Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ADEODATO BROTAS | ||
Descritores: | CONTRATO DE TRANSPORTE TRANSPORTADOR MULTIMODAL TRANSPORTE AÉREO TRANSPORTE TERRESTRE CONVENÇÃO DE MONTREAL | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/12/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1- O transportador multimodal é visto como aquele que se obriga a fazer transportar a mercadoria, que percorrerá o trajecto combinado, envolvendo diferentes vias de comunicação e, eventualmente, diferentes transportadores de facto. 2- Se for efectuado transporte terrestre no âmbito de um contrato de transporte aéreo, para efeitos de carregamento, entrega ou transbordo, presume-se, salvo prova em contrário, que o dano na mercadoria resultou de evento ocorrido durante o transporte aéreo (artº 18º nº 4, segunda parte, da Convenção de Montreal). 3- No caso de avaria de mercadorias, deverá ser feita uma reclamação, por escrito perante o transportador (artº 31º nº 3 Convenção de Montreal) no prazo imperativo de 14 dias, o qual, não sendo cumprido, precludirá a faculdade de pedir civilmente uma indemnização ao transportador (artº 31º nº 4 da Convenção de Montreal). | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: I-Relatório. 1- A [ ….Lda.] instaurou acção declarativa, com processo comum, contra B [ RM, Lda ] pedindo a condenação da ré: a) A indemnizar a autora, a título de responsabilidade civil contratual, no montante de € 26.045,12 (vinte e seis mil e quarenta e cinco Euros e doze cêntimos) de danos patrimoniais; b) A indemnizar a autora, a título de danos patrimoniais por perda de chance, no montante de € 162.500,00 (cento e sessenta e dois mil e quinhentos Euros); c) A indemnizar a autora, a título de responsabilidade civil por ofensas ao bom nome e ao crédito, no montante de € 50.000,00 (cinquenta mil Euros), de danos não patrimoniais. Alegou, em síntese, que contratou a ré para efectuar um serviço de transporte de um stand para a Feira de Argel; a ré atrasou-se no pedido da Carnet ATA e do Atestado de Participação na Feira que teve como consequência a chegada tardia do stand à Feira de Argel; além disso, o stand chegou ao destino com vários danos. 2- Citada, a ré apresentou contestação, impugnando a matéria alegada pela autora, alegando, designadamente, que os documentos em causa tinham de ser solicitados pela autora e não pela ré; e que não houve comunicação atempada dos danos. 3- Realizou-se audiência prévia, na qual se procedeu à prolação de despacho saneador, à identificação do objecto do litígio e à enunciação dos temas da prova. 4- Teve lugar a audiência final e foi proferida sentença, com o seguinte segmento decisório: “Tendo em atenção as considerações expendidas e as normas legais citadas, julga-se a acção improcedente e, em consequência absolve-se a Ré RM, LDA. dos pedidos formulados pela Autora A, LDA.” 5-Inconformada, a autora interpôs o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES: i) Não pode a recorrente conformar-se com a decisão expressa pelo Tribunal recorrido, razão pela qual apresenta o presente Recurso, o qual versará, prima facie, sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto e, a posteriori, sobre a fundamentação jurídica aduzida pelo Tribunal a quo e que, data venia, é manifestamente desadequada, omissa e contraditória nos seus termos e fundamentos; ii) Nos termos e para os efeitos previstos na alínea a), do n.º 1, do artigo 640.º do CPC, indicam-se de seguida os concretos pontos de facto que, na perspectiva da recorrente, foram incorrectamente julgados e que são os que estão elencados na lista da matéria de facto dada como não provada, ou seja: a) Consequência de um indevido acondicionamento do stand no âmbito do transporte aéreo (artigo 105.º da petição inicial); b) A projecção de facturação que a Autora tinha para a Feira Internacional de Argélia era de, no mínimo, 162.500,00 € (artigo 167.º da petição inicial); iii) É convicção da recorrente que, à luz dos elementos probatórios constantes dos autos, tais questões de factos deveriam ter sido dadas como provadas, nos termos e para os efeitos da alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC. iv) No que ao primeiro ponto da matéria de facto impugnada diz respeito (“Consequência de um indevido acondicionamento do stand no âmbito do transporte aéreo - artigo 105.º da petição inicial), os concretos meios probatórios que, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, impõem decisão diversa são: a) prova documental junta aos autos, nomeadamente dos documentos 43 e 44; b) depoimento da testemunha LN - Ficheiro n.º 20180516102826_2762752_2870708, de 0:14:54:1 a 0:16:24.8; c) depoimento prestado pela testemunha arrolada pela Ré, LS (ficheiro n.º 20180410103910_19371245, de 0:14:29.4 a 0:18:29.1); v) Com base nos concretos meios de prova discriminados no ponto anterior, impõe-se concluir, por conseguinte, que os danos comprovadamente registados na mercadoria surgiram em consequência de um indevido acondicionamento do stand no âmbito do transporte aéreo efectuado, o que foi imediatamente registado e percepcionado à chegada da mercadoria ao aeroporto de Argel pelas autoridades alfandegárias e na presença de funcionários da TA Algérie, subcontratada da Ré. vi) No que ao segundo ponto da matéria de facto ora impugnada diz respeito (“a projecção de facturação que a Autora tinha para a Feira Internacional de Argélia era de, no mínimo, 162.500,00 € - artigo 167.º da petição inicial”) – os concretos meios de prova que importa valorar por este Venerando Tribunal da Relação são os que de seguida se enunciam: a) depoimento da testemunha A B - Ficheiro nº.20180409111405_19371245_2871034, de 0:02:14.4 a 0:03:51.8; b) depoimento da testemunha L N - Ficheiro n.º 20180516102826_2762752_2870708, de 0:01:18.3 a 0:01:59.3; c) declarações de parte prestadas pelo legal representante da autora, J P, em sede de audiência de discussão e julgamento (Ficheiro n.º 20180409101156_19371245_2871034, de 0:36:49.4 a 0:54:59.1); vii) No que à matéria de direito diz respeito, o Tribunal a quo limitou-se a referir, sintética, contraditória e lacunarmente, no que à responsabilidade pelo atraso na entrega da mercadoria na Feira Internacional da Argélia diz respeito, que “dos autos não resulta que a obrigação da obtenção desse atestado de participação na feira competia à Ré, mas sim decorria de uma obrigação da Autora em obtê-lo”. viii) Como questão prévia, há que proceder à concreta e correcta qualificação jurídica do contrato celebrado entre Autora e Ré, para, subsequentemente, se poder subsumir o mesmo ao regime jurídico respectivo: in casu, estamos perante um contrato de transporte aéreo, que é o negócio jurídico celebrado entre duas partes e no qual uma delas se obriga ao transporte de pessoas ou coisas, por via aérea, de um ponto geográfico para o outro, mediante remuneração pelo serviço prestado. ix) Tal qualificação do contrato celebrado entre as partes (como sendo um contrato de transporte), do qual resulta uma prestação de resultado (traduzida numa prestação de facere), não é colocada em crise pelo Tribunal a quo, porquanto o aresto ora colocado em crise salienta que “(...) constitui uma obrigação de resultado, cujo cumprimento implicará a efectiva deslocação (ou – no caso do transporte de mercadorias – a deslocação a entrega) nos termos convencionados. x) O contrato de transporte aéreo é, por natureza, dotado de especial complexidade, porquanto não se esgota na mera movimentação de pessoas e/ou objectos entre um ponto de partida e ponto de chegada. xi) Tal movimentação constitui a obrigação principal subjacente à relação contratual ora em análise, uma vez que define o módulo da relação. xii) O Tribunal a quo reconhece adequadamente tal complexidade inerente a esta figura contratual, sustentando que “naturalmente que a obrigação que recai sobre o transportador não envolve, simplesmente, a mera movimentação, em quaisquer circunstâncias, das pessoas ou dos bens de um lugar para o outro: o transportador fica obrigado a fazer deslocar os passageiros ou as coisas em termos que aqueles ou estas cheguem incólumes, íntegros, ao local estipulado”. xiii) Estamos, consabidamente, perante uma relação obrigacional complexa, no âmbito da qual, paralelamente com a existência da obrigação principal, se configuram um conjunto de deveres secundários e acessórios. xiv) In casu, a obrigação de obtenção do atestado de participação na feira era incumbência da Ré (ou das suas subcontratadas), tratando-se de uma obrigação acessória da prestação principal, sem o cumprimento da qual a prestação principal não seria adequadamente realizada. xv) Tal entendimento é corroborado pela análise dos docs.15 e 16 juntos com a PI, é coerente com os factos provados n.