Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4678/18.0T8ALM-A.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO
Descritores: CONDOMÍNIO
DESPESAS DE MANUTENÇÃO E CONSERVAÇÃO
QUOTAS EXTRAORDINÁRIAS
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I) As obrigações não reais respeitantes a direitos disponíveis encontram-se sujeitas a prazos de prescrição.

II) A obrigação do condómino de pagar as despesas atinentes à manutenção e conservação do imóvel, despesas essas necessárias para a conservação e fruição das partes comuns do condomínio, reconduzíveis a quotizações ordinárias (aqui se incluindo as atinentes a contribuições para o Fundo Comum de Reserva), resultantes da aprovação do orçamento anual de receitas/despesas do condomínio, repartidas pelos condóminos, porque se renovam anualmente enquanto durar o condomínio, prescreverão em 5 anos, nos termos do artigo 310.º, al. g) do CC e o prazo da prescrição começará a correr da data em que a prestação pode ser exigida — cfr. n.º 1 do artigo 306.º. do CC.

III) Interposta execução em que o executado não é citado nos 5 dias posteriores à sua instauração, porque a tramitação processual prevê que a citação seja posterior à penhora, beneficia o exequente da interrupção do prazo prescricional decorridos que sejam esses 5 dias, nos termos do artigo 323.º, n.º 2, do CC, pois que não lhe é imputável a não citação em tal caso.

IV) O direito de crédito em execução, no que concerne às quotas extra, está titulado por documento com valor de título executivo e este título é superveniente à constituição e vencimento da dívida, cumprindo assim a exigência do artigo 311º do Código Civil para que o respectivo prazo de prescrição passe a ser o ordinário, pelo que, a obrigação correspondente, porque não se renova anualmente – traduzindo-se na prática de um acto isolado gerador de uma despesa singular, fixando-se o valor respetivo a forfait - prescreverá em 20 anos.

V) A Lei n.º 8/2022, de 10 de janeiro veio rever o regime da propriedade horizontal, alterando, nomeadamente, o Código Civil e o DL n.º 268/94, de 25 de outubro.

VI) De entre as alterações introduzidas pela Lei n.º 8/2022, de 10 de janeiro, ao DL n.º 268/94, de 25 de outubro consta a do n.º 3 do artigo 6.º desse diploma, onde se passou a dispôr que: “3- Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação nele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio”.

VII) A nova regulação normativa do artigo 6.º, n.º 3, do DL n.º 268/94, de 25 de outubro, na redação da Lei n.º 8/2022, contemplando a previsão de que se consideram abrangidos pelo título executivo a que se reporta o n.º 2 do mesmo artigo, os juros de mora, à taxa legal, da obrigação nele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio, tem caráter interpretativo (cfr. artigo 13.º, n.º 1, do CC) e não inovador.

VIII) Em face do referido, poderá entender-se que, por via da interpretação decorrente da publicação da Lei n.º 8/2022, de 10 de janeiro, no título executivo poderão considerar-se contempladas as sanções pecuniárias que sejam aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio.

IX) As penas pecuniárias são destinadas a compelir e pressionar os condóminos a cumprir e, por isso, não visam imediatamente a satisfação de despesas, constituindo antes uma receita eventual do condomínio.

X) Os honorários traduzem, por seu turno, o preço ou remuneração do serviço desempenhado por advogado ao seu cliente, não constituindo, por si só, qualquer sanção pecuniária.

XI) Não se mostrando que o montante indicado pelo exequente a título de honorários de mandatário tenha sido despendido pelo exequente e não sendo o mesmo indicado nas actas das assembleias de condóminos, nem no regulamento do condomínio, inexiste título executivo para cobrança de tal verba.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
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1. Relatório:
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1. O CONDOMÍNIO DO PRÉDIO SITO NA RUA …, N.º …, BARREIRO, identificado nos autos, instaurou execução sumária, para pagamento de quantia certa, pelo valor de €5.547,04 (€3.361,06 referente a quotas, €840,27 referente a Ind. Reg., €345,71 referente a juros e €1.000,00 referente a despesas judiciais), com fundamento em atas de condomínio, contra OB, também identificada nos autos.
Alegou o exequente, no requerimento inicial o seguinte:
“1. A executada é proprietária da fracção C correspondente à loja com entrada pelo número … do prédio urbano sito na Rua …, n.º …, freguesia …, concelho do Barreiro, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …/… - C, conforme certidão predial que se anexa como doc. nº 1 e se dá por integralmente reproduzida.
2. Enquanto condómina, a executada está obrigado a comparticipar nas despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do prédio e ao pagamento de serviços de interesse comum (art.º 1424 CC).
3. Na assembleia de condóminos realizada em 20 de Fevereiro de 2010 (acta nº 4 que se junta como doc. nº 2 e se dá por integralmente reproduzida), foi determinado que o valor mensal das quotas para a fracção C do referido prédio é de €22,00 (vinte e dois euros).
4. Valor que se manteve em vigor até Março de 2016.
5. Na assembleia de condóminos realizada em 19 de Março de 2016 (acta nº 13 que se junta como doc. nº 3 e se dá por integralmente reproduzida), foi determinado que, para a fracção C, e com inicio em Abril de 2016, o valor mensal das quotas é de €10,28 (dez euros e vinte e oito cêntimos), sendo liquidado mensalmente a quantia de €1,03 (um euro e três cêntimos) para o fundo comum de reserva e, mensalmente também, a quantia de €9,44 (nove euros e quarenta e quatro cêntimos) para o fundo comum de reserva.
6. Estes valores mantem-se em vigor.
7. Na assembleia de condóminos realizada em 6 de Abril de 2013 (acta nº 9 que se junta como doc. nº 4 e se dá por integralmente reproduzida), foi criada uma quota extra para liquidação da apólice de seguro multirriscos condomínio, e que deveria ser liquidada até 15/06/2013, cabendo à fracção C a quantia de €108,00 (cento e oito euros). Na mesma assembleia foi também criada uma quota extra para obras urgentes na fachada do edifício e que deveria ser liquidada até 30/06/2013, cabendo à fracção C a quantia de €264,00 (duzentos e sessenta e quatro euros).
8. Na assembleia de condóminos realizada em 19 de Março de 2016 (acta nº 13), foi criada uma quota extra mensal, cujo pagamento se iniciou em Abril de 2016 e em vigor até deliberação em contrário, com o intuito de reunir saldo suficiente para execução de várias obras de manutenção, quer no terraço de cobertura quer nas fachadas do edifício, cabendo à fracção C a quantia de €51,06 (cinquenta e um euros mensais).
9. Esta quota ainda está em vigor, conforme deliberação da assembleia realizada a 4 de Fevereiro de 2017 (acta nº 14 que se junta como documento nº 5 e se dá por integralmente reproduzida) e assembleia realizada a 3 de Março de 2018 (acta nº 16 que se junta como documento nº 6 e se dá por integralmente reproduzida).
10. Na assembleia realizada a 3 de Março de 2018 (acta nº 16), foi deliberado, em assembleia de condóminos, instaurar a acção judicial a esta condómina, por dívidas ao condomínio, referente a quotas vencidas e a vencer.
11. À data da referida assembleia, a dívida da fracção C – Loja 4 referia-se às quotas ordinárias correspondentes aos meses de Janeiro de 2012 a Março de 2016, inclusive, pelo montante mensal de €22,00 (vinte e dois euros), totalizando a quantia de €1.122,00 (mil cento e vinte e dois euros), as quotas ordinárias correspondentes aos meses de Abril a Dezembro de 2016, inclusive, pelo montante mensal de €10,28 (dez euros e vinte e oito cêntimos), totalizando a quantia de €92,52 (noventa e dois euros e cinquenta e dois cêntimos), o Fundo Comum de Reserva correspondentes aos meses de Abril a Dezembro de 2016, inclusive, pelo montante mensal de €1,03 (um euro e três cêntimos), totalizando a quantia de €9,27 (nove euros e vinte e sete cêntimos), a quota do seguro correspondentes aos meses de Abril a Dezembro de 2016, inclusive, pelo montante mensal de €9,44 (nove euros e quarenta e quatro cêntimos), totalizando a quantia de €84,96 (oitenta e quatro euros e noventa e seis cêntimos), a quota extraordinária referente a obras na fachada aprovadas em assembleia geral realizada em 06/04/2013 (acta nº 9), no montante de €264,00 (duzentos e sessenta e quatro euros), a quota extraordinária para pagamento do seguro aprovadas em assembleia geral realizada em 06/04/2013 (acta nº 9), no montante de €108,00 (cento e oito euros), e as prestações de Abril a Dezembro de 2016 da quota extraordinária referente a obras a realizar no  condomínio aprovadas em assembleia geral realizada em 19/03/2016 (acta nº 13), pelo montante mensal de €51,06 (cinquenta e um euro e seis cêntimos), totalizando a quantia de €459,54 (quatrocentos e cinquenta e nove euros e cinquenta e quatro cêntimos), as quotas ordinárias vencidas entre Janeiro e Dezembro de 2017 no montante mensal de €10,28 (dez euros e vinte e oito cêntimos) num total de €123,36 (cento e vinte e três euros e trinta e seis cêntimos), as prestações para o fundo comum de reserva vencidas entre Janeiro e Dezembro de 2017 no montante mensal de €1,03 (um euro e três cêntimos) num total de €12,36 (doze euros e trinta e seis cêntimos), as prestações para o seguro multirriscos condomínio vencidas entre Janeiro e Dezembro de 2017, no montante mensal de €9,44 (nove euros e quarenta e quatro cêntimos), num total de €113,28 (cento e treze euros e vinte e oito cêntimos) e as prestações de Janeiro a Dezembro de 2017 da quota extraordinária referente a obras a realizar no condomínio aprovadas em assembleia geral realizada em 19/03/2016 (acta nº 13), pelo montante mensal de €51,06 (cinquenta e um euros e seis cêntimos), totalizando a quantia de €612,72 (seiscentos e doze euros e setenta e dois cêntimos), perfazendo um total de €3.002,01 (três mil e dois euros e um cêntimos).
12. Contudo, desde Janeiro de 2018 que a executada também não cumpriu com as suas obrigações de pagamento ao condomínio, pelo que se encontra também por liquidar as quotas ordinárias vencidas entre Janeiro e Maio de 2018 no montante mensal de €10,28 (dez euros e vinte e oito cêntimos) num total de €51,40 (cinquenta e um euros e quarenta cêntimos), as prestações para o fundo comum de reserva vencidas entre Janeiro e Maio de 2018 no montante mensal de €1,03 (um euro e três cêntimos) num total de €5,15 (cinco euros e quinze cêntimos), as prestações para o seguro multirriscos condomínio vencidas entre Janeiro e Maio de 2018, no montante mensal de €9,44 (nove euros e quarenta e quatro cêntimos), num total de €47,20 (quarenta e sete euros e vinte cêntimos) e as prestações de Janeiro a Maio de 2018 da quota extraordinária referente a obras a realizar no condomínio aprovadas em assembleia geral realizada em 19/03/2016 (acta nº 13), pelo montante mensal de €51,06 (cinquenta e um euros e seis cêntimos), totalizando a quantia de €255,30 (duzentos e cinquenta e cinco euros e trinta cêntimos), perfazendo um total de €359,05 (trezentos e cinquenta e nove euros e cinco cêntimos).
13. Assim, a executada é devedora, à exequente, a título de quotas normais e extras, Fundo Comum de Reserva e de seguro, da quantia de €3.361,06 (três mil trezentos e sessenta e um euros e seis cêntimos).
14. Deve ainda a multa por atraso no pagamento das quotizações acima referidas no montante de 25% do total do valor em dívida, deliberado em Regulamento de Condomínio, (documento nº 7, que se junta e se dá aqui por integralmente reproduzido), que se calcula em €840,27  (oitocentos e quarenta euros e vinte e sete cêntimos).
15. A estes valores acrescem ainda os juros de mora, contados desde a data do vencimento até ao dia 15 de Maio de 2018, que totalizam €345,71 (trezentos e quarenta e cinco euros e setenta e um cêntimos).
16. Assim sendo deve, a executada à exequente, de capital acrescido de juros de mora e dos juros, a quantia de €4.547,03 (quatro mil quinhentos e quarenta e sete euros e três cêntimos).
17. Contudo, e apesar das diligências efectuadas no sentido destas importâncias serem liquidadas, até hoje encontram-se em dívida.
18. A executada foi legalmente convocada para as assembleias e as actas enviadas de acordo com a lei, não tendo sido impugnadas ou contestadas.
19. A dívida é certa, líquida e exigível e as actas título executivo (conf nº 1 do DL 268/94 de 25 de Outubro).
20. Deverá, a executada, liquidar o capital e os juros vencidos e os vincendos até integral pagamento, bem como suportar as despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo honorários de solicitador de execução e de advogado, acrescidos de IVA se a ele houver lugar, no valor previsível de €1.000,00 (mil euros) (acta nº 16) e regulamento de condomínio.
21. Em consequência, a quantia exequenda é, neste momento, de €5.547,03 (cinco mil quinhentos e quarenta e sete euros e três cêntimos) pelo que se requer a condenação da executada no pagamento desta importância.”.
Juntou 7 documentos.
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2. Por apenso à referida execução, a executada veio deduzir oposição à execução, por embargos de executado, pedindo seja a execução julgada improcedente, condenada a exequente como litigante de má fé, nas custas e procuradoria no mínimo de €1.000,00 e seja ordenado o levantamento das penhoras realizadas.
Alegou a embargante, em suma, que:
- Todas as dívidas reclamadas com idade superior a 5 anos estão prescritas;
- Do documento que serve de título executivo “injunção com força executiva”, resulta uma reclamação de créditos que a exequente sabe não serem devidos e conscientemente pretende reclamar créditos inexistentes, devendo ser condenada como litigante de má fé;
- A Exequente, não concretiza, além de apresentar o referido título - documentos particulares - qual a sua origem em concreto bastando-se por “indicação de atas de assembleia geral de condóminos”; que a aqui executada na qualidade de condómina deveria as verbas referentes a condomínios;
- A executada adquiriu a fracção autónoma LOJA …, …/… da Rua …, Barreiro e nessa loja passou a utilizar parte da mesma para aí fixar residência com a sua família, com o conhecimento dos condóminos e da administração aqui exequente;
- Em data que não recorda veio a ter conflitos com a administração pois era- lhe exigido que pagasse condomínio por utilização de partes comuns e veio a questionar a administração quanto ao art.º 8º do regulamento do condomínio no qual se lia que: “DOIS - As lojas não comparticipam nas despesas correntes do prédio por não usufruírem destas contudo contribuíram para o fundo comum de reserva nos termos da clausula nona bem como para as despesas bancarias.”; e
- Na execução reclama-se verba com base em regulamento de condomínio no qual se verifica que a executada está excluída das responsabilidades reclamadas, sendo o título executivo nulo.
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3. Recebidos liminarmente os embargos e notificado para o efeito, o embargado deduziu contestação pugnando pela improcedência dos embargos e alegando, em suma, que:
- Do requerimento executivo resulta que o Exequente demonstrou e descreveu a origem das quotas, aludindo às assembleias que culminaram na aprovação das diversas quotas condominiais, indicando a respetiva quota-parte que caberia - como cabe - à fração C suportar, apontando, ainda, e por referência a cada uma das quotas aprovadas, a sua natureza e destino;
- As despesas de condomínio constituem obrigações que decorrem do chamado jus in re, ou seja, “são obrigações que têm na sua origem no estatuto de um direito real”, pelo que, não é admissível a extinção da obrigação em causa por meio de prescrição;
- Não obstante, e ainda que assim não se entenda, a prescrição valeria, tão-só, para as designadas quotas ordinárias, pois, ainda que a obrigação do pagamento de quotas ordinárias, por se tratar de despesa periodicamente renovada, seja passível de se extinguir pela via da prescrição, a obrigação relativa às quotas ditas extraordinárias, a contrario sensu - por não se tratar de despesa periodicamente renovada, antes sim despesa eventual/extraordinária - apenas poderá prescrever nos termos gerais, no prazo ordinário - 20 anos;
-O prazo de prescrição tem-se por interrompido no dia 27/6/2018, pelo que, compulsando o teor do art.º 11.º e 12.º do RE, quando muito, estariam prescritas as quotas condominiais ditas ordinárias, devidas entre janeiro de 2012 e maio de 2013, no total de €374,00 (trezentos e setenta e quatro euros) [22,00 x 17 meses];
- Os condóminos proprietários das lojas não são excluídos do pagamento das despesas correntes, por si só, pois que, por exemplo, suportam as despesas relativas à manutenção das contas bancárias, comissões, despesas com expediente, despesas com a administração de condomínio;
- A Embargante não especifica - sequer, genericamente - que despesas lhe estão a ser imputadas erradamente;
- Não é lícito à Embargante invocar, ainda que implicitamente, a invalidade das deliberações, já que o condomínio não é, numa ação em que se discuta a impugnação das deliberações, parte legítima, antes sim, os condóminos que votaram favoravelmente as deliberações que o Executado pretende ver censuradas, que não são parte na presente lide, estando precludido o direito de a Executada invocar a anulabilidade das deliberações da assembleia de condóminos; e
- Não se vislumbra aqui uma atuação, por banda do Embargado, que permita à Embargante concluir pela litigância de má-fé.
