Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1447/12.5TVLSB.L1-1
Relator: JOÃO RAMOS DE SOUSA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
TRATAMENTO MÉDICO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I–Em caso de insucesso de um tratamento médico-cirúrgico de natureza funcional-estética – e considerando que a obrigação do médico aqui é uma obrigação de resultado – , recai sobre o paciente o ónus da prova do vínculo contratual com o médico, dos factos demonstrativos do insucesso da terapêutica seguida, dos danos e sua extensão, bem como do nexo causal entre a intervenção médico-cirúrgica e aqueles danos.

II–E recai sobre o médico (ou a respetiva seguradora) o ónus da prova de que não decorre de culpa do médico o insucesso da terapêutica seguida e o agravamento da patologia de que o paciente já sofria quando foi submetido ao tratamento.

III–Não resulta exonerada a responsabilidade do médico e da clínica se o paciente, depois de ter recebido esclarecimentos sobre todas as dúvidas que se lembrou de colocar, veio a assinar uma cláusula de exclusão de responsabilidade na qual o médico apenas garante fazer o melhor por ela dentro das legis artis disponíveis, mas não poder garantir o sucesso da operação.

IV–Todo este regime da responsabilidade civil dos tratamentos médicos precisa de ser corrigido à luz da consideração da responsabilidade sobretudo objetiva, como mostram a análise económica do direito e a experiência legislativa dos países economicamente mais avançados.

(Sumário elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


O Tribunal de Instância Central (Lisboa), 1ª Secção Civel, J14, da Comarca de Lisboa absolveu ... ... (1º réu) e Clínica ... – ... ..., Actividades Médicas e Paramédicas, Lda. (2ª ré), do pedido de indemnização por danos patrimoniais (€ 5.073,23) e não patrimoniais (€ 150.000,00) deduzido por ... ... ..., pelos prejuízos consequentes de uma cirurgia plástica a que  submeteram a autora.

A  autora recorreu, pedindo que se altere a matéria de facto apurada, e se condene os réus no pedido.

Os réus pediram que se mantenha a sentença.

A seguradora ... Portugal, Companhia de Seguros, S.A. (3ª ré), admitida nos autos como interveniente principal passiva, também pediram a confirmação da sentença.

Correram os vistos. Cumpre decidir se há que alterar a matéria provada em 1ª instância e se, em consequência, os réus devem ou não ser condenados no pedido e em que montante.

Fundamentos.

Factos.

Provaram-se os seguintes factos, apurados pelo Tribunal a quo:

1.Factos provados da petição inicial.

1.–Em Maio de 2006, a autora tinha 27 anos de idade.
2.–A autora pensava que tinha o peito (mama) com volume excessivo relativamente à silhueta magra e esbelta do resto do corpo.
3.–Por ter assistido a um programa televisivo em que o primeiro réu falava da sua arte e de como contribuía para melhorar a beleza feminina, através da cirurgia plástica, designadamente, com implantes ou reduções mamárias, a autora decidiu consultá-lo.
4.–No dia 02.05.2006, a autora foi atendida em consulta médica pelo primeiro réu, nas instalações da segunda ré.
5.–Pagou pela consulta a quantia de €70,00.
6.–A autora pretendia reduzir o volume das suas mamas e concordou com o tamanho que foi proposto pelo réu.
7.–A cirurgia foi marcada para o dia 13.07.2006.
8.–Antes de fazer a mamoplastia, a autora tomou medicamentos descritos na prescrição médica de fls. 20.
9.–O preço total pago pela autora pela cirurgia foi de €4.750,00.
10.–A autora foi operada e teve alta no mesmo dia, seguindo as indicações do médico-cirurgião, primeiro réu, quanto aos medicamentos e cuidados de higiene.
11.–Apesar da medicação prescrita, a autora sentiu dores nos peitos no período pós-operatório.
12.–Como consequência da primeira operação, a autora foi submetida a nova cirurgia, em 15.09.2006.
13.–Mais tarde, a autora foi operada pelo réu em 13.05.2008.
14.–Antes e depois desta operação, a autora foi medicada pelo réu.
15.–A autora consultou outros médicos especialistas e gastou a quantia total de € 285,00.
16.–Na consulta realizada no Hospital da ... ... de ... ..., em Lisboa, no dia 20.02.2009, foi emitido o relatório médico de fls. 36 e 37, apontando para a necessidade de eventualmente serem realizadas duas intervenções.

17.–No seguimento dos atos médicos realizados pelo réu, no momento atual:
a.-A aréola da mama direita da autora ficou assimétrica, despigmentada e sem forma circular na parte inferior.
b.-Existe perda de sensibilidade em ambos os mamilos.
c.-Os mamilos, previamente à primeira cirurgia, já eram assimétricos, conforme fotografias de fls. 120, e no presente ao exame objetivo o mamilo direito com a estimulação torna-se proeminente.
d.-As aréolas não apresentam cortes, são assimétricas e têm cicatrizes, a aréola direita apresenta despigmentação irregular e o mamilo é excêntrico e posicionado inferiormente.
e.-As cicatrizes verticais encontram-se estabilizadas e são praticamente monocrómicas, embora alargada.
f.-Apresentam uma pequena deformação bilateral que faz parte da técnica cirúrgica de não prolongamento da cicatriz e que pode ser corrigida, se for caso disso; as cicatrizes verticais têm a mesma dimensão.
g.-As mamas da autora eram assimétricas no que se referia quer ao volume e forma (base de implantação e altura), quer às distâncias médio-claviculares aos mamilos, fúrcula esternal (linha branca) aos mamilos e médio-esternal aos mamilos.
h.-Nas hipertrofias mamárias e gigantomastias, as aréolas habitualmente encontram-se aumentadas por distensão devido ao volume e peso mamário. Quando se executa uma mamoplastia de redução as aréolas são reduzidas na sua dimensão para ficarem proporcionais ao novo volume mamário. No caso da autora, o mamilo esquerdo apresenta a dimensão previamente estabelecida pelo cirurgião; no referente ao mamilo direito, apresenta-se excêntrico localizado mais próximo do bordo inferior da aréola.

2.Factos Provados da contestação.

