Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | ROQUE NOGUEIRA | ||
Descritores: | RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE POSSE LOCATÁRIO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/20/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I - Trata-se de um meio de defesa da posse, posto ao serviço do possuidor para reagir contra actos de esbulho violento, o qual tem carácter expedito, dada a urgência em se repor a situação anterior, sendo o benefício da providência concedido ao possuidor, não em atenção a um juízo de dano iminente, mas como compensação da violência de que foi vítima. II - A causa de pedir, nas acções possessórias intentadas ao abrigo do art.1037º, nº2, do C.Civil,, não é a posse, mas antes a relação jurídica de mera detenção, no caso, locação, a que a lei estende a tutela possessória. III - A protecção conferida ao possuidor traduz-se numa tutela provisória, destinada unicamente a manter determinada situação de facto, enquanto não se provar quem é o verdadeiro titular do direito correspondente (cfr. o art.1278º, do C.Civil). IV - Resulta do disposto no art.392º, nº1, do C.P.C., que a possibilidade de recusar a providência em atenção ao prejuízo considerável que com ela sofreria o requerido, não se estende aos procedimentos nominados, sem prejuízo de existirem normas paralelas em alguns deles, não se vendo que vigore, no que respeita à restituição provisória de posse, o princípio da proporcionalidade contido no citado art.387º, nº2. V – Do disposto no art.255º, nº2, do C.Civil, resulta que tanto é violenta a acção que se dirige directamente à pessoa do possuidor, como a que é dirigida aos seus bens, sendo que, o que releva, para efeitos de verificação do esbulho violento, nos casos de acção física exercida sobre as coisas, é que essa acção seja um meio de coagir uma pessoa a suportar uma situação contra a sua vontade. (Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1 – Relatório. No 2º Juízo de Competência Cível do Tribunal de Comarca e de Família e Menores de …, A…. instaurou procedimento cautelar contra a Câmara Municipal de .., pedindo que seja restituído provisoriamente à posse do denominado talhão nº30, que faz parte de um prédio rústico que identifica. Para o efeito, alega que, há mais de 40 anos, e os seus antecessores há mais de 100 anos, através de acordo verbal celebrado com os anteriores proprietários, têm vindo a explorar e cultivar aquele terreno, sempre tendo procedido ao pagamento da renda anual como contrapartida, actualmente no valor de € 8,00. Mais alega que, no dia 5/5/10, o requerente viu parte da referida parcela ser invadida por funcionários da requerida e por máquinas, tendo parte da mesma sido vedada com chapas metálicas. Alega, ainda, que, em derradeira tentativa para evitar tal invasão, o requerente foi agredido por agentes policiais, que lhe provocaram escoriações graves, tendo que ser assistido no Centro de Saúde da …. Conclui, assim, que desde 5/5/10 que está impedido pela requerida de utilizar parte da parcela de terreno em causa (talhão 30), que sempre explorou e cultivou, nos termos atrás referidos. Inquiridas as testemunhas indicadas pelo requerente, foi, após decisão sobre a matéria de facto, proferido despacho, julgando o procedimento cautelar procedente e determinando a imediata restituição ao requerente do aludido talhão nº30. A requerida deduziu oposição, alegando que o requerente não é, nem nunca foi, rendeiro da referida parcela, e também nunca o foram os seus antecessores, mas que, de todo o modo, após ter adquirido o prédio onde aquela se insere, a opoente denunciou, em 1972, os contratos de arrendamento rural de todos os rendeiros de parcelas daquele prédio, pelo que, se extinguiram tais contratos. Mais alega que, por escritura de 1/4/09, cedeu o direito de superfície a favor de … – União de Cooperativas de Habitação Económica do Distrito de …, sobre 10 lotes, dois dos quais ficam implantados em parte