionada reportagem, proferiu a expressão carreada ao ponto 14 dos factos provados, de que “(…) não sei porque é que existem Tribunais Arbitrais, porque já lá vão três anos, a não ser que seja como aquela ideia que nós temos, comum dos cidadãos que é que no Tribunal Arbitral ninguém perde, toda a gente ganha. O Tribunal Arbitral dá jeito que exista nestas situações. Rápido não é (...) é tão claro como água, tão clarinho como a água esta situação, que é fácil de resolver (minuto 21.18 da reportagem) (…).” (bold nosso)
O que é por dizer, necessariamente, que, quando o arguido proferiu aquelas expressões, logo nesse momento, mostrou ter conhecimento de estar já constituído um Tribunal Arbitral, pois que falou da sua existência, mencionando-o, sendo irrelevante a exacta data da sua constituição.
Assim, nesta concreta parte, não assiste razão ao arguido recorrente quando entende que deveria constar dos factos provados em que data é que o mesmo proferiu as expressões, alegando que não se pode confundir com o momento em que a entrevista é emitida na ..., em 06/11/2020. Isto porque, neste caso concreto, resulta irrelevante saber se as declarações do arguido foram proferidas antes ou só no momento em que foi difundida a reportagem, porquanto o momento que releva, para efeitos da eventual consumação do crime, é o da data da difusão da reportagem.
E, quando proferiu as expressões em causa, o arguido fez referência expressa à acção a correr no Tribunal Arbitral, ao referir “já lá vão três anos”, mostrando, portanto, ter já conhecimento da sua constituição, sendo, assim, irrelevante, a data concreta de tal constituição.
Estava, pois, o Tribunal a quo, ao contrário do alegado pelo arguido recorrente, em condições de concluir, como concluiu, que na data em que o arguido proferiu as expressões estava constituído um Tribunal Arbitral.
Em suma, relevante é saber-se quando a reportagem foi difundida pelos meios de comunicação social, porque este é o momento relevante para se apurar da consumação do crime – e sabemos isto, pois consta do ponto 9 dos factos provados; e que, no âmbito dessa mesma entrevista, o arguido mostrou ter conhecimento quanto a estar constituído um tribunal arbitral para decidir as questões relacionadas com o contrato celebrado entre o Estado Português e a empresa BB, ao referir “já lá vão três anos, sendo irrelevante, assim, nesta situação, apurar-se quer a data concreta em que o arguido deu a entrevista, quer a data da constituição do tribunal arbitral, porquanto o arguido já sabia, quando deu a entrevista, que aquele já tinha sido constituído.
Não se verifica, pois, a invocada nulidade da sentença, nos termos da alínea c) do número 1 do artigo 379.º do CPP.
Improcede, assim, este segmento de recurso.
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Vejamos, ora, da questão invocada pelo arguido recorrente se a sentença recorrida padece de algum dos vícios previstos no nº 2, do art. 410º ou de erro de julgamento, nos termos do nº 3, do art. 412º, ambos do CPP, relativamente aos pontos 11), 12), 15), 17), 29), 30) e 31) dos factos provados.
Alega o arguido recorrente que os factos provados vertidos nos pontos 11), 12), 15), 17), 29), 30) e 31) foram incorrectamente julgados e que, em função disso, impunha-se a sua absolvição, quer dos crimes, quer do pedido de indemnização civil.
Argumenta o arguido recorrente que a sentença recorrida, naqueles factos provados que indica, não tem correspondência com a prova produzida em audiência.
Apreciando.
Numa breve introdução dogmática, registe-se que, em processo penal, por vezes, nos recursos faz-se um inadequada abordagem do que seja o recurso da matéria de facto, pois que o recurso em tal vertente apenas pode ser interposto, com potencialidade para ter êxito, pela via do recorte no texto decisório de algum dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal ( que, aliás, como se sabe, até podem ser apreciados oficiosamente), ou, como via também possível prevista na lei (artigo 431º, alínea b) daquele código), se a prova tiver sido impugnada nos termos do artigo 412º, nº 3.
