Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CONCEIÇÃO SAAVEDRA | ||
Descritores: | INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL APERFEIÇOAMENTO DA PETIÇÃO EXCEPÇÃO INSUPRÍVEL MATÉRIA DE FACTO EXPOSIÇÃO IMPRECISA E DEFICIENTE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/20/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I- A ineptidão da petição inicial não dá lugar ao aperfeiçoamento, constituindo, em regra, exceção dilatória insuprível; II- Não há contradição entre o pedido e a causa de pedir se o Condomínio A. invoca, na petição inicial, que a Ré, construtora e promotora imobiliária do prédio dos autos, executou a obra com defeitos (vícios de construção ou má opção técnica) que enumera, pelo que, conclui, lhe cumpre eliminá-los de acordo com o previsto no art.º 1225 do C.C., o que pede a final; III- Se existe deficiência ou imprecisão na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, designadamente em matéria dos concretos defeitos cuja reparação se requer, é questão inteiramente distinta a justificar, quando muito, o convite ao aperfeiçoamento (art.º 590 do C.P.C.), mas que nada tem que ver com a ineptidão da petição inicial. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I- Relatório: A , em Lisboa, propôs, em 10.9.2021, contra B [ ….-Sociedade de Construções, Lda ], ação declarativa sob a forma comum, pedindo a condenação da Ré a eliminar os defeitos do prédio sito na Rua …, nºs …, em Lisboa, de que a mesma Ré foi promotora imobiliária, assumindo o projeto respetivo cuja aprovação submeteu à CML. Alega, para tanto e em síntese, que o prédio padece de vários defeitos que denunciou à Ré por carta de 2.3.2020, tendo esta aceitado a reparação de alguns deles, por cartas de 9.7.2020 e de 10.12.2020, e recusando outros, sendo certo que não veio a realizar qualquer reparação. Enumera, nos art.ºs 17º a 67º da p.i., os defeitos que cumpre à Ré eliminar, uma vez que constituem, segundo afirma, vícios de construção e más opções técnicas. Pede a condenação da Ré “a eliminar todos os defeitos do prédio, nos termos acima descritos na presente, e com o sentido e alcance aí evidenciados.” A Ré contestou, impugnando, no essencial, a factualidade alegada e requerendo a intervenção acessória de A.M.V.- Arquitectura e Design, Lda. Conclui pela improcedência da causa. Por despacho de 1.6.2022 foram as partes convidadas a pronunciar-se sobre “a eventual ineptidão da petição inicial, por ininteligibilidade do pedido, e contradição entre o pedido e a causa de pedir, nos termos do artigo 186º, nº 2, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil.” Pronunciou-se, em 17.6.2022, o Condomínio A., sustentando que não há contradição entre o pedido e a causa de pedir, tendo a Ré aceitado a existência de alguns defeitos enumerados no artigo 17º da p.i. e negado os demais enumerados nos artigos 18º a 71º, mas não tendo feito qualquer reparação, pelo que tem de ser pedida a eliminação de todos eles, cumprindo ainda fazer prova dos que não foram reconhecidos pela Ré. Nega, ainda, a ininteligibilidade do pedido, posto que os defeitos se encontram identificados, embora de forma densa, no articulado. Em 5.7.2022, foi proferido despacho que julgou improcedente a ineptidão da petição inicial por ininteligibilidade do pedido, nos termos do art.º 186, nº 2, al. a), e 3, do C.P.C., mas julgou verificada a ineptidão por contradição entre o pedido e a causa de pedir, discorrendo neste tocante do seguinte modo: “(…) conforme se mencionou supra, considera-se que poderá estar em causa, igualmente, uma contradição entre a causa de pedir e o pedido. Vejamos. Nos artigos 12.º e 15º da petição inicial, que acima se transcreveram, indica o Autor quais os defeitos que a Ré aceitou reparar. E no artigo 17.º da petição inicial, que se repete, devido à sua relevância, refere o Autor que: "Apesar de a R. não ter executado as correções dos defeitos que declarou aceitar, a A. admite que o fará, pelo que se vai limitar a reproduzir no pedido a condenação na sua eliminação de: a) Fissuras visíveis nas paredes das garagens; b) Empolamento da tinta na parede junto ao ponto de água no piso -1 por debaixo do Bloco 18; c) Anomalia existente no rodapé da sala do 1º A.". O próprio artigo 17.