da denominada parcela 30, e, por considerar ilícita a ocupação desta pelo requerente, que ameaçava utilizar armas de fogo para impedir a entrada naquela parcela, requereu a presença da G.N.R. no local, para manter a ordem pública durante a demarcação e dação dos lotes de terreno, não existindo, pois, qualquer esbulho. Alega, ainda, que os danos resultantes para a entidade requerida com o decretamento da providência são incomparavelmente superiores aos danos que o requerente pretende evitar. Conclui, deste modo, que deve ser revogada a providência decretada ou, caso assim se não entenda, deve ser substituída por caução adequada, a efectuar por meio de garantia bancária ou depósito em dinheiro. Inquiridas as testemunhas indicadas pela opoente, foi, após decisão sobre a matéria de facto, proferida decisão final, julgando improcedente a oposição e mantendo na íntegra a providência cautelar ordenada e concretizada nos autos. Inconformada, a opoente interpôs recurso de apelação daquela decisão. Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir. 2 – Fundamentos. 2.1. No despacho que decretou a providência, consideraram-se indiciariamente provados os seguintes factos: 1. A denominada "Quinta … …", vulgarmente denominada de "…", com a área de 120 260m2, encontra-se descrita na Conservatória do Registo Predial de … sob o número …1, freguesia da …, concelho de …. 2. Mais se encontra inscrita a aquisição por parte da Requerida, mediante a apresentação n.° …, aquisição efectivada por escritura pública de compra e venda celebrada em 16.11.1971. 3. No averbamento n.° 2 da mesma certidão consta que " A descrição supra n.° 761 e as n.°s 758, 759 e 769, respectivamente a fls. 182, 182 v e 183 deste livro ficam entre si anexadas, em virtude de constituírem um só prédio, que pertence actualmente à freguesia da …, em cuja matriz se acha inscrito sob os artigos 17°, 18° e 19° rústicos, é rústico e composto de terreno com área de 120,260m2, constituído pelos talhões n.os 19, 20, 21 e 30 (...)". 4. O Requerente há mais de 40 anos e os seus antecessores há mais de 100 anos, através de acordo verbal celebrado com os anteriores proprietários, têm vindo a explorar e cultivar directamente a parcela que tem como número atribuído o n.° 30 (talhão n.° 30) respeitante a parte do prédio referido em l, tendo o n.° 30 uma área total de 21987m2, com uma área de construção de 600,44m2. 5. O acordo verbal foi celebrado pelos antepassados do Requerente, há mais de 100 anos entre o Avô do Requerente e a família .…, anteriores proprietários. 6. O referido acordo consistia em, pagando a respectivas rendas, cultivar as terras, gozar e fruir das mesmas. 7. Mais tarde, o referido acordo transmitiu-se para o pai do Requerente, com o nome de J…., nascido em 16 de Janeiro de 1926. 8. E há mais de 40 anos, com base no aludido acordo, tem sido o Requerente, que tem usado e cultivado a referida parcela de terreno - talhão n.° 30. 9. À data da celebração do referido acordo verbal, os prédios rústicos denominados de "Terras..." estavam divididos em talhões, encontrando-se devidamente individualizados, conforme consta na planta retirada do Instituto Geográfico e 10. Essa divisão em talhões sempre foi considerada por todos, sendo respeitada. 11. O valor actual da renda anual é de € 8,00/ano. 12. Face à recusa da Requerida em receber as rendas anuais, o Requerente tem efectuado o pagamento da mesma junto da CGD à ordem do Tribunal da Comarca de …. 13. No dia 5 de Maio passado, a parcela - talhão n.° 30, foi invadida por trabalhadores da Requerida, e máquinas e com o auxílio da força pública de intervenção, tendo sido vedada com chapas metálicas, parte desse mesmo talhão. 14. A fim de evitar a invasão no local, o Requerente acabou por sofrer escoriações tendo sido assistido no Centro de Saúde. 15. Desde tal data, encontra-se o Requerente impedido de aceder à parte vedada do talhão n.° 30, que sempre utilizou e cultivou. 