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4. Foi dispensada a realização de audiência prévia e proferido despacho saneador, com fixação do valor da causa, identificação do objeto do litígio.
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5. Em 14-06-2022 teve lugar audiência de discussão e julgamento, após o que, em 20-06-2022 foi proferida sentença decidindo o Tribunal recorrido julgar parcialmente procedente a oposição “absolvendo a executada/embargante do pagamento da quantia de € 1.000,00 (mil euros) peticionada a título de honorários e despesas e do pagamento de todas as quantias devidas em data anterior a 16/11/2016 por prescritas nelas se incluindo os juros e as penalizações condenando-se no pagamento do restante peticionado”.
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6. Não se conformando com esta decisão, dela apela o embargado, pugnando pela revogação da sentença proferida e sua substituição “por outra que admita a prossecução da execução para obtenção da quantia global de €1.694,48, relativo a quotas ordinárias e extraordinárias, por não prescritas, assim como de €1.000,00, atinente a despesas de contencioso, mormente honorários de mandatário”, tendo formulado as seguintes conclusões:
“I- O Tribunal a quo julgou parcialmente procedente, por provada, a oposição à execução mediante Embargos de Executado deduzida pela ora Recorrida, e, consequentemente, absolveu a Embargante do pagamento das quotas condominiais devidas em data anterior a 16.11.2016, com fundamento no instituto da prescrição, incluindo juros e penalizações associadas, assim como da quantia de €1.000,00 (mil euros), por falta de título executivo, atinente a honorários de advogado e demais despesas de contencioso.
II- O Recorrente não se conforma com a decisão.
III- A conclusão e consequente decisão de que (i) se encontram prescritas todas as quotas condominiais devidas em data anterior a 16.11.2016 e que (ii) o Exequente, ora Apelante, não dispunha de título executivo para obter coativamente o montante de €1.000,00 (mil euros), atinente a honorários de mandatário, constituem o objeto do presente recurso.
IV- Às quotas condominiais ditas extraordinárias, deliberadas na assembleia de condóminos que ocorreu a 06.04.2016, não se aplica o prazo de prescrição previsto na al. g) do art.º 310.º do CC, na medida em que, ao contrário do que advoga a sentença, não consubstanciam “prestações periodicamente renováveis”.
V- Por outro lado, quando tenha sido interposta ação executiva para pagamento de quantia certa sob a forma sumária, o prazo de prescrição interrompe-se, não com a citação, mas decorridos 5 (cinco) dias a contar da data da instauração da ação, na medida em que a tramitação processual não prevê uma citação célere, antes sim após a penhora.
VI- Por conseguinte, o Exequente beneficia, nestes termos, da interrupção a que alude o n.º 2 do art.º 323.º do CC.
VII- Pelo que, in casu, considerando que a ação executiva deu entrada a 22.06.2018, afigura-se-nos interrompido o prazo de prescrição no dia 27.06.2018.
VIII- E se assim é, quando muito, não seriam devidas, por prescritas, as quotas condominiais devidas em data anterior a 27.06.2013.
IX- E a assim ser, a execução deverá correr, também, para a cobrança das seguintes quantias: (i) € 154,00, a título de quotas condominiais ditas ordinárias devidas entre 7/2013 a 12/2013; (ii) € 264,00, a título de quotas condominiais ditas ordinárias devidas entre 1/2014 a 12/2014; (iii) € 264,00, a título de quotas condominiais ditas ordinárias devidas entre 1/2015 a 12/2015; (iv) €66,00, a título de quotas condominiais ditas ordinárias devidas entre 1/2016 a 3/2016; (v) €82,24, a título de quotas ordinárias devidas entre 4/2016 a 11/2016, acrescido do montante de €8,24, relativo ao fundo comum de reserva, em igual período; (vi) €75,52, atinente ao prémio de seguro contra o risco de incêndio, devido entre 4/2016 a 11/2016; (vii) €408,48, a título de quota extraordinária devida entre 4/2016 a 11/2016.
X- Além das quotas ditas extraordinárias deliberadas na assembleia de 06.04.2016, por inaplicabilidade do prazo de prescrição do art.º 310.º, al. g), do CC.
XI- Aquando da prolação de sentença, seria de aplicar a nova redação do art.º 6.º do DL n.º 268/94, de 25 de outubro, dada pela Lei n.º 8/2022, de 10 de janeiro.
XII- Por via de interpretação extensiva do preceito do n.º 1 do art.º 6.º, conjugado com o n.º 3, afigura-se-nos incluída no âmbito da expressão “contribuição devidas ao condomínio” e na expressão “sanções pecuniárias”, as despesas com mandatário que patrocine as ações judiciais destinadas à cobrança das quotas condominiais, de acordo com a deliberação da assembleia de condóminos que faz repercutir, sobre o condómino faltoso, tais despesas.
XIII- E assim ser, a execução deverá correr, também, para obtenção da quantia de €1.000,00 (mil euros).”
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7. Dos autos não constam contra-alegações apresentadas pela recorrida.
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8. Em 21-11-2022 foi proferido despacho de admissão do recurso.

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9. Foram colhidos os vistos legais.
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2. Questões a decidir:
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o Tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , as questões a decidir são as de saber:
A) Se às quotas condominiais extraordinárias, deliberadas na assembleia de condóminos que ocorreu a 06-04-2013, não se aplica o prazo de prescrição previsto na al. g) do artigo 310.º do CC, na medida em que não consubstanciam “prestações periodicamente renováveis” e se o prazo de prescrição foi interrompido, em conformidade com o disposto no artigo 323.º, n.º 2, do CC, no dia 27-06-2018, decorridos 5 dias a contar da data da instauração da ação?
B) Se a execução deve prosseguir para obtenção da quantia de € 1.000,00, atinente a despesas com honorários de mandatário, sendo aplicável a redação do artigo 6.º do DL n.º 268/94, de 25 de outubro, dada pela Lei n.º 8/2022, de 10 de janeiro?
C) Quais os valores pelos quais a execução deverá prosseguir termos?
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3. Fundamentação de facto:
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A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
-A executada é proprietária da fracção C correspondente à loja com entrada pelo número 4 do prédio urbano sito na Rua …, …, freguesia do …, concelho do Barreiro, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …/… - C, conforme certidão predial que se anexa como doc. nº 1 e se dá por integralmente reproduzida.
- Na assembleia de condóminos realizada em 20 de Fevereiro de 2010 (acta nº 4 que se junta como doc. nº 2 e se dá por integralmente reproduzida), foi determinado que o valor mensal das quotas para a fracção C do referido prédio é de €22,00 (vinte e dois euros).
- Valor que se manteve em vigor até Março de 2016.
- Na assembleia de condóminos realizada em 19 de Março de 2016 (acta nº 13 que se junta como doc. nº 3 e se dá por integralmente reproduzida), foi determinado que, para a fracção C, e com início em Abril de 2016, o valor mensal das quotas é de €10,28 (dez euros e vinte e oito cêntimos), sendo liquidado mensalmente a quantia de €1,03 (um euro e três cêntimos) para o fundo comum de reserva e, mensalmente também, a quantia de €9,44 (nove euros e quarenta e quatro cêntimos) para o fundo comum de reserva.
- Estes valores mantêm-se em vigor.
- Na assembleia de condóminos realizada em 6 de Abril de 2013 (acta nº 9 que se junta como doc. nº 4 e se dá por integralmente reproduzida), foi criada uma quota extra para liquidação da apólice de seguro multirriscos condomínio, e que deveria ser liquidada até 15/06/2013, cabendo à fracção C a quantia de € 108,00 (cento e oito euros).
-Na mesma assembleia foi também criada uma quota extra para obras urgentes na fachada do edifício e que deveria ser liquidada até 30/06/2013, cabendo à fracção C a quantia de € 264,00 (duzentos e sessenta e quatro euros).
-Na assembleia de condóminos realizada em 19 de Março de 2016 (acta nº 13), foi criada uma quota extra mensal, cujo pagamento se iniciou em Abril de 2016 e em vigor até deliberação em contrário, com o intuito de reunir saldo suficiente para execução de várias obras de manutenção, quer no terraço de cobertura quer nas fachadas do edifício, cabendo à fracção C a quantia de €51,06 (cinquenta e um euros mensais).
-Esta quota ainda está em vigor, conforme deliberação da assembleia realizada a 4 de Fevereiro de 2017 (acta nº 14 que se junta como documento nº 5 e se dá por integralmente reproduzida) e assembleia realizada a 3 de Março de 2018 (acta nº 16 que se junta como documento nº 6 e se dá por integralmente reproduzida).
-Na assembleia realizada a 3 de Março de 2018 (acta nº 16), foi deliberado, em assembleia de condóminos, instaurar a acção judicial a esta condómina, por dívidas ao condomínio, referente a quotas vencidas e a vencer.
-À data da referida assembleia, a dívida da fracção C — Loja 4 referia-se às quotas ordinárias correspondentes aos meses de Janeiro de 2012 a Março de 2016, inclusive, pelo montante mensal de €22,00 (vinte e dois euros), totalizando a quantia de €1.122,00 (mil cento e vinte e dois euros), as quotas ordinárias correspondentes aos meses de Abril a Dezembro de 2016, inclusive, pelo montante mensal de €10,28 (dez euros e vinte e oito cêntimos), totalizando a quantia de €92,52 (noventa e dois euros e cinquenta e dois cêntimos), o Fundo Comum de Reserva correspondentes aos meses de Abril a Dezembro de 2016, inclusive, pelo montante mensal de €1,03 (um euro e três cêntimos), totalizando a quantia de €9,27 (nove euros e vinte e sete cêntimos), a quota do seguro correspondentes aos meses de Abril a Dezembro de 2016, inclusive, pelo montante mensal de €9,44 (nove euros e quarenta e quatro cêntimos), totalizando a quantia de €84,96 (oitenta e quatro euros e noventa e seis cêntimos), a quota extraordinária referente a obras na fachada aprovadas em assembleia geral realizada em 06/04/2013 (acta nº 9), no montante de €264,00 (duzentos e sessenta e quatro euros), a quota extraordinária para pagamento do seguro aprovadas em assembleia geral realizada em 06/04/2013 (acta nº 9), no montante de €108,00 (cento e oito euros), e as prestações de Abril a Dezembro de 2016 da quota extraordinária referente a obras a realizar no condomínio aprovadas em assembleia geral realizada em 19/03/2016 (acta nº 13), pelo montante mensal de €51,06 (cinquenta e um euro e seis cêntimos), totalizando a quantia de €459,54 (quatrocentos e cinquenta e nove euros e cinquenta e quatro cêntimos), as quotas ordinárias vencidas entre Janeiro e Dezembro de 2017 no montante mensal de €10,28 (dez euros e vinte e oito cêntimos) num total de €123,36 (cento e vinte e três euros e trinta e seis cêntimos), as prestações para o fundo comum de reserva vencidas entre Janeiro e Dezembro de 2017 no montante mensal de €1,03 (um euro e três cêntimos) num total de €12,36 (doze euros e trinta e seis cêntimos), as prestações para o seguro multirriscos condomínio vencidas entre Janeiro e Dezembro de 2017, no montante mensal de €9,44 (nove euros e quarenta e quatro cêntimos), num total de € 113,28 (cento e treze euros e vinte e oito cêntimos) e as prestações de Janeiro a Dezembro de 2017 da quota extraordinária referente a obras a realizar no condomínio aprovadas em assembleia geral realizada em 19/03/2016 (acta nº 13), pelo montante mensal de €51,06 (cinquenta e um euros e seis cêntimos), totalizando a quantia de €612,72 (seiscentos e doze euros e setenta e dois cêntimos), perfazendo um total de €3.002,01 (três mil e dois euros e um cêntimos).
- Contudo, desde Janeiro de 2018 que a executada também não cumpriu com as suas obrigações de pagamento ao condomínio, pelo que se encontra também por liquidar as quotas ordinárias vencidas entre Janeiro e Maio de 2018 no montante mensal de €10,28 (dez euros e vinte e oito cêntimos) num total de €51,40 (cinquenta e um euros e quarenta cêntimos), as prestações para o fundo comum de reserva vencidas entre Janeiro e Maio de 2018 no montante mensal de € 1,03 (um euro e três cêntimos) num total de €5,15 (cinco euros e quinze cêntimos), as prestações para o seguro multirriscos condomínio vencidas entre Janeiro e Maio de 2018, no montante mensal de €9,44 (nove euros e quarenta e quatro cêntimos), num total de €47,20 (quarenta e sete euros e vinte cêntimos) e as prestações de Janeiro a Maio de 2018 da quota extraordinária referente a obras a realizar no condomínio aprovadas em assembleia geral realizada em 19/03/2016 (acta nº 13), pelo montante mensal de €51,06 (cinquenta e um euros e seis cêntimos), totalizando a quantia de €255,30 (duzentos e cinquenta e cinco euros e trinta cêntimos), perfazendo um total de €359,05 (trezentos e cinquenta e nove euros e cinco cêntimos).
- Deve ainda a multa por atraso no pagamento das quotizações não prescritas no montante de 25% do total do valor em dívida, deliberado em Regulamento de Condomínio, (documento nº 7, que se junta e se dá aqui por integralmente reproduzido).
- A executada foi legalmente convocada para as assembleias e as actas enviadas não tendo sido impugnadas ou contestadas.
- A presente execução foi instaurada em 22 de junho de 2018.
- O aviso de recepção da citação da executada foi assinado em 16 de Novembro de 2021.
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A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO NÃO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
-Deve, a executada à exequente, de capital acrescido de juros de mora e dos juros, a quantia de €4.547,03 (quatro mil quinhentos e quarenta e sete euros e três cêntimos).
-A executada deve a quantia a título de quotas normais e extras, Fundo Comum de Reserva e de seguro, da quantia de €3.361,06 (três mil trezentos e sessenta e um euros e seis cêntimos).
-A executada deve a quantia de €1.000,00 (mil euros a título de despesas judiciais e honorários).
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4. Fundamentação de Direito:

A) Se às quotas condominiais extraordinárias, deliberadas na assembleia de condóminos que ocorreu a 06-04-2013, não se aplica o prazo de prescrição previsto na al. g) do artigo 310.º do CC, na medida em que não consubstanciam “prestações periodicamente renováveis” e se o prazo de prescrição foi interrompido, em conformidade com o disposto no artigo 323.º, n.º 2, do CC, no dia 27-06-2018, decorridos 5 dias a contar da data da instauração da ação?
Considera o apelante, desde logo, que às quotas condominiais extraordinárias, deliberadas na assembleia de condóminos que teve lugar em 06-04-2013, não se aplica o prazo de prescrição de 5 anos, previsto na al. g) do artigo 310.º do CC.
Alegou o apelante, para o efeito, o seguinte:
“(…) 7- O tribunal a quo considerou prescritas todas as quotas condominiais - quer ordinárias (aquelas que constam dos orçamentos que são elaborados, em princípio, anualmente, sendo depois repartidas pelos condóminos), quer extraordinárias (que visam fazer face a despesas específicas, inopinadas, extraordinárias e a periódicas) - devidas em data anterior a 16.11.2016, ao abrigo do disposto no art.º 310.º, al. g), do CC.
8- O tribunal fundamenta a sua decisão, no mais, nestes termos: “[s]ucede que, as quotas de condomínio, ou seja, as comparticipações das despesas comuns de um prédio, sendo prestações periodicamente renováveis e não prestações instantâneas fraccionadas, integram a situação prevista na alínea g) do artigo 310.º, do Código Civil, estando, pois, sujeitas ao prazo de prescrição de 5 (cinco) anos; E, isto porque, sendo prestações que se renovam, anualmente, enquanto durar o condomínio - artigos 1424.º e 1431.º, do Código Civil, gozam do prazo especial de 5 (cinco) anos, iniciando-se este prazo a partir da data em que a prestação pode ser exigida — n.º 1 do artigo 306.º Código Civil”.