º da petição inicial é em si contraditório, porquanto refere o Autor que admite que a Ré fará as correcções dos defeitos que declarou aceitar, mas indica que pretende a condenação desta na eliminação dos defeitos que aceitou. Ademais, o Autor menciona que se "vai limitar a reproduzir no pedido a condenação na sua eliminação de. a) Fissuras visíveis nas paredes das garagens; b) Empolamento da tinta na parede junto ao ponto de água no piso -1 por debaixo do Bloco 18; c) Anomalia existente no rodapé da sala do 1º A.". Contudo, o Autor peticiona a condenação da Ré "a eliminar todos os defeitos do prédio", o que é manifestamente contraditório com a causa de pedir acima mencionada. Assim, se o Autor refere, conforme se mencionou, que se limitará a peticionar a eliminação daqueles três defeitos, mais tarde, quando formula o pedido, peticiona a eliminação de todos os defeitos do prédio. No que concerne a este aspecto, veja-se ainda o seguinte. O Autor, no requerimento datado de 17-06-2022, em que se pronuncia sobre a eventual ineptidão da petição inicial, refere que: "1- Não se vê qualquer contradição entre o pedido e a causa de pedir. 2- A causa de pedir está claramente identificada, designadamente nos artigos 1.º a 16.º; com as especificações resultantes da parte restante da Petição até ao artigo 71.º. 3- Ou seja, a Ré construiu um prédio urbano, que manifestou defeitos, os quais foram denunciados de forma clara (artigo 10.º), sendo que, Respondendo, a Ré aceitou a existência de alguns enumerados no artigo 17.º e negou os restantes enumerados nos artigos 18.º a 71.º. 4- Portanto, relativamente aos defeitos confessados entende o Autor que o Tribunal não deve ser obrigado a pronunciar-se ou a discuti-los. 5- Obviamente porque estão confessados. 6- Mas não foram objeto de reparação. 7- Logo tem de ser levado ao pedido a sua eliminação. 8- Quanto aos restantes, que não foram objeto de confissão por parte da Ré, tem que se julgar da sua existência, qualificação e se os mesmos dão lugar ou não ao direito à reparação.". Veja-se, desde logo, que o Autor vem agora trazer uma nova versão do que pretende com a petição inicial, uma vez que no pedido por si feito não distingue entre os defeitos que apenas quer ver eliminados e aqueles que quer ver também reconhecidos, qualificados e averiguados sobre se dão ou não direito à reparação, conforme agora explicita. Ademais, esta argumentação do Autor também não se mostra de acordo com o exposto no artigo 17.º da petição inicial. Quanto a esta questão, veja-se que "a ineptidão da petição inicial ou da reconvenção por contradição entre a causa de pedir e o pedido consubstancia um vício de raciocínio lógico que se traduz na circunstância de as premissas (causa de pedir) se mostrarem contraditórias com a conclusão (o pedido): - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 18-02-2016, relator Jorge Seabra, processo nº 7600/12.4TBBRG.G1,disponível in www.dgsi.pt. A petição inicial também é inepta quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir, nos termos do artigo 186.º, nº 2, alínea b) do Código de Processo Civil. Desta forma, entende-se que a petição inicial é inepta, sendo nulo todo o processo, ao abrigo do disposto no artigo 186.º, nºs 1 e 2, alínea b) do Código de Processo Civil. Ora, a nulidade de todo o processo consubstancia uma excepção dilatória, nos termos da alínea b) do artigo 577.º do Código de Processo Civil. Veja-se que esta excepção dilatória é de conhecimento oficioso (cfr. artigo 578.º do Código de Processo Civil). A verificação desta excepção dilatória conduz à absolvição do réu da instância (cfr. artigo 576.º, n.º 2 do Código de Processo Civil). Pelo exposto, julga-se inepta a petição inicial, declarando-se nulo todo o processo e, consequentemente, absolve-se a Ré da instância, nos termos das disposições legais acima referidas. Custas pelo Autor (cfr. artigo 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil). (…).” Inconformado, interpôs recurso o Condomínio A., apresentando as respetivas alegações que culmina com as conclusões a seguir transcritas: “ 1) A causa de pedir, nos termos do artigo 581.º, n.º 4, 2ª parte do CPC, é o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido. 2) A ineptidão da petição inicial decorrente da contradição entre o pedido e a causa de pedir pressupõe a ausência de nexo lógico entre a causa de pedir e o pedido formulado. 