No primeiro caso estamos perante a arguição dos vícios formais, também designados de vícios decisórios, que se encontram previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, que, conforme decorre do referido precito legal, devem resultar do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, não se estendendo, pois, a outros elementos, nomeadamente que resultem do processo, mas que não façam parte daquela decisão, sendo, portanto, inadmissível o recurso a elementos àquela estranhos para o fundamentar, como por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento4. Tratam-se, portanto, de vícios intrínsecos da sentença que visam o erro na construção do silogismo judiciário. São, tais vícios, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova (als. a), b) e c), do nº 2, do citado art. 412º, do CPP.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Penal, ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício reporta-se à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não com a falta de prova para a decisão da matéria de facto provada[10].
Trata-se de uma insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, de um “vício de confecção da matéria de facto”, (…) impeditivo de bem se decidir , tanto no plano objectivo como subjectivo, o julgador quedou –se por uma investigação lacunar, deixou de indagar factos essenciais à decisão de direito, figurando na acusação, defesa ou resultantes da decisão da causa, impedindo de bem decidir no plano do direito, comprometendo a conclusão final do silogismo judiciário”.[11]
A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, vício previsto no artigo 410º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Penal, consiste na incompatibilidade, insuscetível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. O que ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
Finalmente, o erro notório na apreciação da prova, vício previsto no artigo 410º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efetuou uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis.
Trata-se de um erro de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido.
“Com a invocação do vício de erro notório questiona-se, não o conteúdo da prova em si, nomeadamente do que foi dito no depoimento ou nas declarações prestadas, cujo teor se aceita, mas a utilização que foi dada à referida prova, no sentido de a mesma suportar a demonstração de um determinado facto, na medida em que o tribunal valorizou a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados ou então quando da decisão se extrai de modo óbvio que optou por decidir, na dúvida, contra o arguido”.
Resumindo, “o erro notório traduz-se, basicamente, em se dar como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, ou quando determinado facto é incompatível ou contraditório com outro facto positivo ou negativo”.
Tal erro já não se verifica se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não conduz ao referido vício[.
Importa, porém, não esquecer, quando a este vício – erro notório na apreciação da prova – que, salvo no caso de prova vinculada, o tribunal aprecia a prova segundo as regras da experiência e a sua livre convicção, tal como o dispõe o artigo 127.º do Código de Processo Penal.
Rege, pois, o princípio da livre apreciação da prova, significando este princípio, por um lado, a ausência de critérios legais predeterminados de valor a atribuir à prova [salvo exceções legalmente previstas, como sucede com a prova pericial] e, por outro lado, que o tribunal aprecia toda a prova produzida e examinada com base exclusivamente na livre convicção da prova e na sua convicção pessoal.
O que sempre se impõe é que explique e fundamente a sua decisão, pois só assim é possível saber se fez a apreciação da prova de harmonia com as regras comuns da lógica, da razão e da experiência acumulada, sempre sem esquecer que a liberdade conferida ao julgador na apreciação da prova não visa criar um poder arbitrário e incontrolável.
Por fim, relembre-se, os erros da decisão, para poderem ser apreciados ou mesmo conhecidos oficiosamente, devem detectar-se, sem esforço de análise, a partir do teor da própria sentença, sem recurso a elementos externos como seja o cotejo das provas disponíveis nos autos e/ou produzidas em audiência de julgamento.
No segundo caso estamos perante um erro do julgamento [designadamente na apreciação da prova] cuja apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova produzida em audiência de julgamento, sempre tendo presente os limites fornecidos pelo recorrente em obediência ao ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal.
Como realçou o STJ, no acórdão de 12-06-20085, a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que se debruçando sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações:
- a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam;
- a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o «contacto» com as provas ao que consta das gravações;
- a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso;
- a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [al. b), do nº 3, do citado artigo 412.º do Código de Processo Penal].
