Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | A. AUGUSTO LOURENÇO | ||
Descritores: | REGISTO CRIMINAL NÃO TRANSCRIÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/06/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
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Sumário: | 1. A não transcrição da condenação no registo criminal pode ser determinada na própria sentença ou em despacho posterior, sendo certo que o legislador (artº 13º da Lei 37/2015) não impôs limite temporal no tocante ao despacho posterior, pelo que, é indiferente que seja antes ou depois do trânsito em julgado. 2. O que se impõe são as demais condicionantes previstas na norma, mais concretamente que: a) O condenado não tenha sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza; e, b) Sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes. 3. Se fosse intenção do legislador limitar o período temporal de tal acto decisório, tê-lo-ia assumido, como fez para os casos de cancelamento definitivo, por exemplo no caso dos crimes contra a liberdade sexual, onde o legislador teve o cuidado de acentuar que o dito cancelamento nos casos de condenação pelos aludidos crimes se verifica decorridos vinte e três anos sobre a extinção da pena, principal ou de substituição (cf. artigo 4º, nº 1, da Lei nº 113/2009, de 17-09). | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes da 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, RELATÓRIO No âmbito do processo nº 6765/13.2TDLSB-A, que correu termos no Juízo Local Criminal de Sintra, foi a arguida, Vitaliya M... M..., julgada e condenada em 25.06.2014, por factos ocorridos em 15.04.2004, nos seguintes termos: - «Pelo exposto, decide-se julgar a acusação do Ministério Público procedente por provada e, em consequência: a) Condena-se o arguido Carlos (…) b) Condena-se a arguida Vitaliya M... M... como co-autora material e na forma consumada de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256º, nº 1, alínea a) e nº 3, do cód. penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa de € 5,00 (cinco euros), no montante global de € 1.000,00 (mil euros). c) Vai ainda os dois co-arguidos condenados solidariamente no pagamento das custas do processo, lixando a taxa de justiça individual em duas UC's (arts. 513º e 514º do cód. proc. penal e art. 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa). Remeta, após trânsito, boletim ao Registo Criminal (D.S.I.C.)» * Tal acórdão transitou em julgado.Entretanto, em 15.11.2016, veio a condenada, Vitaliya M... M... a apresentar o seguinte requerimento: - «Exmo(a) Senhor(a), Eu, Vitaliya M... M..., portadora de CC Nº 30017168, nascida 29/08/1974 em USSR, de nacionalidade portuguêsa, residente em Rua São …, … Sintra, 2735-412, Agualva Cacém, venho por esse meio relatar a situação desesperadora em que me encontro. Desde início de mês de Setembro o meu marido, Carlos A… , retirou todo o dinheiro da conta bancária, saiu de Portugal e está no momento em parte incerta fora do país. Não ajuda e não manda dinheiro para sustento da família. Eu não tenho emprego, estou no momento numa casa alugada, com dois filhos menores de 9 e 13 anos sem meios de sustentação e sobrevivência. Não tenho aqui família e ninguém para me ajudar, pois vim morar em Portugal por causa do marido português que covardemente abandonou a família e esta a fugir das responsabilidades parentais. Entretanto, recebi uma proposta de emprego no Reino Unido (cópia de convite em anexo) na área de quidados de saúde. E para completar a toda documentação necessária, preciso um CRC limpo. Quando ocorreu o julgamento, advogado afirmou que fez um pedido para que o crime não apareça no registo, pois foi praticado em 2004, mais de 12 anos atrás e não foi grave ou prejudicial para ninguém. O meu marido tirou o certificado dele alguns meses atrás sem nenhum problema. Por isso foi para mim uma surpresa muito inesperável e desagradável de receber o meu com descrição de crime. A entidade empregadora pediu urgente todos os papeis até o fim do mês de Novembro, alegando que sem documentação necessária eu vou perder essa proposta, que no momento é uma questão de vida para mim e os meus filhos. Perante essa situação extremamente difícil, solicito com possível urgência a Não Transcrição de condenação no Registo Criminal para efeitos de exercício de profissão/atividade no estrangeiro que envolve contato regular com menores mais rápido possível. Atenciosamente, Mira Sintra 15.11.2016 Vitaliya M... M...» * Na sequência de tal requerimento o Ministério Público promoveu o deferimento nos termos de fls. 21 a 23 deste traslado, concluindo:- «Face à ausência de antecedentes criminais e ao tempo transcorrido desde a prática dos factos em questão nestes autos, que remontam a 15.04.2004, e estando a condenada correctamente inserida na sociedade é de formular, salvo melhor opinião, uni juizo de prognose favorável, no sentido de que não existe perigo da prática de novos crimes. Face ao exposto, conclui-se, com certeza bastante, que se encontram preenchidos os pressupostos legais de que depende a não transcrição da decisão dos autos no registo criminal, pelo que promovo se defira ao requerido, nos termos do disposto no artigo 13º, nº 1 da Lei 37/2015, de 05.05». * Concluídos os autos ao Sr. Juiz, pelo mesmo foi proferido o seguinte despacho: (cfr. fls. 24):«Fls. 390: Indefere-se a requerida a não transcrição da condenação no registo criminal, porquanto a sentença transitou em julgado há mais de dois anos. Sintra, d.s.» * Inconformado com tal decisão, o Ministério Público interpôs o recurso de fls. 2 a 8, pugnando pela respectiva revogação e a substituição por outro que determine a não transcrição da sentença no registo criminal, concluindo:«1. O despacho recorrido enferma de erro em matéria de direito e viola o disposto nos artigos 13º nº 1 e 10º, nº 6 da Lei nº 37/2015, de 5 de Maio. 2. O poder jurisdicional do juiz a quo, nos termos dos aludidos preceitos, não se encontrava esgotado. 