ºs 14, 20, 21, 23 e 24 e é a que melhor se coaduna com o teor do depoimento das testemunhas M.F. (consultora e prestadora de serviços da Ré - Ficheiro n.º 20180410095920_19371245_2871034, de 0:20:05.4 a 0:21:31.0), L A (gestor de eventos …- Ficheiro n.º 20180409122425_19371245_2871034, de 0:12:37.9 a 0:13:44.9), A.B. - Ficheiro nº. 20180409111405_19371245_2871034, de 0:15:31.1 a 0:17:15.0 e L N - Ficheiro n.º 20180516102826_2762752_2870708, de 0:11:17.6 a 0.12:00.2; xvi) E, nesse sentido, atento o incumprimento dos deveres que incumbiam à Ré no âmbito da relação contratual, praticou esta um facto ilícito, consistindo aqui a ilicitude no incumprimento na entrega da mercadoria dentro prazo contratualizado no local de destino; xvii) Tal facto ilícito é culposo, uma vez que a subcontratada da recorrida não diligenciou no sentido de obter a documentação imprescindível ao desalfandegamento da mercadoria em tempo útil, desde logo, porque não cumpriu com os requisitos impostos pela organização da Feira para que os transitários procedessem ao levantamento do atestado de participação, podendo e devendo fazê-lo. xviii) Conforme factualidade assente pela instância recorrida, após o representante legal da Autora ter logrado obter o original do referido atestado de participação na Feira, a subcontratada da Ré informou a Autora que bastava o envio do documento por email, o que se revelou errado e contribuiu para acentuar o atraso no desalfandegamento e entrega da mercadoria em dois dias, circunstância que resulta, com evidência, da prova documental junta aos autos (doc.24 junto com a PI) – neste sentido, vide os factos 27 e 28 constantes da lista da matéria de facto dada como assente. xix) Ainda que assim não fosse, sempre seria de ter em conta que, atenta a relação contratual existente entre as partes, caberia à Ré recorrida lograr ilidir a presunção de culpa constante do artigo 799.º do Código Civil, norma essa que foi violada na decisão a quo, uma vez que inexiste qualquer prova ou facto assente que permita ao Tribunal ilidir tal presunção legal de culpa. xx) No que aos danos na mercadoria diz respeito, da prova constante dos autos resulta que a mercadoria chegou danificada ao aeroporto de Argel, na sequência do transporte aéreo, e subsequentemente entregue danificada no recinto da Feira Internacional de Argel, uma vez que os decks e painéis de acrílico que compunham o stand se encontravam partidos e, assim, não estava em condições de utilização e exposição. xxi) O regime legal segundo o qual se pauta a disciplina do contrato de transporte aéreo é aquele que se encontra consagrado na Convenção para a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional, vulgo, Convenção de Varsóvia. xxii) Advém da leitura conjugada das normas que a Convenção de Varsóvia contém, nos seus arts. 18.º e 20.º, uma presunção contra o transportador, que só é exonerado de culpa se provar que ele e os seus ‘propostos’ tomaram as medidas necessárias a evitar o dano ou que lhes era impossível tomá-las; xxiii) A decisão a quo violou tais normas legais, porquanto inexiste qualquer prova que permita ilidir tal presunção legal de culpa; xxiv) Mesmo que assim não se entendesse no que concerne à invocada aplicabilidade da Convenção para a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional, vulgo, Convenção de Varsóvia, sempre subsistiria a presunção legal de culpa inerente à responsabilidade civil contratual, nos termos do artigo 799.º do Código Civil, e que a Ré não logrou ilidir, norma essa que também foi violada com a decisão de que ora se recorre; xxv) Considerando os factos provados em audiência prévia constante das alíneas a) e b), e bem assim os factos provados n.ºs 4, 6, 7, 12, 15, 35, 37, 38, 39, 40, a Autora teve danos patrimoniais que ascendem 25.905,42 € e que são consequência directa e necessária dos factos ilícitos e culposos praticados pela recorrida. xxvi) Conforme referido no ponto I, e atenta a respectiva impugnação da decisão sobre a matéria de facto, é entendimento da recorrente que se deve dar como assente que a Autora tinha uma projecção de facturação para a Feira Internacional de Argélia no valor de 162.500,00 €, pelo que a não presença no referido certame em condições condignas imporia a atribuição à recorrente de tal valor indemnizatório. xxvii) Sem prescindir, e mesmo que assim não se entendesse, sempre haveria que atribuir um montante indemnizatório à recorrente a título de perda de chance, atendendo, designadamente, aos pontos 41 e 42 dados como provados; xxviii) O dano da perda da chance deve ser avaliado em termos hábeis, de verosimilhança e não segundo critérios matemáticos, sendo o quantum indemnizatório fixado atendendo às probabilidades de o lesado obter o benefício que poderia resultar da chance perdida. xxix) Para além dos danos patrimoniais, reclama a Autora a responsabilidade civil da Ré a título de danos não patrimoniais, por ofensas ao bom-nome e ao crédito, pela sua conduta grosseiramente negligente, nos termos conjugados dos artigos 70.º, 160.º e 496.º do Código Civil, 6.º do Código das Sociedades Comerciais e 26.º da Constituição da República Portuguesa, normas que foram expressamente desconsideradas pela decisão a quo e que impõem uma adequada compensação pelos danos causados não inferior a 20.000,00 €. TERMOS EM QUE, E NOS MELHORES DE DIREITO, DEVERÃO V. EXAS. DETERMINAR A REVOGAÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA, SUBSTITUINDO-A POR OUTRA QUE CONDENE A RÉ NO PAGAMENTO DA QUANTIA DE 25.905,42 € A TÍTULO DE DANOS PATRIMONIAIS, A QUE ACRESCE O MONTANTE DE 162.500,00 € A TÍTULO DE PERDA DE CHANCE (OU, SEM PRESCINDIR, E CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, NO MONTANTE QUE SE REVELAR EQUITATIVAMENTE JUSTO A RESSARCIR TAL PERDA DE CHANCE), E O MONTANTE DE 50.000,00 € A TÍTULO DE DANOS NÃO PATRIMONIAIS. 6- A apelada contra-alegou, apresentando as seguintes CONCLUSÕES: 1) A Autora e Recorrente manifestou o seu desacordo com a douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, acusando-a de ter feito uma insuficiente análise da matéria de facto e uma incorrecta aplicação da matéria de direito. 2) Sempre com o mais elevado respeito que sempre é devido, a Ré e Recorrida não pode concordar com as razões, nem de facto nem de direito, que a Recorrente aponta para apoiar o seu recurso, porque não lhe assiste qualquer razão na apreciação que faz dos factos. 3) A análise feita de toda a prova carreada para os presentes autos foi devidamente apreciada e valorada pelo Digníssimo Tribunal “a quo”, não merecendo, assim, qualquer reparo a decisão proferida. Vejamos: 4) Pretende a Recorrente que seja dado como provado o seguinte facto: “Consequência de um indevido acondicionamento do stand no âmbito do transporte aéreo”, e isto porque, entende que resultou provado que a mercadoria chegou danificada ao recinto da Feira Internacional de Argel. 5) Não se coloca em crise que a mercadoria chegou danificada ao recinto da Feira Internacional de Argel, o que sempre se reconheceu, conforme factos n.ºs 32.º e 33ºdados como provados na douta Sentença. 6) O que se coloca em crise é que tais danos tenham sido consequência de um indevido acondicionamento do stand no âmbito do transporte aéreo. 7) E como tal, decidiu o Tribunal “a quo” bem ao dar o facto como não provado, porque, durante toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento, não se provou que os danos que a mercadoria apresentava tenham sido provocados durante o transporte aéreo. 8) Prova da correta convicção e boa decisão da Mm.ª Juiz do Tribunal “a quo” são as declarações das testemunhas da Autora, A B (gravação áudio das 11:14:07 às 11:54:20 do dia 09/04/2018 - minutos 38 a 41) e da Ré, M F (gravação áudio das 09:59:22 às 10:38:00 do dia 10/04/2018 - minutos 13 a 18) e L S (gravação áudio das 10:39:12 às 11:04:18 do dia 10/04/2018 - minutos 2 a 9), prestadas na audiência de julgamento dos dias 09 e 10/04/2018. 9) Dos depoimentos referidos, dúvidas não restam de que não ficou provado que os danos registados na mercadoria surgiram em consequência de um indevido acondicionamento do stand no âmbito do transporte aéreo efectuado; pelo contrário, tudo leva a crer que a mercadoria foi mal acondicionada, ainda em Évora, por uma empresa contratada pela Autora para o efeito, tendo o stand sido entregue à T A, para transporte (terrestre e depois aéreo), já embalado/fechado numa caixa de madeira aglomerada. 