Não se poderá esquecer, portanto, que o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição das gravações, antes constituindo um mero remédio jurídico com vista a colmatar erros do julgamento na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente, sendo manifestamente errado pensar que basta ao recorrente formular discordância quanto ao julgamento da matéria de facto para o tribunal de recurso fazer «um segundo julgamento», com base na gravação da prova.
Tem sido este o sentido defendido quer pela doutrina, quer pela jurisprudência.
Assim, refere Germano Marques da Silva6 que “o poder de cognição do Tribunal da Relação, em matéria de facto, não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento e faça tábua rasa da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação, apenas constitui remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância”.
No mesmo sentido se pronuncia Damião Cunha7, ao afirmar que os recursos são entendidos como juízos de censura crítica e não como «novos julgamentos».
“O recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros8.
Aqui chegados, logo se vê, pois, que o arguido recorrente, ao invocar que a sentença recorrida, naqueles factos provados que indica, não tem correspondência com a prova produzida em audiência, pretendeu claramente invocar o erro de julgamento, nos termos do art. 412º, nº 3, do CPP e não os vícios decisórios do art. 410º, que, como referimos supra, para poderem ser apreciados ou mesmo conhecidos oficiosamente, devem detectar-se, sem esforço de análise, a partir do teor da própria sentença, sem recurso a elementos externos como seja o cotejo das provas disponíveis nos autos e/ou produzidas em audiência de julgamento.
Iremos, assim, proceder à análise desta questão recursiva na perspectiva do erro de julgamento (art. 412º, nº3 do CPP), sendo certo também que se vier a proceder a impugnação ampla da matéria de facto, que implica um reexame de mais largo espectro, fica prejudicada a apreciação dos referidos vícios que, em termos de precedência lógico-jurídica, pressupunha a prévia alteração da factualidade provada, sanando-se os mesmos – vd. neste sentido, entre outros, o Ac. RL, P. nº 204/21.2PCAMD.L1, de 12/06/2023.
Prosseguindo, então, na análise da questão à luz do erro de julgamento.
Desde logo, os recorrentes que impugnam a decisão proferida sobre matéria de facto, no corpo motivador e depois nas conclusões, devem especificar, isto é indicar devidamente, os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados (cf. n.º 3 do art. 413.º do Código de Processo Penal). Isto facilmente se compreende pela singela razão de que o Tribunal de recurso não vai rever a causa, mas apenas pronunciar-se sobre os concretos pontos de facto que os recorrentes consideram incorretamente julgados.
Ora, in casu, tal especificação foi cumprida pelo arguido recorrente, indicando os pontos de facto provados que entende que foram incorrectamente apreciados: 11, 12, 15, 17, 29, 30, e 31.
Por outro lado, os recorrentes devem especificar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida.
Os recorrentes, tratando-se de prova testemunhal devem identificar as testemunhas cujos depoimentos, a seu ver, quanto ao concreto ponto de facto em questão, impõem decisão diversa [apontando as concretas passagens dos depoimentos dessas testemunhas em que se funda a impugnação (cf. art. 412.º n.º 4 do Código de Processo Penal).
In casu, o arguido recorrente, para além de identificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, também faz alusão às provas concretas que, no seu entender impõem decisão diversa, indicando mesmo, as concretas passagens em que se funda a impugnação.
Está, pois, cumprido, desde logo, o ónus de impugnação especificada decorrente do disposto nos nºs. 3 e 4 do art. 412º do CPP.
Relembremos, ora, o teor dos referidos factos provados, da sentença recorrida:
“11. O ora arguido em entrevista ao programa “sexta as 9, apresentado pela jornalista EE, “alega que a empresa do Sr. DD e do genro se desfez do património antes de aderir ao plano especial de revitalização (minuto 17.08. Da reportagem).”