3. Pelo que, verificados os pressupostos de que depende a autorização de não transcrição da condenação nos certificados de registo criminal solicitados pela condenada para fins de emprego, o tribunal a quo deveria ter deferido o requerido pela condenada dentro dos limites previstos nos artigos 13º e 10º, nº 5 e 6, da Lei nº 37/2015. Termos em que, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser o despacho recorrido revogado e substituído por outro que autorize a não transcrição da condenação nos certificados de registo criminal solicitados pela condenada para fins de emprego, dentro dos limites previstos nos artigos 13º e 10º, nº 5 e 6, da Lei 37/2015. Vossas Excelências, no entanto, decidirão como for de Justiça». * Neste Tribunal, o Exmº Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da procedência do recurso, conforme douto parecer de fls. 32 a 36. * O recurso foi tempestivo, legítimo e correctamente admitido.Colhidos os vistos, cumpre decidir. FUNDAMENTOS O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões, extraídas pelo recorrente, da respectiva motivação[1], que, no caso "sub judice", se circunscreve à apreciação da legalidade e fundamentos do despacho judicial que rejeitou o pedido de não transcrição da sentença condenatória no registo criminal da arguida Vitaliya M... M.... * DO DIREITOApreciando a questão suscitada pelo recorrente, impõe-se analisar os fundamentos formais por um lado e os substanciais por outro, decorrentes do disposto nos artigos 10º, nº 1 e 6, en13º da Lei 37/2015 de 05.05, que dispõem: Artº 10º «1. O certificado do registo criminal identifica a pessoa a quem se refere e certifica os antecedentes criminais vigentes no registo dessa pessoa, ou a sua ausência, de acordo com a finalidade a que se destina o certificado, a qual também é expressamente mencionada. (…) 6. Os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para o exercício de qualquer profissão ou actividade para cujo exercício seja legalmente exigida a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais ou a avaliação da idoneidade da pessoa, ou que sejam requeridos para qualquer outra finalidade, contêm todas as decisões de tribunais portugueses vigentes, com excepção das decisões canceladas provisoriamente nos termos do artigo 12º ou que não devam ser transcritas nos termos do artigo 13º, bem como a revogação, a anulação ou a extinção da decisão de cancelamento, e ainda as decisões proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, nas mesmas condições, devendo o requerente especificar a profissão ou actividade a exercer ou a outra finalidade para que o certificado é requerido. (…) Por sua vez,diz-nos o artº 13º nº 1 «1. Sem prejuízo do disposto na Lei nº 113/2009, de 17 de Setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152º, no artigo 152º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se referem os nº 5 e 6 do artigo 10º» Á data da prolação da sentença, ainda não vigorava a Lei 37/2015 de 05.05, vigorando então a Lei 57/98 de 18.08, alterada Lei nº 113/2009, de 17.09 e pela Lei nº 114/2009, de 22.09, que dispunha: - «Os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se referem os artigos 11º e 12º». Todavia, à data do pedido formulado, em 15.11.2016, tinha já plena aplicação a Lei 37/2015 de 05.05, na qual, o legislador foi mais específico e claro no sentido de permitir que “os tribunais podem determinar na sentença ou em despacho posterior”, a não transcrição no registo criminal de condenações em “pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes”. Formalmente, a requerente e condenada, Vitaliya M... M... reúne as condições legalmente exigidas, porquanto, foi condenada em 25.06.2014 como co-autora material e na forma consumada de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256º, nº 1, al. a) e nº 3, do cód. penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa de € 5,00 (cinco euros), por factos ocorridos em 15.04.2004, sendo certo que, além de não ter antecedentes criminais, mais de 12 anos depois daquela ocorrência, nenhum outro facto de relevância criminal lhe foi imputado. O despacho recorrido, além de não cumprir a exigência de fundamentação prevista no artº 97º nº 5 do cód. proc. penal, que prescreve: - «Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão», parte de um pressuposto errado que a lei não exige, nem na vigência da lei actual (que é precisa e clara) nem na vigência da anterior ou seja, de que tal requerimento deveria ter sido apresentado antes do trânsito em