10) Se a mercadoria chegou danificada a Argel, não significa que tenha sido mal manuseada (mas sim que foi mal embalada), porque a embalagem não apresentava sinais exteriores de dano ou pancada. 11) A Ré desconhecia o estado da mercadoria quando a mesma foi transportada pela TA, pois a Autora nunca nenhuma prova fez da condição dos bens. 12) Quando uma mercadoria, após um transporte, chega danificada ao seu destino há procedimentos obrigatórios a cumprir pelo seu expedidor, o que a Autora não permitiu fazer. 13) A Autora devia ter reclamado por escrito e apresentado fotografias dos danos, porque a Ré e/ou a TA tinham de efectuar uma reclamação junto da Companhia Aérea Air Algerie e nos prazos legais para o efeito, conforme estabelecido na Convenção de Montreal. 14) Para apurar da eventual responsabilidade da Companhia Aérea era necessário saber se a embalagem exterior da mercadoria estava danificada ao chegar ao destino ou não, porque aquela apenas se responsabiliza por mercadorias danificadas cujas embalagens chegam danificadas ao destino, e isto porque a mercadoria pode chegar danificada não por causa do transporte aéreo mas por causa de ter sido mal embalada/acondicionada desde o início. 15) Se foi um mau acondicionamento apenas o cliente ou a entidade que efectuou o embalamento pode ser responsabilizada, sendo certo que não foi a Ré nem a TA quem acondicionou a carga da Autora em Évora, Portugal. 16) Nos documentos da companhia aérea, tanto no embarque como à chegada, não existem reservas, anotações ou observações. 17) Pelo exposto, não tem a Recorrente qualquer razão no alegado no ponto 15 das suas Alegações de recurso. 18) Mais, pretende também a Recorrente que seja dado como provado o seguinte facto: “ A projecção de facturação que a Autora tinha para a Feira Internacional de Argélia era de, no mínimo, € 162.500,00”. 19) Ora, mais uma vez, não assiste à Recorrente razão porque das declarações de parte do gerente da Autora, J P, e dos depoimentos das testemunhas da Autora, A B e L N, todos transcritos pela Recorrente, nenhuma prova da veracidade do facto se retira. 20) Em nenhum momento das declarações das pessoas referidas se retira que o valor de facturação previsto era de € 162.500,00 e que o facto de o stand não ter sido montado frustrou essa projecção, porque o stand não foi montado mas os representantes da Autora estiveram presentes na Feira e podiam, ou não, ter realizado negócios. 21) Assim, também não tem a Recorrente qualquer razão no alegado no ponto 19 das suas Alegações de recurso. 22) A Recorrente não apresenta uma única prova que conteste a matéria dada como não provada pelo Tribunal “a quo”. 23) A prova de um facto não resulta, regra geral, de um só depoimento ou de parte dele, como aqui pretende a Autora, mas da conjugação de todos os meios de prova carreados para os autos. 24) Portanto, na reapreciação da prova a fazer pelo Tribunal da Relação, não se pode procurar obter uma nova convicção a todo o custo, que é o que pretende a Recorrente, mas verificar se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável, atendendo aos elementos que constam dos autos, e aferir se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto, sendo necessário, de qualquer forma, que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido. 25) Para que a Relação altere e, consequentemente, substitua a decisão da matéria de facto do Tribunal “a quo” não é suficiente um qualquer erro, porque este erro tem de ser manifesto, visivelmente contrário às regras da ciência, lógica e experiência, apontando, decisiva e inequivocamente, para o julgamento do facto no sentido diverso daquele que foi decidido. 26) Não se encontram razões bastantes para alterar a factualidade apurada pelo Tribunal “a quo” porque a Mm.ª Juiz de Direito fez a sua valoração da prova produzida, com apresentação da respectiva motivação de facto, na qual explicitou os vários meios de prova (depoimentos testemunhais e documentos) que concorreram para a formação da sua convicção. 27) Na verdade, de acordo com as regras da experiência, e em conclusão, claramente se compreende que: - Dos depoimentos das testemunhas L N, L F e L S, não puderam confirmar que os danos se verificaram por um indevido acondicionamento do stand no âmbito do transporte aéreo, assim como o depoimento da testemunha A B e as declarações de parte de J P não foram suficientes para demonstrar a projecção de facturação para a feira e o seu montante, como bem refere, na douta sentença a Mm.ª Juiz do Tribunal “a quo” (cfr. págs. 10, 11 e 12 da douta Sentença). 28) Por outro lado, esteve muito bem o Tribunal “a quo” quando decidiu que “dos autos não resulta que a obrigação da obtenção desse atestado de participação na feira competia à Ré, mas sim decorria de uma obrigação da Autora em obtê-lo”. 29) Dos documentos juntos aos autos a fls. 37 e 38, 40 e 41 e do depoimento das testemunhas da Autora, A B L F e L S, dúvidas não restam de que a obtenção do Atestado de Feira era uma obrigação da Autora e não fazia parte das obrigações contratuais e acessórias da Ré, pois logo que esta foi contratada pela Autora para o serviço, informou a ora Recorrente dos documentos necessários para o transporte, nomeadamente que seria necessário o Carnet ATA, o passaporte com visto do representante da Autora e um Atestado de Participação na Feira (que não é um despacho alfandegário) e que a Autora teria de os obter (cfr. documentos n.ºs 3, 4 e 5 juntos com a Contestação da Ré a fls… dos autos) e, tanto assim foi que, a ora Recorrente tratou, de imediato, de o pedir com urgência à SAFEX. 30) Se tal fosse obrigação acessória da Ré, a Autora teria de impugnar a matéria dada como provada na douta Sentença nos pontos 16, 17, 19 a 26, inclusive, o que não fez, de onde claramente se retira que era obrigação da Autora, e não (acessória) da Ré, a obtenção do documento. 31) Vejamos a ampla e relevante prova testemunhal arrolada pela Autora e Ré que provam, sem margem para dúvidas, de que a obtenção do Atestado de Participação na Feira (tal como do Carnet Ata) era uma obrigação da própria Autora: Declarações da testemunha A B prestadas na audiência de julgamento do dia 09/04/2018 (gravação áudio das 11:14:07 às 11:54:20 - minutos 31 a 34); Declarações da testemunha M F prestadas na audiência de julgamento do dia 10/04/2018 (gravação áudio das 09:59:22 às 10:38:00 - minutos 4 a 13) e Declarações da testemunha L S prestadas na audiência de julgamento do dia 10/04/2018 (gravação áudio das 10:39:12 às 11:04:18 - minutos 9 a 13). 32) Era, assim, obrigação da Autora entregar à Ré o Atestado da Feira, porque nunca esta e/ou T A tiveram obrigação de obter este documento, nem para tal foram contratadas pela Autora. 33) A gestão da Ré e/ou TA na obtenção dos documentos (Carnet ATA e Atestado da Feira), foi sempre com o objectivo de ajudar o cliente, ora Recorrente, a obtê-los de forma mais célere e nunca como sendo uma obrigação sua, acessória à prestação de serviços contratada. 34) À data de 17/05/2017, não era do conhecimento da Ré e/ou TA a necessidade do pagamento de uma inscrição e prestação de caução pelo transitário para este proceder ao levantamento do atestado. 35) Como ficou provado em sede de audiência de julgamento, estas normas haviam sido implementadas muito recentemente pelo novo Director Comercial da SAFEX e com a finalidade de evitar que os stands ficassem abandonados depois da Feira, como aconteceu noutros certames anteriores. 36) As organizações das feiras sempre enviaram, por e-mail e aos clientes, sem qualquer restrição, os atestados das feiras, pois são documentos sem conotação especial que apenas atestam/ afirmam que o expositor estará presente a expor na Feira. 37) Sucede que as regras, entretanto, mudaram e naquele período prévio à Feira, sem que a Ré e/ou a TA tivessem prévio conhecimento ou culpa no sucedido. 38) O atestado poderia sempre ser entregue em mão ao cliente expositor (europeu), sem quaisquer restrições, mas a Safex já exigia à TA Argélia (nativos argelinos) a inscrição na Feira e o pagamento de uma caução, valores estes que a TA não era obrigada a pagar, pois não era obrigada a estar inscrita na Feira excepto para este efeito. 39) A Autora nunca pediu à TA que se inscrevesse e pagasse a caução; só o deveria fazer em “último recurso” (cfr. 26 junto com a PI – Email de A B a TA Argélia). 40) O Atestado de Participação na Feira deveria ter sido enviado atempadamente pela Autora à Ré, ou seja, com a restante documentação solicitada quando a carga ainda estava em Portugal, como foi pedido por esta, em 17 e 18/05/2016. 