9- Se bem interpretamos a decisão, o tribunal entendeu aplicar o prazo de prescrição previsto na al. g) do art.º 310.º do CC, a todas as quotas condominiais - ordinárias e extraordinárias -, por considerar que as quotas condominiais configuram prestações periodicamente renováveis: afinal, “[p]rescrevem no prazo de cinco anos: quaisquer outras prestações periodicamente renováveis” (al. g) do art.º 310.º do CC).
10- Não cabendo, nesta sede, discutir se a estas obrigações se lhes aplica ou não o regime da prescrição, na medida em que não se desconhece, a este respeito, o entendimento esmagadoramente maioritário da Jurisprudência,
11- Cabe, todavia, discordar da sentença, na parte em que considerou prescritas as quotas condominiais ditas extraordinárias.
12- Ora, o Apelante pretendeu obter coercivamente as quantias de € 108,00 (cento e oito euros) e de €264,00 (duzentos e quatro euros), deliberadas na assembleia de condóminos que teve lugar a 06.04.2013, e que deveriam ter ser liquidadas até 15.06.2013 e 30.06.2013, respetivamente.
13- Ora, as quotas em causa não dizem respeito ao orçamento global anual do condomínio,
14- Visando, antes, fazer face a despesas que não são correntes,
15- Mas sim extraordinárias,
16- Não constituindo, portanto, prestações periodicamente renováveis.
17- Aliás, nem sequer fracionáveis no tempo.
18- Donde, não nos parece, e sempre salvo o devido respeito, que a ambas as quotas condominiais ditas extraordinárias a que agora se alude, seja de aplicar o prazo prescrição previsto na al. g) do art.º 310.º do CC,
19- Considerando que não se tratam de “prestações periodicamente renováveis”. (…)””.
Vejamos:
Dispõe o artigo 10.º, n.º 5, do CPC que “toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva”.
Assim, pressuposto da acção executiva é, pois, não só a exequibilidade extrínseca do título exequendo (preenchimento dos pressupostos e requisitos para que um documento possa valer como título executivo), como também a exequibilidade da pretensão (a exequibilidade intrínseca, traduzida na inexistência de qualquer razão ou fundamento que, substantivamente, configure matéria extintiva, modificativa ou impeditiva da faculdade de exigir judicialmente a prestação) – faltando qualquer delas, soçobrará a pretensão do exequente.
Como refere Lebre de Freitas (A Acção Executiva depois da reforma da reforma, 5ª edição, p. 20), “(…) o acertamento é o ponto de partida da acção executiva, pois a realização coactiva da prestação pressupõe a anterior definição dos elementos (subjectivos e objectivos) da relação jurídica de que ela é objecto. O título executivo contém esse acertamento; daí que se diga que constitui a base da execução, por ele se determinando «o fim e os limites da acção executiva» (…) e o seu objecto, assim como a legitimidade activa e passiva para ela (…), e, sem prejuízo de poder ter que ser complementado (…), em face dele se verificando se a obrigação é certa, líquida e exigível (…).”.
Assim, sempre que a obrigação exequenda não se mostre sustentada por um título executivo, ou exceda os seus limites, verifica-se o vício de falta de título executivo, o qual pode ser total ou parcial (cfr. artigos 726º, nº 2 e 734º, nº 2 do CPC).
Sendo manifesta a falta de título executivo, tal constituirá fundamento para indeferimento liminar do requerimento executivo (cfr. artigo 726., n.º 2, al. a) do CPC) ou, caso o vício seja detetado posteriormente, mas antes de ocorrer o primeiro ato de alienação de bens penhorados, o mesmo legitima a rejeição – e consequente extinção - da execução (cfr. artigo 734.º, nºs. 1 e 2 do CPC).
No caso, a presente execução tem por títulos executivos as atas relativas a diversas assembleias de condóminos. Trata-se de documentos a que lei especial reconhece natureza executiva, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 703º, nº 1, al. d) do CPC e 6.º, nº 1 do DL nº 268/94, de 25 de outubro.
Nos termos do mencionado artigo 6.º, n.º 1, do DL n.º 268/94, de 25 de outubro: “A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte”.
Conforme resulta do preâmbulo do citado DL 268/94, de 25 de outubro, visou-se, por um lado, tornar mais eficaz o regime da propriedade horizontal, e, por outro, facilitar o decorrer das relações com terceiros (por interesses relativos ao condomínio).
Contudo, conforme se afirmou no Acórdão do STJ de 02-06-2021 (Pº 1549/18.4T8SVL-A.E1.S1, rel. FERREIRA LOPES): “Para valer como título executivo nos termos do art.º 6º do DL nº 268/94 de 25.10, a acta da assembleia de condomínio tem de conter a deliberação sobre o montante das contribuições ou despesas devidas ao condomínio, a fixação da quota-parte devida por cada condómino e o prazo de pagamento respectivo. A acta que se limita a documentar a aprovação pela assembleia da existência de uma dívida de um condómino por não pagamento de quotas, tal como referido pela administração, não reúne os requisitos de exequibilidade que resultam do art.º 6º do DL n 268/94”.
De facto, os requisitos de exequibilidade da acta da reunião de condomínio se reconduzem a:
- Deliberação sobre o montante das contribuições ou despesas devidas ao condomínio;
- Fixação da quota-parte devida por cada condómino;
- Fixação do prazo de pagamento respectivo (cfr., neste sentido, os seguintes Acórdãos: TRL de 26-01-2017, Pº 1410-14.1YYLSB-A.L1-8, rel. ILÍDIO SACARRÃO MARTINS; TRC de 23-01-2018, Pº 7956/15.7T8CBR-A.C1, rel. ANTÓNIO DOMINGOS PIRES ROBALO; STJ de 19-06-2019, Pº 5859/08.0YYLSB-A.L2.S1, rel. FÁTIMA GOMES; STJ de 01-10-2019, Pº 14706/14.3T8LSB.L1.S1, rel. ACÁCIO DAS NEVES; TRC de 18-05-2020, Pº 1546/19.2T8SRE.C1, rel. MARIA JOÃO AREIAS; STJ de 02-06-2021, Pº 1549/18.4T8SVL-A.E1.S1, rel. FERREIRA LOPES; TRP de 13-01-2022, Pº 143/08.2TBMTS-B.P1, rel. FILIPE CAROÇO; TRL de 28-04-2022, Pº 672/21.2 T8LSB.L1-8, rel. TERESA SANDIÃES).
Contudo, só assim sucederá se não ocorrerem circunstâncias que impeçam, extinguem ou modifiquem a respetiva exequibilidade, entre as quais, se encontra a exceção de prescrição.
Conforme decorre do disposto no n.º 1 do artigo 298.º do CC, a prescrição traduz-se no “não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei” de direitos que a lei não qualifique como indisponíveis ou declare dela isentos.
A prescrição visa salvaguardar a segurança e a estabilidade das relações jurídicas, garantindo ao beneficiário da mesma a possibilidade de, transcorrido que seja, um determinado tempo fixado na lei, recusar o cumprimento que lhe venha a ser exigido, conforme decorre do artigo 304.º do CC que determina que, “uma vez completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.“
Como refere Pais de Vasconcelos (Teoria Geral do Direito Civil, 5.ª Edição, Almedina, p. 380), “a prescrição é um efeito jurídico da inércia prolongada do titular do direito no seu exercício, e traduz-se em o direito prescrito sofrer na sua eficácia um enfraquecimento consistente em a pessoa vinculada poder recusar o cumprimento ou a conduta a que esteja adstrita. Se o credor, ou o titular do direito, deixar de o exercer durante certo tempo, fixado na lei, o devedor, ou a pessoa vinculada, pode recusar o cumprimento, invocando a prescrição”.
Uma vez invocada, a prescrição constitui um facto impeditivo do direito invocado pelo credor daquele que a invoca.
A prescrição não configura um facto extintivo, na medida em que não extingue a obrigação prescrita, a qual subsiste, embora convertida em obrigação natural e, daí que, o n.º 2 do art.º 304º do CC estabeleça que, cumprida a obrigação prescrita, não há lugar à repetição do indevido.
A prescrição constitui uma excepção que permite ao devedor impedir o exercício do direito de crédito pelo credor (cf. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume II, 9.ª Edição).
O prazo ordinário de prescrição é de vinte anos (artigo 309.º do CC), daí resultando que se não houver disposição legal que sujeite especificamente o crédito a um prazo de prescrição diferente, a prescrição do mesmo só ocorre uma vez ultrapassado aquele prazo.
Todavia, no artigo 310.º do CC estabelecem-se diversos casos em que o prazo de prescrição é mais curto.
Conforme referem Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, vol. I, p. 280), “não se trata, nestes casos, de prescrições presuntivas, sujeitas ao regime especial estabelecido nos artigos 312º e seguintes, mas de prescrições de curto prazo, destinadas essencialmente a evitar que o credor retarde demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis, tornando excessivamente pesada a prestação a cargo do devedor”.
No caso vertente, a embargante invocou a prescrição dos créditos exequendos respeitantes a “quotas de condomínio” de todas as dívidas reclamadas “com idade superior a 5 anos”.
A embargada contrapôs a imprescritibilidade das dívidas exequendas (por em seu entender terem origem no estatuto de um direito real) e, caso assim não se entendesse, a prescrição apenas abrangeria as quotas ordinárias e, não, as extraordinárias.
A sentença recorrida considerou aplicável a todas as quotas em questão, o prazo de 5 anos, previsto no artigo 310.º, al. g) do CC, fundando-se na seguinte ordem de considerações:
“(…) O prazo ordinário da prescrição é de 20 anos (art.º 309.º do CC). Há ainda prazos mais curtos, excepcionais, de cinco anos (art.º 310.º do CC), de seis meses (art.º 316.º do CC) ou de dois anos (art.º 317.º do CC). O art.º 310.º, do CC, elenca várias situações que prescrevem no prazo de cinco anos [alíneas a) a f)] e, na alínea g), refere expressamente que também prescrevem no mesmo prazo “… Quaisquer outras prestações periodicamente renováveis...”. Como refere a doutrina, a razão de ser da fixação deste prazo curto, tem por finalidade evitar que o credor, retardando a exigência dos créditos periodicamente renováveis, os deixe acumular tornando excessivamente onerosa a prestação a cargo do devedor. E, no mesmo sentido, vai a jurisprudência, como é o caso do Acórdão do STJ, de 02.05.2002, onde, a propósito de uma situação de prescrição a curto prazo, se decidiu que “O prazo da prescrição, começa a contar-se da exigibilidade de cada prestação. Tal prescrição, interrompe-se, todavia, pela citação ou qualquer acto que exprima a intenção de se exercer o direito. A razão de ser de um prazo curto de prescrição das prestações periodicamente renováveis é evitar que o credor as deixe acumular tornando excessivamente onerosa a prestação a cargo do devedor...”. Ora, salvo o devido respeito, e no seguimento do entendimento que temos como a melhor doutrina e jurisprudência, afigura-se-nos ser esta, justamente, a situação atinente às quotas de condomínio em causa, ou seja, a comparticipação das despesas comuns por parte de cada um dos condóminos que, ao contrário do sustentado pelo apelante, constituem obrigações reais não ambulatórias, sendo prestações periodicamente renováveis.
Na verdade, não nos parece curial a tese no sentido de que as prestações em dívida no caso sub judice constituem prestações instantâneas fraccionadas. Estas ocorrem quando, existindo uma única prestação, instantânea por natureza, esta é realizada por partes, ou seja, executada por diversas parcelas, em consequência de convenção das partes. O objecto global da prestação é, neste caso e ao invés do que sucede na prestação duradoura, desde o início fixado, mas a execução é escalonada no tempo, realizando-se por diversas fracções ou prestações (…)”. Ao invés, quando, todavia, em vez de uma única prestação a realizar por partes (prestação fraccionada), existam — posto que decorrentes de uma só relação obrigacional — diversas prestações (isto é, prestações repetidas) a satisfazer regularmente [.] ou sem regularidade exacta [...], teremos as chamadas prestações «reiteradas, repetidas, contrato sucessivo» ou «periódicas» («lato sensu») ...”. Por outras palavras, no domínio das chamadas prestações duradouras, isto é, aquelas que não se esgotam num só momento, antes se distendendo no tempo, uma prestação diz-se periódica quando, protelando-se no tempo, tem de ser realizada em momentos sucessivos, com espaçamento em regra regular.. .”. Entendemos ser este o caso das ditas despesas condominiais, ou melhor dizendo, “as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum.”, como é referido no art.º 1424.º, nº 1, do CC, que integram, assim, a situação prevista na já referida alínea g) do art.º 310.º, do CC, estando, pois, sujeitas ao prazo de prescrição de 5 anos.
Como ensina Aragão Seia “As despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do condomínio constam de um orçamento a elaborar anualmente, sendo depois repartidas pelos condóminos, geralmente em prestações mensais nos termos do artigo 1424º por representarem a contrapartida do uso e fruição daquelas partes comuns. Essas prestações renovam-se, pois, anualmente, enquanto durar o condomínio — artigos 1424º e 1431º. Assim sendo, prescrevem no prazo de cinco anos - alínea g) do artigo 310.º - e o prazo da prescrição começa a correr da data em que a prestação pode ser exigida — nº 1 do artigo 306º CC (…)”.
Apreciando:
Estabelece o n.º 1 do artigo 1424.º do CC que, “salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas frações”.
O Tribunal recorrido qualificou as contribuições dos condóminos nos termos da citada disposição legal como prestações periódicas, visto que o seu montante depende da aprovação, pela assembleia geral de condóminos e esta reúne pelo menos uma vez por ano – art.º 1431º, nº 1, do CC.
E, efetivamente, em regra, as contribuições dos condóminos para satisfação de despesas comuns tem natureza regular e periódica.
Como salienta Aragão Seia (Propriedade Horizontal; 2.ª ed., Almedina, 2022, p. 131, nota 9), “as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do condomínio constam de um orçamento a elaborar anualmente, sendo depois repartidas pelos condóminos, geralmente em prestações mensais nos termos do artigo 1424.º por representarem a contrapartida do uso e fruição daquelas partes comuns. Essas prestações renovam-se, pois, anualmente, enquanto durar o condomínio – artigos 1424.º e 1431.º.
Assim sendo, prescrevem no prazo de cinco anos - alínea g) do artigo 310.º - e o prazo da prescrição começa a correr da data em que a prestação pode ser exigida — n.º 1 do artigo 306.º”.
Mas, todavia, conforme se sublinhou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-07-2019 (Pº 7503/16.3T8FNC-A.L1-7, rel. DIOGO RAVARA), não é forçoso que assim seja:
“Com efeito, se é verdade que aquelas despesas sejam impostas com periodicidade mínima, não é forçoso que as mesmas sejam periódicas, porquanto se podem ser fixadas a forfait e cobradas anual, trimestral, ou mensalmente, também podem ter caráter pontual (como sucede relativamente a despesas decorrentes de obras de conservação extraordinárias) – neste sentido cfr. acs. RP de 14-05-2015 (Carlos Gil), p. 388/11.8TJPRT-A.P1, e de 04-02-2016 (Aristides Rodrigues de Almeida), p. 2648/13.4TBLLE-A.P1.
De qualquer modo, como bem apontaram ARAGÃO SEIA e ABÍLIO NETO, as “quotas” ou contribuições fixadas e cobradas com aquele ritmo anual, semestral, trimestral ou mensal têm natureza periódica e por isso ficam sujeitas ao prazo de prescrição de cinco anos previsto na al. g) do art.º 310º do CC – No sentido exposto cfr., entre outros, os arestos já citados, bem como os acs. RL 21-06-2011 (Mª Amélia Ribeiro), p. 7855/07.6TBOER-A.L1; RP 27-05-2014 (Vieira e Cunha), p. 4393/11.6TBVLG-A.P1; e RE 14-05-2015 (Francisco Xavier), p. 3202/09.0TBLLE-A.E1”.
Haverá, pois, que apurar se o objecto da prestação é determinado em função do respectivo tempo de duração (prestação duradoura, de execução continuada ou periódica), ou antes se é essencialmente determinado em função do valor do bem adquirido (prestação fraccionada), sendo que, só para as prestações duradouras de natureza reiterada ou periódica valerá a prescrição de 5 anos a que se reporta o disposto no artigo 310º al. g) do CC, enquanto que, as prestações fraccionadas ou repartidas cairiam no âmbito da prescrição ordinária de 20 anos.