3) Não há contradição entre o pedido e a causa de pedir se na petição inicial foi demandado o promotor imobiliário, alegando-se a existência de defeitos em prédio urbano que este construiu e vendeu, os quais foram denunciados por escrito, reconhecidos em parte, embora sem reparação alguma, pelo que, o pedido foi formulado relativamente a todos os defeitos. 4) Detetando-se insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto deve a parte ser convidada a suprir tais deficiências, conforme o disposto nos artigos 6.º, n.º 2 e 590.º, n.º 2, alínea a), ambos do CPC. 5) A sentença que declara a ineptidão da petição inicial, por contradição entre o pedido e a causa de pedir, deve apreciar e declarar a insupribilidade da exceção, sob pena de violação da alínea a) do n.º 2 do artigo 590.º e do n.º 2 do artigo 6.º do CPC. 6) Mostram-se violados, por erro de aplicação, os artigos 577.º, al. b), 576.º, n.º 2, 186.º, n.ºs 1 e 2 e, por omissão, alínea a) do n.º 2 do artigo 590.º e do n.º 2 do artigo 6.º todos do CPC.” Pede seja revogada a decisão recorrida e determinado o prosseguimento dos autos. Não se mostram oferecidas contra-alegações. O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. * II- Fundamentos de Facto: A factualidade a ponderar é a que acima consta do relatório. * III- Fundamentos de Direito: São as conclusões que delimitam o objeto do recurso (art.º 635, nº 4, do C.P.C.). Por outro lado, não deve o tribunal de recurso conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso. Compulsadas as conclusões supra transcritas, cumpre apreciar se inexiste a assinalada contradição entre o pedido e a causa de pedir e se a exceção seria suprível ao abrigo do disposto nos art.ºs 6, nº 2, e 590, nº 2, do C.P.C.. Analisando. Dispõe o art.º 6 do C.P.C., sob a epígrafe, “Dever de gestão processual”, que: “1. Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável. 2. O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.” Por sua vez, de acordo com o disposto no art.º 590, nº 2, al.s a) e b), do C.P.C., no final dos articulados, o juiz deve providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias, nos termos do n.º 2 do artigo 6, e pelo aperfeiçoamento dos articulados. A ineptidão da petição inicial (art.º 186 do C.P.C. de 2013, que corresponde, sem alterações, ao anterior art.º 193 do C.P.C. de 1961) conduz à nulidade de todo o processo (art.º 186, nº 1), constituindo exceção dilatória de conhecimento oficioso (art.ºs 577, al. b), e 578 do C.P.C.). Nos termos do nº 2 do art.º 186 do C.P.C., a petição é inepta: “a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir; b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir; c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.” O vício respeitante à falta ou ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir (art.º 186, nº 2, al. a), do C.P.C.) será passível de superação se, tendo o réu contestado, se verificar que o mesmo interpretou convenientemente a petição inicial, ainda que tenha arguido a ineptidão com esse fundamento, caso em que não se julgará procedente a arguição (art.º 186, nº 3). Salvo esta, todas as demais situações de ineptidão serão, em princípio, insanáveis. A esta conclusão não obstará o disposto no nº 2 do art.º 6 do C.P.C. de 2013 (em parte correspondente ao anterior nº 2 do art.º 265 do C.P.C. de 1961) visto que ao juiz apenas cumpre providenciar pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação. Segundo António Abrantes Geraldes, ainda que no domínio do C.P.C. revogado([1]):“(...) a única situação de ineptidão que é passível de superação através de actuações processuais deriva expressamente do art.º 193, nº 3. No que concerne às demais situações de ineptidão são insanáveis, não cabendo, pois, ao juiz empreender qualquer diligência nesse sentido face ao disposto no art.º 265º, nº 2. (…).” José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre assinalam também como efetiva situação passível de sanação a constante da a) do nº 2 do art.º 186, face ao teor expresso do nº 3 do preceito([2]). Deste modo, compete ao juiz endereçar convite às partes para aperfeiçoar os seus articulados (art.º 590, nº 2, al. b)), mas apenas para estas suprirem irregularidades (art.º 590, nº 3) e insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada (art.