41) A Autora foi sempre informada, desde o início, que sem esse documento compulsório para ser apresentado na Alfândega local, esta não aceitaria finalizar autorizar o levantamento da carga para entrega na Feira (cfr. Doc. n.º 5 junto com a Contestação). 42) Ninguém contava com as novas regras implementadas, em período pré-feira, pela SAFEX, pelo que não pode a Ré e/ou TA serem responsabilizadas pelo atraso na obtenção deste documento, quando a obrigação de o obter era da Autora, como as testemunhas da Ré expressamente declararam na audiência de discussão e julgamento, e não uma obrigação acessória da Ré como a Autora faz crer. 43) A Ré cumpriu atempadamente com a obrigação de transporte (terrestre e aéreo), desde Portugal (Évora) até Argélia (Argel) com a consequente entrega da mercadoria na Feira em Argel; se a mercadoria chegou atrasada à Feira em virtude de o Atestado não ter sido obtido atempadamente, tal não é responsabilidade da Ré, conforme claramente ficou provado em audiência de julgamento. 44) Por outro lado, dos depoimentos das testemunhas e conforme supra referido, dúvidas não restam de que não ficou provado que os danos registados na mercadoria surgiram em consequência de um indevido acondicionamento do stand no âmbito do transporte aéreo efectuado. 45) A Recorrente ignorou por completo o pedido da Ré, não tendo reclamado por escrito nem enviado nenhuma fotografia dos danos; porém, pretende agora responsabilizar a Ré em virtude da alegada presunção legal de culpa do transportador no âmbito do contrato de transporte aéreo. 46) Ora, a pretensão da Recorrente é, com o devido respeito, “absurda”! Como é que quer responsabilizar o transportador aéreo se não permitiu reclamar o sinistro junto do mesmo? Se não permitiu a este apurar os factos para que pudesse, ou não, ilidir a sua responsabilidade? 47) A Autora devia ter reclamado por escrito e apresentado fotografias, porque a Ré e/ou a TA tinham de efectuar uma reclamação junto da Companhia Aérea Air Algerie e nos prazos legais para o efeito, conforme estabelecido na Convenção de Montreal. 48) A mercadoria chegou bem ao aeroporto de Lisboa, pelo que nenhuma reserva foi colocada no respectivo Air Waybill (= Carta de Porte Aéreo). 49) Pelo exposto, não tem a Recorrente qualquer razão no alegado nos pontos 104 e 105 das suas Alegações de recurso. 50) A Ré cumpriu com o contrato celebrado com a Autora, nomeadamente, por si e através do transitário contratado, a TIBA Portugal, com o frete e serviços conexos necessários ao transporte aéreo da mercadoria e sua entrega no stand na Feira. 51) A Ré não incumpriu com a obrigação de obtenção do Atestado de participação na feira, pois a obrigação de o obter, e atempadamente, era da própria Autora, conforme já alegado e provado. 52) A Ré também não tem qualquer responsabilidade na mercadoria danificada, porque nunca a Autora reclamou e provou que os danos na mesma foram provocados durante o transporte aéreo de Portugal para a Argélia. 53) A Autora violou as suas obrigações contratuais ao não reclamar formalmente o sinistro junto da Ré, impossibilitando que esta, por sua vez, reclamasse junto da TA e da Companhia Aérea que efectuou o transporte. 54) Consequentemente, não há lugar ao pagamento da quantia total peticionada a título de danos patrimoniais porque não houve incumprimento contratual por parte da Ré. 55) Mais, a Ré nenhum ilícito cometeu, pelo que nunca pode ser responsabilizada por indemnização a pagar à Autora a título de “perda de chance”. 56) Também nenhuma ofensa a Ré praticou sobre o alegado bom-nome e crédito que a Autora possa ter na praça, pelo que igualmente não é responsável pelo pagamento de qualquer quantia a título de danos não patrimoniais. 57) Se tivesse havido a “colossal” responsabilidade da Ré que a Autora lhe imputa, com certeza que esta não contrataria a Ré para lhe efectuar posteriormente outros transportes, o que efectivamente fez, entre junho e agosto de 2016 para Southampton (UK) e Trondheim (Noruega), conforme provam os documentos juntos aos autos com a Contestação da Ré sob os n.ºs 17, 18, 19 e 20. 58) Por tudo quanto supra fica exposto, conclui-se que não havendo responsabilidade da Ré nem da TA nos factos alegados, não pode aquela ser responsabilizada. 59) Na realidade, a Ré, por si e/ou através da TA, prestou todos os serviços a que se obrigou e se existiu o atraso na entrega da mercadoria na Feira, tal não ficou a dever-se a conduta imputável à Ré e/ou TA. 60) Pelo exposto, a Ré não é responsável pelo pagamento de nenhum dos valores reclamados pela Recorrente a título de indemnização. TERMOS em que, deve a douta Sentença recorrida ser integralmente confirmada, dando-se por improcedente o recurso, com as legais consequências. *** II-Fundamentação. 1-Objecto do Recurso. É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC/13) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC/13) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC/13) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC/13) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida. Assim, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, são as seguintes as questões que importa analisar e decidir: a)- A Impugnação da Matéria de Facto: se há fundamento para dar como provados os factos alegados nos pontos 105 e 167 da petição inicial; b)- A responsabilidade da ré pelos danos sofridos pela autora. Vejamos estas questões. Previamente, importa elencar a matéria de facto considerada na sentença sob recurso. *** 2-Factualidade considerada na sentença. A sentença recorrida considerou a seguinte factualidade: “DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA Factos já provados na audiência prévia: A - Em meados de Maio de 2016, a Autora A, LDA. contactou a Ré R M, LDA. para proceder ao transporte, por via aérea, do stand de Évora, Portugal, para Argel, Argélia, tendo acordado o valor de € 5.970,00 (cinco mil e novecentos e setenta escudos) – artigo 22.º da petição inicial. B – Valor facturado pela Ré em 20 de Maio de 2016, mediante a factura n.º FT 16/58 – artigo 23.º da petição inicial. C – A Ré é uma empresa unipessoal de consultoria inscrita no sistema de classificação das actividades económicas com o CAE Principal n.º 52291 - artigo 24.º da petição inicial. D – De acordo com o SICAE, são actividades da Ré: “as actividades de organização do transporte por terra, mar ou ar, interno ou internacional por conta do expedidor ou pelo destinatário, envolvendo, nomeadamente, actividades no âmbito da planificação, controlo, coordenação e direcção das operações necessárias à execução das formalidades e trâmites exigidos na expedição, recepção e circulação de mercadorias. Inclui as agências de navegação e outros agentes de transporte e grupagem de cargas, assim como a embalagem e desembalagem com o objectivo de proteger os bens em trânsito” - artigo 25.º da petição inicial. E – A Ré, no seu site oficial, declara a sua actividade da seguinte forma: “A R M é especialista em transporte de mercadorias, marítimo, aéreo ou terrestre, nacional ou internacional, encontrando-se particularmente vocacionada para transportes marítimos de Carga Geral e Contentorizada, com especial incidência nos PALOP e, nomeadamente, para e de Angola. Disponibiliza ainda um leque de serviços que complementam a oferta, como: Despachos Alfandegários e respectivos trâmites; Pedidos de inspecções (obrigatórias ou facultativas), com acompanhamento directo de todo o processo; Sobreposição de viaturas (carga rolante); Soldadura dos veículos sobrepostos e dos respectivos acessórios, na óptica da prevenção de eventual furto (faróis, bateria, etc); Enchimento de contentores e transporte até ao cais.” - artigo 26.º da petição inicial. F – Para proceder ao envio aéreo do stand, a Ré subcontratou a empresa TA Portugal - artigo 27.º da petição inicial. G – O carnet ATA é um documento alfandegário internacional que permite a entrada temporária de mercadorias em mais de 108 países e regiões, com o limite de um ano, sem pagamentos aduaneiros - artigo 30.º da petição inicial. H – O carnet ATA permite desalfandegar os bens previamente, a um custo fixo predeterminado; retornar a mercadoria ao seu país de origem sem problemas e atrasos; promover o trânsito das mercadorias dentro do território aduaneiro, sem a necessidade de controlos específicos; e é certificado pela autoridade aduaneira - artigo 31. º da petição inicial. I – As iniciais “ATA” provêm das palavras francesas e inglesas “Admission Temporaire/Temporary Admission” - artigo 32.