“12. E mais refere” um alegado esquema montado pela família DD para rigor [aqui percebe-se um lapso de escrita, como resulta da audição da reportagem, pretendendo certamente o Tribunal recorrido usar o termo “fugir”] a uma indemnização de 24 milhões ao estado, uma indemnização reclamada pelo facto da BB ter deixado de cumprir o caderno de encargos, um ano antes do fim do contrato e ser responsável pelos kamov estarem hoje no chão, inoperacionais desde ..., o que já custou ao Estado só em alugueres de helicópteros de substituição 15 milhões e 380 mil euros (minuto 17,18 da reportagem).”
“15. Mais disse, em referência à sua saída da BB, “na altura estava em desacordo com tudo, especialmente com a forma como DD e a restante administração do grupo proprietário da BB tinha gerido o dossier dos kamov. Mas os problemas entre o antigo Comandante da Força aérea e o principal acionista começaram pouco depois da entrada de DD e da família na BB, pouco depois de consumado o negócio da helicópteros” (minuto 21.53 da reportagem).”
“17. Nas declarações prestadas pelo arguido ao programa “Sexta às 9”, o arguido ”insistiu sempre na ideia de que a responsabilidade da quebra de contrato entre o Estado e a BB foi da empresa, em todos os momentos, incluindo o final em ..., quando a BB foi expulsa do hangar de ponte de sor, aonde garante que ia fazer a manutenção dos kamov (minuto 23.17 da reportagem).”
“29. Ao agir da forma descrita, o arguido quis e conseguiu, atingir na sua honra e consideração o assistente DD, o assistente CC e na sua reputação, a assistente BB.”
“30. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta não era permitida por lei.”
“31. E agiu da forma descrita através de um meio de comunicação social, num programa informativo e jornalístico.”
Argumenta, desde logo, o arguido recorrente que, ao invés do que o Tribunal a quo refere, na fundamentação de facto, de que: “Nas suas declarações o arguido não nega ter proferido as expressões que lhe são imputadas. O que diz é que a montagem e edição da reportagem não é da sua responsabilidade”, a verdade é que ele não admitiu ter proferido todas as expressões mencionadas na acusação particular, tendo esclarecido que, parte delas, eram conclusões da jornalista EE, e outra parte do narrador da reportagem – e que, por isso, não podia ser responsabilizado por estas.
Ora, da audição que este Tribunal ad quem fez da prova produzida em audiência, mormente após a visualização da reportagem, logo se conclui que mal andou o Tribunal a quo ao retirar a mencionada conclusão, na fundamentação de facto, pois não está consonante com a prova prestada.
Com efeito, resulta claro que o arguido não admitiu todas as expressões que resultam da audição da reportagem jornalística, mas apenas aquelas que o mesmo proferiu, em discurso próprio e directo, e não também as que consubstanciaram conclusões da jornalista que o entrevistou e as que foram verbalizadas pelo narrador da peça jornalística, para a montagem e edição da reportagem.
Senão vejamos.
As expressões descritas nos pontos 11, 12 da factualidade apurada não foram proferidas pelo arguido, mas pela jornalista, em conclusão que a mesma retirou da entrevista dada por aquele, o que é bem diferente de se descrever tal factualidade como se tivesse sido o próprio arguido a fazer tal afirmação.
O mesmo acontece com os pontos 15 e 17 da factualidade apurada, tendo as expressões ali descritas sido proferidas pelo narrador da reportagem e não pelo próprio arguido.
Deveria, portanto, o Tribunal a quo, apenas ter levado ao elenco dos factos provados, as expressões proferidas pelo próprio arguido e as que foram conclusões retiradas pela jornalista e as proferidas pelo narrador da peça jornalística, porquanto apenas as primeiras lhe podem ser imputadas.
Assiste, portanto, razão, ao arguido recorrente, nesta parte, tendo, efectivamente, o Tribunal a quo incorrido no invocado erro de julgamento, quanto aos factos concretos que indica na sua peça recursiva: os pontos 11, 12, 15 e 17, devendo constar como não provado que o arguido proferiu aquelas expressões.