Ora, efetivamente, parece-nos afastada a tese sustentada pelo embargado relativa à imprescritibilidade das obrigações em questão.
Trata-se de uma evidência que as obrigações não reais, respeitantes a direitos disponíveis, se encontram sujeitas a prazos de prescrição, sendo o mais longo de 20 anos, aspeto que não é posto em causa pelo instituto da propriedade horizontal. A obrigação exequenda reporta-se a uma obrigação pecuniária e não tem natureza real.
Para além disso, resulta dos factos apurados, que as atas de assembleias de condóminos que constituem os títulos dados à execução reportam-se às seguintes espécies de contribuições condominiais:
- Quotas ordinárias de condomínio, de periodicidade mensal e respetiva contribuição para o Fundo Comum de Reserva;
- Quotas extraordinárias para pagamento da apólice de seguro multirriscos condomínio, aprovadas na assembleia de condóminos de 06-04-2013;
- Quotas extraordinárias de obras na fachada, aprovadas na assembleia de condóminos de 06-04-2013; e
- Quotas extraordinárias de obras de manutenção no terraço de cobertura e nas fachadas do edifício, aprovadas na assembleia de condóminos de 19-03-2016.
Nos termos da alínea g) do artigo 310º do CC, prescrevem no prazo de 5 anos quaisquer prestações periodicamente renováveis.
Conforme é entendimento uniforme da jurisprudência, a obrigação do condómino de pagar as despesas de condomínio e de conservação do imóvel, na medida em que seja periodicamente renovável, ou reiterada (isto é, quando as prestações respeitam a despesas com serviços de segurança, vigilância, limpeza, água e eletricidade e seguro do prédio), porque se trata de uma prestação duradoura, que se encontra intimamente ligada ao decurso do tempo e que se renova periodicamente, enquadra-se na previsão da alínea g) do artigo 310º do Código Civil, pelo que o prazo de prescrição referente a estas obrigações é de 5 anos (cfr., neste sentido, entre outros, os seguintes Acórdãos: TRP de 14-12-2000, Pº 0031241, SALEIRO DE ABREU; TRC de 14-11-2006, Pº 3948/04.0TBAVR.C1, ARTUR DIAS; TRL de 21-06-2011, Pº 7855/07.6BOER-A.L1.7, MARIA AMÉLIA RIBEIRO e de 22-04-2010, Pº 5892/04.1YXLSB.L1.6, MÁRCIA PORTELA).
Conforme se sintetizou, em moldes semelhantes, no Acórdão do TRP de 27-05-2014 (Pº 4393/11.6TBVLG-A.P1, rel. VIEIRA E CUNHA): “As despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do condomínio constam de um orçamento, sendo depois repartidas pelos condóminos, geralmente em prestações mensais, nos termos do art.º 1424º CCiv, e, por isso, renovam-se anualmente, enquanto durar o condomínio – art.ºs 1424º e 1431º, prescrevendo no prazo de cinco anos – al. g) do art.º 310º CCiv, e o prazo da prescrição começa a correr da data em que a prestação pode ser exigida — nº 1 do art.º 306º”.
Conforme se explicita na fundamentação deste aresto:
“(…)O Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I/80, cit. in Ac.R.L. 11/12/97 Col.V/125, relatado pelo Desemb. Paixão Pires, classificou as prestações como instantâneas, fraccionadas ou repartidas, e duradouras. E assim:
“Dizem-se instantâneas as prestações em que o comportamento exigível ao devedor se esgota num só momento (…).”
“Duradouras aquelas em que a prestação se protela no tempo, tendo a duração temporal da relação creditória uma influência decisiva na conformação global da prestação, chamando-se-lhes por isso obrigações duradouras. Dentro destas, distinguem-se duas modalidades: as prestações de execução continuada, cujo cumprimento se prolonga ininterruptamente no tempo (v.g., as do locador, do fornecedor de água, gás ou electricidade, do depositário, do comodante), e as prestações reiteradas, periódicas ou com trato sucessivo, que se renovam em prestações singulares sucessivas por via de regra ao fim de períodos consecutivos (v.g., as do locatário, quanto ao pagamento da renda ou aluguer, do foreiro, do devedor da renda perpétua ou vitalícia, do consumidor de água, gás ou electricidade).”
“Dizem-se fraccionadas ou repartidas as obrigações cujo cumprimento se protela no tempo, através de sucessivas prestações instantâneas, mas em que o objecto da prestação está previamente fixado, sem dependência da relação contratual (v.g., preço pago a prestações, fornecimento de certa quantidade de mercadorias ou de géneros, a efectuar em diversas partidas).”
“Nas obrigações duradouras, a prestação devida depende do factor tempo; nas prestações fraccionadas, o tempo não influi na determinação do seu objecto, apenas se relacionando com o modo da sua execução.”
Derivando da distinção doutrinal para o caso concreto, haverá que apurar se o objecto da prestação é determinado, sobre o mais, em função do respectivo tempo de duração (prestação duradoura, de execução continuada ou periódica), ou antes se é essencialmente determinado em função do valor do bem adquirido (prestação fraccionada).
Só para as prestações duradouras de natureza reiterada ou periódica valeria a prescrição de 5 anos a que se reporta o disposto no art.º 310º al. g) CCiv. Já as prestações fraccionadas ou repartidas cairiam no âmbito da prescrição ordinária de 20 anos – art.º 309º CCiv.
Dado o conspecto das obrigações supra traçado, aquilo que releva é que não nos encontramos perante um objecto prestacional único, ainda que fraccionado – encontramo-nos antes perante prestações duradouras reiteradas, isto é, periodicamente renováveis, para os efeitos do art.º 310º al.g) CCiv.
A sufragar este entendimento, assinalamos o Consº Aragão Seia, Propriedade Horizontal, 2.ª ed., pg. 131, citado no Ac.R.L. 22/4/2010, pº 5892/04.1YXLSB.L1-6, relatado pela Desembª Márcia Portela, disponível na base de dados oficial, quando escreve que «as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do condomínio constam de um orçamento a elaborar anualmente, sendo depois repartidas pelos condóminos, geralmente em prestações mensais nos termos do art.º 1424º por representarem a contrapartida do uso e fruição daquelas partes comuns. Essas prestações renovam-se, pois, anualmente, enquanto durar o condomínio – art.ºs 1424º e 1431º. Assim sendo, prescrevem no prazo de cinco anos - alínea g) do artigo 310º - e o prazo da prescrição começa a correr da data em que a prestação pode ser exigida — nº 1 do artigo 306º».
No mesmo sentido, sem preocupação de exaustividade, encontramos os Ac.R.L. 21/6/2011, pº 7855/07.6BOER-A.L1-7, relatado pela Desembª Mª Amélia Ribeiro, ou o Ac.R.C. 14/11/06, pº 3948/04.0TBAVR.C1, relatado pelo Desemb. Artur Dias, ambos da base de dados oficial. Não se sinaliza, aliás, jurisprudência em sentido contrário”.
De modo semelhante, referiu-se no Ac. do TRP de 14-09-2015 (Pº 388/11.8TJPRT-A.P1, rel. CARLOS GIL) que:
“As prestações periódicas são uma das modalidades das prestações duradouras, sendo que estas últimas, por sua vez, se distinguem das prestações fracionadas ou repartidas.
Nas prestações duradouras, o tempo influi decisivamente na determinação do seu objeto, especialmente do seu montante, enquanto nas prestações fracionadas o decurso do tempo contende apenas com o modo de execução da prestação, servindo o tempo apenas para permitir a liquidação de uma certa prestação, de modo repartido, dividindo-a em duas ou mais prestações que se sucedem separadas por um maior ou menor lapso temporal.
Dentro das prestações duradouras distinguem-se as prestações de execução continuada, ou seja, aquelas em que o seu cumprimento é ininterrupto, das prestações reiteradas ou com trato sucessivo, que se renovam em prestações singulares sucessivas, podendo estas, por sua vez, ser periódicas ou não periódicas, consoante se renovem num dado período temporal certo ou não.
As despesas de conservação, ainda que impostas legalmente com uma periodicidade mínima, não são necessariamente periódicas pois que, se podem ser fixadas a forfait, para serem cobradas anualmente, na veste das denominadas quotizações do condomínio, podem ter caráter pontual, determinado em função do concreto custo das obras em causa e do momento em que se decide efetuar certa obra”.
Tendo em conta as precedentes considerações, numa primeira aproximação, pode concluir-se que, a obrigação do condómino de pagar as despesas normais atinentes à manutenção e conservação do imóvel, despesas essas necessárias para a conservação e fruição das partes comuns do condomínio, reconduzíveis a quotizações ordinárias (aqui se incluindo as atinentes a contribuições para o Fundo Comum de Reserva), resultantes da aprovação do orçamento anual de receitas/despesas do condomínio, repartidas pelos condóminos, porque se renovam anualmente enquanto durar o condomínio, prescreverão em 5 anos, nos termos do artigo 310.º, al. g) do CC e o prazo da prescrição começará a correr da data em que a prestação pode ser exigida — cfr. n.º 1 do artigo 306.º. do CC.
Assim, conforme se concluiu no Acórdão do TRP de 06-04-2017 (Pº 6756/16.1T8PRT-A.P1, rel. VIEIRA E CUNHA): “As despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do condomínio constam de um orçamento, sendo depois repartidas pelos condóminos, geralmente em prestações mensais, nos termos do art.º 1424º CCiv, e, por isso, renovam-se anualmente, enquanto durar o condomínio – art.ºs 1424º e 1431º, prescrevendo no prazo de cinco anos – al. g) do art.º 310º CCiv.”.
Mas o embargado entende que as obrigações atinentes às quotas extraordinárias, por não se tratar de uma obrigação periodicamente renovável - mas sim, de uma despesa eventual/extraordinária - apenas poderá prescrever nos termos gerais, em 20 anos (cfr. artigo 21.º da contestação) – cfr. artigos 309.º do CC.
Será assim?
Neste ponto, subscrevemos as considerações expendidas a respeito desta temática no Acórdão do TRP de 04-02-2016 (Pº 2648/13.4TBLLE-A.P1, rel. ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA) do seguinte teor:
“Nos termos da al. g) estão sujeitos a um prazo de prescrição de 5 anos, entre outros, os créditos relativos a “prestações periodicamente renováveis”. Interessa pois determinar o que se deve entender por prestações periodicamente renováveis para efeitos desta norma.
Em função da influência do tempo sobre o seu objecto, é costume distinguir, usando a terminologia de Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 5.ª edição, p. 85 e ss., entre as prestações instantâneas, as prestações duradouras e as prestações fraccionadas ou repartidas.
As prestações instantâneas são aquelas cujo objecto é realizado num único momento, ou seja, o comportamento exigível do devedor esgota-se num só momento (quae único actu perficiuntur). Ao invés, nas prestações duradouras a prestação protela-se no tempo, tendo a duração temporal da relação creditória uma influência decisiva na conformação global da prestação, ou seja, não só o devedor é chamado a efectuar diversos actos para satisfação do direito de crédito do credor, como a extensão desses actos depende decisivamente do factor tempo.
Dentro das obrigações duradouras distinguem-se ainda as prestações de execução continuada, que são aquelas cujo cumprimento é feito continuamente ao longo do tempo, e as prestações reiteradas, periódicas ou com trato sucessivo que são aquelas que se renovam no fim de períodos temporais consecutivos, sendo então aí cumpridas através de uma prestação instantânea correspondente a um desses períodos.
Existem ainda prestações fraccionadas ou repartidas que são aquelas cujo cumprimento se protela no tempo mas em que o facto tempo não tem influência sobre o objecto da prestação mas apenas sobre o modo da sua execução, isto é, o objecto da prestação foi fixado previamente e permanece inalterado ainda que, por acordo das partes, o seu cumprimento deva ser feito ao longo de tempo, em momentos separados dividido em fracções ou parcelas.
Quando a alínea g) do artigo 310.º do Código Civil se refere a prestações periodicamente renováveis está pois a reportar-se às prestações emergentes de obrigações duradouras que se classificam como prestações reiteradas, periódicas ou com trato sucessivo, como é o caso da prestação de pagamento da renda a cargo do arrendatário ou da prestação de pagamento do consumidor de água ou electricidade a cargo do adquirente no contrato de fornecimento desse bens.
As prestações relativas ao pagamento das despesas comuns do condomínio que incumbem ao condómino são prestações periodicamente renováveis?
Numa primeira aproximação, a resposta tende a ser afirmativa. Com efeito, essas despesas são normalmente relativas a encargos com a limpeza e a segurança do prédio, o seguro, a aquisição de água e electricidade para as necessidades e zonas comuns, os contratos de manutenção dos serviços comuns como os elevadores e os equipamentos energéticos. Tais despesas têm como causa bens e serviços utilizados ou produzidos quotidianamente, de forma paulatina mas constante, pelo que não apenas o respectivo custo está associado ao decurso do tempo e dele depende essencialmente, como a obrigação de as suportar se renova no fim de períodos temporais consecutivos, em regra a anuidade, sendo então aí cumpridas através de uma prestação instantânea correspondente a um desses períodos (ainda que o regulamento do condomínio possa estabelecer que o pagamento pelo condómino seja feito, por exemplo, em duas prestações semestrais). Neste sentido se pronunciaram, entre outros, os Acs. TRL de 22.4.2010, rel. Márcia Portela (p.º 5892/04.1YXLSB.L1-6), de 21.6.2011, rel. Amélia Ribeiro (pº 7855/07.6BOER-A.L1-7), da TRC de 14.11.06, rel. Artur Dias (p.º 3948/04.0TBAVR.C1), e da TRP de 27.05.2014, rel. Vieira Cura (pº 4393/11.6TBVLG-A.P1).
Pode suceder que o condomínio delibere a prática de um acto isolado gerador de uma despesa singular, designadamente com uma obra extraordinária de conservação ou reparação. Nessa situação, ainda que a despesa seja objecto de inclusão no orçamento e de repartição pelos condóminos na proporção das respectivas quotas a acrescer às despesas correntes e normais, parece questionável que a obrigação de pagamento dessa despesa singular possa ser classificada como prestação periodicamente renovável. Daí que tal como se entendeu no Acórdão desta Relação de 14.09.2015, relatado por Carlos Gil (proc. n.º 388/11.8TJPRT-A.P1) e com o que se concorda em absoluto, “as despesas de conservação, ainda que impostas legalmente com uma periodicidade mínima, não são necessariamente periódicas pois que, se podem ser fixadas a forfait, para serem cobradas anualmente, na veste das denominadas quotizações de condomínio, podem ter carácter pontual determinado em função do concreto custo das obras em causa e do momento em que se decide efectuar certa obra. Como é sabido, a amplitude das obras de conservação necessárias em cada imóvel varia de acordo com uma multiplicidade de factores…. Daí que, por vezes, as contribuições do condomínio anualmente fixadas e o respectivo fundo comum de reserva não sejam suficientes para custear as obras de conservação necessárias em certo momento. (…) quando as obras de conservação têm carácter pontual e são adrede custeadas pelos condóminos e não a forfait, não é o tempo, o seu decurso que determina o custo de tais obras, mas sim as diversas vicissitudes relevantes para a sua concreta valorização…”.
Resulta assim justificado que as prestações para pagamento das despesas comuns do condomínio podem ou não ser prestações periodicamente renováveis. Se o forem, em princípio estão sujeitas ao prazo de prescrição de cinco anos. Caso contrário, o prazo de prescrição da dívida é o prazo ordinário de vinte anos.
Tendo a execução sido instaurada em 04.10.2013 e estando incluídas na quantia exequenda dividas que se venceram mais de cinco anos antes de 09.10.2013 (cf. artigo 323.º, n.º 2, do CC), aquela distinção carecia de ser concretizada. Porém, pelas razões que se explicam de seguida, isso não se mostra necessário para decidir a excepção.
Vejamos porquê.
Sob a epígrafe “direitos reconhecidos em sentença ou título executivo”, o artigo 311.º do Código Civil, que sucede aos preceitos que fixam os prazos de prescrição ordinária (309.º) e de cinco anos (310.º), estatui o seguinte no seu n.º 1:“O direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo”.
Resulta deste preceito que se após a constituição da dívida (e, julgamos dever acrescentar, dentro do prazo de prescrição de cinco anos já que se a prescrição se completar antes de o crédito passar a estar sujeito ao prazo ordinário o efeito da prescrição permanece intocado) esta for reconhecida por sentença transitada em julgado ou estiver titulada em documento com valor de título executivo, o direito de crédito passa a estar sujeito ao prazo ordinário de prescrição (…)”.