º 590, nº 4). O que vale por dizer que a ineptidão da petição inicial não dará lugar ao aperfeiçoamento. A ineptidão da petição inicial persiste, assim, no C.P.C. de 2013, em regra, como uma exceção dilatória insuprível([3]). Revertendo para o caso em análise, desde logo retiramos que a eventual verificação de contradição entre o pedido e a causa de pedir sempre será insuscetível de sanação através do convite ao aperfeiçoamento, desta forma se respondendo ao segundo tema abordado no recurso. Mas, existirá, no caso, uma tal contradição? Cremos que a resposta é negativa, como defende o Condomínio apelante. Com efeito, na petição inicial o A. identifica, no art.º 17º, os (três) defeitos que a Ré terá declarado aceitar e enumera depois, de forma extensa e com remissão para documentos e fotografias, nos artigos 18º a 67º, várias outras “patologias do prédio”. Por sua vez, ouvido sobre a eventual ineptidão da petição inicial, veio o Condomínio A. esclarecer conforme transcrito na decisão recorrida: “(…) 1- Não se vê qualquer contradição entre o pedido e a causa de pedir. 2- A causa de pedir está claramente identificada, designadamente nos artigos 1.º a 16.º; com as especificações resultantes da parte restante da Petição até ao artigo 71.º. 3- Ou seja, a Ré construiu um prédio urbano, que manifestou defeitos, os quais foram denunciados de forma clara (artigo 10.º), sendo que, Respondendo, a Ré aceitou a existência de alguns enumerados no artigo 17.º e negou os restantes enumerados nos artigos 18.º a 71.º. 4- Portanto, relativamente aos defeitos confessados entende o Autor que o Tribunal não deve ser obrigado a pronunciar-se ou a discuti-los. 5- Obviamente porque estão confessados. 6- Mas não foram objeto de reparação. 7- Logo tem de ser levado ao pedido a sua eliminação. 8- Quanto aos restantes, que não foram objeto de confissão por parte da Ré, tem que se julgar da sua existência, qualificação e se os mesmos dão lugar ou não ao direito à reparação. (…).” Na verdade, e em bom rigor, o que a A. alega é que o prédio evidencia vícios de construção que à Ré incumbe reparar, e que foram oportunamente denunciados, sendo que, embora reconhecendo a existência de alguns (os indicados no artigo 17º da p.i.), esta não os corrigiu. Enumera, de forma extensa, nos artigos 18º a 67º, todos os demais defeitos que entende estarem verificados e conclui pelo pedido de eliminação de todos os existentes. Note-se que, na contestação, a Ré afirma que ficou “a aguardar indicações do A. para dar início às obras a que se obrigara, indicação essa que o A. ainda não deu” (artigo 2º), pronunciando-se, de seguida e circunstanciadamente, sobre os ditos vícios invocados nos artigos 18º e seguintes da p.i., cuja existência, no essencial, nega. Remata, depois, no artigo 53º daquele articulado: “À excepção dos defeitos que o R já se propôs reparar, conforme Doc. 10 da PI, os demais alegados pelo A. não existem ou não são defeitos.” Não se nos suscita, pois, qualquer dúvida, de que o A. assenta a sua pretensão na existência de diversos defeitos de construção no prédio dos autos que à Ré, enquanto construtora e promotora imobiliária, caberá reparar, invocando que à mesma os denunciou em tempo e que esta os não reparou, embora tenha reconhecido alguns deles. Daí, o pedido de eliminação de todos os existentes. É certo que o Condomínio A. refere no artigo 17º da p.i. que: “Apesar de a R. não ter executado as correções dos defeitos que declarou aceitar, a A. admite que o fará, pelo que se vai limitar a reproduzir no pedido a condenação na sua eliminação de: a) Fissuras visíveis nas paredes das garagens; b) Empolamento da tinta na parede junto ao ponto de água no piso -1 por debaixo do Bloco 18; c) Anomalia existente no rodapé da sala do 1º A.” No entanto, e apesar da deficiente alegação, tendo em conta o teor dos restantes artigos bem como dos esclarecimentos prestados em 17.6.2022 a convite do tribunal, tal formulação não pode deixar de entender-se como reportada aos defeitos que a Ré admitiu reparar, mas não reparou, e não a qualquer autolimitação à sua pretensão, depois contrariada no pedido final, como se afirma no despacho recorrido. Na verdade, a única distinção que o Condomínio A. faz entre os vícios indicados no art.