Por sua vez, como vimos, impugna também o arguido recorrente os pontos 29, 30 e 31 dos factos provados.
Analisemos.
Revisitando a sentença recorrida, é este o teor dos referidos factos provados impugnados pelo recorrente:
“29. Ao agir da forma descrita, o arguido quis e conseguiu, atingir na sua honra e consideração o assistente DD, o assistente CC e na sua reputação, a assistente BB.
30. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta não era permitida por lei.
31. E agiu da forma descrita através de um meio de comunicação social, num programa informativo e jornalístico.”
Ora, como é bom de ver, tal factualismo impugnado contende com o elemento subjectivo dos tipos legais de crime imputados ao arguido recorrente.
Cumpre, pois, analisar da natureza das expressões efectivamente usadas pelo arguido, constantes dos factos provados, de forma a poder concluir-se integrarem as mesmas ou não tais ilícitos criminais.
Para esta tarefa, impõe-se, antes de mais, extirpar de toda a demais factualidade carreada ao elenco dos factos provados, as expressões decorrentes de afirmações da jornalista e do narrador da peça jornalística, mantendo-se em tal elenco apenas as expressões que foram efectivamente proferidas pelo arguido.
São, assim, estas as expressões concreta e especificamente usadas pelo arguido:
- do ponto 14: “(…) não sei porque é que existem Tribunais Arbitrais, porque já la vão três anos, a não ser que seja como aquela ideia que nós temos, comum dos cidadãos que é que no Tribunal Arbitral ninguém perde, toda a gente ganha. O Tribunal Arbitral dá jeito que exista nestas situáveis. Rápido não é (…) e tao claro como água, tao clarinho como a água esta situação, que e fácil de resolver (minuto 21.18 da reportagem)”;
- do ponto 16: “(…) o DD entra por uma questão de dar uma empresa ao seu genro CC e, portanto, ele não entra para fazer favor a ninguém (…) era um negócio, eventualmente apetecível, tinha o seu genro que já andava a tentar negociar e comprar outras empresas no passado (minuto 22.14 da reportagem);
- do ponto 18 [referindo-se aqui o arguido ao overhaul da peça PC60 do 1º helicóptero que estava para sair da manutenção em ...]: “(…) estava pronto, à espera de receber a peça PC-60 e que não recebeu essa peça PC60 pura e simplesmente porque não quiseram mandar fazer o overhaul dessa peça que levava dois meses e meio a três meses a estar pronta (minuto 23.42 da reportagem)”;
- do ponto 19 [respondendo o arguido a uma questão da jornalista no sentido de sobre quem é que não quis fazer a inspecção, tendo sido a sua primeira resposta a de que “as autoridades responderão a isso” e tendo-lhe sido questionado que entidades seriam essas, o arguido afirmou]: “ as mesmas entidades que dizem que não fizeram a manutenção porque foi encerrado o hangar poderão vir esclarecer se era caro, se era barato. O que eu sei é que toda a manutenção dos overhauls estava orçamentada e estava prevista (minuto 24:16 da reportagem)”;
- do ponto 20: “(…) eu penso que o DD, na realidade não queria fazer nada, queria fazer aquilo que aconteceu (...) Havia uma intenção desde o início que era ir buscar ao Estado o dinheiro dos Kamovs que não tinham sido entregues (minuto 29:08 da reportagem)”;
- do ponto 21 [na sequência da conclusão retirada pela jornalista: “Portanto, lesar o Estado”, o arguido inicialmente não responde e, após pedida a sua opinião, por parte daquela, afirmou]: “(…) eu penso que o DD, na realidade não queria fazer nada, queria fazer aquilo que aconteceu (...) Havia uma intenção desde o início que era ir buscar ao Estado o dinheiro dos Kamovs que não tinham sido entregues (minuto 29:08 da reportagem)”;