18.-Na primeira consulta médica realizada pelo 1º R. registou-se, como antecedentes pessoais relevantes, o facto de a A. ser portadora de anemia crónica ferropénica, pelo que tomava ferro com frequência.
19.-Face às queixas da A. o 1º R. apresentou-lhe como proposta de tratamento cirúrgico a realização de uma mamoplastia de redução.
20.-O 1º R. pediu os exames pré-operatórios de rotina: análises de sangue completas, electrocardiograma e ecografia mamária bilateral.
21.-Foi também entregue à A. um folheto explicativo da cirurgia a realizar, com as perguntas e respostas frequentemente colocadas.
22.-Foram feitas fotografias, tiradas medidas e prescritos os medicamentos para a A. tomar após a operação marcada para o dia 13 de Julho.
23.-A A. voltou à Clínica no dia seguinte – 14 de Julho – tendo sido retirados os drenos e os pensos.
24.-No dia 19 de Julho de 2006, a A. foi observada e consultada, para substituição dos “steristrip” – adesivos que cobrem os pontos.
25.-Nessa ocasião constatou-se que a aréola direita apresentava sinais de problemas circulatórios com necrose superficial.
26.-Foi novamente consultada no dia 21 de Julho para reavaliação da situação.
27.-Foram novamente substituídos os “steri-strip” e ficou determinado que seriam feitas avaliações mais frequentes com vista a controlar a zona de necrose parcial da aréola direita.
28.-Assim, a A. foi vista nos dias 24, 26 e 28 de Julho, sendo que em cada um dos dias foi feita limpeza e desinfeção da zona e aplicação de Rifocina (antibiótico tópico com efeito cicatrizante).
29.-No dia 2 de Agosto a A. foi observada, tendo sido retirados os “steri-strip” e constatada a existência de pequeno seroma à direita.
30.-No dia 17 de Agosto, a A. voltou à consulta, tendo sido verificada a saída de líquido seroso por uma pequena abertura na cicatriz vertical.
31.-Reobservada no dia 24 de Agosto, a A. apresentava uma pequena zona de esteatonecrose (gordura a desfazer-se), a qual se limpou cirurgicamente e fez- se pequeno penso.
32.-Procedimento que se repetiu nos dias 25, 28 e 30 de Agosto, 1, 4, 5, 6, 7, 8, 11, 12, 13 e 14 de Setembro.
33.-No dia 15 de Setembro de 2006 a A. foi levada à sala de operações onde, após anestesia local, foi feita a limpeza cirúrgica dos tecidos com esteatonecrose e encerramento por planos.
34.-A A. foi observada nos dias 16, 18, 21 e 27 de Setembro e em 9 de Outubro, para pensos de rotina, tendo então ficado tudo bem, ou seja cicatrizado e estabilizado.
35.-A A. voltou de novo à consulta de controlo habitual e de rotina em 12 de Dezembro de 2006, na qual se observou que a mama direita estava um pouco menor que a esquerda.
36.-Em 18 de Abril de 2007, fez uma consulta de rotina onde se observava um resultado da cirurgia da mama estável e, como sequela do problema circulatório da aréola direita, uma cicatriz de perda parcial dos tecidos desta aréola.
37.-A 11 de Julho de 2007 foi efetuada outra consulta de rotina apresentando-se a situação estacionária.
38.-Em 9 de Outubro de 2007 e porque a A. referiu pretender as mamas mais pequenas, foi feita uma reavaliação e sugerida, face a essa pretensão, a redução de ambas as mamas (um pouco mais na mama esquerda), através de lipoaspiração.
39.-Propôs-se, então, que, no mesmo tempo operatório, fosse revista a cicatriz da aréola esquerda, podendo-se, também, se a A. quisesse, fazer a lipoaspiração ao abdómen, ancas e coxas.
40.-Em 26 de Novembro de 2007 efetuou-se uma consulta para tirar dúvidas acerca da cirurgia proposta, tendo ainda sido sugerida outra alternativa que passava por uma lipoaspiração de ambas as mamas nos quadrantes externos, revisão das cicatrizes das aréolas e redução do diâmetro da esquerda para se aproximar simetricamente da direita.
41.-Nessa data foram feitas fotografias pré-operatórias e a cirurgia ficou marcada para 29 de Novembro.
42.-Esta intervenção acabou por ser cancelada atentos os valores de anemia que a A. apresentava.
43.-A operação foi marcada para 13 de Maio de 2008.
44.-Em 13 de Maio, foi feita nova redução mamária, conforme programação prévia, mas o 1º R. resolveu que seria preferível não fazer a revisão das cicatrizes das aréolas como previsto, pois obteria melhor resultado com enxerto colhido da zona inguinogenital.
45.-Informou a A., que recusou esta última proposta.
46.-No dia 14 de Maio de 2008 o 1º R. fez a consulta pós operatória para avaliar a situação, retirar o penso e dar indicações, tendo a autora reclamado por não terem sido intervencionadas as auréolas.
47.-Em 23 de Maio realizou-se nova consulta de rotina, na qual se mudaram os “steri-strip”.
48.-A A. teve consultas marcadas para os dias 17, 24 de Junho e 22 de Julho, às quais faltou sem avisar, assim como tinha consulta no dia 29 de Julho que contudo cancelou.
49.-Marcou e compareceu a uma consulta em 1 de Outubro, na qual numa atitude hostil informou o primeiro réu que não queria ser consultada, mas antes manifestar o seu desagrado pelo resultado das cirurgias realizadas.
50.-A ... Portugal assumiu a responsabilidade civil pelos atos, omissões e erros profissionais cometidos pelo primeiro réu em diagnósticos, prescrições ou aplicações terapêuticas e no decurso de tratamentos ou intervenções cirúrgicas, por contrato de seguro titulado pela Apólice no 0084.05.939300, de fls. 93 a 96, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

Factos provados da perícia médica (fls. 250).