º da petição inicial. J – O carnet ATA permite, mediante autorização da empresa titular dos bens a serem transportados, a representação legal por parte de empresas de transporte, de forma a validar o documento junto das alfândegas, in casu, a Ré - artigo 33.º da petição inicial. Factos provados na audiência final: 1 – A Autora é uma empresa que tem por objecto o comércio, representação, fabricação, importação, exportação, construção, montagem e reparação de embarcações e outras construções metálicas, estruturas, peças, acessórios e equipamentos (artigo 1.º da petição inicial). 2 – A Autora está, desde o início do ano de 2016, a empreender um projecto de internacionalização, com o apoio do programa “Portugal 2020”, que prevê, entre outras acções, a participação em Feiras Internacionais, no sentido de divulgar a sua marca, produtos e serviços, com o objectivo de criar oportunidades de negócio em novos mercados por todo o Mundo (artigo 2.º da petição inicial). 3 – A Autora organizou a sua participação na 49.ª edição da FIA – Feira Internacional de Argel, que decorreu de 28 de Maio a 2 de Junho de 2016 (artigo 3.º da petição inicial). 4 – Para tal, procedeu à inscrição e locação de um espaço na FIA – Feira Internacional de Argel, tendo a Autora pago o valor total de 3.305,25 dólares (artigo 9.º da petição inicial). 5 – Tendo considerado para o evento a deslocação e estadia de 3 (três) representantes da Autora e o transporte do seu próprio stand para o local do evento (artigo 10.º da petição inicial). 6 – As deslocações dos 3 (três) representantes da Autora custaram € 1.072,45 (mil e setenta e dois Euros e quarenta e cinco cêntimos) (artigo 11.º da petição inicial). 7 – A estadia para os 3 (três) representantes da Autora em Argel, no período em que durou a Feira, custou € 4.342,40 (quatro mil e trezentos e quarenta e dois Euros e quarenta cêntimos) (artigo 12.º da petição inicial). 8 – Para que a sua presença fosse notada, a Autora considerou fundamental uma aposta na componente visual do seu expositor na referida Feira (artigo 13.º da petição inicial). 9 – De forma a sobressair dos restantes expositores e demonstrar, utilizando argumentos visuais, o profissionalismo e credibilidade da Autora (artigo 14.º da petição inicial). 10 – O stand era composto por um branding forte, de formas salientes e proeminente, de cor azul e branca, chão elevado em madeira, iluminação forte, sofás azuis para acolher potenciais clientes (artigo 19.º da petição inicial). 11 – E um espaço de trabalho reservado, incorporado no stand, com mesa e cadeiras de escritório, com privacidade necessária para permitir estabelecer contactos e/ou fechar negócios (artigo 20.º da petição inicial). 12 – O custo de construção do stand foi de € 7.626,00 (sete mil e seiscentos e vinte e seis Euros), tendo a Autora pago o referido valor ao construtor do mesmo, sito em Évora, tendo em vista a sua apresentação na Feira de Argélia (artigo 35.º da contestação). 13 – A Autora pediu o carnet ATA à Câmara do Comércio e Indústria Portuguesa (parte do artigo 29.º da petição inicial). 14 – O carnet ATA foi levantada pela Ré na Câmara do Comércio e Indústria Portuguesa no dia 18 de Maio de 2016 e respectiva factura/recibo (parte do artigo 34.º da petição inicial). 15 – Pelo qual pagou o valor de € 355,05 (trezentos e cinquenta e cinco Euros e cinco cêntimos), sendo € 164,00 (cento e sessenta e quatro Euros) relativo ao pedido urgente (em 24 horas) (artigo 35.º da petição inicial). 16 – Em 17 de Maio de 2016, informados pela Ré de que era preciso um atestado de participação na Feira, a Autora solicita, através de correio electrónico, à Société Algérienne des Foires et Expositions (SAFEX), um pedido urgente do referido atestado (parte do artigo 37.º da petição inicial). 17 – Em 18 de Maio de 2016, a Autora reforça, novamente via correio electrónico, o pedido para que lhe seja remetido por email o atestado de participação na Feira (artigo 38.º da petição inicial). 18 – No dia 18 de Maio de 2016, o stand foi levantado em Évora para entrega, por vai aérea, até 25 de Maio de 2016 em Argel (artigo 39.º da petição inicial). 19 – A 19 de Maio de 2016, a Autora solicita, mais uma vez, o atestado de participação na Feira, com o aviso expresso de que, perante a ausência de resposta aos sucessivos emails por parte da SAFEX, a Autora corria o risco a ficar sem um stand na Feira Internacional de Argel (artigo 41.º da petição inicial). 20 – A 22 de Maio de 2016, a Autora recebeu um email da SAFEX com o seguinte teor: “Peço desculpa não lhe ter respondido, mas foi involuntário pois mudamos de escritório e tivemos problemas de ligação. Para o atestado, se você tem um transitário aqui na Argélia, diga-lhe para se apresentar na SAFEX para o levantar. São as novas regras do director comercial. Recebemos o pagamento, obrigada. (…)”. 21 – No dia 24 de Maio de 2016, a Autora remete um email para a Ré com o seguinte teor: “Enviei de seguida uma declaração para que possam levantar o documento na SAFEX que envio para si para que possa enviar para os seus colaboradores que segue em anexo. Peça para eles se dirigirem ao guichet unique e pedirem o documento, nunca nos foi dito nada em relação a isso no entanto vou ver essa situação.” 22 – A Ré disponibilizou-se para que um representante da subcontratada TIBA fosse levantar o atestado de participação na Feira (parte do artigo 45.º da petição inicial). 23 – A 24 de Maio de 2016, a Autora toma conhecimento das condições exigidas pela SAFEX para o transitário poder levantar o atestado (parte do artigo 48.º da petição inicial). 24 – Foi solicitado o pagamento de € 600,00 (seiscentos Euros) de valor de inscrição do transitário junto da SAFEX, para posterior entrega do atestado na Feira, assim como o pagamento de uma caução no valor de € 2.000,00 (dois mil Euros) a ser devolvido no final da Feira ao transitário, após o levantamento da carga (artigo 49.º da petição inicial). 25 – No dia 26 de Maio de 2016, a Autora remete um email para a T A group com o seguinte teor: “Relativamente ao problema com a falta de atestado de participação na Feira Internacional da Argélia, para nos permitir obter o nosso stand e entrega-lo na Feira, o problema reportado pela organização é de que a TAG ROUP não está registada como fornecedor. A taxa que lhes pedem pelo vosso registo é para garantir que vocês vão retirar o stand após a Feira. Em anexo têm 2 novas declarações para tentar obter o documento. A estratégia é dizer que são representantes da A e não referir que são transitários. (…) Se os problemas se mantiverem podem pagar a taxa e nós pagamos-vos na chegada à Argélia”. 26 – No dia 27 de Maio de 2016, chegaram à Argélia os representantes da Autora que se deslocaram à SAFEX para obter o atestado de participação na Feira e que lhes foi entregue (artigo 82.º da petição inicial). 27 – Foi enviado o atestado de participação na Feira por email para a subcontratada da Ré pela SAFEX no dia 27 de Maio de 2016 (parte do artigo 87.º da petição inicial). 28 – No dia 29 de Maio de 2016, a Autora foi informada pela subcontratada da Ré que teriam de entregar o original do atestado de participação na Feira, na posse da Autora, às autoridades alfandegárias argelinas para proceder ao desalfandegamento do stand (parte do artigo 88.º da petição inicial). 29 – A Autora enviou ao aeroporto um funcionário com o original do atestado de participação na Feira (parte do artigo 95.º da petição inicial). 30 – No dia 29 de Maio de 2016, um funcionário da subcontratada deslocou-se à Feira e obteve o original de participação na Feira da Autora (artigo 99.º da petição inicial). 31 – A Autora recepcionou o stand na Feira no dia 30 de Maio de 2016 (parte do artigo 100.º da petição inicial). 32 - Quando a Autora quis proceder à instalação do stand verificou que o mesmo veio danificado, com a grande maioria dos materiais a não estarem em condições de poderem ser utilizados (artigo 103.º da petição inicial). 33 - Nomeadamente, o deck e os painéis de acrílico, que se encontravam partidos (artigo 104.º da petição inicial). 34 – A Autora contratou a empresa TIR para proceder ao transporte por via rodoviária da Feira Internacional de Argel, Argélia, para a sede da Autora,… (artigo 109.º da petição inicial). 35 – A Autora pagou à empresa TIR a quantia de € 2.000,00 (dois mil Euros) (artigo 112.º da petição inicial). 36 – A Autora procedeu à alteração dos voos de regresso da sua colaboradora L N e do seu agente C P (artigo 113.º da petição inicial). 37 – Tendo pago, por esta alteração nos voos, a quantia de € 466,94 (quatrocentos e sessenta e seis Euros e noventa e quatro cêntimos) (artigo 114.