2.2. Na decisão que manteve a providência anteriormente decretada, consideraram-se indiciariamente demonstrados os seguintes factos vertidos, respectivamente, nos artigos 44º, 45º, 46º, parte do 47º, 48º e 54º da oposição: 1. Por escritura pública de l de Abril de 2009, o município de Almada cedeu o direito de superfície a favor da …- União de Cooperativas de Habitação Económica do Distrito de … sobre 10 lotes, dois dos quais ficam implantados em parte da denominada parcela 30. 2. Os lotes de terreno cujo direito de superfície foi cedido à referida Cooperativa destinam-se à construção de 146 fogos a custos controlados, destinados ao realojamento de 146 agregados familiares recenseados no Programa Especial de Realojamento, criado pelo decreto-lei n° 163/93 de 7 de Maio, alterado e republicado pelo decreto-lei n° 271/2003, de 28 de Outubro. 3. O superficiário iniciou já as obras de construção dos edifícios, dando a respectiva empreitada à empresa S..., detendo a posse do terreno por efeito da constituição do direito de superfície. 4. A Câmara Municipal de … requereu a presença da G.N.R. para manter a ordem pública durante a demarcação e dação dos lotes de terreno. 5. O que se passou no local no dia 5 de Maio de 2010 consta do relatório da operação elaborado pela GNR. 6. Não ficam impedidas as culturas na parte restante da parcela, pelo que o requerente manterá a rentabilidade da parcela. 2.3. A recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões: I - Sem a identificação das pessoas que deram de arrendamento a parcela do prédio rústico, nem a identificação dos antecessores que tomaram de arrendamento a parcela, nem as datas em que se verificou a transmissão do arrendamento para o requerente não é possível concluir pela existência de arrendamento, ainda que sumariamente, tanto mais que o regime jurídico da transmissão por morte no arrendamento rural foi diverso ao longo dos tempos, existindo mesmo períodos em que a regra era a intransmissibilidade. II - As cópias das declarações de depósito das rendas de apenas dois anos agrícola, na Caixa Geral de Depósitos, sem a identificação da parcela, desacompanhado de qualquer notificação ao senhorio, não são documentos idóneos para provar a existência de um arrendamento rural, ainda que sumariamente. III - Os assentos de casamento e nascimento juntos aos autos não constituem, nem podem constituir indícios da existência de um arrendamento, nem de que a existir a sua transmissão se tenha verificado para o requerente. IV - Do depoimento das testemunhas, que são autoras em acções que interpuseram contra o Município de …, em que a causa de pedir é a mesma da presente acção não podem deixar de ter uma credibilidade muito reduzida, não podem deixar de ser encarados com toda a prudência pelo Tribunal, mesmo sabendo-se que nos encontramos no domínio da prova indiciaria, o que salvo o devido respeito não aconteceu, louvando-se a decisão relevantemente nesses depoimentos para chegar à decisão que veio a ser proferida, olvidando as regras da experiência relativamente à credibilidade destes depoimentos. V - Considerando provado que a amputação de parte da parcela não impede as culturas na restante área da parcela, mantendo-se a rentabilidade da mesma e considerando provado que os fogos a construir a custos controlados se destinam a realojamento de famílias recenseadas no programa Especial de Realojamentos (de natureza urgente), ao indeferir a providência douta decisão recorrida não faz uma correcta e adequada ponderação dos prejuízos e danos em presença, uma vez que o atraso nos realojamentos PER é um dano consideravelmente superior ao prejuízo que o requerente pretende evitar, mas que afinal de acordo com a prova produzida é reduzidíssimo ou mesmo nenhum. VII - Em consequência ao deferir a providência a douta decisão recorrida violou o n° 2 do artigo 387° do CPC, incorrendo em erro de julgamento. VIII - Incorre ainda em erro de julgamento a douta sentença recorrida, em face dos aludidos factos