- do ponto 22: “O Estado em 4 anos pagou 7 helicópteros à BB, portanto concretamente, as empresas é que lucram (minuto 25:17 da reportagem)”;
- do ponto 23: “4 milhões e meio para uma operação de 4 meses quando pagava 7 milhões para uma operação de 12 meses (minuto 25:49 da reportagem) e concluindo que o Estado “esta efectivamente a perder dinheiro” (minuto 25:57 da reportagem)”;
- do ponto 24 [instado pela jornalista a apresentar uma previsão de custos de reparação dos ..., o arguido referiu ]:“7 milhões de euros para cada um” (minuto 25:57 da reportagem)”, e “cerca de 21 milhões, mais coisa, menos coisa, estamos a falar de cerca 20 milhões de euros, por aí, entre 15, pronto, e 20 milhões de euros” (minutos 26:55 da reportagem)”;
- do ponto 25: “A própria BB diz que não tem meios materiais, não tem aeronaves, não tem trabalhadores, não tem instalações, portanto não sei o que é que nós podemos chamar a isso” (minuto 30:28)”;
- do ponto 26: “(…) de facto muitas coincidências, as empresas todas são criadas em cascata, a BB, a ..., uma série de empresas que são criadas, a ..., a ......” (minuto 33:08 da reportagem), e que “os factos falam, por si” (minuto 33:25 da reportagem).
- do ponto 27: “A BB detinha 7 helicópteros, quando eu saí, a BB detinha um hangar, a BB detinha equipamento, material, estava em número 1 para poder concorrer ao combate a incêndios e voltar a ganhar concurso que tinha-os executado nos últimos 5 anos e todo esse património desapareceu (minuto 33.45 da reportagem).”
- do ponto 28: [quando questionado pela jornalista se “viu corrupção de frente”, o arguido respondeu]: “obviamente, lidei com ela” (minuto 37:46 da reportagem).
Aqui chegados, cumpre, então, analisar da natureza das expressões concretamente afirmadas pelo próprio arguido.
A questão jurídica-penal nuclear que subjaz ao presente recurso impõe a análise, ainda que breve, do recorte típico do ilícitos penais imputados ao arguido recorrente.
Preceitua o art. 180º no seu nº 1 que: «Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivo da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias».
Diz o o nº 1 do art. 187º que: «Quem, sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa colectiva, instituição ou corporação, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 240 dias.»
Desde logo, quanto ao crime de difamação, como linearmente decorre do respectivo preceito legal, o tipo objectivo compreende três realidades objectivas distintas, equiparadas quanto à punição que a norma lhes reserva, podendo preencher-se mediante (i) a imputação a outra pessoa de factos, mesmo sob a forma de suspeita, (ii) a formulação de um juízo de (des) valor ou (iii) reprodução de uma imputação ou de um juízo, que sejam ofensivos da honra ou consideração [exigência comum, adaptadamente, ao crime de ofensa a pessoa colectiva].
Do ponto de vista da sua tipicidade, a difamação, assim como a ofensa a pessoa colectiva, adaptadamente (ofensa à sua credibilidade, prestígio ou confiança), compreendem comportamentos lesivos da honra e consideração de alguém.
O preenchimento da tipicidade objectiva de tais ilícitos está, pois, intrinsecamente ligada à definição do bem jurídico protegido pelas respectivas incriminações, que define a conteúdo e amplitude da tutela penal e tem como referência a Constituição, que consagra, como direito fundamental [Parte I, Título II, Capítulo I – Direitos, liberdades e garantias pessoais], no artigo 25º, nº 1, o direito à integridade moral, e no artigo 26º, o direito ao bom nome e reputação [direito de personalidade que integra uma dimensão eminentemente individual (o bom nome) e outra social (reputação)], tidos como emanação da dignidade da pessoa humana [artigo 1.º da Lei Fundamental].
