Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | ALFREDO COSTA | ||
Descritores: | ABERTURA DA INSTRUÇÃO NOTIFICAÇÃO POSTAL PRESUNÇÃO DE NOTIFICAÇÃO ERRO DE CÁLCULO DE PRAZO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/23/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | É de 20 dias o prazo para requerer a abertura de instrução após a notificação da acusação ou arquivamento. A presunção da notificação estabelecida no artigo 113.º, n.º 2 do CPP considera a notificação efectuada no terceiro dia útil após o envio da carta registada. Tal presunção pode ser ilidida, desde que se prove a data exacta de recepção. A data de recepção efectiva da notificação pelo assistente foi posterior à data presumida pela lei. O erro da secretaria ao calcular o início do prazo para requerer a abertura de instrução, indicando um prazo mais favorável ao recorrente, não pode prejudicar a parte, devendo o prazo mais favorável ser mantido em conformidade com o artigo 161.º, n.º 6 do CPC. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I. RELATÓRIO 1.1. No processo instrução número 859/23.3JAPDL, do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, S.R.Pico - Juízo C. Genérica, foi proferido despacho a rejeitar o requerimento de abertura de instrução interposto pelo assistente com fundamento na sua extemporaneidade. * 1.2. Discordando daquele despacho de rejeição, o assistente AA veio interpor recurso, com as seguintes conclusões: (transcrição) (…) 1. AA, assistente nos autos, não se conformando com o despacho de indeferimento do requerimento de abertura de instrução, proferido pelo JIC do Tribunal recorrido, com a referência citius 56924531, com fundamento na sua extemporaneidade, vem apresenta r recurso, apresentando a sua motivação; 2. A aqui mandatária do recorrente AA, remeteu no dia 22.01.2024, com a referência Citius 56575348, via e-mail para o tribunal, requerimento destinado á constituição do seu constituinte, recorrente AA, como assistente e ainda requereu a abertura de instrução, conforme documento que junta para os devidos efeitos legais - Cf. Doc. 1 3. Foi deferida a intervenção do recorrente AA, nos autos, como assistente, nos termos dos artigos 68º nº 1 aliena a) e nº 4, 69º,70 nº 1, 519º nº 1 do CPD, mas indeferido o requerimento de abertura de instrução, por extemporâneo, nos termos do artigo 287 nºs 1 e 3 do CPP, conforme despacho recorrido, com a referência citius 56924531 4. Vejamos o quadro legal em causa. Segundo o art.º 287º, nº 1 do CPP, a abertura de instrução pode ser requerida no prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento. 5. Por sua vez, segundo o art.º 113º do mesmo compêndio legal: 1 – As notificações efetuam-se mediante: a) Contacto pessoal com o notificando e no lugar em que este for encontrado; b) Via postal registada, por meio de carta ou aviso registados; c) Via postal simples, por meio de carta ou aviso, nos casos expressamente previstos; ou d) Editais e anúncios, nos casos em que a lei expressamente o admitir e nº 2 - Quando efetuadas por via postal registada, as notificações presumem-se feitas no 3º dia útil posterior ao do envio, devendo a com inação aplicável constar do ato de notificação. 6. ln casu, a notificação do despacho de arquivamento foi efetuada através de carta registada enviada ao recorrente AA em 27-11-2023, como se alcança do teor do documento que se junta para os devidos efeitos legais, tendo esta carta no tracking dos CTT relativamente ao Objeto - carta enviada com registo identificada na carta de notificação com o código RE RE759339858PT, documento que se junta para os devidos efeitos legais, sido rececionada pelo ofendido, aqui recorrente, no dia 19.12.2023 - Cf. Doc. 2 e 3 7. Informando o teor da notificação ao recorrente AA, que o prazo para responder começa a contar no 5º dia depois da esta carta ser deixada na sua caixa de correio. 8. Por sua vez a notificação do arquivamento á aqui mandatária do Recorrente, que aqui se junta para os devidos efeitos legais, foi enviada através de carta registada, rececionada/entregue em 20.12.2023, a BB, conforme se comprova através de documento emitido pelos CTT com a RE 988338753PT, que aqui também se junta para os devidos efeitos legais - CF. Doc. 4 e 5 9. Trata-se, consequentemente, de um plus relativamente à via postal simples prevista na alínea c) do nº 1 do art.º 113º acima citado. 