Em face do relatório dos peritos médicos (fls. 250), provou-se também o seguinte:

1–A esteatonecrose é um processo que ocorre com frequência em cirurgias de redução da mama e trata-se de gordura que necrosa parcialmente e na maior parte das vezes não necessita de operação;
2–É adequado e correto fazer limpeza cirúrgica da zona;
3–A perda parcial dos tecidos da aréola direita é sequela de problema circulatório que esteve na origem da necrose;
4–Os processos de cicatrização não são iguais em todos os doentes, havendo doentes em que a cicatrização ocorre rapidamente e sem problemas, enquanto outros levam mais tempo e têm problemas;
5–Para a reconstrução de aréolas por perda parcial ou total dos tecidos é adequado, como solução possível (entre outras), o enxerto de pele da região inguinogenital;
6–A autora não ficou impossibilitada de amamentar por causa das cirurgias a que se submeteu;
7–O mamilo direito não é invaginado, apenas apresenta menor relevo em relação ao mamilo esquerdo devido à deformação areolar sequelar e porque já era de menores dimensões (diâmetro da base e altura) no estado pré-operatório;
8–Antes da primeira cirurgia, os mamilos já eram assimétricos;
9–As mamas têm volumes aparentemente idênticos e, a existir diferença, talvez a mama direita seja muito discretamente maior;
10–Na parte inferior de cada mama há uma pequena deformação bilateral que faz parte da técnica cirúrgica e pode ser corrigida;
11–As mamas antes da primeira cirurgia eram assimétricas e desalinhadas;
12–Na mamoplastia de redução, as aréolas são reduzidas na sua dimensão para ficarem proporcionais ao novo volume mamário, e no caso da autora o mamilo esquerdo ficou com a dimensão previamente estabelecida pelo cirurgião.

Factos Não Provados da petição inicial.

Da discussão da causa, não resultaram provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

1.–Quando a A. estava na Clínica da 2.a R., a mostrar as referidas análises ao 1º R., recebeu um telefonema de um médico amigo, seu padrinho.
2.–Pois, tinha deixado no consultório (Hospital dos ...) do clínico geral que consulta habitualmente, Dr. ... ..., cópia das análises para este conhecer e dar o seu parecer acerca do estado de saúde da A.
3.–Nesse telefonema o Dr. ... ... disse à A. que não poderia ser operada, nos dias mais próximos, porque as análises mostravam que padecia de anemia, e, que antes da operação deveria fazer o tratamento da anemia.
4.–Apesar do cirurgião, ora 1º R., não concordar com o veredicto do Dr. ... ..., a A. seguiu o conselho deste e não consentiu na operação na data que o 1º R. já tinha marcado.
5.–Depois de fazer o tratamento da anemia a A. voltou ao contacto com o 1º R., já com análises em boas condições, pelo que, foi marcada a cirurgia.
6.–Apesar da medicação prescrita, a A. sentiu dores pós-operatórias, nos peitos, que começaram por ser leves mas foram aumentando de intensidade, ao longo de cerca de três semanas.
7.–A A. manifestou, nessas consultas, ao 1º R., a sua preocupação face às dores que sentia,
8.–Tendo o 1º R. respondido, sempre, que era normal sentir dores após a cirurgia mas que isso iria passar.
9.–A causa das dores que a autora sentia, mais acentuadas do lado direito, derivavam de uma forte infeção que desenvolvera no corte feito no seio mamário do lado direito.
10.–Tal infeção, consequência do ato médico ocorrido no dia 13.07.2006, só seria debelada em 15.09.2006, através de cirurgia.
11.–A A., durante aquele período (13.07.2006 a 15.09.2006) sentiu imensas dores nas partes intervencionadas, sobretudo na zona do corte feito na zona infetada, na qual abriu um buraco.
12.–Do orifício aberto na cicatriz da mama direita saiu, durante os tratamentos a que a A. esteve sujeita, exsudado purulento (pus) e um corpo estranho ao organismo da A. que era, provavelmente, fio cirúrgico ou similar que, por negligência, foi deixado no interior da mama.
13.–Foram feitas várias sessões de tratamento, com pinça e tesoura, para purgar a mama e para extrair o fio denso que tinha sido deixado dentro da mesma.
14.–O referido orifício chegou a ter cerca de 4 centímetros e a mama apresentava hematoma, de cor roxo escuro, com alteração acentuada do seu formato.
15.–Para o 1º R. tudo o que estava a acontecer era “normal”, pois as coisas nem sempre corriam como era seu desejo.
16.–Por outro lado, o 1º R. garantia que iria fazer o tratamento adequado, sem mais custos para a A.
17.–Os tratamentos feitos pelo 1º R. consistiam, basicamente, no aperto da mama para fazer sair o pus e no puxar do fio denso para cortar e deitar fora.
18.–Foram tratamentos muito dolorosos para a A. porque foram sempre feitos sem anestesia alguma, “a sangue frio”.
19.–Só quando a paciente, ao fim de um mês, fez sentir que já não conseguia suportar as dores durante os tratamentos, o 1º R. disse que só com cirurgia conseguiria resolver o problema.
20.–A autora aceitou a decisão do 1º R. e, no dia 15.09.2006, ocorreu a cirurgia para extrair, de uma vez por todas, o fio que, durante várias sessões, vinha sendo puxado e cortado, a pouco e pouco, e que não permitia a cicatrização.
21.–No dia 15.09.2006, a A. esteve cerca de três horas e meia a pensar, sentir, ver e cheirar tudo o que se relaciona com o ato médico a que estava sujeita, sendo que tal facto foi muito desagradável e penoso para a A.
22.–Passado algum tempo e após a cicatrização da ferida, a A. constatou que a descaracterização dos seus seios se mantinha e que o tempo decorrido nada alterara.

23.–Com efeito, verifica-se ainda hoje:
– Que a mama direita ficou mais pequena do que a esquerda,
– Que as aréolas da mamas mostram cortes irregulares,
– Que o mamilo da mama esquerda tem o bico repuxado, alongado, e que o mamilo da mama direita ficou minúsculo, invertido, quando comparado com o direito, porque foi maltratado pelo 1ºR.
– Que as cicatrizes das duas mamas são muito largas, muito pronunciadas, com textura enrugada,
– Que o corte (cicatriz) da mama esquerda é mais comprido que o da mama direita,
– Que em cada mama há, na parte inferior, um papo bastante pronunciado, que impede o uso de roupa mais justa,
– Que as mamas perderam, entre si, o alinhamento horizontal, tudo conforme documento nº 9 (seis fotos) que se juntam.