Na definição de Paulo Pinto de Albuquerque [Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, edição de Novembro de 2015, pág. 723] “O bem jurídico protegido pela incriminação é a honra, numa dupla conceção fáctico-normativa, que inclui não apenas a reputação e o bom nome de que a pessoa goza na comunidade (a honra externa, aussere Ehre), mas também a dignidade inerente a qualquer pessoa, independentemente do seu estatuto social (a honra interna, innere Ehre)”.
Na lição de Beleza dos Santos [in “Algumas Considerações Jurídicas sobre Crimes de Difamação e de Injúria”, RLJ ano 92, n.º 3152, p.167-168] a honra consubstancia-se “naquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral, que são razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo possa com legitimidade ter estima por si, pelo que é e vale” e a consideração é “aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de tal modo que a falta de algum desses requisitos possa expor essa pessoa (…) ao desprezo público. (…). A honra refere-se ao apreço de cada um por si, à auto-avaliação no sentido de não ser um valor negativo, particularmente do ponto de vista moral. A consideração ao juízo que forma ou pode formar o público no sentido de considerar alguém um bom elemento social ou ao menos de não o julgar um valor negativo”.
Com relevância ao nível do preenchimento dos tipos de ilícito em apreciação, por decorrência da natureza de última ratio do direito penal e dos princípios da intervenção mínima, subsidiariedade e proporcionalidade que o conformam [artigo 18º nº 2 da Constituição], há que afastar da tutela penal os casos em que funcione a denomina cláusula geral de adequação social [como se refere no Ac. da Relação de Évora, de 22.02.2022,proc. 364/20.0 T9ENT.E1, publ. in www.dgsi.pt «Nem todo o comportamento incorrecto de um indivíduo nem todos os factos cuja imputação cause melindre ou desconforto ou corresponda a uma desconsideração pessoal, embaraço ou humilhação merecem tutela penal, havendo que distinguir indelicadeza, grosseria e falta de educação de verdadeiros ataques à honra, merecedores de tutela penal»]. A tutela penal opera para proteger “a dignidade e o bom nome do visado e não a sua especial susceptibilidade e melindre” [neste sentido, V. Ac. do TRE de 23.01.2018, proc. 80/17.7 GGBJA.E1, publ. in www.dgsi.pt]. Como ensina Costa Andrade, a conduta típica configura sempre “a concretização de uma expressão paradigmática de danosidade social intolerável” e, como tal, digna de tutela penal e carecida de tutela penal.
Há uma potencialidade conflituante do direito à honra e consideração com outros direitos constitucionalmente consagrados, com particular ênfase para a liberdade de expressão, que compreende não só a liberdade de pensamento como a liberdade de exteriorização de opiniões e juízos [ “todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, se se informar e de ser informados, sem impedimentos nem descriminações” - artigo 37º da Constituição].
Acompanhamos o entendimento expresso por Gomes Canotilho e Vital Moreira de que não existe entre os referidos direitos qualquer relação de prevalência, devendo a sua concordância prática ser alcançada através do critério da proporcionalidade que, na análise caso a caso dos bens e valores em conflito, ditará a compressão de um deles [“No contexto constitucional português, os direitos em colisão devem considerar-se como princípios susceptíveis de ponderação ou balanceamento nos casos concretos, afastando-se quaisquer ideias de supra ou infra valoração abstrata” (cfr CRP Anotada, Vol. I, 4ª ed.-... p. 466)].
