Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | RENATA WHYTTON DA TERRA | ||
Descritores: | VIOLÊNCIA DOMÉSTICA PENA DE PRISÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/04/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
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Sumário: | –Tendo o arguido dificuldade em resistir à frustração, dificuldades de descentração e de autoanálise, desculpabilizando-se e desvalorizando os danos causados à vítima de violência doméstica, e existindo um risco elevado de em liberdade voltar a cometer o mesmo delito, não se realçando assim qualquer elemento que permita formular um juízo favorável quanto às virtualidades que a pena suspensa na sua execução poderia ter. Se a tal acrecermos o facto de o arguido dar fraca importância às suas anteriores condenações ainda que respeitantes a bens jurídicos distintos, mostra que a suspensão da pena de prisão não terá, qualquer efeito ressocializador e, portanto, a decisão não poderá ser outra que não a de aplicação de pena de prisão efectiva pela pratica de um crime de violência doméstica p.p. pelo artº 152 nº 1 al b)e nº 2 al. a) do CP, acautelando-se também as necessidades de prevenção geral face ao bem jurídico em causa, cuja validade da norma que o protege tem de ser reafirmada. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa. I.–Relatório: No âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular n.° 189/19.5 PGSXL a correr termos no Juízo Local Criminal do Seixal- Juiz 1 foi julgado e condenado o arguido AA, pela prática, em autoria material e com dolo direto, na forma consumada de um crime de violência doméstica, previsto e punível pelos artigos 13.°, 14.°, n.° 1, 26.° e 152.°, n.° 1, alínea b), n.° 2, alínea a) do Código Penal, na pena de três anos e seis meses de prisão, que, nos termos conjugados do disposto nos art.°s ° 50.°, n.° 1, 2, 4, e 5, 53.° e 54.° n.° 1 e 3 do Código Penal e 494.° do Código do Processo Penal, foi suspensa na sua execução pelo período de quatro anos, sujeitando-a a regime de prova, assente num plano de reinserção social, a ser executado com a vigilância e apoio da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais. A sentença foi proferida a 11.6.2021 e foi junta a fls. 377 a 422 dos autos. Desta decisão veio o Ministério Público interpor o presente recurso, nos termos e com os fundamentos que constam de fls. 427 a 434 dos autos, que agora aqui se dão por reproduzidos para todos os legais efeitos, terminando com a formulação das seguintes conclusões: *** O arguido não apresentou resposta às alegações de Recurso. Neste Tribunal de recurso o Digno Procurador-Geral Adjunto Cumprido o preceituado no art.° 417.°, n.° 2 do Cód. Proc. Penal, nada foi respondido. Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência. Nada obsta ao conhecimento do mérito. II–Fundamentação: Fundamentação de facto São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal de 1.ª Instância: Mais se provou que, - Por sentença datada de 24/06/2010, transitada em julgado em 28/07/2010, no âmbito do processo comum n.° 107/10.6PDSXL, que correu termos no 2.° Juízo Criminal, do Tribunal de Família e Menores do Seixal, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal (previsto e punido pelo artigo 3.°, n.°1, e 2, do DL n.° 2/98, de 3 de janeiro), por factos praticados em 24.06.2010, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de 5,00€ (cinco euros), o que perfaz um total de 300,00€ (trezentos Euros). Pena já extinta. - Por sentença datada de 16/11/2015, transitada em julgado em 16/12/2015, no âmbito do processo n.° 2862/13.2TASXL, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, no Juiz 1, do Juízo Local Criminal do Seixal, pela prática de dois crimes de abuso sexual de crianças (previsto e punido pelo artigo 171.°, n.° 1, e 2, do Código Penal), por factos praticados em 17.10.2013, na pena 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos. Já extinta. - Por sentença datada de 21/04/2016, transitada em julgado em 23/05/2016, no âmbito do processo n.° 220/16.6PFSXL, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, no Juiz 2, do Juízo Local Criminal de Seixal, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal (previsto e punido pelo artigo 3.°, n.°s1, e 2, do Decreto-Lei n.° 02/98, de 3 de janeiro), por factos praticados em 01.04.2016, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de 6,00€ (seis euros), que se computa no montante total de 720,00€ (setecentos e vinte euros). Já extinta. -Por sentença datada de 29/04/2016, transitada em julgado em 30/05/2016, no âmbito do processo n.° 550/16.7GCALM, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, no Juiz 3, do Juízo Local Criminal de Almada, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal (previsto e punido pelo artigo 3.°, n.°1, e 2, do DL n.° 2/98, de 3 de janeiro), por factos praticados em 22.04.2016, na pena 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, com sujeição a regime de prova, a qual foi prorrogada para um período de 2 (dois) anos, por decisão datada de 08/03/2018 e transitada em julgado em 27/04/2018. - Por sentença datada de 26/04/2017, transitada em julgado em 26/05/2017, no âmbito do processo n.° 295/17.OPFSXL, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, no Juiz 2, do Juízo Local Criminal do Seixal, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal (previsto e punido pelo artigo 3.°, n.°1, e 2, do DL n.° 2/98, de 3 de janeiro), por factos praticados em 31.03.2017, na pena 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 (um) ano, com sujeição a obrigações: inscrição em escola de condução no prazo de 2 meses a contar do trânsito em julgado da decisão condenatória e frequentar as aulas que sejam pertinentes para a obtenção da carta de condução, com comprovação trimestral nos autos. Já extinta.