º da petição inicial). 38 – A Autora despendeu € 926,53 (novecentos e vinte e seis Euros e cinquenta e três cêntimos) com refeições. 39 – A Autora despendeu € 92,57 (noventa e dois Euros e cinquenta e sete cêntimos) com transportes. 40 – A Autora despendeu a quantia de € 244,68 (duzentos e quarenta e quatro Euros e sessenta e oito cêntimos) com o aluguer TV e mobiliário. 41 – As expectativas de negócio que a Autora tinha para esta Feira foram defraudadas pelo facto de não ter um stand para se apresentar aos clientes e utentes da Feira (artigo 153.º da petição inicial). 42 – Com a ausência de um stand capaz de receber e de chamar a atenção dos potenciais interessados na actividade desenvolvida pela Autora, perdeu a Autora a chance de concretizar negócios durante a Feira (artigo 155.º da petição inicial). * MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA Dos factos alegados, não resultaram provados os seguintes factos: a) Consequência de um indevido acondicionamento do stand no âmbito do transporte aéreo (artigo 105.º da petição inicial). b) A projecção de facturação que a Autora tinha para a Feira Internacional de Argélia era de, no mínimo, € 162.500,00 (artigo 167.º da petição inicial). *** 3.1- A Impugnação da Matéria de Facto. A apelante pretende se considerem provados os factos que alegou nos pontos 105 e 167 da petição inicial. Para tanto, diz que da análise conjugada dos documentos 43 e 44 com os depoimentos das testemunhas L N e L S, resulta provado o mencionado ponto 105 da petição inicial. E, quanto ao ponto 167 da petição inicial, dos depoimentos das testemunhas A B, L N e das declarações de parte do representante da autora J P, aquele facto deve considerar-se provado. Opinião contrária tem a apelada: entende não haver fundamento para a pretendida alteração da matéria de facto. Importa apreciar. Previamente, porém, convém ter presente que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção, face ao qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção firmada acerca de cada facto controvertido, tendo porém presente o princípio a observar em casos de dúvida, consagrado no artigo 414º do C.P.C., de que a “dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita”. Conforme é realçado por Ana Luísa Geraldes (“Impugnação e Reapreciação da Decisão da Matéria de Facto”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. I. Coimbra, 2013, págs 590 e segs., concretamente, 609), “Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela 1ª instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte”. E mais à frente remata: “O que o controlo de facto em sede de recurso não pode fazer é, sem mais, e infundadamente, aniquilar a livre apreciação da prova do julgador construída dialecticamente na base dos referidos princípios da imediação e da oralidade.” (A e ob. cit., pág. 610). Assim, apesar de se garantir um duplo grau de jurisdição, tal deve ser enquadrado com o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, previsto no artº 607º nº 5 do CPC/13 sendo certo que decorrendo a produção de prova perante o juiz de 1ª instância, este beneficia dos princípios da oralidade e da mediação, a que o tribunal de recurso não pode já recorrer. De acordo com Miguel Teixeira de Sousa, (Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 347) “Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (…) estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (…) Esta apreciação baseia-se na prudente convicção do Tribunal sobre a prova produzida (art.º 655.º, n.º1), ou seja, as regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência”. Assim, para que a decisão da 1ª instância seja alterada haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que deu como assentes. Porém, e apesar da apreciação em primeira instância construída com recurso à imediação e oralidade, tal não impede a “Relação de formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das provas, tal como a 1ª instância, sem estar de modo algum limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida (…) Dito de outra forma, impõe-se à Relação que analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, de modo a apreciar a sua convicção autónoma, que deve ser devidamente fundamentada” (Luís Filipe Sousa, Prova Testemunhal, Almedina, 2013, pág. 389). Dito isto, vejamos o caso dos autos. A juíza da 1ª instância motivou a sua decisão quanto à matéria de facto do seguinte modo: “De toda a prova documental, o Tribunal teve em consideração, em especial: - Contrato de sociedade por quotas de fls. 19 vs. a 20, que fundamenta o facto referido em 1.; - Factura junta a fls. 21, para o facto referido em 4.; - Facturas de fls. 22 a 26, para o facto referido em 6.; - Facturas de fls. 27 a 32, para o facto referido em 7.; - Factura de fls. 33, para o facto referido em 12.; - Factura/recibo de fls. 36, para o facto referido em 15.; - Mails de fls. 37 a 38, para os factos referidos em 16. e 17.; - Mails de fls. 40 a 41, para o facto referido em 19.; - Mail de fls. 43 a 44, para o facto referido em 20.; - Mail de fls. 46 vs. a 47 vs. e declaração de fls. 48 vs., para o facto referido em 21.; - Mail de fls. 49 vs., para o facto referido em 23.; - Mail de fls. 61, para o facto referido em 25.; - Factura de fls. 68 vs., para os facto referidos em 34. e 35.; - Facturas de fls. 70 e 70 vs., para os factos referidos em 36. e 37.; - Documentos de fls. 71 vs. a 74 vs., para o facto referido em 38.; - Documentos de fls. 76 a 79 vs., para o facto referido em 39. E, - Documento de fls. 80 vs., para o facto referido em 40.. Declarações de parte de J P O Legal representante da Autora, em declarações de parte, confirmou o objecto social da sociedade (facto provado em 1.), bem como o projecto de internacionalização (facto provado em 2.) e a sua organização na Feira Internacional (facto provado em 3.). Referiu ainda que para a participação na Feira, foi considerado a deslocação e a estadia de 3 representantes, bem como o transporte do próprio stand (facto provado em 5.). Confirmou ainda a solicitação do pagamento junto à SAFEX (facto provado em 24.). Referiu de forma clara que as expectativas de negócio foram defraudadas pelo facto de não ter um stand na Feira, tendo perdido a chance de concretizar negócios durante a Feira (factos provados em 41. e 42.). No entanto, quanto ao facto não provado em b), as suas declarações não foram suficientes para demonstrar a projecção de facturação para a Feira e o seu montante. Prova testemunhal A B, relações públicas da Autora, foi quem preparou tudo para a organização da Feira em Argel. Explicou de forma genérica o programa “Portugal 2020” (facto provado em 2.). Descreveu ainda o stand que foi encomendado pela Autora a Évora (facto provado em 8. a 11.). Explicou ainda que o problema estava relacionado com o atestado de participação na Feira, sendo ela própria que contactou com a SAFEX, tendo sido referido que era necessário a TA pagar e caucionar (facto provado em 24.). Referiu ainda que o levantamento do atestado só foi resolvido pelo Legal Representante da Autora quando chegou a Argel, confirmando que a Ré informou que era necessário o Carnet ATA e o Certificado (facto provado em 16.). L N, contabilista da Autora desde 2014, também era uma das três representantes da Autora a deslocar-se para Argel. Explicou de forma genérica o programa de internacionalização “Portugal 2020” (facto provado em 2.). Esclareceu que a Autora procedeu ao pagamento da sua participação na Feira (facto provado em 4.) e que a Autora despendeu cerca de € 400,00 para a antecipação dos voos (facto provado em 37.), cerca de € 1.000,00 em viagens (facto provado em 6.) e cerca de € 4.000,00 em estadia (facto provado em 7.), cerca de € 2.000,00 com o transporte de volta para Portugal do stand (facto provado em 35.). Descreveu os acontecimentos desde o dia 27 de Maio de 2016, altura em que chegaram os representantes da Autora, a ida à SAFEX (facto provado em 26.), o envio do atestado via mail (facto provado em 27.), a necessidade do original do atestado (facto provado em 28.), o envio de um funcionário ao aeroporto com o original (facto provado em 29.) e confirmou a entrega do stand no dia 30 de Maio (facto provado em 31.). Tendo visto o stand à chegada Feira, descreveu os danos que observou na altura, tal como os pórticos e o deck (factos provados em 32. e 33.). No entanto a mesma não poderia confirmar que os danos se verificaram por um indevido condicionamento do stand no âmbito do transporte aéreo (facto não provado