24.–Assim, na consulta seguinte a A. pediu esclarecimentos ao 1º R. acerca das questões acima referidas.
25.–O 1º R. respondeu dizendo que ainda era cedo para se poder concluir que as anomalias referidas pudessem ser confirmadas, e, que a A. deveria acreditar mais nele porque, dizia, com o passar do tempo os tecidos orgânicos ganhavam mais estrutura, mais consistência, e convergiriam, naturalmente, para autocorreção.
26.–A A. esperou cerca de dois anos pela autocorreção do seu corpo, das partes intervencionadas pelo 1º R., sem que a previsão do 1º R acontecesse.
27.–O objetivo da terceira cirurgia plástica era o de corrigir todas as anomalias apontadas pela A. e que foram referidas.
28.–Hoje pode constatar-se que o 1º R. não conseguiu minimizar, sequer, uma das sequelas.
29.–O 1º R. perante os maus resultados das cirurgias insistia com a A, para voltar à sala de operações, pela 4ª vez.
30.–A A. propôs ao 1º R. que este aceitasse custear uma intervenção corretiva feita por médico que a A. escolhesse.
31.–Antes da primeira cirurgia, o primeiro réu garantiu à autora que os seios ficariam devidamente equilibrados e simétricos e que o resultado seria inteiramente do seu agrado.
32.–O réu garantiu ainda que o sofrimento da autora com a mamoplastia seria diminuto e que as cicatrizes resultantes dos cortes necessários para fazer a extração de tecido orgânico seriam quase impercetíveis.

Provaram-se todos os factos alegados na contestação bem como na réplica.

Análise jurídica.

Considerações do Tribunal recorrido.

O Tribunal a quo fundamentou-se, em resumo, nas seguintes considerações:

A autora recorreu aos serviços médicos do primeiro réu, na qualidade de cirurgião plástico, porque estava descontente com a sua aparência física, e pretendia reduzir o volume dos seios mamários, tendo concordado com o tamanho que lhe foi proposto, no seguimento da primeira consulta realizada em 02.05.2006.
Assim, o réu apresentou à autora uma proposta de tratamento cirúrgico mediante a realização de uma mamoplastia de redução e entregou-lhe um folheto explicativo da cirurgia a realizar, com as perguntas e respostas frequentemente colocadas.
A operação foi realizada em 14.07.2006 e, passados poucos dias, o réu constatou que a aréola direita apresentava sinais de problemas circulatórios com necrose superficial, verificando a existência de uma pequena zona de esteatonecrose (gordura a desfazer-se), que foi limpa cirurgicamente em sucessivos atos subsequentes. Foi necessário submeter a autora, em 15.09.2006, a uma nova intervenção, onde, após anestesia local, foi feita a limpeza cirúrgica dos tecidos com esteatonecrose e encerramentos por planos.
Posteriormente, nas consultas de rotina de 12.12.2006 e de 11.07.2007, foi constatado que a mama direita estava um pouco menor que a esquerda, tendo o réu realizado nova cirurgia para redução mamária à autora, em 13.05.2008.
De acordo com a factualidade apurada, terá sido a partir desta última cirurgia que a autora começou a reclamar, pois o réu não procedeu à revisão das cicatrizes das aréolas, como previsto, por considerar que o resultado seria melhor com enxerto colhido da zona inguinogenital, o que foi recusado pela própria paciente. E a autora faltou a uma série de consultas marcadas para Junho e Julho, tendo comparecido no dia 1 de Outubro de 2008 para manifestar ao réu o seu desagrado pelo resultado das cirurgias realizadas.
No domínio da responsabilidade contratual há uma presunção de culpa, ou seja, incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou que o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua (art. 799.1 do Código Civil). Acresce que, atenta a especificidade dos atos médicos, são os profissionais, com conhecimentos específicos e complexos na área, quem se encontra em melhor posição para afastar a culpa.
No contrato de prestação de serviços médicos, a jurisprudência tem entendido que o médico deve executar a sua técnica, esforçando-se pela correta aplicação das leges artis, e que cumpre satisfatoriamente a sua prestação se utilizar as técnicas e meios aceitáveis e adequados, com recurso às regras da arte clínica recomendadas, ainda que o resultado obtido seja inferior ao expectado (Acórdão do S.T.J. de 17.12.2002, Revista nº 4057/02, 6ª Seção, no sítio da internet identificado).
A jurisprudência tem entendido que está em causa uma obrigação de meios, e não de resultado, ainda que o resultado se possa afigurar praticamente certo (cfr. ac. da R.L., de 23-10-2007, no sítio do IGFEJ: a prestação do médico é por norma uma obrigação de meios, não o responsabilizando pela obtenção de um resultado, mas na circunstância de usar inadequadamente meios impróprios nos serviços que foi contratado prestar, exige-se que atue em conformidade com a diligência que a situação clínica do paciente determina, sem omissões de atos que a mesma imponha). Não há atos médicos isentos de risco, ainda que porventura o risco seja extremamente diminuto ou tão pequeno que ninguém pense que possa sobrevir. Há quem aponte casos excecionais em que sobre o médico recai uma obrigação de resultado, neles incluindo precisamente o da cirurgia plástica: são os dos exames laboratoriais, o da cirurgia plástica em que existe o compromisso de obter um certo resultado estético no paciente, o dos médicos analistas, radiologistas e odontologista, todos eles assumindo o encargo de obter um certo resultado, o caso de transfusão sanguínea em que o médico assegura a não existência de qualquer risco para o doente e os casos de vasectomia (cfr. Nunes, Manuel Rosário, em O Ónus da Prova nas Ações de Responsabilidade Civil por Atos Médicos, 2ª edição, pág. 53 e ss.).

Na situação em apreço, a autora não logrou demonstrar o seguinte:
– O réu garantiu que os seios ficariam devidamente equilibrados e simétricos e o sofrimento da autora com a mamoplastia seria diminuto, com as cicatrizes quase impercetíveis;
– As dores pós-operatórias começaram por ser leves e foram aumentando de intensidade ao longo de cerca de três semanas;
– A causa destas dores derivava de uma forte infeção que desenvolveu no corte feito no seio mamário do lado direito devido à existência de um fio cirúrgico ou similar deixado no seu interior por descuido;
– Por insistência da autora, que já não conseguia suportar as dores, o réu submeteu-a a nova cirurgia, em 15.09.2006, destinada a debelar a «infeção» e «extrair o fio que durante várias sessões vinha sendo puxado e cortado e que não permitia a cicatrização»;
– A terceira cirurgia, realizada em 13.05.2008, destinou-se a corrigir as anomalias causadas pelas anteriores intervenções;
– Como consequência direta e necessária das reduções mamárias realizadas pelo réu, a autora ficou a padecer das sequelas descritas no artigo 23º
dos factos não provados, que genericamente lhe diminuíram atributos físicos e a impossibilitaram de realizar o aleitamento materno.
Acessoriamente, a autora também não conseguiu provar que padecia de anemia que não aconselhava a realização da primeira cirurgia, por referência ao valor de 11,2 de hemoglobina (detetado na análise de 18.05.2006, a fls. 112), que foi considerado satisfatório para efeitos de operação, no relatório do exame pericial (a fls. 205 e 250).