E, em conformidade, concluiu-se no referido aresto de 04-02-2016 que: “Em regra, as prestações do condómino para pagamento das despesas comuns do condomínio serão prestações periodicamente renováveis, sujeitas ao prazo de prescrição de cinco anos, mas isso não será assim quando se tratar de uma despesa singular gerada por um acto isolado, designadamente uma obra extraordinária de conservação ou reparação do edifício.  Se após a constituição da dívida sujeita a prazo de prescrição de cinco anos, esta for reconhecida por sentença transitada em julgado ou estiver titulada em documento com valor de título executivo, o direito de crédito passa a estar sujeito ao prazo ordinário de prescrição.”.
De igual modo, no Acórdão do TRP de 17-06-2021 (Pº 627/14.3TBVNG-B.P1, rel. JUDITE PIRES) concluiu-se que: “É de vinte anos o prazo prescricional quanto ao direito de crédito [fundado numa acta de assembleia de condóminos] que esteja a ser exercido por via de acção executiva”.
Revertendo estas considerações para o caso dos autos, verifica-se que o direito de crédito está a ser exercido por via de acção executiva, o que sucede em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-lei nº 268/94, de 25 de Outubro: “A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo”.
As actas apresentadas – acta 4 de 20-02-2010, acta 13 de 19-03-2016, acta 9 de 06-04-2013, acta 14 de 04-02-2017 e acta 16 de 03-03-2018 – no que concerne às quotas ordinárias, revelam a deliberação de aprovação do orçamento para o ano seguinte, bem como, a enunciação do montante devido pela executada: € 22,00 euros de quota mensal ordinária, conforme referido na acta n.º 4, a ser paga até ao dia 15 do mês respetivo (cfr. artigo 8.º, n.º 5, do Regulamento do Condomínio); € 10,28 de quota mensal ordinária; e, € 1,03 de contribuição mensal para o Fundo Comum de Reserva, conforme referido na acta n.º 13 (de 19-03-2016).
Ora, considerando a sua natureza de prestações periodicamente renováveis, pode concluir-se que a obrigação do condómino de pagar as despesas normais atinentes à manutenção e conservação do imóvel, despesas essas necessárias para a conservação e fruição das partes comuns do condomínio, reconduzíveis a quotizações ordinárias (aqui se incluindo as atinentes a contribuições para o Fundo Comum de Reserva), resultantes da aprovação do orçamento anual de receitas/despesas do condomínio, repartidas pelos condóminos, porque se renovam anualmente enquanto durar o condomínio, prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da alínea g) do artigo 310.º do CC.
Todavia, discorda o apelante da decisão recorrida, na parte em que, considerou interrompido o prazo de prescrição, através da citação e declarou prescritas todas as quotas de condomínio devidas em data anterior a 16-11-2016, tendo invocado o seguinte:
“21- Nos termos do art.º 323.º, n.º 1, do CC, “[a] prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”.
22- No entanto, o n.º 2 do mencionado artigo acolhe uma salvaguarda, para as situações em que tal citação não ocorra dentro dos 5 (cinco) dias após ter sido requerida por causa não imputável ao requerente.
23- Dessarte, dispõe o n.º 2 do art.º 323.º do CC, o seguinte: “[s]e a citação ou notificação se não fizer dentro do prazo de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias”.
24- Na hipótese sub judice, o ora Apelante espoletou uma ação executiva para pagamento de quantia certa, que, nos termos do art.º 550.º, n.º 2, do CC, segue - como seguiu - a forma sumária.
25- Ora, na execução que, in casu, foi instaurada, a citação, nos termos da lei, não ocorre - como não ocorreu - como ato imediato à instauração, porquanto por opção legislativa a penhora precede - como precedeu - essa citação, recaindo, para tanto, sobre o AE a competência para efetuar todas as diligências do processo de execução, mormente a penhora.
26- Daí que, em ação executiva para pagamento de quantia certa que siga a forma sumária, a interrupção do prazo não se dá com a citação (nos termos do n.º 1 do art.º 323.º do CC),
27- Mas sim nos termos do n.º 2 do mencionado artigo: 5 dias após a instauração da ação executiva.
28- Cremos, aliás, que este entendimento é consensual,
29- Sendo de estranhar a posição do tribunal a quo, a respeito.
30- Veja-se, por exemplo, o decidido por esta Instância, no acórdão de 03.03.2020, no proc. n.º 2747/08.4TBOER-C.L1-7: “I - A ação executiva foi intentada em 24/04/2008 pelo que ocorreu a interrupção da prescrição no quinto dia subsequente à instauração da execução (...). A citação da executada para além de três anos sobre a data de vencimento da livrança deveu-se a razões de natureza processual atinentes ao regime da ação executiva, em que a penhora precede a citação não havendo que imputar tal demora à exequente”.
31- Um raciocínio análogo sobressaí do Ac. do TRG, de 18.03.2021, no proc. n.º 259/14.6TBBRG-B.G1, onde se lê:”[a]plica-se o regime de interrupção da prescrição do n.º 2 do art. 323.º do C. Civil às ações executivas para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo sumária, prevista nos atuais art.ºs 550º/2-a) a d) e art.ºs 855º ss do C.P. Civil de 2013”.
32- Veja-se, ainda, o Aresto de 22.04.2021, do TRG, no proc. n.º 216/20.3T8GMR- A.G1,
33- Mas também o recente Ac. TRP, de 07.03.2022, no proc. n.º 16711/05.1YYPRT- A.P1, donde se retira o seguinte: “(...) interposta execução em que o executado não é citado nos cinco dias posteriores à sua instauração, porque a tramitação processual prevê que a citação seja posterior à penhora, beneficia o exequente da interrupção do prazo prescricional previsto no artigo 323º nº 2 do CC decorridos que sejam esses cinco dias, pois que lhe não é imputável a não citação em tal caso”.
34- Tendo a ação sido instaurada a 22.06.2018, afigura-se-nos interrompido o prazo de prescrição no dia 27.06.2018.
35- Como tal, apenas estarão prescritas as quotas condominiais devidas em data anterior a 27.06.2013,
36- E não, conforme optou o juiz a quo, a 16.11.2018.”.
Vejamos:
Nos termos do artigo 323.º., n.º 1, do CC, a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial, de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o Tribunal seja incompetente.
Se a citação ou notificação se não fizer dentro de 5 dias depois de requerida, por causa não imputável ao requerente, a prescrição tem-se por interrompida logo que decorram os 5 dias (cfr. artigo 323.º, n.º 2, do CC).
À citação ou notificação é equiparado qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento acto àquele contra quem o direito pode ser exercido (cfr. artigo 323.º, n.º 4, do CC).
A prescrição será ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, feito perante o respectivo titular, por aquele contra quem o direito pode ser exercido (cfr. artigo 325.º, n.º 1, do CC).
Nos termos do artigo 325.º, n.º 2, do CC, “o reconhecimento tácito só é relevante quando resulte de factos que inequivocamente o exprimam”.
Conforme resulta do disposto no artigo 326.º do CC, a interrupção é o efeito produzido por determinado facto que destrói e inutiliza um prazo em curso, determinando que o mesmo volte a correr de novo e por inteiro.
A interrupção da prescrição distingue-se da suspensão da prescrição. A suspensão determina uma “paragem” no decurso do prazo que, quando cessa, retoma o seu curso, no exacto momento em que ocorreu, permitindo o aproveitamento do prazo anterior que tenha decorrido antes da suspensão. Já “a interrupção inutiliza todo o prazo anterior, obrigando a uma nova contagem a partir do zero” (assim, Menezes Cordeiro; Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo IV, Almedina, 2005, p. 195).
No caso dos autos, entende o apelante – convocando os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de Guimarães e do Porto que mencionou - que, tendo desencadeado a presente ação executiva para pagamento de quantia certa que, nos termos do artigo 550.º, n.º 2, do CPC, segue a forma sumária – e em que a penhora precede a citação – a interrupção do prazo prescricional não se dá com a citação, nos termos do n.º 1 do artigo 323.º do CC, mas sim, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, ocorrendo a interrupção 5 dias após a instauração da ação executiva.
Ora, conforme se evidenciou, com inteiro acerto no Acórdão do TRP de 27-05-2014 (Pº 4393/11.6TBVLG-A.P1, rel. VIEIRA E CUNHA): “Na exegese do disposto no artº 323º nº2 CCiv, entende-se que as razões de índole processual ou de organização judiciária irrelevam para a imputação de responsabilidade no atraso da citação ao requerente; tal é o caso de a citação se ver delongada pela necessária precedência da penhora.
E, na fundamentação deste aresto expendeu-se que:
“Nos termos do art.º 323º nº2 CCiv, se a citação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias. Ou seja: só se atende ao momento da citação se a culpa da demora superior a cinco dias for de atribuir ao requerente (Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, Anotado, I – 3ª ed., pg. 289) – quaisquer outros factores, designadamente que sejam de imputar aos necessários trâmites processuais, não relevam para um juízo de responsabilidade do requerente no facto de a citação não ser feita em cinco dias.
A petição deu entrada em juízo 3 meses antes do termo final do prazo de prescrição (5 anos a contar de 23/3/07) – a citação foi antecedida de penhora, mas a demora do referido trâmite processual irreleva para um juízo de responsabilidade do requerente da citação. Ou seja, como se pronunciou o Ac. STJ, rel. César Marques, as razões de índole processual ou de organização judiciária irrelevam para a imputação de responsabilidade no atraso da citação ao requerente. Tal é o caso, por exemplo, de a citação se ver delongada pela necessária precedência da penhora – cf., nesse sentido, Ac.R.L. 13/1/09, pº 9584/2008-1, rel. Rijo Ferreira. E assim se conclui, apodicticamente, que, mesmo considerando o prazo de prescrição de cinco anos, a interrupção da prescrição, por aplicação do disposto no art.º 323º nºs 1 e 2 CC, se verificara já em momento anterior ao da efectiva citação dos Oponentes e sem que se mostrasse decorrido o citado prazo de prescrição do direito”.
Nesta mesma linha, se posicionaram, entre outras, as seguintes decisões:
- Acórdão do TRG de 22-11-2018 (Pº 2504/13.6TJVNF-A.G1, rel. MARGARIDA FERNANDES): “Numa acção executiva, em que a penhora precede a citação, com pluralidade de executados, não é imputável ao exequente a citação pelo agente de execução dos executados embargantes quase três anos após a entrada da mesma ainda que a primeira penhora tenha ocorrido cerca de dois meses após esta data”;
- Acórdão do TRL de 03-03-2020 (Pº 2747/08.4TBOER-C.L1-7, rel. LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA): “A ação executiva foi intentada em 24.4.2008 pelo que ocorreu a interrupção da prescrição no quinto dia subsequente à instauração da execução porquanto, de acordo com a lei aplicável então e com a factualidade provada, não ocorreu qualquer conduta processual da exequente que tenha determinado o atraso na citação da embargante/executada. A citação da executada para além de três anos sobre a data de vencimento da livrança deveu-se a razões de natureza processual atinentes ao regime da ação executiva, em que a penhora precede a citação, não havendo que imputar tal demora à exequente. A interpretação referida em I, decorrente dos Artigos 323º, nº2 e 327º, nº1, do Código Civil, não viola os princípios da confiança e da segurança jurídica porquanto trata-se de solução normativa estabilizada desde a entrada em vigor do Código Civil, a qual não sofreu alteração legislativa nem é objeto de dissídio jurisprudencial, sendo que do atraso na realização da citação, por via do regime próprio da ação executiva, não pode derivar uma expectativa legítima do executado de que já não terá de arcar com a sua responsabilidade patrimonial”;
- Acórdão do TRG de 18-03-2021 (Pº 259/14.6TBBRG-B.G1, rel. ALEXANDRA MARIA VIANA PARENTE LOPES): “1. Aplica-se o regime de interrupção da prescrição do nº2 do art.323º do C. Civil às ações executivas para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo sumária, prevista nos atuais arts.550º/2-a) a d) e arts.855º ss do C. P. Civil de 2013, aprovado pela Lei nº41/2013, de 26.06.
1.1. O regime da interrupção da prescrição promovida pelo titular do direito, regulada no art.323º do C. Civil, na versão introduzida pelo DL nº47244, de 25.11.1966, aplicável a qualquer processo judicial nos termos do seu nº1, acautela, sobretudo, a inércia do titular, uma vez que, se as previsões dos seus nº1 e nº4 compatibilizam o direito geral do credor exigir o seu direito ao obrigado (acompanhado do dever de o fazer, para a interrupção do prazo de prescrição, através de ato judicial que, direta ou indiretamente, exprima a sua intenção de o exercer e antes de terminado o prazo de prescrição de que o obrigado beneficia) e do direito geral do devedor conhecer que aquele lhe exige o cumprimento da sua obrigação, as previsões do nº2 e do nº3 valorizam a iniciativa judicial do credor, em detrimento do conhecimento efetivo ou do conhecimento perfeito pelo devedor do direito contra si exercido, para efeitos da operância dos efeitos interruptivos, quando não é possível compatibilizar o exercício do direito e o conhecimento em 5 dias ou quando a citação ou a notificação são anuladas.
1.2. Desde a aprovação do regime do art.323º do C. Civil de 1966 encontram-se em vigor regimes processuais civis em que a citação não corresponde ao primeiro ato do processo (quer na redação inicial do Código de Processo Civil de 1961, aprovado pelo Decreto -Lei nº44129, de 28.12.1961, quer nas suas revisões posteriores e na redação do atual Código de Processo Civil de 2013, aprovado pela Lei nº41/2013, de 26.06, em que se alargaram os processos sem citação prévia), sem que estas ações tenham sido excluídas da operância dos efeitos ope legis do art.323º/2 do C. Civil, na redação inicial ou em alteração posterior.
2. Não é imputável ao credor, objetiva ou subjetivamente, de forma a afastar a aplicação do nº 2 do art.º 323º do C. Civil:
a) A organização judiciária e a existência de uma forma do processo em que a citação seja posterior à penhora; os erros ou as faltas de operadores judiciários (nomeadamente, a falta de cumprimento pelo agente de execução das notificações do art.750º/1, ex vi do 855º/4 do C. P. Civil).
b) As omissões pelo exequente, aquando e após instaurar ação executiva para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo sumária: da nomeação dos bens à penhora no seu requerimento executivo inicial, uma vez que a previsão do art.724º/1-i) do C. P. Civil não é obrigatória; de pedir a citação urgente do executado, nos termos do art.561º do C. P. Civil, ex vi do art.551º/1 do C.P. Civil, quer na data da propositura da ação de 08.02.2014 (em que faltava um prazo superior a 2 anos e 10 meses para a obrigação cambiária prescrever, nos termos do art.º 70º, ex vi do art.77º da LULL), quer após a interrupção do prazo prescricional, nos termos do art.323º/2 do C. Civil; de pedir a notificação do art.855º/4, em referência ao art.750º/1 do C. C. Civil, de competência do agente de execução, quando este omitiu esse cumprimento, sem notificação do exequente do estado do processo.
3. Depois da interrupção do prazo prescricional numa ação executiva para pagamento de quantia certa, nos termos do nº2 do art.323º do C. Civil, operam os efeitos dos arts.326º e 327º do C. Civil, por se tratar de uma interrupção ocorrida num processo judicial que exige decisão final (…)”;
Acórdão do TRL de 08-02-2022 (Pº 10858/16.6T8LRS-A.L1-7, rel. DINA MONTEIRO): “Nas ações executivas que têm como título executivo uma livrança em branco e que, atento o seu valor, seguem a forma sumária, não há lugar à citação prévia, devendo o requerimento executivo ser desde logo enviado ao Senhor Agente de Execução, como decorre do disposto nos artigos 855.º/ss do CPC Revisto. Nestes casos, em que o valor da ação condiciona o formalismo processual seguido, tem-se entendido que os prazos de prescrição que se encontrassem a correr termos, sempre ficariam suspensos cinco dias após a data da entrada da ação em Tribunal, em paralelismo com a interrupção que se verifica quando a ação se inicia pela citação”;
- Acórdão do TRP de 07-03-2022 (Pº 16711/05.1YYPRT-A.P1, rel. FÁTIMA ANDRADE): “Conforme é entendimento consensual, interposta execução em que o executado não é citado nos cinco dias posteriores à sua instauração, porque a tramitação processual prevê que a citação seja posterior à penhora, beneficia o exequente da interrupção do prazo prescricional previsto no artigo 323º nº 2 do CC decorridos que sejam esses cinco dias, pois que lhe não é imputável a não citação em tal caso”;
- Acórdão do TRC de 13-09-2022 (Pº 231/22.2T8LRA-A.C1, rel. HELENA MELO): “A lei pretendeu com a citação/notificação ficta, prevista no n.º 2 do art.º 323.º do CCiv., evitar que as vicissitudes posteriores à entrada do processo e não imputáveis à parte impeçam a produção dos efeitos interruptivos, uma vez que os efeitos da interrupção, pelo seu grande relevo, não podiam ficar dependentes de atos que escapam ao controlo do requerente. A interrupção verifica-se também na execução, ainda que esta se inicie com a penhora dos bens e só após haja lugar à notificação do executado”.