1 O. Uma vez que foi utilizada pela secretaria uma via mais garantística (no sentido de obter uma certeza sobre a realização da notificação) para efetivar a notificação, a questão que se coloca é a de saber se, não obstante a carta contendo a notificação ter sido efetivamente recebida pelo destinatário, com a consequente assinatura do registo por via eletróncia do CTT, se ainda assim se deve obedecer à presunção prevista no artigo 113º, nº 2 do CPP. 11. Vejamos. "As presunções legais dividem-se, quanto à sua força probatória, em relativas ou juris tantum, que admitem prova em contrário, e absolutas ou juris et de jure, que não admitem a possibilidade de prova em contrário. 12.As presunções legais relativas constituem a regra." 13. Resulta ser assim meridianamente claro que a presunção prevista no nº 2 do artigo 113º do CPP, não tendo sido explicitado pelo legislador o seu carácter inilidível, deve ser considerada meramente relativa. 14. Tratando-se de uma presunção meramente relativa, também resulta evidente que a data em que a notificação é efetivamente recebida pelo destinatário, que assina o respetivo registo aquando da receção do serviço postal deve ser a data em que se considera realizada aquela notificação, assim se considerando ilidida a presunção legal estabelecida. Nesse exato sentido se pronuncia o Acórdão da Relação do Porto de 21.06.2000[2], onde se afirma o seguinte: "Repare-se que o atual Código de Processo Penal não exige que a notificação por carta registada seja acompanhada por aviso de receção. E sendo enviada simples carta registada torna-se incerto o momento em que esta é recebida pelo destinatário." 15. Daí que se compreenda que a lei tenha estabelecido uma presunção a ficcionar a data em que a notificação se considera efetuada; mas, se se souber a data exata em que o notificando recebeu a notificação (pela aposição da data e assinatura) nada justifica que o mesmo não seja notificado nessa data." 16. Trata-se de uma interpretação que, privilegiando o princípio da verdade processual e não pondo em causa quaisquer das garantias legais do notificando, não é inconstitucional. 17. Nestes termos, o requerimento de constituição de assistente bem como o requerimento de abertura de instrução foram remetidos via e mail para o tribunal de São Roque do Pico, no dia 22 de janeiro de 2024, pelo que resulta indiscutível que, se considerarmos como início do prazo a data da notificação, o requerimento de abertura de instrução deu entrada dentro do prazo legal. 18. Entendemos, porém, que deve atender-se ao seguinte: A nota de notificação da requerente do despacho de arquivamento (cuja certidão se encontra a fls. dos autos), menciona que a destinatária (SIC) "tem o prazo de vinte dias para querendo, requerer a abertura da instrução ( ... ) tendo para o efeito de se constituir assistente". Mais consta expressamente de tal nota que os prazos indicados se iniciam "partir do quinto dia útil posterior depois da carta ser deixada na sua caixa de correio" 19. Uma vez que, como acima vimos, a data em que foi efectivamente rececionada a nota de notificação não corresponde ao 3º dia útil posterior ao do registo postal, resta saber qual das datas deve ser, em concreto, atendida. Repare-se que já não se trata aqui de saber em que data foi efetuada a notificação, questão resolvida supra. A questão agora traduz-se na definição do termo inicial para a contagem do prazo para requerer a abertura da instrução. 20. Entendemos que, na prática e em concreto, o que a secretaria fez foi, indevidamente, indicar como data do início do mencionado prazo que, em concreto, se veio a revelar ser posterior à efetiva notificação, o que se traduz na extensão objetiva do prazo para requerer a abertura da instrução e para constituição de assistente. 21. Trata-se de uma situação em tudo análoga àquela em que a secretaria erra na indicação de um prazo para a prática de um ato processual, assinalando um prazo superior ao legalmente estabelecido, o que impõe que o notificado venha impugnar a data de receção da notificação, o início da contagem do prazo e a data limite de apresentação do requerimento de abertura de instrução e, consequentemente, o despacho de indeferimento do requerimento de abertura da instrução 22. Quis juris? Entendemos que a solução se encontra no disposto no art.º 161º, nº 6 do CPC. Recorde-se que, de acordo com tal norma, os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes. Sobre tal normativo, diz-nos Lebre de Freitas (et alt.) "[o] n. 6 estabelece a regra de que a parte não pode ser prejudicada por erro ou omissão da secretaria judicial. Esta regra implica, por exemplo, que o ato da parte não pode "em qualquer caso" ser recusado ou considerado nulo se tiver sido praticado nos termos e prazos indicados pela secretaria, embora em contrariedade com o Legalmente estabelecido (...)