Pelo contrário, provaram-se os seguintes factos aduzidos pelos réus:
– A autora recebeu um folheto explicativo das cirurgias a realizar, com as perguntas e respostas frequentemente colocadas;
– No período subsequente à primeira cirurgia, no seio direito surgiu um «pequeno seroma», ou «zona de esteatonecrose (gordura a desfazer-se)», que o réu tratou com limpeza e desinfeção por aplicação de um antibiótico em diversos tratamentos realizados em Julho, Agosto e Setembro;
– No dia 15.09.2006, a autora foi levada à sala de operações para ser feita a limpeza cirúrgica dos tecidos com «esteatonecrose» e encerramento por planos, tendo ficado tudo bem, isto é, cicatrizado e estabilizado;
– Por solicitação da autora, foi marcada nova cirurgia, em 13.05.2008, em que o réu efetuou nova redução mamária;
– Nesta intervenção, o réu decidiu que era preferível não fazer a revisão das cicatrizes das aréolas pois o resultado seria melhor com enxerto colhido da zona inguinogenital, o que a autora recusou.

Relativamente às intervenções e tratamentos médicos realizados pelo médico réu, apurou-se ainda o seguinte, conforme relatório elaborado no âmbito da perícia da especialidade de cirurgia plástica (fls. 250 e seguintes):

–A esteatonecrose é um processo que ocorre com frequência em cirurgias de redução da mama e trata-se de gordura que necrosa parcialmente e na maior parte das vezes não necessita de operação;
–É adequado e correto fazer limpeza cirúrgica da zona;
–A perda parcial dos tecidos da aréola direita é sequela de problema circulatório que esteve na origem da necrose;
–Os processos de cicatrização não são iguais em todos os doentes, havendo doentes em que a cicatrização ocorre rapidamente e sem problemas, enquanto outros levam mais tempo e têm problemas;
–Para a reconstrução de aréolas por perda parcial ou total dos tecidos é adequado, como solução possível (entre outras), o enxerto de pela da região inguinogenital;
–A autora não ficou impossibilitada de amamentar por causa das cirurgias a que se submeteu;
–O mamilo direito não é invaginado, apenas apresenta menor relevo em relação ao mamilo esquerdo devido à deformação areolar sequelar e porque já era de menores dimensões (diâmetro da base e altura) no estado pré-operatório;
–Antes da primeira cirurgia, os mamilos já eram assimétricos;
–As mamas têm volumes aparentemente idênticos e, a existir diferença, talvez a mama direita seja muito discretamente maior;
–Na parte inferior de cada mama há uma pequena deformação bilateral que faz parte da técnica cirúrgica e pode ser corrigida;
–As mamas antes da primeira cirurgia eram assimétricas e desalinhadas;
–Na mamoplastia de redução, as aréolas são reduzidas na sua dimensão para ficarem proporcionais ao novo volume mamário, e no caso da autora o mamilo esquerdo ficou com a dimensão previamente estabelecida pelo cirurgião.
No plano das provas, dispõe o art. 342.1 do C. Civil que, àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado, competindo a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado àquele contra quem a invocação é feita (nº 2 do mesmo art.).
Cada uma das partes tem o encargo de provar os factos de que depende a aplicação das normas que lhe são favoráveis.
A autora demonstrou a celebração de um contrato de prestação de serviços médicos, mas não conseguiu fazer a prova do cumprimento defeituoso, designadamente, a prática de atos médicos desadequados na realização das cirurgias, a omissão das intervenções necessárias em conformidade com os ensinamentos da «legis artis» e com os conhecimentos médicos e científicos.
Em primeiro lugar, as cirurgias de redução mamária levadas a cabo pelo réu tiveram um objetivo funcional – devido ao volume excessivo dos seios relativamente à silhueta magra do resto do corpo – e não puramente estético, inscrevendo-se por consequência no âmbito da obrigação típica de meios e não de um resultado.
Em segundo lugar, mesmo a entender-se que estaria em causa o resultado obtido, a autora não perdeu atributos físicos, relativamente à situação verificada antes da primeira cirurgia, pois os mamilos já eram assimétricos, e as mamas eram assimétricas e desalinhadas, aparentando à data da realização da perícia (oito anos depois) volumes aparentemente idênticos. Ou seja, a autora objetivamente não ficou com pior aparência, que seja visível.
Em terceiro lugar, o processo de esteatonecrose verificado é uma complicação ou risco frequente em cirurgias de redução da mama e não foi provocado por atos médicos inadequados ou falta de perícia na realização das intervenções, tendo pelo contrário sido utilizada a técnica mais conveniente para resolver o problema, através da limpeza cirúrgica da zona.
Em quarto lugar, a perda parcial dos tecidos da aréola direita surge como sequela possível desta necrose mas é suscetível de ser corrigida, pela técnica sugerida pelo réu, que foi recusada pela autora.
Por último, a autora não ficou impossibilitada de amamentar por causa das cirurgias realizadas pelo réu e, conforme já se referiu não perdeu atributos físicos.
A falta de demonstração dos elementos necessários para a verificação da obrigação de indemnizar acarreta a improcedência da ação.

Conclusões da recorrente.