É, pois, de concluir que 5 dias após a instauração da execução o prazo prescricional se teve por interrompido, em 27-06-2018, independentemente de a citação da executada apenas ter tido lugar após a efetivação da penhora.
Nessa data, encontravam-se prescritas as quotas ordinárias devidas em data anterior a 27-06-2013.
Assim, atenta a invocação da prescrição pela embargante, são de considerar prescritas as quotas ordinárias peticionadas pelo exequente, correspondentes aos meses de Janeiro de 2012 a Junho de 2013 (no valor parcelar de € 396,00 ou seja: € 22,00 x 18 meses). “E o mesmo se diga relativamente aos respectivos juros de mora e penalização associada, ao abrigo do disposto na alínea d) do artigo 310.º do Código Civil”.
Já não nos parece que assim suceda relativamente às quotas extra cujo pagamento é peticionado.
Tratam-se de valores atinentes a quotas extra deliberadas pela assembleia de condóminos do embargado e constantes das actas dadas à execução: € 9,44 de quota extra mensal para o pagamento do seguro multirriscos, aprovada na acta de 19-03-2016; € 51,06 de quota extra mensal para obras aprovada na acta de 19-03-2016; € 108,00, de quota extra para pagamento de seguro, aprovada em 06-04-2013 (acta 9); € 264,00 de quota extra para obras na fachada, aprovada em 06-04-2013 (acta 9), valores que são reiterados e atualizados nas actas n.ºs. 14, de 04-02-2017 (cfr. pontos 2 e 4 de tal acta) e de 03-03-2018 (cfr. pontos 2 e 4).
Na linha das considerações acima expendidas, estas quotas extra não correspondem a prestações periodicamente renováveis: O condomínio deliberou a prática de um acto isolado gerador de uma despesa singular, o que é patente no que se reporta às obras deliberadas, mas também, no que se refere ao pagamento do seguro, que, claramente, o condomínio entender autonomizar do valor da quota ordinária estipulada, fixando o valor respetivo a forfait.
Nessa medida, pode afirmar-se que o direito de crédito em execução, no que concerne às quotas extra está titulado por documento com valor de título executivo e que este título é superveniente à constituição e vencimento da dívida, cumprindo assim a exigência do artigo 311º do Código Civil para que o respectivo prazo de prescrição passe a ser o ordinário.
Em conformidade com o exposto, no que às quotas extra referentes a pagamento de obras e de seguro multirriscos deliberadas pela assembleia de condóminos do embargado, a obrigação correspondente, porque não se renova anualmente, prescreverá em 20 anos, por estarem tituladas por documento com valor de título executivo, nos termos do artigo 311.º do CC (o que sucede, porque à execução foram dadas actas de reunião de assembleia de condóminos que, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-lei nº 268/94, de 25 de Outubro, deliberaram sobre o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio e que respeitem a tal dívida), prazo esse que, na data em que a execução foi instaurada, ainda não tinha decorrido integralmente.
E, consequentemente, haverá de considerar que a obrigação atinente às quotizações extraordinárias, deliberadas na assembleia de condóminos que ocorreu a 06-04-2013 não se encontra prescrita.
*
B) Se a execução deve prosseguir para obtenção da quantia de € 1.000,00, atinente a despesas com honorários de mandatário, sendo aplicável a redação do artigo 6.º do DL n.º 268/94, de 25 de outubro, dada pela Lei n.º 8/2022, de 10 de janeiro?
Invocou o apelante, ainda, que:
“55- Ora, dispõe o art.º 6.º do DL n.º 268/94, de 25 de outubro, que a ata da assembleia de condóminos constituí título executivo contra o proprietário que deixar de pagar as contribuição devidas ao condomínio.
56- Por seu turno, nos termos do n.º 3, “[c]onsideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio”.
57- Ou seja, não só o legislador retirou do n.º 1 do art.º 6.º as expressões “despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum”, que importava uma clara relação com o art.º 1424.º do CC,
58- Como veio deixar claro que as sanções se consideram abrangidas pelo título.
59- Aliás, ainda antes da nova redação do art.º 6.º do DL n.º 268/94, já havia quem considerasse que a ata constituía título executivo relativamente às penas aplicadas pela assembleia de condóminos.
60- Assim, SANDRA PASSINHAS, na sua tese de Mestrado, A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, 2.a ed., Coimbra, Almedina, p.272 a 275.
61- Mais recentemente, a civilista voltou a defender o mesmo entendimento, embora a propósito de uma outra questão.
62- Lê-se então: [s]e a assembleia proíbe a circulação de animais à solta nas partes comuns de um edifício, e um dos condóminos pura e simplesmente não respeita a proibição, quid iuris? Nos termos do artigo 1434.º, a assembleia de condóminos pode fixar penas pecuniárias para a inobservância das suas deliberações e das decisões do administrador, sendo que a ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das penas constitui título executivo contra o proprietário, nos termos do artigo 6.º, do DL 268/94, de 25 de Outubro”. - SANDRA PASSINHAS, «Os animais e o regime português da propriedade horizontal», Revista da Ordem dos Advogados, Ano 66, vol. II (2006).
63- ABÍLIO NETO, Manual da Propriedade Horizontal, 4.a ed., refr., Lisboa, Ediforum, 2015, também defendia a exequibilidade dos valores atinentes às penalidades, nos seguintes termos: “a eficácia executiva da deliberação exarada em acta inclui não só (a) as despesas necessárias à conservação e à fruição das partes comuns do edifício, (b) o pagamento de serviços de interesse comum, (c) as contribuições devidas para o fundo comum de reserva, (d) o pagamento do prémio de seguro contra o risco de incêndio, (e) os encargos com inovações, salvo se se verificarem os requisitos de isenção fixados no art.º 1426 º, (f) as penas pecuniárias relevantemente estabelecidas nos termos do art.º 1434º contando que haja, se necessário, deliberação da assembleia de condóminos a determinar a aplicação da penalidade”.
64- É certo que a deliberação da assembleia de condóminos que faz repercutir na esfera do condómino-incumpridor as despesas de contencioso, mormente com honorários de mandatário que o condomínio venha a constituir, não configura concretamente uma sanção pecuniária.
65- Também não é menos verdade que, nos termos em que vêm sendo entendidos pela Jurisprudência, estas quantias não configuram “despesas com serviços de interesse comum”.
66- Todavia, o legislador deixou cair, como acima se mencionou, e no âmbito do art.º 6.º, a referência às despesas a que alude o artigo 1424.º do CC,
67- Parecendo ter querido, propositadamente, aumentar o universo das despesas que se incluem na expressão “contribuições”.
68- Tanto mais que, no âmbito dessa expressão, incluiu as sanções pecuniárias, por via do atual n.º 3 do art.º 6.º.
69- Como ensina Karl Larenz, a interpretação consubstancia-se numa atividade intelectual que procura extrair de uma fonte do direito o sentido normativo que possibilite a resolução de um caso concreto - KARL LARENZ, Metodologia de la Ciencia del Derecho (trd. Marcelino Rodríguez Molimero), Barcelona, Editorial Ariel, 1976, pp. 308 a 312.
70-Santos Justo aponta, a este propósito, que “[t]oda a 'fonte' carece de interpretação que revelará o seu sentido. [a]demais, um texto comporta geralmente múltiplos significados, pode conter expressões ambíguas e obscuras e até atraiçoar o seu autor” - A. SANTOS JUSTO, Introdução do Estudo do Direito, 5.a ed., Coimbra, Coimbra Editora,2011, p. 321. 
71- São vários os fatores hermenêuticos que o interprete se deve socorrer para interpretar uma norma jurídica.
72- Não obstante, sabemos, pois, que a interpretação jurídica não se deve cingir a um dos elementos de interpretação, antes sim utilizar de forma harmónica todos os fatores hermenêuticos, como nos diz CABRAL DE MONCADA, Lições de Direito Civil, I, Coimbra, Atlântica Livraria Editora, 1959, p. 163.
73- Nos termos do art.º 9.º do CC, a interpretação deverá cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada; não pode ser considerado pelo intérprete um pensamento que não tenha o mínimo de correspondência com a letra da lei; o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas.
74- Atentando na letra do art.º 6.º, parece ser possível concluir que o legislador não quis deixar de fora qualquer tipo de valor que os condóminos ou alguns deles devessem entregar ao acervo comum,
75- Sejam, elas, despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e aos serviços de interesse comum, ou não sejam. Como escreve SANTOS JUSTO, embora o ponto de partida seja a lei, este elemento [literal] é frágil, “[p]or isso, o elemento literal é o menos importante e raramente dispensa o recurso aos elementos lógicos, a cujo resultado devemos, em homenagem ao espírito da lei, dar preferência se conflituar com o sentido literal” - SANTOS JUSTO, op. cit., p. 336.
78- O elemento histórico remete o intérprete para os trabalhos preparatórios da lei, para os precedentes normativos (como sejam a regulamentação anterior, o direito comparado, etc.), e para a occasio legis.
79- Ora, como se sabe, a figura da propriedade horizontal remonta às Ordenações Filipinas.
80- Previam elas que “[s]e uma casa for de dois senhorios de maneira que de um deles seja o sótão e de outro o sobrado, não poderá aquele, cujo for o sobrado, fazer janela sobre o portal daquele cujo for o sótão, ou loja, nem outro edifício algum”.
81- No CC de 1867, a figura não passou despercebida (art.º 2335.º).
82- Dispunha assim: “[s]e os diversos andares de um edifício pertencerem a diversos proprietários, e o modo de reparação e concerto se não achar regulado nos seus respectivos títulos, observar-se-á o seguinte: § 1.º - [a]s paredes comuns e os tectos serão reparados por todos, em proporção do valor que pertence a cada um; § 2.º - [o] proprietário de cada andar pagará a despesa de concerto do seu pavimento e forro; § 3.º - [o] proprietário do primeiro andar pagará a despesa da escada de que se serve, o proprietário do segundo da parte da escada de que igualmente se serve, a partir do patamar do primeiro andar, e assim por diante”.
83- As guerras, o êxodo rural que determinou grande concentração de massas em torno das cidades, tornaram patente o problema da escassez das habitações, levando a que a imputação dos custos de manutenção se tornasse insuficiente.
84- É precisamente neste contexto que surge a primeira referência à figura da assembleia de condóminos e ao DL n.º 40333, de 14 de outubro de 1955. 
85- Como resulta do seu preâmbulo, o diploma “corresponde, sem dúvida, a uma necessidade dos tempos modernos”.
86- Nesse contexto, o próprio preâmbulo dispunha que, não obstante o diploma, nada obstava a que os comproprietários procurassem definir regulamentações especiais, mormente no que diz respeito às obrigações daqueloutros.
87- Do diploma resultava no seu art.º 23.º que “[a] acta da sessão que tiver deliberado quaisquer despesas constituirá título executivo, nos termos do artigo 46.º do Código do Processo Civil, contra o proprietário que deixar de entregar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte, à qual acrescerão os juros legais de mora”.
88- Por seu turno, o art.º 29.º, § 2, 2.a parte, que “[a] assembleia pode (...) fixar penas pecuniárias para a inobservância deste decreto-lei ou das decisões da assembleia ou do administrador”.
89- Entretanto, entrou em vigor o DL 268/94, de 25 de outubro, que teve como ensejo “procurar soluções que tornem mais eficaz o regime da propriedade horizontal, facilitando simultaneamente o decorrer das relações entre condóminos e terceiros” [preâmbulo].
90- Aliás, tal desiderato também resulta expressamente do comunicado do Conselho de Ministros de 28/07/1994, que aprovou o DL em questão: o diploma tem como objetivo “criar soluções para resolver situações de impasse na administração dos condóminos e tornar mais claro e mais simples o exercício dessas funções” (disponível em https://www.historico.portugal.gov.pt).
Houve clara intenção do legislador em simplificar, agilizar, facilitar o exercício das funções da assembleia e do administrador e em fazer cumprir as decisões dos órgãos.92- à data, e no que toca a incumprimentos, o legislador havia ficado a “meio caminho”, no que ao direito estrangeiro diz respeito. Veja-se, por exemplo, o caso alemão. O § 18 do Wohnungseigentumsgesetz estabelece que na hipótese de o condómino violar intensamente os seus deveres, os restantes condóminos podem exigir que aqueloutro aliene a sua fração, sendo que uma das causas de violação intensa dos deveres é precisamente o não pagamento de despesas ao condomínio. Em Espanha, temos que o art.º 21.º da LPH (Ley de Propriedade Horizontal), permite o recurso ao procedimento de injunção para cobrança das quotas condominiais, das despesas atinentes aos honorários do advogado que patrocina o condomínio e, ainda, às respetivas custas judiciais. Em França, em caso de dívida, o condomínio pode exigir do condómino incumpridor as quotas condominiais vencidas e vincendas até ao final do ano em curso, dando lugar ao procedimento de injunção (art.º 60.º do Décrét 67-223) na falta de pagamento, podendo o tribunal ordenar a penhora dos bens do devedor e, em última instância, a venda da fração autónoma (art.º 19, 19-1 e 19-2 do Décrét), sendo que o condómino incumpridor responde pelas despesas com advogados e com as custas judiciais.
o elemento histórico aponta para o legislador ter querido facilitar e simplificar o exercício das várias funções inerentes ao funcionamento do condomínio, assim como procurar soluções que tornem mais eficaz o regime da propriedade horizontal, nomeadamente no que diz respeito à cobrança de dívidas. Aliás, a Lei n.º 8/2022 surgiu com o mesmíssimo intuito.
99- Como muito bem explica CLAUS WILHELM CANARIS, o fundamento do elemento sistemático de interpretação reside na ideia de que a ordem jurídica tem unidade e coerência, pelo que uma norma haverá sempre que ser interpretada no quadro normativo afim ou paralelo. - CLAUS WILHELM CANARIS, Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência Jurídica (trad. Menezes Cordeiro), Lisboa, Fundação C. Gulbenkian, 1996, pp. 157 a 166.
100- Ora, dispõe o art.º 703.º, n.º 1, al. d), do CPC que à execução podem servir de base os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.
101- Não olvidamos, pois, que essas disposições especiais configuram, tal como o preceito indica, normais excecionais, o que significa não ser possível o recurso à analogia.
102- Nada obsta, porém, a uma interpretação extensiva do preceito,
103- O que vem sendo feito quer pela doutrina, quer pela Jurisprudência, relativamente a outras situações.
105- Por exemplo, no âmbito do NRAU.
106- Ora, o NRAU, no seu art.º 14.º-A, permite ao senhorio executar o arrendatário por rendas, encargos, ou outras despesas que corram por conta deste último.
107- O conceito de penalidades/indemnização não cabe, literalmente, no preceito de renda, no preceito de encargo, nem no preceito de despesa.
108- Todavia, apesar do abismo Jurisprudencial, vem sendo aceite, de forma maioritária, a hipótese de o senhorio executar o arrendatário pela indemnização prevista no art.º 1041.º. 
109- Justificam os decisores que a indemnização cabe, por recurso à interpretação extensiva, no conceito de renda, e que, querendo o NRAU alargar a eficácia executiva conferida aos atos promovidos pelo senhorio, para evitar o recurso à ação declarativa, seria contrário ao preceito permitir a cobrança coerciva das rendas, e simultaneamente exigir ao senhorio o recurso à ação declarativa para obter um título executivo sobre valores sucedâneos com os que permitem o recurso à ação executiva.
110- O que nos leva, necessariamente, para o elemento teleológico/racional. A possibilidade de aplicação de penalidades pela assembleia de condóminos decorre da lei. Considerando que as despesas do condomínio não se cingem unicamente às previstas no art.º 1424.º do Código Civil. Pelo menos, na definição que vem sendo adotada pela doutrina e pela Jurisprudência. Que sentido faria o legislador permitir o recurso à ação executiva para a cobrança das contribuições devidas, encontrando-se abrangidas no âmbito dessa expressão as sanções pecuniárias, e exigir ao condomínio que percorra o caminho de uma ação declarativa para cobrar esta despesa em concreto, dependente e sucedânea do incumprimento do condómino? A nosso ver, esta possibilidade afronta a ratio do preceito do art.º 6.ºPor outro lado, nada se ganha com o multiplicar da litigância. No mais, o objetivo do legislador foi, outrossim, olvidar a que o condomínio percorresse todos os trâmites de uma ação declarativa de cada vez que um qualquer condómino não pagasse o devido. Deixar de forma este género de despesas significaria exatamente o contrário, pois que obrigaria o condomínio a intentar uma ação executiva e uma ação declarativa. De outra sorte, não deixar de fora estas despesas, isso sim, garante o fim pretendido pelo DL de 94: a eficácia da gestão do condomínio.