julgado, ao decidir de forma simples e infundada: - “Indefere-se a requerida não transcrição da condenação no registo criminal, porquanto a sentença transitou em julgado há mais de dois anos”. Estamos perante um erro grosseiro na aplicação da lei, dado que é o próprio artº 13º da Lei 37/2015 que prevê que a não transcrição da condenação no registo criminal pode ser determinada na própria sentença ou em despacho posterior, sendo certo que não impõe limite temporal no tocante ao despacho posterior, pelo que, é indiferente que seja antes ou depois do trânsito em julgado. O que se impõe são as demais condicionantes previstas na norma, mais concretamente que: a) O(a) condenado(a) não tenha sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza; e, b) Sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes. Ora, no caso concreto, a requerente, não possuía à data dos factos antecedentes criminais e desde a prática destes até ao requerimento apresentado, decorreram cerca de 12 anos, sem que houvesse notícia ou indícios, da prática de outros crimes. Para além disso, mostra-se socialmente inserida e com dois filhos menores a seu cargo, sendo de relevante importância para o seu futuro laboral, que a condenação referida, não conste no seu registo criminal. Pelo exposto, não vemos qualquer objecção a que a pretensão da requerente seja provida, devendo determinar-se a não transcrição no registo criminal da condenação de 25.06.2014. O legislador foi claro quando definiu como limite para a não transcrição a pena de prisão até um ano ou pena não privativa da liberdade e admitiu que fosse decidida na sentença ou em despacho posterior, não fazendo qualquer distinção entre trânsito em julgado ou não, da respectiva condenação. Se fosse intenção do legislador limitar o período temporal de tal acto decisório, tê-lo-ia assumido, como fez para os casos de cancelamento definitivo, como por exemplo no caso dos crimes contra a liberdade sexual, onde o legislador teve o cuidado de acentuar que o dito cancelamento nos casos de condenação pelos aludidos crimes verifica-se decorridos vinte e três anos sobre a extinção da pena, principal ou de substituição (cf. artigo 4º, nº 1, da Lei nº 113/2009, de 17-09). Não podemos esquecer que a regra geral é a transcrição das condenações no registo criminal, mesmo nos casos de delinquência primária, (cfr. artº 5, nº 1, da Lei 37/2015), como é a situação da requerente, todavia, as excepções encontram-se consagradas no artº 13º e, verificados que estejam os pressupostos exigidos, nada obsta a que se decida em favor do arguido condenado. O despacho recorrido mostra-se assim em desconformidade com aquela que consideramos ser a mais correcta interpretação do nº 1 do artº 13º da Lei 37/2015 de 05.05, para além de que, não observou o dever de fundamentação exigido pelo nº 5 do artº 97º do cód. proc. penal, nomeadamente, explicitando em que se baseou para de forma lacónica indeferir o requerimento, apenas porque a decisão transitara em julgado. O despacho recorrido foi omisso quanto à questão de fundo e incorreu em erro de interpretação da lei, pelo que, se impõe a sua revogação. Face à natureza do recurso e dispondo este Tribunal “ad quem” de todos os elementos indispensáveis para decidir, não vemos razão para devolver os autos à 1ª instância a fim de conhecer do fundo da questão e substituir o despacho revogado por outro, em conformidade com o entendimento exposto[2]. O recurso merece total provimento. * DECISÃONestes termos, acordam os Juízes da 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e decidem: a) Revogar o despacho recorrido; b) Determinar a não transcrição no registo criminal da sentença que em 25.06.2014 condenou Vitaliya M... M... como co-autora material e na forma consumada de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256º, nº 1, alínea a) e nº 3, do cód. penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa de € 5,00 (cinco euros), no montante global de € 1.000,00 (mil euros). * Sem custas. * Lisboa 06 de Fevereiro de 2019* A. Augusto Lourenço João Lee Ferreira [1] - Cfr. Ac. STJ de 19/6/1996, BMJ 458, 98. [2] - Segundo o Ac. do STJ datado de 29.01.2014, proferido no proc. nº 17135/08.4TDPRT.P1: «o artº 32º da CRP não confere a obrigatoriedade de um duplo grau de jurisdição, ou terceiro grau de jurisdição, assegurando-se o direito ao recurso nos termos processuais admitidos pela lei ordinária. Mas daqui não resulta que a decisão do tribunal de recurso ao modificar a decisão da 1ª instância, não pudesse ou não devesse decidir e devesse remeter à 1ª instância pra proferir a decisão, com vista a garantir o direito ao recurso. A decisão do tribunal de recurso não tem que “preocupar-se” com eventual direito ao recurso, não é esse o thema decidendum, não é essa a função do tribunal ao decidir, nem o objecto do recurso, nem pode o tribunal cindir ou afastar os seus poderes legais de cognição. (…) O exercício do direito ao recurso visando determinado objecto (o objecto do recurso) é necessariamente integrado pelo exercício do contraditório, pelo que, nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso, a decisão, sendo de mérito tem de abranger esse objecto na totalidade, como o thema decidendum, sob pena de omissão de pronúncia». |