A  isto, opõe a recorrente as seguintes conclusões:

A.–A A. e os R.R. estabeleceram um contrato de prestação de serviços, em que à A. apenas interessava o resultado: - redução do volume mamário e benefício estético dos seus peitos.
B.– O 1º R. propôs-se reduzir e reduziu o volume das mamas da A. mas não usou da “arte legis” mais adequada para beneficiar a A., em termos estéticos, pelo que com tal erro produziu cicatrizes e outras sequelas indesejadas e inesperadas, nos seios da A.
C.–A sentença recorrida não espelha, salvo melhor opinião, a prova carreada aos autos pela A., visto que em vez de condenar os R.R., como seria de concluir face aos factos realmente provados, os absolveu do pedido.
D.–Ficou provado que o 1º R., Dr. ... R..., nas instalações da 2ª R., procedeu a três intervenções cirúrgicas (em 13.07.2006, 15.09.2006 e 13.05.2008), bem como, por si ou por pessoa em sua substituição, a um quase sem número de tratamentos, com a finalidade de cumprir o contrato de prestação de serviços, acima enunciado.
E.–A A. alegou e provou, conforme abaixo de demonstrará, que tais intervenções se destinaram a fazer redução do volume mamário (primeira cirurgia), remoção da infecção (segunda cirurgia), correcção das imperfeições volumétricas e estéticas (terceira cirurgia); tudo conforme alegações que aqui da por reproduzidas.

F.–Aliás, sem usar o termo “infecção”, os R.R. reconhecem ao longo da contestação que o processo pós-operatório de 13.07.2006 não decorreu como era desejo de todos e que na consulta de dia 19.07.2006 (art. 33 da contestação) foi detectado:
- Que na aréola da mama direita havia problemas circulatórios, com necrose superficial (art. 34 da contestação).

G.–Mais reconheceram:
–Que em 02.08.2006 verificaram a existência de seroma (art. 37 da contestação), com saída de líquido por pequena abertura na cicatriz vertical (art. 38 da contestação);
–Que em 24.08.2006 existia esteatonecrose (art. 39 da contestação); ou seja que a infecção estava instalada e que apesar do tempo decorrido desde o início dos problemas circulatórios (19.07) se tinha agravado substancialmente.
H.–Todavia, apesar de A. também ter comparecido para consulta e tratamento, na Clinica 2ª R., nos dias 21, 24, 26, 28 de Julho/2006 e de, como acima referimos, no período de 13.07.2006 até 28.07.206 se somarem os males (pequena necrose mais seroma), os R.R., mesmo assim, acharam por bem prescindir de consulta e tratamentos à A. durante o período de 15 dias, entre 02.08.2006 e 17.08.2006 (art.s 36 e 37 da contestação e fls. 103 verso).
I.–Tal facto é, por si só, demonstrativo da incúria, desleixo, negligência, com que o tratamento da A. foi abordado.
J.–Dizem os R.R. que a esteatonecrose foi limpa “cirurgicamente” (sendo que este cirurgicamente só pode ter sido o que a A. designou por apertar, puxar e cortar tecido mamário necrosado, sem anestesia alguma) e feito pequeno penso (art. 39 da contestação); procedimento que se repetiu nos dias 26, 28, e 30 de Agosto e nos dias 1, 4, 5, 6, 7, 8, 11, 12, 13 e 14 de Setembro, sempre na sala de pensos (art. 40 da contestação).
K.–Porém, apesar da sucessão de tratamentos para debelar a infecção, durante um mês, a verdade é que tais tratamentos de nada serviram e acarretaram sofrimento, dor e angustia, desmesurado e desnecessário à A., tal como os depoimentos testemunhais provaram
L.–Pois, salvo melhor opinião, não é preciso recorrer a especialistas para concluirmos que o processo de tratamento, iniciado com necrose em 19.07.2006, que desenvolveu seroma (liquido, pus) e desembocou em esteatonecrose (tecido morto, com pus), que só resolvido por limpeza cirúrgica, profunda, no dia 15.09.2006, foi doloroso para a A.
M.–A situação “infecciosa” (necrose e esteatonecrose) só seria, realmente, resolvida no dia 15.09.2006 (art. 41 da contestação), quando o 1º R. tomou a decisão de, realmente, se preocupar com o estado clinico da A. e agir conforme a “legis artis” médica, o que, antes, havia olvidado.
N.–Em consequência da segunda operação a A. voltou às consultas nos dias 16, 18, 21 e 27 de Setembro e em 9 de Outubro, para pensos de rotina (art. 42 da contestação).
O.–Ora, salvo melhor opinião, tais factos demonstram que os R.R., designadamente, o 1º R., agiram de forma displicente, com o que provocaram sofrimento imenso, intenso, despropositado e desnecessário à A., ora recorrente.
P.–Bem como se provou que a alegada infecção da mama direita (art. 38 da PI) foi a causa maior das dores que a A. sentiu (depoimento gravado do Dr. ... ...).

Q.–Este facto resulta provado quer por admissão dos R.R. quando referem, como acima foi explicitado, a existência de necrose, seroma e esteatonecrose, quer porque a testemunha V... A... afirma:
-Que houve infecção (depoimento audível entre os 6,48 a 7,00, 7,15 a 7,50 minutos),
-Que viu a ferida infectada, e depois (depoimento audível entre os 9,48 a 10,20 minutos) explica o que é esteatonecrose (tecido morto), tecido sem vascularização, com pus, etc..., que tem de ser removido para curar e cicatrizar a ferida.
-Que a mama abriu e que tinha pus (depoimento audível entre os 16,38 e 22,30 minutos em que afirma ter visto pus e tecido preto).

R.–Também as testemunhas G... P... M... e R... F... puderam afirmar que a A. sofreu, dor e angustia, e sentiu que o resultado obtido não foi o que esperava:
–G... P... M...feriu que a A. teve sofrimento e que tinha vergonha do peito com que ficou (depoimento gravado e audível entre 8,00 a 8,54 minutos),
–R... F... afirma que a A. tinha uma aréola bonita e que ficou deformada, que o bico da mama esquerda ficou tipo repuxado, pelo que ficaram diferentes os bicos do peito, quando antes eram iguais (depoimento gravado e audível entre os 4,00 e 5,34 minutos), e ainda que no pós-operatório percebeu-se que algo correu mal, ela ia fazer o penso, parecia que tinha qualquer coisa a querer sair do peito, parecia uma linha (depoimento gravado e audível entre os 7,35 e 8,19 minutos), que a A teve alteração no comportamento psicológico e que perdeu atributos físicos com a intervenção (depoimento gravado e audível entre os 11,00 e 12,25 minutos).