122- Aceitar o multiplicar de ações é desencorajar o condomínio de intentar qualquer ação contra os condóminos, atenta a circunstância de que, por norma, os valores das quotas condominiais são diminutos.
123- Motivo pelo qual pugnamos pela interpretação extensiva do preceito do ar. 6.º: cabe no âmbito da expressão “contribuição devidas ao condómino”, as despesas de contencioso, mormente honorários de mandatário que patrocine o condomínio, com vista a obter a cobrança das comparticipações devidas, fazendo-as, assim, repercutir na esfera do condómino faltoso.
125- Ora, não abranger estas despesas no preceito do art.º 6.º traduz, no resultado, uma injustificada atomização dos meios processuais para exigir do condómino relapso o cumprimento de obrigações nuclearmente interligadas,
126- Carreando consigo uma solução injusta, e, por isso, contrária à hermenêutica jurídica (n.º 3 do art.º 9.º do CC).
127- Nesse sentido, sufragamos o entendimento de que o ora Apelante dispõe de título executivo para obter a quantia de 1.000,00”.
Recorde-se que, no requerimento executivo, o recorrente consignou o seguinte:
“(…) 20. Deverá, a executada, liquidar o capital e os juros vencidos e os vincendos até integral pagamento, bem como suportar as despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo honorários de solicitador de execução e de advogado, acrescidos de IVA se a ele houver lugar, no valor previsível de € 1.000,00 (mil euros) (acta nº 16) e regulamento de condomínio”.
Na decisão recorrida concluiu-se, sobre o montante relativo a honorários e despesas judiciais (€1.000,00 mil euros) que o mesmo “não é devido por se considerar que não se encontra abrangido no título executivo”.
Vejamos:
A propriedade horizontal constitui uma forma especial de propriedade referente a edifícios constituídos por frações autónomas e por partes comuns, em que cada condómino é proprietário de uma ou mais fracções e comproprietário das partes comuns (cfr. artigos 1415.º, 1420º, n.º 1 e 1421.º do CC).
Nos termos do artigo 1430º, n.º 1 do CC, a administração das partes comuns do edifício compete à assembleia de condóminos (1431º do CC) e a um administrador, e o citado artigo 6.º do DL n.º 268/94, de 25 de outubro, atribui a natureza de título executivo às atas de tais assembleias, relativamente aos créditos relativos a “contribuições devidas ao condomínio” ou a “quaisquer despesas necessárias à conservação ou fruição das partes comuns”.
O preceito remete o intérprete para o disposto no artigo 1424.º do CC, que tem por epígrafe “Encargos de conservação e fruição”, e que no seu nº 1 estabelece que “salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções”.
Da conjugação destes dois preceitos resulta, de forma clara, que a acta da assembleia de condóminos não constitui título quanto a todos e quaisquer créditos de que o condomínio seja titular, mas apenas no que respeita àqueles a que se reporta o artigo 1424.º, n.º 1 do CC, ou seja, os que tenham que ver com o pagamento de despesas de conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum.
Neste âmbito tem sido debatida na doutrina e na jurisprudência a questão de saber se a acta da assembleia de condóminos constitui título executivo relativamente a créditos provenientes de penas pecuniárias aplicadas pelo condomínio nos termos previstos no artigo 1434º, nº 1 do CC e relativamente a despesas judiciais, incluindo honorários de advogado suportadas pelo condomínio devido a ações judiciais em que litigue contra condóminos.
Sobre a problemática, em sentido afirmativo, considerando que tais rúbricas se mostram incluídas no conceito de “contribuição devida ao condomínio”, pronunciaram-se, entre outros, os seguintes acórdãos (elencados por ordem cronológica crescente):
- TRC de 05-06-2001, Pº 455/2001, rel. HELDER ALMEIDA;
-TRL de 08-07-2007, Pº 9276/2007-7, rel. ARNALDO SILVA;
-TRP de 24-09-2013, Pº 7378/11.9YYPRT-A.P1, rel. MARIA JOÃO AREIAS;
-TRL de 20-02-2014, Pº 8801/09.8TBCSC-A.L1-2, rel. OLINDO GERALDES;
-TRP de 24-02-2015, Pº 6265/13.0YYPRT-A.P1, rel. MARIA AMÁLIA SANTOS;
-TRG de 22-10-2015, Pº 1538/12.2TBBRG-A.G1, rel. JORGE TEIXEIRA;
- TRC de 01-03-2016 (Pº 129/14.8TJCBR-A.C1, rel. FONTE RAMOS);
-TRP de 17-05-2016, Pº 2059/14.4TBGDM-A.P1, rel. JOSÉ CARVALHO;
-TRG de 02-03-2017, Pº 2154/16.5T8VCT-A.G1, rel. JORGE TEIXEIRA;
-TRL de 30-04-2019, Pº 286/18.4T8SNT.L1-7, rel. HIGINA CASTELO;
- TRG de 06-02-2020 (Pº 261/18.9T8AVV-B.G1, rel. RAMOS LOPES);
- TRP de 21-02-2022, Pº 5404/09.0T2AGD-D.P1, rel. PEDRO DAMIÃO E CUNHA;
- STJ de 05-04-2022, Pº 20315/19.3T8SNT-B.L1.S1, rel. ANA PAULA BOULAROT.
Na doutrina, tem o mesmo entendimento Sandra Passinhas (A assembleia de condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal; Almedina, 2.ª ed., 3.ª reimp., 2009, p. 319), dizendo que: “(…) embora, rigorosamente, a pena pecuniária não seja uma “contribuição devida ao condomínio”, esta é a solução mais conforme à vontade do legislador. Não faria sentido que a acta da reunião da assembleia que tivesse deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio servisse de título executivo contra o condómino relapso, e a mesma acta não servisse de título executivo para as penas pecuniárias, aplicadas normalmente para punir os condóminos inadimplentes”.
Em sentido oposto, negando a exequibilidade de tais deliberações, decidiram os seguintes arestos (elencados por ordem cronológica crescente):
- TRG de 08-01-2013, Pº 8630/08.6TBBRG-A.G1, rel. PAULO BARRETO;
- TRC de 21-03-2013, Pº 3513/12.8TBVIS.C1, rel. ALBERTINA PEDROSO
- TRC 04-06-2013, Pº 607/12.3TBFIG-A.C1, rel. ARLINDO OLIVEIRA;
- TRP 16-12-2015, Pº 2812/13.6TBVNG-B.P1, rel. ANA LUCINDA CABRAL;
- TRL de 02-06-2016, Pº 16871-11.2T2SNT-8, rel. OCTÁVIA VIEGAS;
- TRC 07-02-2017, Pº 454/15.0T8CVL.C1, rel. EMÍDIO FRANCISCO SANTOS;
- TRP 07-05-2018, Pº 9990/17.3T8PRT-B.P1, rel. CARLOS QUERIDO;
- TRL 11-12-2018, Pº 2336/14.3T8OER-A.L1-6, rel. EDUARDO PETERSEN SILVA;
- TRL de 22-01-2019, Pº 3450/11.3TBVFX.L1-7, rel. DIOGO RAVARA;
- TRP de 09-03-2020, Pº 2752/19.5T8VLG-A.P1, rel. MANUEL DOMINGOS FERNANDES
- TRP de 20-02-2020, Pº 3975/08.8YYPRT-A.P1, rel. JOÃO VENADE;
- TRP de 08-09-2020, P.º 25411/18.1T8PRT-A.P1, rel. JORGE SEABRA;
- TRG de 10-09-2020, P.º 956/14.6TBVRL-T.G1, rel. SANDRA MELO;
- STJ de 26-01-2021, Pº 956/14.6TBVRL-T.G1.S1, rel. PINTO DE ALMEIDA;
- STJ de 11-03-2021, Pº 5647/17.3T8OER-A.L1.S1, rel. FERNANDO BAPTISTA; e
- TRP de 17-06-2021, Pº 627/14.3TBVNG-B.P1, rel. JUDITE PIRES.
No sentido desta última tese, manifestaram-se Rui Pinto Duarte (Código Civil Anotado, Volume II, coord. Ana Prata, Almedina, 2017, p. 261), Rui Pinto (“A execução de dívidas de condomínio”, in Novos Estudos de Processo Civil, Petrony, 2017, p. 192) e Marco Carvalho Gonçalves (Lições de Processo Civil Executivo, 3.ª ed., pp. 146 e 147).
Parece-nos que uma leitura mais literal do preceito excluía a consideração de título executivo no que se referia ao estabelecimento de penalidades ou sanções pecuniárias para o atraso no cumprimento das obrigações condominiais.
Veja-se, a este respeito, por todos, a argumentação expendida no Acórdão do TRL de 11-07-2019 (Pº 7503/16.3T8FNC-A.L1-7, rel. DIOGO RAVARA):
“(…) Adiantamos que subscrevemos na íntegra a segunda das teses, por nos convencerem os argumentos invocados na sua sustentação, à qual, como já mencionados, tivemos oportunidade de aderir em acórdão proferido há alguns meses. Para tanto, socorremo-nos da fundamentação do já referido ac. RP de 07-05-2018, que acompanhamos na íntegra, a qual, depois de transcrever o art.º 703º do CPC, discorre nos seguintes termos:
“Sublinhámos as palavras “apenas” e “disposição especial”, para enfatizar o princípio da excecionalidade das normas que preveem títulos executivos avulsos em razão do seu caráter restritivo de direitos patrimoniais e mesmo processuais do devedor, como refere Rui Pinto na obra citada […].
Face à apontada característica de excecionalidade, as normas que preveem títulos executivos extrajudiciais têm um âmbito taxativo, não admitindo interpretação analógica, apesar de permitirem interpretação extensiva, atento o disposto no artigo 11.º do Código Civil.
Definida a natureza excecional da norma, passamos à integração concreta da sua previsão.
Decorre da sua interpretação gramatical, que o n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10 atribui força executiva à ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado a obrigação de cumprimento pelos condóminos das seguintes prestações: i) contribuições devidas ao condomínio; ii) quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns; iii) pagamento de serviços de interesse comum.
E poderemos integrar no conceito de “contribuições devidas ao condomínio” as sanções pecuniárias?
Haverá que tomar em consideração a epígrafe do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10: «Dívidas por encargos de condomínio».
O artigo 1424.º do CC define como encargos de condomínio os respeitantes à “conservação e fruição das partes comuns do edifício”, bem como os que respeitam aos “serviços de interesse comum”.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, nas despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns incluem-se todas as que sejam indispensáveis para manter essas partes em condições de poderem servir para o uso a que se destinam.
Sendo inegável a conclusão de que, uma vez fixada e deliberada em ata, a penalização pecuniária em que incorre o condómino se traduz numa “contribuição devida ao condomínio”, haverá, no entanto, que concluir, atenta a sua natureza excecional, que o título executivo a que se refere o n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10 [sob a epígrafe «Dívidas por encargos de condomínio»] não abrange no seu âmbito tal penalização, na medida em que esta não corresponde a um “encargo de condomínio” de acordo com a definição consagrada no artigo 1424.º do Código Civil.
Os “encargos de condomínio” a que se referem o artigo 1424.º do Código Civil e o n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10 apenas respeitam à “conservação e fruição das partes comuns do edifício”, bem como aos “serviços de interesse comum”, traduzindo-se na contribuição proporcional de cada condómino para tais despesas.
(…), a contribuição referente a uma penalização deliberada pela assembleia de condóminos nada tem a ver com a previsão legal do artigo 1424.º do Código Civil, não se integrando na previsão do n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10, encontrando-se prevista, no n.º 1 do artigo 1434.º do Código Civil, que permite a fixação de «penas pecuniárias para a inobservância das disposições deste código, das deliberações da assembleia ou das decisões do administrador».
Fazendo apelo às regras de interpretação previstas no artigo 9.º do Código Civil, constituem elementos da interpretação jurídica: a análise da letra e a determinação do espírito da lei, sendo esta efetuada através dos elementos racional, sistemático, histórico e conjuntural.
O Código Civil incorpora no conceito de “pensamento legislativo” (art.º 9.º/1 do CC) um elemento interpretativo de particular relevância – racional ou ratio legis - o qual se traduz na razão de ser, no fim objetivo, prático, que a lei se propõe atingir; a ratio legis revela a valoração ou ponderação dos diversos interesses que a norma jurídica disciplina.
E o objetivo visado pelo legislador ao atribuir à ata de deliberação do condomínio força executiva, através de «disposição especial» [art.º 703.º, n.º 1, d) do CPC], terá sido o de garantir a imediata exequibilidade das “Dívidas por encargos de condomínio”, como se inscreve na epígrafe do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10, abrangendo o título apenas as “contribuições devidas ao condomínio” referentes a tais encargos.
Pensamos, salvo o devido respeito, que conclusão diversa não encontra suporte legitimador no parâmetro de excecionalidade expressamente previsto para os títulos executivos avulsos.
Com efeito, se considerarmos que o conceito de “contribuições devidas ao condomínio” para efeitos de integração da previsão do n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10, abrange tudo o que for devido – qualquer contribuição, desde que deliberada pela respetiva assembleia – deparamo-nos com uma “norma aberta” em que a assembleia de condóminos assume uma estranha soberania: tudo o que delibera que seja devido ao condomínio passa a ser de imediato exequível sem recurso à ação declarativa.
Em conclusão, a integração da previsão legal do n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10, no que concerne às “contribuições devidas ao condomínio” deverá ser feita com referência ao artigo 1424.º do Código Civil, que define como encargos de condomínio os respeitantes à “conservação e fruição das partes comuns do edifício”, bem como os que respeitam aos “serviços de interesse comum.”
Acolhendo inteiramente este entendimento, nenhuma censura nos merece a sentença recorrida, na parte em que considerou “insusceptíveis de serem executados os valores requeridos a título de penalidades””.
Sobre a especifica exequibilidade dos honorários a mandatário debruçou-se, em particular, o Acórdão do TRP de 08-09-2020 (Pº 25411/18.1T8PRT-A.P1, rel. JORGE SEABRA), concluindo que, “os honorários devidos a advogado e mais despesas decorrentes da interposição de execução não são despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum do condomínio, tal como definidas no artigo 6º, n.º 1, do citado DL n.º 268/94, não podendo, por isso, mesmo que tenham sido aprovados em assembleia de condóminos e constem da respectiva acta, ser incluídos na execução movida contra o proprietário que deixe de pagar a sua quota-parte no prazo fixado”.
Conforme se lê na fundamentação deste aresto:
“Nesta sede a cobrança de tais valores por via executiva não encontra apoio no já citado artigo 6º, n.º 1, do DL n.º 268/94, de 25.10.Não há dúvida que quando o condomínio celebra com um advogado um contrato de mandato forense para efeitos de interposição de execução destinada à cobrança de prestações não pagas ou, ainda, quando, no âmbito dessa execução, tem que suportar despesas inerentes a tal processo, está a agir no interesse colectivo dos condóminos. Todavia daí não resulta que esteja em causa a prestação de «serviços de interesse comum», na acepção que nos parece ter sido querida pelo legislador ao consagrar a previsão do artigo 6º, n.º 1, do citado DL n.º 268/94, que foi a de relacionar tais despesas com as despesas inerentes ao funcionamento intrínseco do condomínio, salvaguardando a operacionalidade e a rapidez na cobrança de dívidas do condómino que, exclusivamente, se relacionam, de forma directa e imediata, com as obrigações dos condóminos, em relação às partes comuns, à sua conservação e fruição. Serão serviços de interesse comum aqueles serviços que se mostram colocados à disposição de todos os condóminos e que eles poderão ou não usar conforme lhes aprouver, como sucede, por exemplo, com os serviços relacionados com equipamentos comuns, tais como ascensores, caldeiras de aquecimento, jardins colectivos, piscinas, antenas colectivas, serviços de segurança e vigilância do imóvel, etc. Não é o que se passa com o serviço do advogado, consistente no patrocínio forense no âmbito da execução instaurada para cobrança coerciva de quotas ou outras prestações devidas, ou, ainda, com o valor das despesas suportadas no âmbito de tal execução, pois que nenhum dos condóminos pode usufruir ou usar de tais serviços. (…)”.