Factos Não Provados: Da discussão da causa, com interesse para a decisão de mérito da causa, resultaram como não provados os seguintes factos: *** É a seguinte a motivação da matéria de facto apresentada pelo Tribunal de 1.ª Instância: O Tribunal formou a sua convicção, com base na análise da prova produzida, conjugada entre si e analisada à luz das regras da experiência comum. Nos termos do disposto no artigo 127.º, do Código de Processo Penal - “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.”. Conforme refere Alberto dos Reis “Quando se diz que o tribunal julga segundo a sua convicção, formada sobre a livre apreciação das provas, não se pensa em proclamar o império do arbítrio, do capricho, da vontade desregrada e discricionária na avaliação e julgamento das provas; o que se quer significar é que o juiz não está adstrito a critérios legais fixos e predeterminados, a normas absolutas, abstratas e severas, impostas pela lei.” (REIS, José Alberto dos, Código de Processo Civil Anotado, Volume III, 3ª Edição, Reimpressão, Coimbra Editora, 1981, pg. 244 e 245). A convicção do Tribunal relativamente à factualidade dada como provada e supra elencada, assentou da análise crítica, ponderada e conjugada de todo o contexto probatório e essencialmente da prova produzida em sede de Audiência Final de Julgamento. Toda a prova foi dissecada e entrecruzada, de modo a aferir dos seus pontos de concludência.
*** Assim, relativamente à factualidade dada como provada, e no que concerne ao início do relacionamento amoroso, vertido no ponto 1., o Tribunal atendeu às declarações do arguido e ao depoimento da testemunha/ofendida que foram consentâneos, nesta parte. No que diz respeito às agressões perpetradas pelo arguido em direção à ofendida, durante aquele relacionamento, o Tribunal teve em consideração essencialmente as declarações prestadas pelo arguido, as quais foram conjugadas com os depoimentos das testemunhas BB, CC, DD e com a prova documental junta aos autos, mormente os elementos clínicos junto a fls. 40 a 43, Auto de Exame Médico Direto de avaliação de dano corporal, junto a fls. 58 e 59, e pelas fotografias juntas a fls. 173 e 174. O arguido assumiu a veracidade de alguns dos factos de que vem acusado, mormente os motivos das discussões que tinha com a ofendida, assumindo alguns episódios e a perpetração de atos físicos violentos em relação à ofendida e quebras de telemóvel. Relativamente ao demais, apresentou a sua versão dos factos, que se esmiuçará infra. Em termos gerais, o depoimento da testemunha e ofendida BB, foi prestado de forma tranquila (percetível pelo inalterado tom de voz), circunstanciado e, não obstante ser ofendida nos presentes autos, demonstrou ao Tribunal não ter interesse num concreto desfecho da causa, uma vez que não deduziu qualquer pedido de indemnização civil. Ademais, não obstante o seu depoimento não se ter mostrado muito espontâneo e descritivo, por a mesma dar respostas algo curtas e vagas, tal facto foi sendo colmatado com uma inquirição mais direta e objetiva, pelo que o Tribunal não teve dúvida quanto à firmeza e veracidade do seu depoimento. Importa igualmente referir que a testemunha e ofendida, em momento algum teceu comentários pessoais depreciativos sobre o arguido, frisando inclusivamente ao tribunal por diversas vezes que o arguido durante o seu relacionamento de 6 anos, apenas no último ano/ano e meio é que alterou o seu comportamento, indicando sempre como fator exclusivo dos conflitos, o sentimento de posse e ciúme do arguido e referindo-se ao arguido da seguinte forma: “ele não era assim”. Para além disso, o depoimento da testemunha apresentou-se com aparente passividade e falta de reação ou emoção, contudo, tendo em conta os factos, objeto dos presentes autos; que o mesmo está ligado ao foro mais intimo da sua vida; que em diversos momentos a testemunha referiu “não sei explicar bem”, quando questionada mais diretamente sobre os seus sentimentos perante os factos; e que o seu depoimento foi prestado na ausência do arguido, da Sala de Audiência, o Tribunal não teve quaisquer dúvidas de que apenas se trata de uma forma/dificuldade de expressão (verbal) da testemunha em nada relacionado com falsidade, insegurança e lapsos de memória do que relatou ao tribunal, relativamente às circunstâncias do modo de atuação do arguido. Diga-se, igualmente, que os únicos lapsos de memória apresentados por esta testemunha, se circunscreveram ao momento temporal (data concreta) de cada um dos episódios constantes da acusação, contudo, a mesma sempre soube situar