em a)). Quanto aos prejuízos, falou de forma genérica dos prejuízos directos, num montante global de € 25.000,00, incluindo o valor do stand, não sabendo o valor da reparação ou mesmo se o stand foi reparado, pelo que nesta parte, o seu depoimento foi extremamente conclusivo, sem qualquer tipo de suporte objectivo. L A, gestor da AIP, apenas confirmou que o Stand chegou dois dias após o início da Feira (facto provado em 31.) e que a Autora não chegou a montar o stand, pelo que a Autora não tinha impacto nenhum, afectando por isso a imagem da Autora. M F, consultora, que presta serviços à Ré, confirmou a solicitação do serviço pela Autora à Ré e explicou os documentos que eram necessários à exportação transitória, dizendo ainda foram solicitados esses documentos à Autora (carnet ATA e atestado na Feira). Esclareceu, aliás como todas as testemunhas inquiridas, que o problema no atraso da entrega do stand na feira deveu-se ao atraso na obtenção do Atestado de participação na Feira, mas que este havia sido solicitado atempadamente à Autora. O problema deveu-se também ao facto de a SAFEX ter mudado algumas regras, nomeadamente quanto à exigência do transitário pagar uma caução para garantir o levantamento do stand finda que estivesse a Feira. Explicou, de forma coerente, que o certificado poderia ser levantado pelo próprio sem qualquer custo adicional, sendo que foi o que aconteceu no caso concreto e que a Autora informou que só em último caso é que a TIBA procederia ao pagamento da caução. Quanto aos danos na mercadoria, a testemunha referiu que informou o Sr. J. para fazer logo a reclamação e que não o fez, sendo que a carga foi entregue em Évora já embalada e embarcou no aeroporto de Lisboa, sem qualquer reserva. L S, operacional de carga aérea, foi a pessoa que tratou do transporte aéreo do stand em causa nos autos (trabalhava na TA Portugal). Referiu de forma clara que a Ré não teve qualquer intervenção no embalamento e que a testemunha alertou para um embalamento fraco porque no caso em causa a mercadoria era frágil, sendo que verificou que a embalagem por fora estava bem. Referiu ainda que o informaram de Argel que na inspecção havia sinais no interior de possíveis danos, mas que a embalagem continuava intacta (facto não provado em a)). Foi a própria testemunha que procedeu ao levantamento da Carnet ATA na Câmara do Comércio e Indústria Portuguesa (facto provado em 14.) e que foi ao aeroporto para se encontrar com o Sr. J para este assinar. Confirmou ainda que a TA Argel tentou levantar o Certificado a pedido da Autora e informaram que tinha de ser o próprio a levantar ou que era necessário a inscrição da TA na feira e pagamento de caução, ao que a Autora disse para esperar que tentariam resolver o problema, tendo sido a Autora a proceder ao seu levantamento.” Feita esta reprodução da motivação da matéria de facto, vejamos então se os meios de prova produzidos permitem modificar a matéria de facto nos termos preconizados pela apelante. Assim, quanto ao ponto 105º da petição inicial: “Que os danos verificados no stand foram consequência de um indevido acondicionamento no âmbito do transporte aéreo”. Verificando os meios de prova. Os documentos 43 e 44, juntos com a petição (fls 84 verso e 85 verso) mostram danos no stand. Os danos no stand estão (pacificamente) aceites pelas partes. De resto foram dados como provados nos pontos 32 e 33 dos Factos Provados. Mas a questão que a apelante pretende ver provada é a causa desses danos: segundo ela, originados por um indevido acondicionamento no âmbito do transporte aéreo. Ora, aquelas fotografias não são aptas a demonstrar a causa dos danos que elas mostram. E quanto aos depoimentos prestados? Pois bem, do depoimento da testemunha L N (minutos 14:29 a 18:29) não resulta demonstrada a causa dos danos no stand, apenas referiu que o stand estava danificado sem mencionar a causa desses danos. O mesmo se diga do depoimento da testemunha L S (minutos 14:29 a 18:29): não mencionou a causa dos danos. E esclareceu que a embalagem, à chegada à alfândega de Argel, não tinha danos exteriores (não houve rasuras); explicou a problemática do deficiente embalamento da carga (minutos 19:30 a 21:28). Portanto, destes meios de prova não resulta demonstrado o facto que a apelante pretende ver provado: os danos verificados no stand foram consequência de um indevido acondicionamento no âmbito do transporte aéreo. Aliás, a testemunha A B (minutos 37:33 a 40:01) disse não saber em (onde) em que momento do transporte, o stand sofreu danos. M F (minutos 15:12 a 17:50) disse não saber como é que o stand, por dentro, se encontrava embalado; e referiu não haver reservas da transportadora aérea nem na partida nem na chegada; esclareceu que era necessário proceder a uma peritagem da mercadoria danificada para determinar se os danos decorreram do embalamento ou do manuseamento e avisou o Sr. J para essa necessidade. L S (minutos 2:20 a 4:30) explicou que a mercadoria (o stand) foi transportada desde o fornecedor até ao aeroporto e depois para Argel; não tiveram qualquer intervenção no embalamento; chamou a atenção para o embalamento não ser de qualidade; explicou as características necessárias de um bom embalamento. Por conseguinte, não só não foi provado que os danos verificados no stand foram consequência de um indevido acondicionamento no âmbito do transporte aéreo, como, inclusivamente, foi criada a dúvida razoável sobre se a causa dos danos na mercadoria (o stand) não teve origem no deficiente embalamento. Em conclusão: não há fundamento para dar como provado o ponto 105 da petição inicial. Quanto ao ponto 167 da petição inicial. A apelante pretende que se dê como provado o ponto 167 da petição inicial: “A projecção de facturação que a Autora tinha para a Feira Internacional de Argélia era de, no mínimo, € 162.500,00.” Fundamenta essa pretensão nos depoimentos de A B (minutos 2:14 a 3:51), de L N (minutos 01:18 a 1:59) e nas declarações de parte de J P (minutos 36:49 a 54:59). Vejamos. Pois bem, do depoimento de A B decorre que ela referiu que foram feitas previsões para a participação na feira, mas não avançou qualquer valor. L N, disse que era costume fazer previsões para as feiras, mas que para a de Argel em concreto não sabia. J P, nas suas longas declarações de parte, também não foi peremptório no valor da perda de lucros derivada da circunstância de não terem montado o stand na feira; e apenas a uma pergunta explícita do Ilustre Mandatário da autora, sobre o montante do valor da perda de chance, referiu que com a realização do negócio que tinha expectativa de realizar (um barco no valor de cerca de 5 milhões de euros) teriam um lucro de cerca de 10%. As suas declarações de parte foram no sentido da factualidade dada como provada nos pontos 41 e 42 mas, como bem sintetiza a juíza da 1ª instância, “…quanto ao facto não provado em b), as suas declarações não foram suficientes para demonstrar a projecção de facturação para a Feira e o seu montante.” Portanto e concluindo: não há fundamento para dar como provado o ponto 167 da petição inicial. Em suma: improcede a pretendida modificação da matéria de facto. *** 3.2- A responsabilidade da ré/apelada pelo danos sofridos pela autora/apelante. Segundo a apelante é da responsabilidade da apelada a entrega tardia do stand, já após o início da feira, e danificado sem possibilidade de utilização. Fundamenta essa asserção, dizendo, por um lado, estarmos perante um contrato de transporte aéreo com a inerente obrigação de entrega da mercadoria no prazo acordado e sem danos; e, por outro lado, dizendo que a obrigação de obtenção de toda a documentação necessária para a movimentação da mercadoria, constituía uma obrigação acessória que competia à apelada, concretamente, a obtenção de atestado de participação na Feira, essencial ao desalfandegamento da mercadoria. Tendo incumprido os deveres que lhe competiam, actuou ilicitamente, presumindo-se a sua culpa. Que de acordo com a Convenção de Varsóvia, é estabelecida uma presunção de culpa do transportador que só é exonerado se provar que tomou todas as medidas necessárias a evitar o dano ou que lhe era impossível tomá-las. Será assim? Quer as partes quer a sentença referem que foi acordado um contrato de transporte de mercadoria, desde Évora até à Feira de Argel. Para uma primeira aproximação, concordamos que, efectivamente, entre a autora e a ré foi celebrado um contrato de transporte. No entanto, importa fazer algumas distinções e assentar conceitos. Deste modo, vejamos a noção deste contrato de transporte. Assim, contrato