." 23. Este princípio tem tido aplicação jurisprudencial (ao que sabemos) uniforme no que respeita à específica questão da indicação pela secretaria de um prazo superior para a prática de ato processual, afirmando-se que deve ser tal prazo erradamente assinalado o efetivamente levado em conta, não se prejudicando o destinatário da notificação. (neste sentido podem ver-se os Acórdãos da Relação de Lisboa de 23.10.1985, in BTE, 2ª série, números 7-8-9/87, página 1258, de 23.05, de 23.05.1996, in BMJ 457, página 431 e da Relação de Évora de 04.03.1999, in BMJ 485, página 496) 24. Podemos afirmar que esta solução (concessão do prazo mais favorável indevidamente indicado) é a única " ... que garante a imprescindível tutela da confiança, como elemento de um processo equitativo, confiança que sairia certamente abalada quando o tribunal, dando um sinal no sentido de um acto produzir determinados efeitos, afinal, como que "dando o feito por não feito" e retirando quaisquer efeitos ao ato judicial praticado ( ... ) acaba por tirar o que acabara de conceder à parte." (Acórdão da Relação de Lisboa de 06.11.2008 proferido no Processo 7993/2008-6 e disponível em www.dgsj.pt) 25. Uma vez que se trata de um caso omisso no CPP e que o disposto no art.º 161º nº 6 do CPC (tutelando o princípio da confiança dos intervenientes processuais nas indicações que os tribunais lhes transmitem) se harmoniza com o processo penal, deve este normativo aqui também aplicar-se, nos termos do art.º 4º do CPP. 26. Nestes termos e considerando que, in casu, foi expressamente indicado pela secretaria ao notificando na nota de notificação uma data para o início do prazo para requerer a abertura da instrução e constituição de assistente mais favorável (ou seja, posterior) à data da efectiva notificação, deve ser aquela levada em conta em detrimento desta. 27. Assim, atendendo a que foi entregue ao destinatário, aqui recorrente, a notificação de arquivamento no dia 19.12.2023, conforme registo de entrega dos CTT - cf. documento 2 aqui junto, iniciou-se a contagem do referido prazo no dia 20.12.2024, terminando o prazo para a prática do ato no dia 22 de janeiro de 2024, segunda-feira, data da prática do ato. 28. Todavia como foi rececionada a carta pelo Recorrente, informando, que o prazo para responder começa a contar no 5º dia, depois de a carta ser deixada na caixa do correio, conforme documento 2 aqui junto, o recorrente considera-se notificado no dia 24.12.2023, terminando o prazo para a prática do ato no dia 23.01.2024. 29. A advogada do recorrente por sua vez foi notificada no dia 20 .12.2023, começando a contagem do prazo no dia 21.12.2023, e terminando o prazo para a prática do ato para requerer a abertura de instrução no dia 23 de janeiro de 2024, terça-feira, tendo esta remetido à secretaria o requerimento de abertura de instrução no dia 22.01.2023, data da prática do ato. 30. Nestes termos e por tudo o exposto, tendo o requerimento de abertura da instrução dado entrada dentro do prazo Legal, requer-se que se dê provimento ao recurso. (…) * 1.3. O MP apresentou resposta ao recurso interposto pelo assistente pugnando pela sua procedência. Como fundamento da sua posição argumentou: “consultando a pesquisa de objetos dos CTT, verificamos que o registo RE988338753PT, respeitante à notificação do denunciante, foi entregue no dia 20 de dezembro de 2023, pelo que a notificação se considerou efetuada ao denunciante no 5.º dia útil seguinte, ie, no dia 8 de janeiro de 2024. Assim sendo, o ora assistente poderia requerer a abertura da instrução até ao dia 28 de janeiro de 2028. Pelo que, smo, assiste razão ao assistente. * 1.4. O Sr. Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso da assistente deverá proceder, sufragando os fundamentos de facto e de direito invocados na resposta do MP. * 1.5. Notificado deste parecer, nos termos e para efeitos do n.º 2 do art.º 417.º do Código de Processo Penal, não foi deduzida qualquer resposta. * 1.6. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência. * II. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. Dispõe o art.º 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem, pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso. Assim, atentas as conclusões formuladas pelo assistente, e conforme indicado na motivação, a questão a apreciar é muito simples e resume-se a saber se o requerimento de abertura de instrução foi deduzido dentro do prazo processual previsto no art.