S.–Daí que, da conjugação dos documentos levados aos autos e dos depoimentos acima referidos, a A. entenda que resultaram provados os factos referidos como Factos Não Provados da petição inicial nos pontos:
–nºs 5 a 7 (provado pelo documento nº 5 junto com a PI, datado de 11.07.2006, e por admissão dos R.R. no art. 30 da contestação),
–nºs 9 a 12 (provado pelo depoimento do Dr. ... ..., gravação acima referida, e pela admissão da existência de necrose, seroma e esteatonecrose, artigos 33 a 42 da contestação),
–nº 13, parte inicial, (provado por admissão dos R.R. nos art.s 33 a 42 da contestação),
–n.º 14, com excepção do tamanho do buraco (depoimento do Dr. ... ...),
–nºs 18, 20 e 21 (depoimento do Dr. ... A..., acima referido e ainda das testemunhas ).

T.–Deste modo, devem os factos acima referidos (nºs 5 a 7, 9 a 12, 13, 14, 18, 20 e 21), constantes dos Factos Não Provados da petição inicial, passar a constar dos Factos Provados da petição inicial.
U.–Por outro lado, o incumprimento do contrato que era o resultado prometido, que foi de as mamas da recorrente ficarem melhoradas esteticamente (tamanho e ausência de cicatrizes visíveis ou de outros defeitos), sem o que a A., ora recorrente, não se teria entregado nas mãos do especialista, ficou demonstrado e consta da sentença, designadamente, no relatado nas alíneas a, b, d, e, f e parte final da al.) h, do nº 17 dos factos provados.
V.–Assim sendo, dúvidas não podem restar que a A., ora recorrente, logrou provar matéria suficiente para que os R.R. sejam responsabilizados pelo incumprimento contratual e consequentemente lhe seja devida indemnização.
W.–Pois, salvo melhor opinião, cabia aos R.R. ilidir a presunção de culpa (art. 799 nº 1 do CC) demonstrar e provar, em audiência de julgamento, que agiram de acordo com os melhores requisitos técnicos e diligência profissional, e a verdade é que tal prova não foi feita, visto que em cirurgia/medicina estética/plástica não basta, não pode bastar, o alegado risco de algo correr mal.
X.–É certo, admite-se, que todo o corte feito no corpo humano pode resultar em infecção mas não é admissível, não é aceitável, que um especialista aborde o tratamento da infecção como o fez o 1º R., que obrigou a paciente a submeter- se a tratamento, sem anestesia alguma, durante cerca de dois meses, para debelar uma infecção.
Y.–E, sobretudo, quando, até para um médico médio, seria previsível que, ao fim de meia dúzia de tratamentos, nas dezenas que ocorreram, se deveria ter previsto que só uma limpeza cirúrgica, profunda, com anestesia local, como a ocorrida em 15.09.2006, seria capaz de resolver o grave problema que a A. apresentava.
Z.–Daí que não se possa aceitar que os R.R. não tenham agido com negligência e que, a final, os R.R. saiam absolvidos do pedido.
AA.–Tanto mais que, ao longo do disposto na sentença, se verifica que o Tribunal “a quo” compreendeu que houve incumprimento (alíneas a, b, d, e, f e parte final  da al.) h, do nº 17 dos factos provados), apesar de tal não ter passado para a decisão final.
BB.–Posto isto, dando-se por provados os factos acima referidos, deve a sentença recorrida ser revogada e os R.R. ser condenados no pedido.


Conclusões do 1º e 2ª recorridos.

Mas o 1º e 2ª recorridos concluem o seguinte:



Conclusões da 3ª recorrida

E por seu lado, a 3ª recorrida (seguradora) contrapõe o seguinte:

1)-No que diz respeito aos pontos 5 a 7 dos factos não provados entende a Recorrida que os fundamentos apresentados pela Autora não servem para abalar a decisão do tribunal a quo.
2)-O documento junto com a Petição inicial não tem qualquer relação com os factos e o que foi alegado artigo 30 da contestação não tem correspondência com qualquer um dos factos constantes nos pontos 5 a 7.
3)-Acresce que, estes pontos não podiam ser dados como provados, porque se encontravam em contradição com o que consta das anotações na ficha clínica e que aliás foi confirmado pelo depoimento do Dr. ... ... ....
4)-No que diz respeito à impugnação dos pontos 9 a 12 a Recorrida entende que os requisitos do artigo 640 do CPC não se mostram preenchidos e por essa razão a impugnação da matéria de facto não pode ser admitida, devendo o recurso, nessa parte, ser rejeitado.
5)-Ainda assim, o tribunal a quo em relação a estes factos fez uma ponderação de toda a prova careada para os autos, nomeadamente a documentação clínica, o resultado da perícia e a sua valoração sobre a razão de ciência das testemunhas.
6)-Quanto ao ponto nº 13, no entender da Recorrida não existe necessidade de dar como provado que foram feitas várias sessões de tratamento porque essa matéria já resulta demonstrada e assente dos factos dados como provados da contestação.
7)-Pelos mesmos fundamentos, deve improceder a impugnação do ponto 14, isto porque, dos pontos 23 a 49 dados como provados da contestação, consta uma descrição detalhada dos procedimentos e actos médicos a que a A. foi sujeita e os seus motivos.
8)-Por outro lado, nem a Autora consegue identificar o excerto em que a testemunha Dr. ... ... ... confirma o que vem alegado no ponto 14, o que só reforça que o tribunal andou bem quando entendeu que este facto tinha ficado por provar.
9)-Por último a Autora impugna os pontos 18, 20 e 21 com base no depoimento das testemunhas, mas as afirmações dos depoimentos das testemunhas não coincidem com os factos impugnados.
10)-Para além disso as testemunhas G... P... M... e R... F.. não são médicos, e a testemunha C... A... M..., enfermeiro que participou nos tratamentos, afirmou que a A. se mostrava colaborante.
11)-Assim, deverá julgar-se improcedente a impugnação da decisão da matéria de facto, mantendo-se todos os factos nos termos definidos pela sentença a quo.
12)-A Autora alega ainda que a sentença deu como provado o incumprimento do 1º Réu e para fundamentar a sua decisão, remete para factos que dizem exatamente o contrário.
13)-Outro aspeto focado no recurso é tentar demonstrar que o objetivo e fim da cirurgia era puramente estético, quando resultou provado - inclusive pelo que foi dito pelas testemunhas G... P... M... e R... F... - que o objectivo era reduzir tamanho e peso às mamas devido ao seu volume excessivo relativamente à silhueta magra do resto do corpo e também devido aos problemas na coluna que podiam advir do peso.
14)-Assim andou bem o Tribunal a quo na decisão que tomou e por essa razão a Recorrida dá como reproduzidas as conclusões a que este douto Tribunal chegou e que se dispensa de as transcrever.