É neste quadro legal que o Supremo Tribunal de Justiça, acolhendo o entendimento de Costa Andrade sobre a atipicidade do direito de crítica objectiva [in, Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal (Coimbra Editora – 1996), pg. 232 e ss], que aqui igualmente acompanhamos, vem sustentando «deverem-se considerar atípicos os juízos de apreciação e de valoração crítica vertidos sobre realizações científicas, académicas, artísticas, profissionais, etc, (…), quando não se ultrapassa o âmbito da crítica objectiva, isto é, enquanto a valoração e censura críticas se atêm exclusivamente às obras, às realizações ou prestações em si, não se dirigindo directamente à pessoa dos seus autores ou criadores, posto que não atingem a honra pessoal do cientista, do artista ou desportista, etc, nem atingem a honra com a dignidade penal e a carência de tutela penal que definem e balizam a pertinente área de tutela típica.» . Sustenta-se ainda no citado acórdão, citando o mesmo Autor, que a atipicidade da crítica objectiva não depende do acerto, da adequação material ou da “verdade” das apreciações subscritas, apenas sendo de excluir a atipicidade relativamente a críticas caluniosas ou juízos exclusivamente motivados pelo propósito de rebaixar e humilhar e ainda nas situações que os juízos negativos sobre o visado não têm qualquer conexão com a matéria em discussão “Uma coisa é criticar a obra, outra muito distinta é agredir pessoalmente o autor, dar expressão a uma desconsideração dirigida à sua pessoa.”.
Transpondo estes ensinamentos para a situação in casu, entende este Tribunal ad quem que as expressões usadas pelo arguido recorrente, nos moldes acima configurados, não consubstanciam críticas caluniosas ou juízos exclusivamente motivados pelo propósito de rebaixar e humilhar os assistentes, mas tão só expor, ainda nos limites permitidos pelo princípio constitucional da liberdade de expressão, o seu ponto de vista sobre a situação em causa.
Uma coisa é descrever subjectivamente o entendimento quanto à forma como a BB tinha sido gerida, outra muito distinta é ofender pessoalmente os assistentes, dando expressão a uma desconsideração dirigida às suas pessoas.
Face ao exposto, não se podem ter por preenchidos os elementos objectivos típicos dos crimes imputados ao arguido recorrente, e, na decorrência, necessariamente, também os elementos subjectivos do tipo.
Impõe-se, assim, em consequência da verificação do erro de julgamento, nos termos do art. 412º, nº 3, do CPP, por parte do Tribunal recorrido, quanto aos pontos 11, 12, 15, 17, 29, 30 e 31 dos factos provados, tudo nos termos sobreditos, a absolvição do arguido recorrente, quanto a ambos os crimes que lhe foram particularmente imputados (e em que foi condenado), com a necessária e decorrente absolvição também quanto aos pedidos cíveis contra si formulados (e em que foi igualmente condenado), nos termos do art. 483º do Código Civil, a contrario sensu.
»
III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os Juízes da 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, revogando-se a decisão recorrida e, assim, absolvendo-se o mesmo da prática de dois crimes de difamação p. e p. pelos arts. 180º e 183º nº 2, e um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, p. e p. pelo arts. 187º nº1 e 2 e 183º nº 2, ambos do Código Penal, e, em consequência também dos pedidos de indemnização civil em que foi condenado.
Sem custas.
Notifique nos termos legais.
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Lisboa, 02 de Maio de 2024
(O presente acórdão foi processado em computador pela relatora, sua primeira signatária, e integralmente revisto por si e pelas Exmas. Juízes Desembargadoras Adjuntas – art. 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal - encontrando-se escrito de acordo com a antiga ortografia)
As Juízes Desembargadores,
Fernanda Sintra Amaral
Ana Marisa Arnedo
Amélia Carolina Marques Dias Teixeira
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1. Indicam-se, a título de exemplo, os Acórdãos do STJ, de 15/04/2010 e 19/05/2010, in http://www.dgsi.pt.
2. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, ..., pág.335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, ..., pág.113.
3. Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada pelo Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR/I 28/12/1995.
4. Cfr. Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal Anotado, 10ª ed., pág. 279; Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed. Pág. 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª ed., págs. 77 e ss..
5. Proc. nº 07P4375, acessível in www.dgsi.pt
6. In Forum Iustitiae, Ano I, Maio de 1999.
7. In «O caso Julgado Parcial», 2002, pág. 37.
8. Cfr, neste sentido, Acórdão do STJ de 15-12-2005, Proc. nº 05P2951 e Ac. do STJ de 9-03-2006, Proc. nº 06P461, acessíveis em www.dgsi.pt