º 287º, nº 1 do CPP. * 2.2. O despacho recorrido tem o seguinte teor: (transcrição) (…) Veio o assistente, AA, requerer a abertura de instrução. Cumpre averiguar se não se verifica alguma das causas que determinam a rejeição do requerimento, nos termos do artigo 287.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, isto é, a extemporaneidade, a incompetência do juiz ou a inadmissibilidade legal da instrução. Dispõe o art.º 287.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Penal que “a abertura da instrução pode ser requerida, no prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento: b) Pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação”. Por seu turno, estabelece o n.º 3 do citado normativo que “o requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução”. Compulsados os autos, verifica-se que o assistente e a respetiva mandatária foram notificados do despacho de arquivamento no dia 27.11.2023. Ora, por força do disposto no artigo 113.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, a notificação presume-se efetuada no terceiro dia útil posterior ao do envio. Assim, ficaram notificados no dia 30.11.2023, pelo que o prazo para apresentação do requerimento de abertura de instrução seria até o dia 20.12.2023 podendo, eventualmente, ser apresentado até o 3.º dia posterior com o pagamento da respetiva multa processo cf- artigo 139.º n.º 5 CPC e artigo 107.º-A do Código de Processo Penal. In casu, o requerimento de abertura de instrução foi remetido aos autos no dia 23.01.20224 (ref. Citius 56575348). Ocorre que a abertura da instrução foi requerida fora do prazo legal, mesmo se fossem considerados os 3 dias com possibilidade de multa processual. Face ao exposto, indefere-se, por extemporâneo, o requerimento de abertura de instrução do assistente AA – cf. artigo 287.º, n.ºs 1 e 3, do CPP. (…) * 2.3. CUMPRE DECIDIR É de considerar os seguintes elementos processuais: ln casu, a notificação do despacho de arquivamento foi efectuada através de carta registada enviada ao ora recorrente em 27-11-20231. A notificação do arquivamento, efectuada à Sra. Advogada do Recorrente, foi enviada, através de carta registada, rececionada/entregue em 20.12.2023 (CTT com a RE 988338753PT). O requerimento de abertura de instrução foi remetido aos autos no dia 23.01.20224 (ref. Citius 56575348). No n.º 3 do artigo 277º do Código de Processo Penal estabelece-se que o despacho de arquivamento é comunicado “ao arguido, ao assistente, ao denunciante com faculdade de se constituir assistente e a quem tenha manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil nos termos do artigo 75º, bem como ao respetivo defensor ou advogado.” dispondo o nº 4 do mesmo artigo 277º quanto ao modo como essas comunicações devem ser efectuadas. Ao despacho de arquivamento apenas podem reagir o assistente, requerendo a abertura de instrução nos termos do artigo 287º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal, ou o assistente e o denunciante com a faculdade de se constituir assistente, requerendo a intervenção hierárquica, nos termos do artigo 278º do mesmo código. Tendo em consideração a data de 20 de Dezembro de 2023 (notificação do despacho de arquivamento à Sra. Advogada) e a data da entrada em juízo do requerimento para a abertura de instrução (23.01.20224 - ref. Citius 56575348), pergunta-se: o ora assistente poderia requerer a abertura da instrução até ao dia 28 de Janeiro de 2028, pelo que ainda estava em tempo em 23.01.2024? Como é sabido, o Decreto-Lei n.º 121/76, de 11 de Fevereiro, introduziu alterações significativas no regime das notificações postais. Este diploma aboliu a necessidade de aviso de recepção, tornando obrigatório o registo postal e estabelecendo uma presunção de notificação ao terceiro dia após o registo ou, quando este dia não fosse útil, no primeiro dia útil subsequente, não produzindo efeitos antes dessa data. No seu artigo 1.º, n.º 4, o diploma instituiu uma presunção ilidível, concedendo ao notificado a possibilidade de provar que a notificação não ocorreu ou ocorreu em data posterior à presumida, desde que tal se devesse a motivos alheios à sua responsabilidade. O artigo 2.