Em moldes algo diversos, considerou-se no Acórdão do TRG de 06-02-2020 (Pº 261/18.9T8AVV-B.G1, rel. RAMOS LOPES) que, “relativamente aos honorários de advogado - questão sobre a qual também se tem dividido a jurisprudência (acórdão desta Relação de 30/05/2019 e ainda o ac. TRP de 18/02/2019 (Manuel Domingos Fernandes); no sentido defendido pelo apelante, o acórdão da Relação de Lisboa de 5/06/2001 (Hélder Almeida)) - valem as actas da reunião da assembleia de condóminos como título executivo (desde, que claro está, no título se determine desde logo o montante em causa).
Na verdade, implicando o incumprimento do condómino relapso o recurso a juízo para dele se obter coercivamente a satisfação das contribuições devidas (da sua quota-parte concernente a assegurar o funcionamento das partes comuns, conservação e fruição destas), o pagamento dos honorários devidos ao mandatário que patrocine a causa constituirá uma despesa necessária ao pagamento de serviço de interesse comum (acórdão da Relação de Lisboa de 5/06/2001.
Não se argumente que sendo a cobrança das contribuições do interesse do condomínio, o serviço prestado pelo mandatário em vista da sua cobrança coerciva não se inclui no âmbito dos serviços de interesse comum, postos à disposição dos condóminos, por o serviço do mandatário não ser serviço que qualquer dos condóminos possa usar (não estar na disposição de cada um deles), não sendo eles, executados, beneficiários dos serviços prestados pelo advogado - serviços de interesse comum seriam, assim, tão só os aludidos no art.º 1424- do CC: serviços postos à disposição de todos os condóminos, que eles poderão usar ou não usar, como, por exemplo, os serviços relacionados com equipamentos comuns, tais como ascensores, caldeiras de aquecimento, jardins colectivos, piscinas, antenas colectivas, serviços de segurança e vigilância do imóvel (Ac. TRC de 7/02/2017 (Emídio Santos) e Ac. TRP de 18/02/2019).
Não cremos que esse seja a solução mais conforme à hermenêutica do preceito. O que releva, estamos em crer, para determinar se o serviço é de interesse comum (para efeitos do nº 1 do art.º 65 do DL 268/94, de 25/10) não é estar o serviço na disposição directa de cada um dos condóminos (na possibilidade de o utilizar ou não), antes tratar-se de serviço prestado para alcançar o interesse comum. Atente-se no serviço de limpeza dos espaços comuns: tal serviço não está na disponibilidade directa de fruição por qualquer condómino (nenhum condómino os poderá usar na sua fracção); é serviço de que frui (e beneficia) na medida em que goza (ou pode gozar/fruir) das partes comuns, onde o mesmo é prestado. Do mesmo modo, os serviços prestados pelo mandatário ao condomínio em causa executiva destinada a haver coercivamente de qualquer condómino a quota-parte das contribuições devidas ou das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, serão fruídos/gozados pelos condóminos (todos) na utilização/fruição/gozo das partes comuns, já que os valores cobrados na execução se destinam a suportar os encargos com aquelas.
Conclui-se, face ao exposto, que o pagamento dos honorários devidos ao mandatário pela demanda em juízo dos condóminos relapsos, com vista a cobrar coercivamente destes a sua quota-parte nas contribuições e despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, constitui despesa necessária ao pagamento de serviços de interesse comum, compreendida na previsão normativa no nº 1 do art.º 65 do DL 268/94, de 25/10 - e por isso que as actas da assembleia de condóminos que deliberem sobre o montante respectivo gozam de executoriedade”.
Independentemente da orientação que se perfilhasse, afigura-se-nos, contudo, que os contornos do problema se alteraram, sensivelmente, na decorrência da entrada em vigor da Lei n.º 8/2022, de 10 de janeiro.
Como se sabe, a referida Lei n.º 8/2022, de 10 de janeiro veio rever o regime da propriedade horizontal, alterando, nomeadamente, o Código Civil e o DL n.º 268/94, de 25 de outubro.
De entre as alterações introduzidas pela Lei n.º 8/2022, de 10 de janeiro, ao DL n.º 268/94, de 25 de outubro consta a do n.º 3 do artigo 6.º desse diploma, onde se passou a dispôr que: “3- Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação nele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio”.
Ora, pode considerar-se que o aludido artigo 6.º, n.º 3, do DL n.º 268/94, de 25 de outubro, na redação dada pela Lei n.º 8/2022, de 10 de janeiro tem natureza interpretativa.
Conforme refere A. Santos Justo (Introdução ao estudo de direito, 12ª Edição, Almedina, 2021, p. 302), “a interpretação autêntica dimana duma fonte não hierarquicamente inferior à que interpreta. Ocorre através duma lei (dita interpretativa) que se integra na lei interpretada. Trata-se, portanto, da explicitação legislativa duma lei duvidosa, carecida de esclarecimento, que tem a força vinculativa da lei … Além do órgão legislativo que elaborou a lei interpretada (auto-interpretação), a interpretação autêntica pode ser igualmente feita por outro órgão legislativo (hetero-interpretação)”.
Dispõe o n.º 1 do artigo 13.º do CC que a lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ficando salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença transitada em julgado, por transação, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza.
Conforme refere Pedro Romano Martinez (Introdução ao Estudo do Direito; AAFDL, 2021, pp. 222 e 223) “a regra interpretativa contrapõe-se à inovadora, porquanto, na primeira, não se prescrevem soluções novas, atende-se, explicando, à regulamentação existente. As regras interpretativas fixam o sentido de outras regras jurídicas – p. ex., artigo 9.º CC (…). A lei interpretativa, ao determinar o sentido da lei interpretada, integra-se nesta e o sentido agora fixado vincula o aplicador desde o início de vigência da lei interpretada”.
Refere o mesmo Autor (ob. cit., p. 391) que, “[n]o caso de lei interpretativa prescreve-se a retroatividade (artigo 13.º, n.º 1, CC). A lei interpretativa é retroativa, pois actua sobre factos ocorridos na vigência da lei interpretada e que antecederam a entrada em vigor daquela, com salvaguarda do caso julgado e de efeitos já produzidos.
(…)
A retroatividade da lei interpretativa resulta de se ter estabelecido um novo entendimento, que se pretende integrar na lei interpretada (artigo 13.º, n.º 1, 1.ª parte, CC), ficando, porém, ressalvados os efeitos já produzidos em quatro hipóteses: 1) cumprimento da obrigação; 2) sentença transitada em julgado; 3) transacção; 4) actos análogos. (…).”.
Ora, no caso, a nova regulação normativa do artigo 6.º, n.º 3, do DL n.º 268/94, de 25 de outubro, na redação da Lei n.º 8/2022, contemplou o entendimento de que, se consideram abrangidos pelo título executivo a que se reporta o n.º 2 do mesmo artigo, os juros de mora, à taxa legal, da obrigação nele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio.
A nova lei, na medida em que regulou da forma descrita, a problemática dos elementos que se consideram abrangidos pelo título executivo assente nas actas de deliberações da assembleia de condóminos, tem caráter interpretativo e não inovador.
Conforme se escreveu, neste mesmo sentido, no Acórdão do TRP de 21-02-2022 (Pº 5404/09.0T2AGD-D.P1, rel. PEDRO DAMIÃO E CUNHA): “Julga-se, no entanto, que, tendo em conta a recente intervenção do legislador (que pode ser qualificada como uma verdadeira interpretação autêntica do legislador através da alteração introduzida no nº 3 do art.º 6º pela Lei 8/2022 de 10 de Janeiro (…), deve passar a prevalecer esta interpretação que considera abrangida pela referida expressão as penas pecuniárias, devendo, assim, “considerar-se abrangidos pelo título executivo… as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio” – como esclarece agora a nova Lei”.
No caso, o embargado pugna pela interpretação extensiva do artigo 6.º do DL 268/94, dizendo que, “cabe no âmbito da expressão “contribuição devidas ao condómino”, as despesas de contencioso, mormente honorários de mandatário que patrocine o condomínio, com vista a obter a cobrança das comparticipações devidas, fazendo-as, assim, repercutir na esfera do condómino faltoso”.
Em face do referido, poderá entender-se que, por via da interpretação decorrente da publicação da Lei n.º 8/2022, de 10 de janeiro, no título executivo poderão considerar-se contempladas as sanções pecuniárias que sejam aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio.
Ora, ao invés do pugnado pelo recorrente, certo é que, não se alcança que os honorários que sejam devidos ao mandatário que patrocine o condomínio numa acção judicial para cobrança de contribuições devidas ao condomínio, se integrem no conceito de “sanções pecuniárias”, para efeito do n.º 3 do aludido artigo 6.º do DL n.º 268/94, expressão que se encontra em perfeita correlação com o sentido do artigo 1434.º, n.º 1, do CC.
Conforme se salientou no Acórdão do TRP de 17-06-2021 (Pº 627/14.3TBVNG-B.P1, rel. JUDITE PIRES), as penas pecuniárias são destinadas a compelir e pressionar os condóminos a cumprir “e, por isso, não visam imediatamente a satisfação de despesas, constituindo antes uma receita eventual do condomínio”.
Os honorários traduzem, por seu turno, o preço ou remuneração do serviço desempenhado por advogado ao seu cliente, não constituindo, por si só, qualquer sanção pecuniária.
De todo o modo, verifica-se que, no artigo 22.º, n.º 4, do Regulamento do Condomínio consta que: “A cobrança judicial das contribuições, ordinárias ou extraordinárias, importa para o condómino faltoso a obrigação de pagar, além do montante devido, dos respectivos juros de mora e da multa [a que se refere o n.º 2 do mesmo artigo], todas as despesas judiciais e extrajudiciais despendidas para o efeito, nomeadamente custas dos tribunais, honorários de advogados e despesas administrativas”.
E, seguindo o sentido interpretativo consignado no artigo 6.º do DL n.º 268/94, de 25 de outubro, na redação da Lei n.º 8/2022, de 10 de janeiro, poder-se-ia dizer que os honorários de advogados se encontravam referenciados no regulamento do condomínio como “despesas judiciais e extrajudiciais” que, de acordo com o mencionado artigo 22.º, n.º 4, do Regulamento do Condomínio devessem ser incorporadas na obrigação de pagamento do condómino faltoso.
Todavia, o próprio Regulamento afasta a possibilidade de se conferir tal natureza a despesas ainda não despendidas, dado que, só as despesas judiciais e extrajudiciais efetivamente despendidas, podem determinar a atuação do comando ínsito no mencionado artigo 22.º, n.º 4.
Igual cuidado se denota na acta n.º 16, onde consta que: “Foi ainda deliberado que, expirado o prazo concedido para pagamento, se proceda judicialmente contra os condóminos supra identificados que não tenham regularizado a sua situação perante o condomínio, cobrando-se para o efeito o montante em dívida a título de quotizações, dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos e da multa, todas as despesas judiciais e extrajudiciais despendidas para o efeito”.
Ora, o montante indicado pelo exequente não se mostra ter sido despendido pelo exequente, sendo certo que, no requerimento executivo o mesmo apenas se reporta ao valor de €1.000,00 como o valor previsível de honorários a despender.
Por outro lado, nem do regulamento, nem de qualquer das actas juntas aos autos consta deliberado o montante (€1.000,00) que é mencionado no requerimento executivo como referente a honorários.
Verifica-se, pois, inexistir título executivo que sustente a pretensão de pagamento da aludida quantia de €1.000,00.
*
C) Quais os valores pelos quais a execução deverá prosseguir termos?
Considerando o acima referido, tendo o prazo prescricional atinente às quotas ordinárias – de 5 anos - sido interrompido em 27-06-2018, não se mostram prescritas as quotizações ordinárias devidas há menos de 5 anos, ou seja, desde julho de 2013.
Mas, atenta a invocação da prescrição pela embargante, são de considerar prescritas as quotas ordinárias peticionadas pelo exequente, correspondentes aos meses de Janeiro de 2012 a Junho de 2013 (no valor parcelar de €396,00 ou seja: €22,00 x 18 meses).
Em conformidade com o que se vem referindo, a execução deverá prosseguir termos no que concerne a quotas ordinárias, pelo valor de € 963,51 (ou seja: €132,00, de julho a dezembro de 2013, €264,00, quotas condominiais ordinárias devidas entre janeiro de 2014 e dezembro de 2014, €264,00, quotas condominiais ordinárias devidas entre janeiro de 2015 e dezembro de 2015; €66,00, quotas condomininiais ordinárias devidas entre janeiro e março de 2016; €92,52, referente às quotas ordinárias correspondentes aos meses de abril a dezembro de 2016, inclusive, pelo montante mensal de €10,28; €9,27, referente à quota para o Fundo Comum de Reserva correspondentes aos meses de Abril a Dezembro de 2016, inclusive, pelo montante mensal de €1,03; €123,36, referente às quotas ordinárias vencidas entre Janeiro e Dezembro de 2017 no montante mensal de €10,28; €12,36, referente às prestações para o fundo comum de reserva vencidas entre Janeiro e Dezembro de 2017 no montante mensal de €1,03).
Já não assim quanto às quotas ordinárias cujo valor é peticionado no ponto 12 do requerimento executivo, relativamente às quais inexiste título executivo, que demonstre a existência de dívida da embargante face ao condomínio.
Relativamente às quotas extra cujo pagamento é peticionado, a execução deverá prosseguir termos quanto aos seguintes valores:
- €108,00, de quota extra para pagamento de seguro, aprovada na assembleia de condóminos de 06-04-2013 (acta n.º 9);
- €84,96, de quotas de seguro correspondentes aos meses de abril a dezembro de 2016, inclusive, pelo montante mensal de €9,44;
- €113,28, de quotas para o seguro multirriscos condomínio vencidas entre janeiro e dezembro de 2017, no montante mensal de €9,44;
- €264,00, de quota extra referente a obras na fachada aprovadas em assembleia geral realizada em 06-04-2013 (acta nº 9);
- €459,54, referente às prestações de abril a dezembro de 2016 da quota extraordinária para obras a realizar no condomínio aprovadas em assembleia de 19-03-2016 (acta n.º 13), pelo montante mensal de €51,06; e
- €612,72, referente às prestações de janeiro a dezembro de 2017 da quota extraordinária para obras a realizar no condomínio aprovadas em assembleia de 19-03-2016 (acta nº 13), pelo montante mensal de €51,06.
A tais valores acrescerão os dos juros de mora, vencidos e vincendos, sobre tais quantias, até integral pagamento, mas já não, o valor de €1.000,00 indicado relativamente a “prováveis honorários”.
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Em conformidade com o exposto, haverá que julgar parcialmente procedente a apelação da recorrente, revogando-se a decisão recorrida, que se substituirá pela presente, determinando o prosseguimento da execução para cobrança do montante de €2.606,01 (€963,51 de quotas ordinárias e quotas para o fundo comum de reserva + €1.642,50 de quotas extraordinárias, nos termos supra especificados), acrescido dos juros de mora, vencidos e vincendos, até integral pagamento.
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De acordo com o estatuído no n.º 2 do artigo 527.º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual.
Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. “Vencidos” são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou parcial dos seus interesses.
Conforme se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-12-2017 (Pº 1509/13.1TVLSB.L1.S1, rel. TOMÉ GOMES), cujo entendimento se subscreve: “O juízo de procedência ou improcedência da pretensão recursória não é aferível em função do decaimento ou vencimento parcelar respeitante a cada um dos seus fundamentos, mas da respetiva repercussão na solução jurídica dada em sede do dispositivo final sobre essa pretensão”.
Em conformidade com o exposto, a responsabilidade tributária inerente incidirá sobre o recorrente e sobre a recorrida, na proporção do respetivo decaimento - cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.
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5. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem o coletivo desta 2.ª Secção Cível, em julgar parcialmente procedente a apelação, nos termos expostos e, em consequência, revogar a decisão recorrida e substitui-la pela presente, determinando o prosseguimento da execução para cobrança do montante de €2.606,01 (dois mil, seiscentos e seis euros e um cêntimo), acrescido dos juros de mora, vencidos e vincendos, até integral pagamento.
Custas pelo recorrente e pela recorrida, na proporção do respetivo decaimento.
Notifique e registe.
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Lisboa, 15 de dezembro de 2022.
Carlos Castelo Branco
Orlando dos Santos Nascimento
João Miguel Mourão Vaz Gomes