que os eventos ocorreram após 2018 e antes da primeira ou segunda queixa que apresentou, respetivamente em 14.09.2019 e 03.02.2020, contextualizando todos eles. Ademais, o arguido nas suas declarações confirmou sempre ou negou todos os factos, pelo que, tal hiato temporal conhecido nos autos, em nada feriu o cabal exercício do seu direito de defesa. Por todo o exposto, o Tribunal atribuiu inteira credibilidade ao depoimento prestado pela testemunha e ofendida. Por outro lado, importa referir que, também em termos gerais, o Tribunal teve de ter em consideração, na valoração das declarações prestadas pelo arguido, que este apenas pretendeu prestar declarações sobre os factos de que vinha acusado após o depoimento da testemunha e ofendida, prestado na sua ausência, ou seja, após saber a versão apresentada por esta em Audiência de Julgamento. É certo que é um direito que lhe assiste (a de ser ouvido em qualquer momento do julgamento), todavia, as declarações do arguido prestadas posteriormente ao depoimento da ofendida, passam a ser inevitavelmente menos espontâneos do que se fossem prestados no inicio da produção de prova, com tendência a ser conformado pela versão apresentada pela ofendida. Para além disso, em muitas respostas dadas a perguntas que lhe eram dirigidas o mesmo respondia com outra pergunta, como por exemplo: “Acha que se fosse assim (...) eu estaria com ela?”, o que foi revelador de uma postura manipuladora da convicção do Tribunal sobre a realidade dos factos que lhe foram imputados, e de fuga ao confronto da questão. Ademais, ao contrário do depoimento da testemunha e ofendida, o arguido teceu comentários pessoais depreciativos sobre aquela, não se circunscrevendo à confirmação/negação do facto e consequente relato da sua versão sobre o sucedido. Por último, importa referir que foi conformador da valoração dada pelo Tribunal às declarações do arguido, o facto de este ter adotado um discurso de desresponsabilização dos factos constantes da Acusação, com consequente atribuição de culpas à ofendida. Por tudo isto, o Tribunal, quando desprovido de qualquer outro elemento probatório, capaz de corroborar a versão da ofendida ou a versão do arguido, atribuiu credibilidade à versão apresentada por aquela, em detrimento deste, quando – obviamente - de acordo com as regras da lógica e da experiência comum. Feitas estas considerações gerais, para dar como provados os factos vertidos nos pontos 2., a 5., o Tribunal teve em consideração o depoimento prestado pela testemunha e ofendida BB, a qual enunciou o tipo de atos violentos dirigidos pelo arguido, concretizando e circunstanciando cada um deles, e o momento e motivo em que os mesmos começaram a ocorrer. O Tribunal pode corroborar tais declarações, pelo depoimento da testemunha DD, mãe da ofendida, a qual, pese embora a relação familiar que tem com a testemunha e ofendida, denotou não ter qualquer interesse em um concreto desfecho desta causa, não tendo tecido quaisquer considerações pessoais sobre a pessoa do arguido, relatando apenas os factos de que teve conhecimento através do que a sua filha lhe contou. Assim, de forma serena, clara, circunstanciada, com um discurso pausado, denotando honestidade e seriedade, logrou convencer o Tribunal da credibilidade do seu depoimento. De relevante relatou que soube das agressões físicas que o arguido exercia sobre a sua filha, por esta e por terceiros, tendo chegado a ver as marcas no corpo desta, descrevendo-as. Tal depoimento veio reforçar o depoimento prestado pela ofendida. Para dar como provados, os pontos 6. a 8., e 30., que se reputam às expressões proferidas pelo arguido e dirigidas à ofendida, o Tribunal formou a sua convicção com base nas declarações do arguido que assumiu dirigir algumas expressões à ofendida, e teve igualmente em consideração o depoimento prestado pela testemunha e ofendida. Ora, o arguido negou a prática dos factos vertidos nos pontos 7., e 8., contudo, confrontando ambas as versões, e tendo igualmente em consideração tudo quanto foi referido inicialmente acerca da credibilidade concedida a ambos, pelo Tribunal, neste ponto em concreto, a ofendida, no seu depoimento, contextualizou sempre as expressões e ameaças dirigidas pelo arguido àquela, referindo que o arguido apenas proferia aquelas até que a ofendida lhe respondesse às mensagens escritas de telemóvel. Tal versão pareceu coerente e credível ao Tribunal. No que concerne aos factos dados como provados nos pontos 9., e 10., que se reputam aos atos de cariz sexual, o arguido negou os mesmos, em sede de