º determinou a aplicação deste regime a todos os processos, independentemente da sua natureza, revogando qualquer disposição contrária, inclusive as de carácter especial. O propósito do legislador foi eliminar a obrigatoriedade do aviso de recepção nas notificações, uma vez que a ausência deste criava incerteza quanto à data efectiva de recepção da carta. Para colmatar esta lacuna, foi instituída a presunção legal da notificação no terceiro dia após o registo, facilitando a determinação da data de notificação sem necessidade de prova da data exacta da entrega ao destinatário. Esta presunção, contudo, poderia ser afastada, se o notificado demonstrasse que a recepção da notificação ocorreu em data posterior, por razões que não lhe fossem imputáveis. Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, integrou o regime do Decreto-Lei n.º 121/76 no Código de Processo Civil, no artigo 254.º. Assim, o n.º 2 deste artigo passou a prever que "a notificação postal presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja". O n.º 4 do mesmo artigo manteve a presunção ilidível, permitindo ao notificado afastá-la mediante prova de que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não fossem imputáveis. Este regime foi mantido nas alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, passando a figurar nos n.ºs 3 e 6 do artigo 254.º. Sintetizando o regime das Notificações Postais em Processo Civil Este regime de notificações postais segue os seguintes princípios fundamentais: a) A presunção de notificação é estabelecida com uma dilação de três dias após a data de registo, conferindo uma margem de segurança para eventuais atrasos no serviço postal. b) Uma vez expedida a carta sob registo, presume-se, por juris tantum, que a carta foi entregue ao notificando no terceiro dia posterior ao registo ou no primeiro dia útil seguinte, caso o terceiro dia não seja útil. c) Esta presunção só pode ser ilidida se o notificado provar que a carta não lhe foi entregue ou foi entregue em data posterior à presumida, por motivos não imputáveis ao próprio. Regime das notificações no Processo Penal O Código de Processo Penal de 1987, na sua versão original, não previa a notificação por via postal registada ou simples. A Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, veio alterar o artigo 113.º do Código de Processo Penal, admitindo as notificações por via postal registada e por via postal simples. O n.º 2 do artigo 113.º passou a estabelecer que as notificações efectuadas por via postal se presumem feitas no terceiro ou quarto dia útil após o envio, conforme haja ou não registo, devendo a cominação aplicável constar do ato de notificação. Mais tarde, o Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro, alterou novamente o artigo 113.º, estabelecendo que as notificações efectuadas por via postal registada presumem-se feitas no terceiro dia útil posterior ao envio. Este regime difere do processo civil, pois no Código de Processo Penal, a expressão "3.º dia útil posterior ao do envio" refere-se ao terceiro dos três dias úteis subsequentes ao envio. Nas notificações por via postal simples, o n.º 3 do artigo 113.º fixa como data da notificação o quinto dia posterior à data do depósito da carta na caixa do correio do notificando. O Código de Processo Penal não prevê, expressamente, como pode ser afastada a presunção estabelecida no artigo 113.º, n.º 2. No entanto, à semelhança do regime do processo civil, entende-se que a presunção só pode ser afastada a pedido do notificado e no seu interesse. In casu, considerando as datas elencadas e o prazo para deduzir o pedido de abertura de instrução torna o requerimento apresentado a 8 de Janeiro de 2024, tempestivo. Pelo exposto, conclui-se pela procedência do recurso. O despacho recorrido é revogado, não existindo fundamento para a sua rejeição por extemporaneidade, devendo ser substituído por outro que decida pela sua admissão (ou não), que não a extemporaneidade. * III – DISPOSITIVO Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação em conceder provimento ao recurso interposto pelo assistente e, consequentemente, revogam a decisão recorrida devendo ser substituída por outra que admita o requerimento de abertura de instrução e declare aberta a instrução, caso não exista outro fundamento para a sua não admissão. Sem custas. Lisboa e Tribunal da Relação, 23-10-2024 Alfredo Costa Margarida Ramos de Almeida Ana Guerreiro da Silva Processado e revisto pelo relator (art.º 94º, nº 2 do CPP). O relator escreve de acordo com a anterior grafia _______________________________________________________ 1. Tracking dos CTT relativamente ao objecto - carta enviada com registo identificada na carta de notificação com o código RE759339858PT, e recepcionada no dia 19.12.2023, informando que o prazo começaria a contar do 5º dia a iniciar aquando depósito na sua caixa de correio. |