provados por deles não poder resultar o receio de se causar lesão grave e dificilmente reparável no direito do requerente, assim violando o disposto no n° 1 do artigo 381° do CPC. IX - Ao não identificar os sujeitos que deram de arrendamento o prédio rústico aos antecessores do requerente, nem os seus antecessores, nem a forma pela qual lhe foi transmitido o arrendamento a douta sentença recorrida viola o regime da prova sumária enfermando de erro de julgamento e violando o disposto no n° l do artigo 384° do CPC; X - Ao considerar transmitido o arrendamento sem ter em conta a concretização da data em que se verificaram as transmissões, a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, violando o regime da transmissibilidade do arrendamento rural e da prova sumária, e consequentemente violando o n° 1 do artigo 384° do CPC, a Base VII da Lei n° 2114 de 15 de Junho de 1962, o artigo 1076º do C.C. de 1967, o artigo 21° do decreto-lei n° 201/75, de 15 de Abril, o artigo 22° da Lei 76/77, de 22 de Setembro e os artigos 23° e 24° do decreto-lei n° 385/88, de 25 de Outubro. XI - A presença da GNR no local para manutenção da ordem no cumprimento de um mandato da autoridade administrativa não configura uma situação de esbulho, nem justifica a não audição do requerido, o que constitui violação do artigo 385º do CPC. XII - A não substituição da providência por caução como pediu o requerido viola o disposto no n° 3 do artigo 287° do CPC, pois a mesma em face da matéria considerada provada relativa aos prejuízos sofridos pelo requerente mostrava-se suficiente para reparar integralmente a lesão que alegadamente sofreu. Nestes termos e nos melhores de direito, que V. Exas. Doutamente suprirão deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência revogadas as decisões recorridas indeferindo-se a providência cautelar, ou se assim se não entender, ordenar-se a sua substituição por caução. 2.4. Como é sabido, o âmbito dos recursos determina-se face às conclusões da alegação do recorrente, só abrangendo as questões aí contidas, como resulta do disposto nos arts.685º-A, nº1 e 684º, nº3, do C.P.C.. Assim sendo, a questão fundamental que importa apreciar no presente recurso consiste em saber se, atenta a matéria de facto indiciariamente apurada, se verificam os requisitos da restituição provisória de posse. Resulta do disposto no art.1279º, do C.Civil e no art.393º, do C.P.C., que são três os pressupostos da medida cautelar de restituição provisória de posse: a posse, o esbulho e a violência. Trata-se, pois, de um meio de defesa da posse, posto ao serviço do possuidor para reagir contra actos de esbulho violento, o qual tem carácter expedito, dada a urgência em se repor a situação anterior, sendo o benefício da providência concedido ao possuidor, não em atenção a um juízo de dano iminente, mas como compensação da violência de que foi vítima. O nosso legislador não aceitou a concepção objectiva da posse, pois que, para que ela exista é preciso alguma coisa mais do que o simples poder de facto, ou seja, é preciso que haja por parte do detentor a intenção de exercer, como seu titular, um direito real sobre a coisa (cfr. o art.1253º, do C.Civil). Conforme referem Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil, Anotado, vol.III, 2ª ed., págs.5 e 6, a aceitação da concepção subjectiva da posse levou o legislador, por motivos de equidade, a conceder excepcionalmente a defesa possessória em casos em que não existe posse por parte do detentor, por falta de animus possidendi. Um desses casos é, precisamente, o previsto no nº2, do art.1037º, do C.Civil, nos termos do qual, «O locatário que for privado da coisa ou perturbado no exercício dos seus direitos pode usar, mesmo contra o locador, dos meios facultados ao possuidor nos arts.1276º e seguintes». Assim, a causa de pedir, nas acções possessórias intentadas ao abrigo daquele preceito, não é a posse, mas antes a relação jurídica de mera detenção, no caso, locação, a