Audiência de Julgamento. Contudo, tais factos refletem a versão apresentada pela ofendida, uma vez que, de igual modo, esta contextualizou e descreveu o episódio em causa. Para dar como provados os factos expressos nos pontos 11., e 12., que se reputam aos atos de agressão física, o Tribunal teve em consideração a assunção da sua autoria pelo arguido, relativamente a pontapés nas pernas e cabeçada que desferiu contra a ofendida. Ademais, o Tribunal teve em consideração o depoimento da testemunha BB que, uma vez mais, contextualizou os atos de agressão, descreveu-os e referiu que ficou alguns dias sem poder andar. Ora, desde logo os atos descritos pela ofendida são consentâneos com tal condição física, como resultado. Ademais, a testemunha DD, referiu ver a filha – BB – com olho negro e com nódoas negras nas costas, o que vem reforçar a versão trazida pela testemunha e ofendida. No que diz respeito aos factos vertidos nos pontos 13., a 15., que se circunscrevem aos atos de agressão física, na decorrência de questões relativas a dinheiro e ao telemóvel, o Tribunal teve em consideração, essencialmente o depoimento prestado pela testemunha e ofendida. No que diz respeito às agressões físicas por a ofendida se ter recusado a dar dinheiro ao arguido, este negou a prática de tal facto. O Tribunal formou a sua convicção com base no depoimento prestado pela ofendida, na medida em que a mesma contextualizou e descreveu os atos perpetrados pelo arguido, referindo que os pedidos de dinheiro pelo arguido eram de ocorrência muito excecional. Quanto às agressões perpetradas pelo arguido, em virtude de questões relacionadas com o telemóvel da ofendida, o Tribunal teve em consideração a assunção dos factos por parte do arguido e pelo depoimento da ofendida. Efetivamente, nesta sede arguido e ofendido foram consentâneos, ambos referindo que as discussões do casal, e o grande causador de ciúmes por parte do arguido derivavam sempre de mensagens ou telefonemas que a ofendida recebia. Igualmente de relevante, referiu a ofendida que o arguido se intrometia na vida dela, queria ver tudo o que recebia no seu telemóvel, e esta, assumiu que, por vezes, facultava-lhe o telemóvel, contudo, por outras vezes, quando sentia que o arguido agia como se “fosse o seu dono” recusava, o que originava as discussões. Mais referiu que muitas vezes o arguido lhe pedia para não responder às mensagens recebidas ou ele próprio via as suas mensagens sem lhe pedir autorização ou bloqueava os números para que não pudesse ver ou responder àquelas, controlando assim a vida privada da ofendida. De relevante, igualmente, o Tribunal teve em consideração a assunção das quebras de telemóvel por parte do arguido, o qual referiu fazê-lo por irritação e que, após, arrependendo-se, lhe dava novamente um telemóvel. Por tudo, isto, o Tribunal não teve dúvidas quanto à veracidade dos factos em análise. Para dar como provado o facto consignado no ponto 16., referente ao episódio ocorrido na discoteca, o Tribunal formou a sua convicção com base no depoimento prestado pela testemunha e ofendida, o qual foi corroborado pelo teor da fotografia junta aos autos, a fls. 174 (imagem b). O arguido apresentou versão distinta do facto, mencionado que apenas raspou com o cigarro no pescoço da ofendida, por descuido. Contudo, tal versão não se mostra verosímil e consonante com a existência de uma marca de queimadura, verificada meses depois (tendo em conta o momento em que a fotografia junta a fls. 174 foi tirada e a data do episódio). No que diz respeito aos factos vertidos nos pontos 17., a 21., que se consubstanciam no episódio ocorrido no táxi e lesões verificadas, o Tribunal formou a sua convicção com base no depoimento da testemunha BB, o qual se mostrou corroborado pelo teor dos documentos juntos aos autos, mormente o Auto de Exame Médico Direto de avaliação de dano corporal, junto a fls. 58 e 59 conjugado com a informação clínica junta a fls. 40 a 43, Auto de Denúncia junto a fls. 73 a 78, e pelo depoimento da testemunha CC.. A testemunha BB, contextualizou o episódio, o motivo que a levou a deslocar-se de táxi e as pessoas que a acompanhavam. Mais descreveu os atos perpetrados pelo arguido. Tal depoimento foi corroborado com a prova documental junta aos autos. Ora, do teor da informação clínica, junto a fls. 40 a 43, o Tribunal pode extrair o dia e hora (esta aproximada) da prática dos factos e entrada da ofendida no Hospital Garcia de Orta, as lesões e queixas clínicas apresentadas por esta. Tal documento foi conjugado com o teor do relatório médico, junto