de transporte é aquele em que uma das partes (o transportador) se compromete/obriga perante outrem (passageiro ou carregador/expedidor) a fazer deslocar fisicamente, por si ou recorrendo a serviços de terceiro (por cuja prestação responderá) pessoas ou coisas de um lugar para outro (Cf. Nuno Castello-Branco Bastos, Direito dos Transportes, Almedina, 2004, pág. 48 e seg.). Consoante a via de comunicação atravessada, pode distinguir-se entre transporte terrestre, ferroviário, marítimo, aéreo ou em águas interiores. Atendendo ao objecto transportado, podemos falar de transporte de pessoas e transporte de coisas (bagagem e de mercadoria). Em razão do número de transportadores envolvidos. Pode tratar-se de transporte simples, quando é efectuado por um único transportador. Fala-se em transporte sucessivo quando intervenham diversos transportadores para diferentes segmentos do percurso, independentemente de utilizar diferentes vias de comunicação Pode ainda falar-se em transporte combinado ou multimodal, quando a deslocação de pessoas ou mercadorias implica o recurso a diferentes meios de transporte, destinados a vias de comunicação também diferentes, envolvendo transportadores diferentes. Neste tipo de transporte combinado ou multimodal para cada fase do percurso, aplica-se o regime de responsabilidade que lhe é próprio, assim, por exemplo, a Convenção de Bruxelas à fase marítima envolvendo diversos países, a Convenção de Montreal à fase aérea por diversos países e a CMR à parte da viagem terrestre internacional. Note-se que tratando-se de transporte terrestre que ocorra exclusivamente dentro do território nacional, há que convocar a aplicação do DL 239/2003, de 04/10. Sempre que se apure em que segmento do percurso ocorreu a causa do dano sofrido, aplica-se o respectivo regime de responsabilidade. Uma última nota relativamente ao transportador multimodal: é visto como aquele que se obriga a fazer transportar a mercadoria, que percorrerá o trajecto combinado, envolvendo diferentes vias de comunicação e, provavelmente diferentes transportadores de facto. Convém distinguir entre transportador contratual e transportador de facto, o que sucederá quando o transportador, verbi gratia, por não ter meios próprios e suficientes para acudir a todos os transportes que aceitou realizar, se socorre de terceiro(s) que realiza parte ou a totalidade do transporte. No caso de recurso a transportador de facto, o transportador contratualconserva perante o carregador a qualidade de devedor da prestação. No caso dos autos, estamos perante um transporte multimodal em que a ré se obrigou a fazer transportar mercadoria (um stand) entre Évora até Lisboa, por via terrestre e, de Lisboa a Argel por via aérea, recorrendo para o efeito a transportadores de facto, a TA e, a transportadora aérea argelina. Como se disse, sempre que se apure em que segmento do percurso ocorreu a causa do dano sofrido, aplica-se o respectivo regime de responsabilidade. Ora, no caso dos autos, não se apurou em que percurso, terrestre ou aéreo ocorreu a causa dos danos na mercadoria a transportar, se na fase de transporte terrestre nacional, se na fase de transporte aéreo. Caso se apurasse que o dano ocorreu no percurso terrestre entre Évora e Lisboa, aplicar-se-ia o regime de responsabilidade decorrente do DL 239/2003, de 04/10. Como não se provou (nem sequer foi alegado) que o dano na mercadoria ocorreu no percurso terrestre nacional, importa ter em consideração a Convenção de Montreal relativa à disciplina do transporte aéreo internacional. Pois bem, de acordo com o artº 1º nº 3 da Convenção “Para efeitos da presente Convenção, o transporte a realizar por várias transportadoras sucessivas é considerado um transporte único e indiviso caso tenha sido considerado pelas partes uma única operação, independentemente de ter sido acordado sob a forma de um único contrato ou de uma série de contratos, e não perde o seu carácter internacional pelo facto de um contrato, ou uma série de contratos, dever ser integralmente executado no território do mesmo Estado”. Note-se ainda, que de acordo com o artº 1º nº 4, a Convenção aplica-se igualmente aos transportes a que se refere o Capítulo V, nas condições nele previstas, ou seja, ao transporte aéreo efectuado por entidade diferente da transportadora contratual, ou transportador de facto. Ainda de acordo com o artº 18º nº 1 da Convenção, “A transportadora é responsável pelo dano causado em caso de destruição, perda ou avaria da mercadoria, desde que o evento causador do dano ocorra durante o transporte aéreo” entendendo-se como tal o período durante o qual a mercadoria se encontra à guarda da transportadora (artº 18º nº 3). Por regra, o período/percurso de transporte aéreo não compreende nenhum transporte terrestre… efectuado fora de um aeroporto (artº 18º nº 4, primeira parte). Porém, “…se for efectuado tal transporte no âmbito de um contrato de transporte aéreo para efeitos de carregamento, entrega ou transbordo, presume-se, salvo prova em contrário, que o dano resultou de evento ocorrido durante o transporte aéreo.” (artº 18º nº 4, segunda parte). Quer isto significar que, no caso dos autos, é de presumir que os danos na mercadoria ocorreram no âmbito do transporte aéreo. No que toca ao regime das reclamações perante avarias na mercadoria importa ter presente que o levantamento da mercadoria sem reclamação constituirá uma presunção relativa da chegada integral e em boas condições da carga registada, ou seja, na chegada no estado e com as características constantes do documento de transporte ou recibo de carga (artº 31º nº 1). No caso de avaria de mercadorias, deverá ser feita uma reclamação escrita perante o transportador (artº 31º nº 3). E essa reclamação, por escrito, deverá ser feita no prazo imperativo, o qual, não sendo cumprido, precludirá a faculdade de pedir civilmente uma indemnização ao transportador (artº 31º nº 4) – Cf. Nuno Castello-Branco Bastos, Direito dos Transportes, cit., pág. 345). No que respeita aos prazos, peremptórios de reclamação, estabelece o artº 31º nº 2 “Em caso de avaria, a pessoa habilitada a receber a bagagem ou mercadoria deve apresentar uma reclamação à transportadora imediatamente após a descoberta da avaria e, o mais tardar, sete dias a contar da recepção, caso se trate de bagagem registada, e 14 dias a contar da recepção, caso se trate de mercadoria. Em caso de atraso, a reclamação deve ser apresentada, o mais tardar, no prazo de 21 dias a contar da data em que a bagagem ou mercadoria foi colocada à sua disposição”. Ou seja, tratando-se de mercadoria, a reclamação deve ser apresentada por escrito no prazo máximo de 14 dias. Pois bem, no caso dos autos, a autora não apresentou essa reclamação, por escrito, no mencionado prazo. Ficou precludida a possibilidade de a autora exigir indemnização civil pelos danos ocorridos na mercadoria. Finalmente, uma última e breve nota. Entende a autora que sobre a ré impendia o dever, que qualifica como acessório, de obtenção de toda a documentação necessária para a movimentação da mercadoria, concretamente, a obtenção de atestado de participação na Feira, essencial ao desalfandegamento da mercadoria. Neste aspecto, concorda-se com a decisão da 1ª instância quando, na sentença escreveu “…dos autos não resulta que a obrigação da obtenção desse atestado de participação competia à Ré, mas sim decorria de uma obrigação da Autora em obtê-lo (como era a obrigação de obter a Carnet ATA e os vistos dos representantes), tanto mais que a própria Ré desde o início o solicitou à Autora, tendo esta apenas posteriormente solicitado à Ré, com o envio de uma declaração, para esta poder levantar o documento na SAFEX. Ora, o Tribunal entende assim que a obtenção do atestado de participação na feira não constituía uma obrigação acessória da Ré, pelo que não se lhe pode imputar o atraso na entrega do stand, e consequentemente responsabilizá-la pelos prejuízos daí advenientes”. De resto, é o que resulta do teor dos depoimentos das testemunhas que a sentença sintetiza. De todo o modo, o problema da não utilização do stand não resultou da entrega após o início da feira, mas da circunstância de se mostrar danificado. E, sobre este aspecto, já vimos que a autora deixou precludir o direito de obter indemnização pelos danos no stand. O recurso improcede. *** III- Decisão. Em face do exposto, acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa julgar o recurso improcedente, mantendo a decisão recorrida. Custas: pela apelante. Lisboa, 12 de Setembro de 2019 Adeodato Brotas Fátima Galante Gilberto Jorge |