º 17º e os outros indicados nos artigos 18º e seguintes da p.i., suficientemente esclarecida no seu requerimento de 17.6.2022, é que os primeiros foram já aceites, extrajudicialmente, pela Ré (não se mostrando necessário fazer, por isso, a demonstração da sua existência) e os segundos são pela Ré impugnados (pelo que se impõe a prova da respetiva verificação). Não se vê, s.d.r., outro sentido útil na sucessão dos artigos da p.i.. O art.º 552, nº 1, al. d), do C.P.C., dispõe que o autor deve, na petição inicial, além do mais, “expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação.” Como explica António Abrantes Geraldes([4]), a propósito do conteúdo da petição inicial embora no domínio do anterior C.P.C. de 1961, aqui com plena atualidade: “(…) Não basta a invocação de um determinado direito subjectivo e a formulação da vontade de obter do tribunal determinada forma de tutela jurisdicional. Tão importante quanto isso é a alegação da relação material de onde o autor faz derivar o correspondente direito e, dentro dessa relação material, a alegação dos factos constitutivos do direito. Na verdade, na própria definição jurídico-processual, a causa de pedir é entendida como o «facto jurídico de que procede a pretensão deduzida» (art.º 498º, nº 4).(…).” E, mais adiante, sobre as características da causa de pedir, refere o mesmo autor([5]): “(...) é fundamental a alegação de matéria de facto, isto significando que devem invocar-se factos concretos, não correspondendo ao cumprimento do ónus que impende sobre o autor a simples referência a conceitos legais ou a afirmação de certas conclusões desenquadradas dos factos subjacentes. A causa de pedir é integrada pelo facto ou factos produtores do efeito jurídico pretendido e não deve confundir-se com a valoração jurídica atribuída pelo autor (...). A causa de pedir é consubstanciada tão só pelos factos que preenchem a previsão da norma que concede a situação subjectiva alegada pela parte.(…).” Ora, o Condomínio A. invoca na petição inicial que a Ré, construtora e promotora imobiliária do prédio sito na Rua …, nºs …., em Lisboa, executou a obra com defeitos (vícios de construção ou má opção técnica) que enumera, pelo que, conclui, lhe cumpre eliminá-los de acordo com o previsto no art.º 1225 do C.C., o que pede a final. Verifica-se, assim, que o A. baseou logicamente o pedido por si formulado, alegando factos concretos constitutivos do direito que se arroga e que justificam a sua pretensão, não se detetando qualquer contradição entre o pedido e a causa de pedir. Se existe deficiência ou imprecisão na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, designadamente em matéria dos concretos defeitos alegados, é questão inteiramente distinta a justificar, quando muito, o convite ao aperfeiçoamento (art.º 590 do C.P.C.), mas que nada tem que ver com a ineptidão da petição inicial. Do mesmo modo, a questão de saber se o Condomínio A. pode requerer a eliminação de todos os defeitos por si alegados é matéria que se prenderá com a legitimidade ativa e/ou com a procedência da causa, nada tendo que ver com os requisitos de uma petição inicial apta (cfr. art.ºs 5 e 552 do C.P.C.). Em suma, não pode concluir-se pela ineptidão da petição inicial e subsequente nulidade de todo o processo, absolvendo-se a Ré da instância, como se entendeu na decisão impugnada. Pelo que, e sem prejuízo dos poderes de gestão do processo que cabem ao tribunal (art.ºs 6 e 590 do C.P.C.), deve prosseguir a causa. As custas do recurso ficam a cargo do Condomínio apelante que obteve provimento na sua pretensão sem que a recorrida tenha contra-alegado ou, por qualquer forma, dado causa à decisão recorrida (cfr. art.º 527, nº 1, do C.P.C.). * IV- Decisão: Termos em que e face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e revogar a decisão recorrida que concluiu pela ineptidão da petição inicial e absolveu a Ré da instância. Custas pelo Condomínio recorrente. Notifique. * Lisboa, 20.12.2022 Maria da Conceição Saavedra Cristina Coelho Edgar Taborda Lopes _______________________________________________________ [1] “Temas da Reforma do Processo Civil”, 1997, Vol. II, pág. 67. [2] “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1º, 4ª ed., 2018, pág. 380. [3] Cfr. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, Almedina, 2018, Vol. I, pág. 222, e José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, 3ª ed., 2017, pág. 623. [4] “Temas da Reforma do Processo Civil”, 1997, Vol. I, págs. 173 e 174. [5] Ob. cit., pág. 177. |