a fls. 58 e 59, elaborado em 15.10.2019, do qual se extraem as lesões verificadas pela perita médica. A este propósito, o arguido referiu que houve agressões mútuas, que apenas deu duas chapadas à ofendida e que não lhe desferiu qualquer dentada no braço. Ora, conjugando com a prova documental supramencionada, tal versão é acometida ao fracasso, pois que, verifica-se através da análise daqueles documentos que a ofendida foi, no mesmo dia, pedir cuidados médicos, e que as lesões verificadas não se compaginam com duas meras chapadas (mormente a lesão descrita como: movimentação de um dente). Inexistem igualmente elementos nos presentes autos capazes de confirmar que o arguido tenha sido socorrido por alegadas agressões da ofendida a si dirigidas, ou que apresentou qualquer queixa crime contra esta. Quanto à expressão proferida, nas mesmas circunstâncias de tempo, lugar e modo, o arguido acabou por assumir a sua veracidade. Por todo o exposto, as lesões verificadas mostram-se consentâneas com os atos descritos pela ofendida e que foram dados como provados, sendo que tal posição se mostra reforçada pelo depoimento da testemunha CC, a qual de forma desinteressada e isenta, prestou um depoimento objetivo e sereno, tendo o Tribunal atribuído credibilidade ao seu depoimento. De relevante, referiu ser autora do Auto de Denúncia junto a fls.73 a 78, elaborado no próprio dia dos factos, e que se recorda ter percecionado as marcas no corpo da ofendida e que descreveu. Quanto à factualidade constante dos pontos 22., a 29., que se reconduzem ao episódio ocorrido no local de trabalho da ofendida, o Tribunal teve em consideração o depoimento da testemunha e ofendida BB, a qual relatou ao tribunal o local onde trabalha, que o arguido era conhecedor da casa onde é empregada interna, sendo este conhecedor da localização do quarto onde dorme, e do motivo da intromissão do arguido no seu local de trabalho, tendo descrito a conduta do arguido desde o exterior da casa/local de trabalho, como o mesmo nela entrou, se dirigiu até ao seu quarto e, após, até à cozinha. No mais descreveu e explicou ao Tribunal como teve conhecimento de que o arguido havia enviado mensagem a um amigo seu. Nesta sede, o depoimento da testemunha e as declarações do arguido foram consentâneos, tendo apenas divergido quanto ao facto de o arguido referir não ter enviado qualquer mensagem, tendo, contudo, assumido ter visionado as mensagens recebidas e enviadas pela ofendida. Ora, a versão apresentada pela ofendida é verosímil, na medida em que é possível também visionar quando as mensagens são eliminadas. Quanto ao episódio ocorrido no interior do café, em ………………, respeitantes aos factos referenciados no ponto 31., o Tribunal teve em consideração o depoimento da testemunha e ofendida BB, que se mostrou contrário à versão apresentada pelo arguido, que negou a sua prática. Contudo, foi explicado pela testemunha e ofendida que após este episódio, foi de imediato apresentar queixa, nos presentes autos, e que deu lugar ao Auto de Denúncia junta aos autos, a fls. 139, a 144. No que diz respeito aos factos vertidos nos pontos 32., a 38., que se reconduzem ao elemento subjetivo, os mesmos resultaram da apreciação de toda a factualidade – objetiva - dada como provada à luz das regras da experiência comum e da normalidade do acontecer, sendo manifesto que actuando como actuou o arguido queria humilhar, amedrontar e dominar a ofendida, ao mesmo tempo que a queria magoar fisicamente, causando-lhe dores, bem sabendo, como qualquer homem médio colocado no lugar do arguido sabe, que tais factos são proibidos e punidos por lei. No que concerne às condições pessoais e de vida do arguido, refletidas nos factos consignados nos pontos 39., a 44., o Tribunal formou a sua convicção com base nas declarações prestadas pelo arguido, inexistindo nos autos quaisquer outros elementos probatórios capazes de as contrariar. Para prova dos factos descritos em 45., levou-se em consideração a informação prestada pela DGRSP, junta aos autos. No mais, e no que diz respeito ao facto provado em 46., quanto às condenações anteriores impostas ao arguido, o Tribunal tomou em conta o teor do certificado de registo criminal, atualizado, junto aos autos (referência 4.......8). Por último, relativamente às condições pessoais da ofendida, vertidos nos pontos 47., a 49., da matéria de facto provada, o Tribunal formou a sua convicção com base no depoimento prestado pela ofendida/testemunha BB, inexistindo nos autos quaisquer outros elementos probatórios capazes de as contrariar.