que a lei estende a tutela possessória. A figura do detentor ou possuidor precário corresponde, pois, à situação daquele que, tendo embora o corpus da posse (a detenção da coisa), não exerce o poder de facto com o animus de exercer o direito real correspondente. O que significa, no caso do inquilino de um prédio, que o mesmo habita a casa como se fosse proprietário, mas não o faz como tal, mas sim como locatário, apenas exercendo, em nome próprio, o direito obrigacional de arrendatário. Por isso que não age como beneficiário do direito de propriedade, sendo um possuidor em nome alheio, um representante do verdadeiro possuidor, que é o senhorio (cfr. as als.a) e c), do citado art.1253º). Estamos, deste modo, perante uma situação que tem por base um título do qual não resulta o direito real aparente, mas apenas o direito de reter a coisa e de a utilizar. Isto é, a posse que o mero detentor defende não é a do possuidor em nome próprio, mas a sua posse precária, de tal modo que até a pode defender mesmo contra o proprietário, gerindo, assim, o seu próprio interesse. Ora, no caso dos autos, o requerente, invocando a sua qualidade de locatário da referida parcela nº30 e alegando ter sido violentamente esbulhado de uma parte dessa parcela pela requerida, pede que seja ordenada a restituição provisória da posse de que era titular. No despacho que decretou a providência considerou-se que o requerente logrou demonstrar, indiciariamente, uma posse legítima e contínua, há mais de 100 anos, por si e seus antepassados, mediante um acordo verbal e pagamento de uma contrapartida pecuniária anual, relativamente ao talhão nº30. Mais se considerou que tal posse foi retirada ao requerente quando a requerida, mediante o recurso da força pública e presença de dezenas de militares, e com funcionário e máquinas, chegou ao local e procedeu à vedação de parte desse talhão com chapas metálicas, impedindo o acesso a essa parte e às culturas que o requerente aí mantinha, o que traduz esbulho violento. A oposição da requerida foi julgada improcedente, por se ter considerado que a mesma não logrou provar qualquer facto capaz de abalar a matéria de facto indiciariamente provada na decisão originária, tendo-se, pois, mantido na íntegra a providência cautelar ordenada e concretizada nos autos. Segundo a recorrente, sem a identificação das pessoas que deram de arrendamento e sem as datas em que se verificou a transmissão do mesmo para o requerente, não é possível concluir pela existência de arrendamento, não sendo suficiente as cópias das declarações de depósito das rendas de apenas dois anos agrícolas na CGD, nem os assentos de casamento e nascimento juntos, sendo que, duas das testemunhas indicadas pelo requerente são autoras em acções que interpuseram contra o Município de Almada, em que a causa de pedir é a mesma da presente acção, pelo que, a sua credibilidade é muito reduzida. Dir-se-á, antes do mais, que a protecção conferida ao possuidor se traduz numa tutela provisória, destinada unicamente a manter determinada situação de facto, enquanto não se provar quem é o verdadeiro titular do direito correspondente (cfr. o art.1278º, do C.Civil). Assim, ainda que falte a titularidade desse direito, a simples prova dos poderes de facto que normalmente correspondem à sua exteriorização é suficiente para motivar a procedência da pretensão cautelar. Sendo que, é fundamentalmente no âmbito da acção declarativa que se fará a discussão alargada das razões invocadas por cada uma das partes, podendo inserir-se aí a questão da titularidade do direito que se sobreponha à mera situação de facto deduzida pelo requerente. Deste modo, os efeitos provisórios converter-se-ão em definitivos através da decisão final transitada em julgado, se esta se mostrar favorável ao autor; extinguir-se-ão se a decisão definitiva lhe for desfavorável (cfr. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV vol., 2ª ed., págs.31, 64 e 65). Seja como for, da matéria de facto apurada resulta indiciariamente provado que o requerente é detentor exclusivo do chamado talhão nº30, exercendo aí os poderes correspondentes à posição de locatário, por via de um acordo verbal celebrado pelos seus antepassados com os anteriores proprietários, mediante o qual, pagando as respectivas rendas, cultivavam a terra e fruíam das respectivas utilidades (cfr. o art.1022º, do C.Civil). Note-se que a opoente, apesar de ter alegado que o requerente não é, nem nunca foi, rendeiro da referida parcela, e que, de todo o modo, após ter adquirido o prédio onde aquela se insere, denunciou os contratos de arrendamento rural de todos os rendeiros de parcelas daquele prédio, não logrou demonstrar tais factos. E não se diga que a circunstância de duas das testemunhas indicadas pelo requerente serem autoras em acções interpostas contra a requerida, com a mesma causa de pedir da presente acção, implica que a sua credibilidade seja muito reduzida. Na verdade, o que consta do despacho de fundamentação da decisão de facto proferida originariamente é que as testemunhas inquiridas mostraram todas deter um conhecimento directo dos factos, mantendo um discurso coerente e objectivo, e merecendo, por isso, credibilidade (cfr. fls.26 dos presentes autos). Acresce que se trata de testemunhas vizinhas do requerente há mais de 40 e 50 anos, pelo que, se encontram num posto de observação que torna especialmente qualificados os seus depoimentos, conhecendo melhor os factos do que outras pessoas estranhas. Ora, é sabido que a razão da ciência é um elemento de grande valor para a apreciação da força probatória do depoimento, não constando dos autos elementos que permitam concluir que as aludidas testemunhas se encontrassem privadas da liberdade e espontaneidade necessárias para dizer toda a verdade e só a verdade. Dir-se-á, também, a este propósito, que não se vê que tenha sido violado o disposto no art.384º, nº1, do C.P.C., aliás aplicável no âmbito das providências cautelares não especificadas, nem o regime da transmissibilidade do arrendamento rural, constante das várias disposições legais citadas pela recorrente. Alega, ainda, a recorrente que a decisão recorrida não fez uma correcta e adequada ponderação dos prejuízos e danos em presença, uma vez que o atraso nos realojamentos PER é um dano consideravelmente superior ao prejuízo que o requerente pretende evitar, que é reduzidíssimo, pelo que, aquela decisão violou o nº2, do art.387º, do C.P.C.. Mas não tem razão. Resulta do disposto no art.392º, nº1, do C.P.C., que a possibilidade de recusar a providência em atenção ao prejuízo considerável que com ela sofreria o requerido, não se estende aos procedimentos nominados, sem prejuízo de existirem normas paralelas em alguns deles. Todavia, no que respeita à restituição provisória de posse, não se vê que vigore o princípio da proporcionalidade contido no citado art.387º, nº2. Quando muito, poderá aí intervir o instituto do abuso do direito, previsto no art.334º, do C.Civil, caso se verifiquem os respectivos pressupostos. Estamos, assim, perante um procedimento cautelar onde o legislador sobrepôs os interesses do requerente aos do requerido, certamente tendo em conta o carácter punitivo da violência de que o possuidor foi vítima. Daí que tenha assumido o risco de, eventualmente, o prejuízo resultante da providência para o requerido vir a exceder, consideravelmente, o dano que com ela o requerente pretendeu evitar (cfr.Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, Anotado, vol.I, pág.670 e Moitinho de Almeida, in Restituição de Posse e Ocupação de Imóveis, 2ª ed., pág.38, bem como os Acórdãos do STJ, de 14/11/94, BMJ, 441º-202, e da Relação de Évora, de 11/4/85, CJ, Tomo II, pág.290, citados por Abrantes Geraldes, ob.cit., pág.54). Alega, também, a recorrente que a presença da G.N.R. no local para manutenção da ordem, no cumprimento de um mandato da autoridade administrativa, não configura uma situação de esbulho, nem justifica a não audição do requerido, o que constitui violação do art.385º, do C.P.C.. Mas não é assim. O que releva, no caso, é que o requerente foi privado, parcialmente, da fruição da parcela em questão, ficando impossibilitado de continuar a exercer os poderes de facto que detinha sobre ela, na parte que foi subtraída à sua disponibilidade. O que traduz, manifestamente, um esbulho (cfr. Manuel Rodrigues, A Posse, ed. de 1981, pág.363, Moitinho de Almeida, ob.cit., pág.100, e Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil, Anotado, vol.II, págs.70 e 71). Por outro lado, não há que invocar o disposto no citado art.385º, porquanto, a partir do momento em que o requerente opta pela restituição provisória de posse, fica automaticamente vedada a audiência do requerido, atento o disposto no art.394º, do C.P.C. (cfr. Abrantes Geraldes, ob.cit., pág.52). Alega, por último, a recorrente que a não substituição da providência por caução, como pediu, viola o disposto no nº3, do art.387º, do C.P.C.. Verifica-se, no entanto, que no relatório da decisão que julgou improcedente a oposição se refere, expressamente, a dada altura, o seguinte: «Foi indeferida, por despacho, a requerida substituição da providência por caução» (cfr. fls.107 dos presentes autos). Desconhece-se, porém, se a requerente dessa substituição interpôs ou não recurso desse despacho, ou se o mesmo transitou em julgado. De todo o modo, essa questão não faz parte do objecto do presente recurso, já que a decisão recorrida não teve que tomar posição sobre ela, tendo, pelos vistos, para o efeito, sido proferido um despacho autónomo. Dir-se-á, ainda, que a lei não define o que entende por esbulho violento para efeitos de restituição provisória de posse. Por isso que a doutrina e a jurisprudência têm divergido, havendo quem defenda que a violência só pode ser exercida sobre as pessoas e quem defenda que também pode ser contra as coisas. Por força do disposto no nº2, do art.1261º, do C.Civil, considera-se violenta a posse quando, para obtê-la, o possuidor usou de coacção física, ou de coacção moral nos termos do art.255º. Deste último artigo resulta que tanto é violenta a acção que se dirige directamente à pessoa do possuidor, como a que é dirigida aos seus bens (cfr. o nº2, do citado art.255º). Assim, o que, a nosso ver, releva, para efeitos de verificação do esbulho violento, nos casos de acção física exercida sobre as coisas, é que essa acção seja um meio de coagir uma pessoa a suportar uma situação contra a sua vontade. Isto é, seja um meio de impedir a continuação da posse, coagindo o possuidor a abster-se dos actos de exercício do seu direito, constituindo, pois, um obstáculo à actuação do possuidor a partir do momento da actuação do esbulhador. Ora, atenta a matéria de facto apurada, parece-nos evidente que estamos perante um esbulho violento, pois que o requerente ficou impedido de contactar com parte da coisa detida, em consequência dos meios usados pela requerida. Poder-se-á, até, dizer que estamos perante meios de violência usados directamente contra o detentor, porquanto este ficou proibido de aceder à totalidade da coisa que detinha e sofreu a intimidação que a presença de agentes policiais no local sempre implica. Haverá, assim, que concluir que, atenta a matéria de facto indiciariamente apurada, se verificam os requisitos da restituição provisória de posse, já que, o requerente fez prova sumária da sua qualidade de detentor, nos termos atrás referidos, e do facto de ter existido, da parte da requerida, esbulho violento. Razão pela qual, a decisão recorrida não podia deixar de julgar improcedente, como julgou, a oposição deduzida contra o decretamento da providência em questão. Improcedem, deste modo, as conclusões da alegação da recorrente. 3 – Decisão. Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão apelada. Custas pela apelante. Lisboa, 20 de Março de 2012 Roque Nogueira Pimentel Marcos Tomé Gomes |