*** No que diz respeito à factualidade dada como não provada, o Tribunal formulou juízo probatório negativo, relativamente aos factos vertidos nos: - Pontos A., B., C., E., e H., por total ausência de produção de prova sobre a verificação dos mesmos; - Pontos C., F., e I., resultam da negação expressa efetuada pela ofendida e pelo arguido, em sede de Audiência de Julgamento, inexistindo qualquer outro elemento nos autos que pudesse dá-los como verificados; e - Ponto G., resulta da sua completa contradição com a factualidade dada como provada em 29. *** Por último, importa mencionar que a matéria não incluída no elenco dos factos provados e não provados, é conclusiva ou redunda em juízos de valor, não constituindo matéria de facto nem sendo relevante para a decisão a proferir. *** Fundamentos do recurso: Questões a decidir no recurso É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objeto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso Questões que cumpre apreciar: - Se apenas o cumprimento efetivo da pena de prisão cumpre as exigências de prevenção geral e especial da situação em concreto, devendo a pena efectiva situar-se entre os dois anos e seis meses e os dois anos e oito meses de prisão. Vejamos. Antes de mais, tratando-se de um erro que em nada influi na decisão da causa, e ao abrigo do disposto no art. 380°, n.° 2, al.b) do CPP, altera-se o ponto 19. da matéria de facto, pois onde se lê “mencionada em 16.” passar-se-á a ler “mencionada em 17.” por respeitar à matéria vertida naquele ponto. Está, pois, em causa no recurso em análise se a pena deve ou não ser suspensa e não o sendo, como defende o recorrente, então deve situar-se entre os 2 anos e 6 meses e os 2 anos e 8 meses. A moldura penal para o crime de violência doméstica p. e p. pelo art. 152°, n.° 1 al. a) e 2, al. a) do CPP é de 2 a 5 anos de prisão. Vimos já que o arguido foi condenado a uma pena de 3 anos e 6 meses, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, sujeita a regime de prova. Para definir a medida concreta da pena o tribunal a quo teve em consideração: - o “facto de as agressões se terem perpetrado por cerca de dois anos”; que “as agressões físicas não podem ser consideradas muito graves”; que “a culpa é elevada, tendo o arguido agido com dolo directo”; que “as necessidades de prevenção geral mostram-se elevadas, tendo em atenção a enorme quantidade de crimes desta natureza que se praticam”; que “as exigências de prevenção especial são elevadas. O arguido tem vários antecedentes criminais registados e por crimes graves”; “Ademais, conforme ficou provado, no seu anterior relacionamento já tinha existido um episódio de violência, o que demonstra que o arguido tem dificuldade em respeitar a sua parceira e parte com facilidade para a violência física”; “Ademais o arguido ainda não interiorizou o desvalor da sua conduta, não assumindo os factos imputados”; “o facto de se encontrar social, profissional e familiarmente inserido”. Para concluir pela suspensão da execução da pena de prisão o tribunal a quo teve em consideração “que apesar de o arguido ter antecedentes criminais registados, a maior parte é por crimes estradais e que já não vive, nem tem qualquer relacionamento com a vítima. Somos de crer que o arguido em nada beneficiaria se tivesse que cumprir a pena de prisão efectivamente. Melhor será reintegrá-lo na sociedade, fazendo-lhe entender a gravidade das condutas que praticou e da necessidade de respeitar o seu próximo, sempre com a ameaça do cumprimento de uma pena de prisão efectiva.” A M. ma Juíza para fundamentar a suspensão da execução da pena refere duas circunstâncias que a nosso ver não se podem retirar da prova dada como provada: que o arguido já não vive, nem tem qualquer relacionamento com a vítima. Com efeito, nos artigos 1 a 49 da matéria de facto nunca se dá como assente que arguido e ofendida tenham vivido juntos. Antes pelo contrário, retira-se que cada um vivia na sua casa e por vezes o arguido pernoitava na casa da ofendida. Se o arguido não vivia com a vítima não pode, pois, ter deixado de viver com ela. Também no que respeita ao arguido não ter qualquer relacionamento com a vítima cremos que tal não resulta inequívoco da matéria de facto dada como provada, pois o único facto que poderia indicar tal circunstância é o n.º 1, onde se escreve que o arguido e a ofendida mantiveram um relacionamento amoroso durante cerca de 6 anos. É certo que o tempo verbal indica que tal relacionamento terá cessado, no entanto, como em mais nenhum ponto se refere quando se iniciou a relação amorosa (o que permitiria estabelecer o termo final) ou quando esta terminou, permanece a dúvida. Assim, quanto às circunstâncias de o arguido já não viver, nem ter qualquer relacionamento com a vítima, tais circunstâncias não constam da matéria de facto provada e como tal são destituídas de valor por não serem acompanhadas de factos donde as mesmas se possam inferir e que não se vislumbram no caso em apreço. Começando pelas razões de prevenção especial que relevam in casu para a medida da pena e respectiva suspensão. Contra o arguido há a ponderar que o mesmo, em sede de julgamento, quando prestou declarações quanto aos factos em causa nos autos admitiu apenas a veracidade de alguns factos, “mormente os motivos das discussões que tinha com a ofendida, assumindo alguns episódios e a perpetração de atos físicos violentos em relação à ofendida e quebras de telemóvel.” Relativamente à restante factualidade revelou uma postura manipuladora, respondendo a uma pergunta com outra pergunta e fugindo às questões. Teve um discurso de desresponsabilização em relação aos factos constantes da acusação, com consequente atribuição de culpas à ofendida e tecendo comentários depreciativos em relação a ela. Nega, no mais, ter protagonizado os factos em apreço, embora admitindo que nalgumas datas em causa nos autos existiram conflitos entre ele e a ofendida, mas não como descrito na acusação, não demonstrando assim arrependimento pela prática dos factos que resultaram provados, e demonstrando que ainda não interiorizou o desvalor, a gravidade e censurabilidade da sua conduta. O arguido agiu com dolo directo. Cumpre aqui sublinhar que parece existir uma pequena contradição na sentença recorrida quando se decide da medida concreta da pena e da sua suspensão. Efectivamente, escreve-se a propósito da medida da pena que o arguido tem vários antecedentes criminais registados e por crimes graves. E, após, a propósito da suspensão da execução da pena de prisão, escreve-se que apesar de o arguido ter antecedentes criminais registados, a maior parte é por crimes estradais, desvalorizando-se, de certa forma, a relevância destes. Ainda no que concerne à medida da pena, na sentença faz-se referência a um anterior relacionamento do arguido em que já tinha existido um episódio de violência (trata-se do art. 44º da matéria de facto dada como provada). Em nosso entender tal artigo não poderá ser tido em consideração, pois trata-se de uma mera alusão não circunstanciada a uma situação difusa e não particularizada, ou seja, trata-se de uma imputação genérica. Como vem sendo afirmado pela jurisprudência dominante do STJ as imputações genéricas, sem qualquer especificação das condutas em que se concretizou o facto imputado no tempo e lugar, por não serem passíveis de um efectivo contraditório e, portanto, do direito de defesa constitucionalmente consagrado, não podem servir de suporte à qualificação da conduta do agente. Neste sentido, entre muitos Acs. STJ de 27.5.2009, de 17.12.2009, de 15.11.2011 e de 30.9.2015, in www.dgsi. Estando verificado o requisito formal da suspensão da execução da pena (condenação em pena de prisão não superior a 5 anos), há que indagar se ocorre o respetivo pressuposto material, isto é, se se pode concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, designadamente se bastarão para afastar o arguido da criminalidade, pois é esta a finalidade precípua do instituto da suspensão. As finalidades que estão na base da suspensão da execução da pena de prisão consistem, no essencial, na reintegração plena do agente na sociedade através de um comportamento responsável e sem praticar crimes. Subjacente à suspensão da execução da pena de prisão está sempre um juízo de prognose favorável, traduzido numa expectativa fundada, mas assente num compromisso responsável com o condenado, de que a mera censura do facto e a ameaça da prisão sejam bastantes para que não sejam cometidos novos crimes. Decorre do art.° 50.°, n.° 1, do Cód. Penal que a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos é suspensa se o Tribunal, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. A suspensão da execução da pena de prisão é uma pena de substituição em sentido próprio, uma vez que que o seu cumprimento é feito em liberdade e pressupõe a prévia determinação da pena de prisão, em lugar da qual é aplicada e executada. Tem como pressuposto formal da sua aplicação que a medida da pena imposta ao agente não seja superior a cinco anos de prisão e como pressuposto material a formulação de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento daquele, em que o Tribunal conclua que, atenta a sua personalidade, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as respetivas circunstâncias, a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (artigo 50.°, n.° 1 do Código Penal). O juízo de prognose favorável reporta-se ao momento em que a decisão é tomada e pressupõe a valoração conjunta de todos os elementos que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, no sentido de que irá sentir a condenação como uma solene advertência, ficando o eventual cometimento de novos crimes prevenido com a ameaça da prisão, daí se extraindo, ou não, que a sua socialização em liberdade é viável. A aplicação desta pena de substituição só pode e deve ter lugar quando a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, como decorre do mencionado art.° 50.° do Código Penal. Circunscrevendo-se estas, de acordo com o art.° 40.° do Código Penal, à proteção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade, é em função de considerações de natureza exclusivamente preventivas – prevenção geral e especial – que o julgador tem de se orientar na opção ora em causa. Cumpre, pois, aqui considerar que o arguido não revelou arrependimento e durante a audiência de julgamento ainda imputou uma boa parte da responsabilidade relativamente aos factos à ofendida, tecendo comentários depreciativos. Praticou os factos ilícitos durante seguramente mais de um ano, desde data indeterminada de 2018 até 3.2.2020. Os factos praticados foram graves, o arguido desferiu murros, cabeçadas e deu dentadas na ofendida, apagou um cigarro no pescoço desta, apertou-lhe o pescoço, puxou-lhe os cabelos, viu o conteúdo do telemóvel da arguida e partiu-lhe seis telemóveis. Das agressões resultaram lesões traumáticas com cicatrizes (permanentes). Além disso, ainda manteve relações sexuais de cópula vaginal com a ofendida, contra a vontade desta, agarrando-a pelos cabelos e mãos e tapando-lhe a boca para que não gritasse. Ameaçou-a das formas mais variadas que constam da matéria de facto provada e que aqui se dão por reproduzidas e dirigiu-lhe variadíssimas expressões atentatórias da dignidade da ofendida como “puta”, “porca”, “cadela”, “vadia”. Resulta do certificado de registo criminal do arguido que este foi condenado por sentença transitada em julgado a 16.12.2015 pela prática de dois crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171°, n.° 1 e 2 do CPenal, na pena de 3 anos de prisão, suspensa por igual período. Os crimes em causa revestem-se de bastante gravidade, apesar de os factos se reportarem a Outubro de 2013. Também no que respeita às quatro condenações pela prática do crime de condução sem habilitação legal cumpre observar que o arguido cometeu o crime de condução sem habilitação legal, no âmbito do processo n.° 295/17.0PFSXL, durante o período de suspensão da execução da pena de prisão pela prática do mesmo crime que lhe foi aplicada no processo 550/16.7GCALM, o que faz duvidar da eficácia da mera suspensão da pena em relação ao arguido, pois não o coibiu de praticar crime idêntico no período de suspensão. O arguido revela uma personalidade impulsiva e com fraca resistência à frustração. Acresce que não foi possível apurar com rigor as condições pessoais e económicas do arguido, pois este não colaborou com a DGRSP, não se apresentando para realizar o relatório social. Tal facto reveste-se de importância, revelando mais uma vez a fraca vontade de o arguido colaborar com a justiça e pautar a sua conduta pelas regras vigentes. Assim, apenas se sabe, pelas suas declarações, que vive com a mãe e uma irmã e que trabalha de forma irregular, auferindo quantia inferior ao salário mínimo nacional. A nível pessoal provou-se também que tem seis filhos menores, não vivendo com nenhum deles. Concluímos que o arguido tem dificuldade em resistir à frustração, dificuldades de descentração e de autoanálise, desculpabilizando-se e desvalorizando os danos causados à vítima. Existe risco elevado de em liberdade voltar a cometer o mesmo delito, não se destacando elementos que permitam formular um juízo favorável quanto às virtualidades que a pena suspensa na sua execução poderia ter. A fraca importância que o arguido deu às anteriores condenações ainda que respeitantes a bens jurídicos distintos, mostra que a suspensão da pena de prisão não terá, a nosso ver, efeito ressocializador e, portanto, a decisão não poderá ser outra que não a de aplicação de pena de prisão efectiva. Tem que se ter aqui também em conta as necessidades de prevenção geral face ao bem jurídico em causa e cuja validade da norma que o protege tem de ser reafirmada. Relembre-se que as sucessivas leis de política criminal têm vindo a definir o combate aos crimes de violência doméstica, entre outros, como prioritários. No anexo à Lei Não é, pois, possível formular um juízo de prognose favorável relativamente ao arguido pelo que deverá cumprir pena de prisão efectiva. O recorrente M°P° defende que essa pena de prisão efectiva se deverá situar entre os 2 anos e 6 meses e os 2 anos e 8 meses. No artigo 71.° do Cód. Penal encontra-se consagrado o critério geral para a determinação da medida da pena que deve fazer-se “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, concretizando-se, no seu número 2, que na determinação concreta da pena o Tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele. Circunstâncias que se reconduzem a três grupos ou núcleos fundamentais: - fatores relativos à execução do facto - alíneas a), b) e c) – grau de ilicitude do facto, modo de execução, grau de violação dos deveres impostos ao agente, intensidade da culpa sentimentos manifestados e fins determinantes da conduta; - fatores relativos à personalidade do agente- alíneas d) e f) – condições pessoais do agente e sua condição económica, falta de preparação para manter uma conduta lícita manifestada no facto]; e - fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto (alínea e). Tendo em consideração tudo o que ficou explanado supra e também o facto de apesar de ter anteriores condenações, uma de especial gravidade, ser a primeira vez que o arguido é condenado pela prática do crime de violência doméstica, ser a primeira vez que cumpre pena de prisão e ter uma situação sócio familiar relativamente estável (da escassíssima matéria que foi possível apurar face à não colaboração do arguido), entende-se adequado e proporcional condenar o arguido na pena de prisão de dois anos e seis meses. Considerando tudo quanto se deixa exposto procede o recurso interposto pelo Ministério Público. III.–Decisão: Face ao exposto, acordam os Juízes desta 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, revogando-se a sentença recorrida na parte que se refere à medida da pena de prisão e à decisão sobre a suspensão da sua execução e, em sua substituição, fixar em dois anos e seis meses a pena de prisão efetiva a cumprir pelo arguido. Sem custas.
Lisboa, 4 de Novembro de 2021
Lídia Renata Goulart Whytton da Terra - (relatora) (assinatura digital) Paula Cristina Jorge Pires - (adjunta) (assinatura digital) |