Delimitação do objeto do recurso.
Salvo alguma questão de conhecimento oficioso, o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões do recorrente – arts. 608.2, 635.4 e 639 do CPC. São somente essas as questões que serão aqui apreciadas.
Há assim que decidir se devem ser dados como provados os factos referentes aos nºs 5 a 7, 9 a 12, 13, 14 18, 20 e 21 da matéria não provada da petição inicial.  E se daí resulta alguma alteração em matéria de direito, em particular quanto à responsabilidade civil dos réus.

Não há razão para alterar a matéria de facto.

A recorrente pede que se deem como provados os seguintes factos não provados da pi:
Arts. 5 a 7: provado  apenas o que consta do nº 7 dos Factos provados da pi. Esses factos não ficam provados pelo doc. 5 da p.i, que é apenas uma receita; e não resultam provados do art. 30 da contestação, que se refere apenas à declaração que a autora assinou e à preparação pré-operatória. A restante matéria é desmentida pela ficha clínica, conforme refere a sentença.
Arts. 9 a 14: idem, como resulta do depoimento do médico ... ..., que não foi explícito a respeito das alegadas infeções; faltou a este respeito diagnóstico médico e como refere o tribunal recorrido, trata-se de um processo pós-operatório naquela cirurgia, e não de uma infeção; os arts. 33 a 42  da contestação não têm o significado que a autora lhes atribui. A parte inicial do facto não provado 13 já consta da contestação (factos 24 a 48), onde foi dada como provada; o restante não consta admitido na contestação. O mesmo se diga do facto não provado 14.  Assim, provado apenas o que consta do art. 11 da pi e o que consta dos factos provados da contestação.
Arts. 18, 20 e 21: também não provado, por ausência de corroboração na ficha clínica ou em exame pericial; o depoimento de ... ..., não é específico sobre estas questões, além de que as testemunhas G... M... e R... F... não são médicos nem revelaram conhecimento especializado daquela matéria. E todos eles não coincidem com o teor destes factos.
Mas, sobretudo, a recorrente não especifica os pontos concretos dos depoimentos em que se baseia para considerar provados tais factos, pelo que o recurso da matéria de facto não pode ser admitido, conforme resulta do art. 640 do CPC.

Boas e más práticas médicas: um tópico da análise económica do direito.

As boas e as más práticas do tratamento médico são desde há muito um tópico da análise económica do direito, nos Estados Unidos e na generalidade dos países anglo-saxónicos. De facto, as acções de medical malpractice, com os correspondentes pedidos de indemnização contra médicos, há muito tempo que constituem um tema frequente de discussão nos tribunais norte-americanos. E, ao mesmo tempo, os prémios dos seguros de negligência médica atingiam valores astronómicos. 

Fala-se frequentemente numa explosão de litigação contra negligência nos tratamentos médicos. Mas pode perguntar-se se o verdadeiro problema é haver muita litigação por negligência médica, ou simplesmente haver muita negligência médica (v. Baker 2005  – ver abaixo as Referências). Para alguns, o verdadeiro problema não é o excesso de litigação, mas o excesso de casos em que as vítimas de erros médicos nem sequer se atrevem a recorrer aos tribunais para serem indemnizadas. E, na verdade, o que se diz é que, em consequência do sistema de sociedades médicas de responsabilidade limitada e do sistema de seguros de responsabilidade civil, os médicos escapam frequentemente à responsabilidade civil, pois transferiram para as sociedades e as seguradoras o pagamento dessas indemnizações.

E aqui entra a análise económica do direito.

Uma das principais contribuições da literatura da análise económica do direito neste campo foi o estudo empírico da crise de litigação da responsabilidade civil por negligência médica, que explodiu nos países do centro do sistema capitalista nos últimos 40 anos. Esta explosão levou à conclusão de que o sistema de responsabilidade civil por erros médicos era em si ineficiente e carecia de reforma. Assim, as atenções voltaram-se para as reformas possíveis deste sistema (Danzon 1998, Olsen 1999).

É que, nestas matérias, a teoria jurídica tradicional centrava as suas preocupações nos aspectos de igualdade das partes e do equilíbrio dos direitos de dois sujeitos abstratos – ou abstratamente considerados, sem se atender às diferenças de poder económico de uma e outra; mas a moderna análise económica do direito centra as suas preocupações no aspecto de eficiência económica; o aspecto do equilíbrio das partes mantém-se, mas fica agora reforçado do ponto de vista da realidade económica, dos custos de transação relativos e da força negocial (poder negocial) de cada contraente.

A análise económica do direito, em matéria de formação de contratos, desloca a questão das  medidas a tomar face ao comportamento dos indivíduos para as medidas a tomar face ao funcionamento do próprio sistema de justiça que é chamado a intervir em situações de conflito.

Esta análise crítica parte das considerações da teoria microeconómica das externalidades, das economias de escala e dos bens públicos. A análise jurídica torna-se assim instrumento da análise microeconómica.

Sobretudo, uma exigência da análise económica do direito é a eliminação dos regimes jurídicos economicamente ineficientes. Aqui, o dispositivo tradicional da formação dos contratos médicos revela-se economicamente ineficiente porque não contém um mecanismo suficientemente dissuasor da prática de ilícitos, antes premeia a prática desses ilícitos pela parte economicamente mais forte. Torna-se necessário restituir o equilíbrio das situações jurídicas.

Põe-se assim a questão não só de reparar a situação particular, o conflito que é levado à apreciação do tribunal, mas principalmente a questão de corrigir o sistema de justiça que intervém em situações de conflito.

Assim, a análise económica do direito não é uma qualquer teoria do direito:  é desde logo, e acima de tudo, uma prática crítica do direito.

Num mercado concorrencial, os interessados em contratar um serviço dispõem de alternativas contratuais. Mas o que se passa nos serviços de saúde é que frequentemente estamos aqui num mercado pouco ou nada concorrencial, oligopolístico ou mesmo monopolístico, em que o cliente/paciente não tem verdadeira alternativa de escolha do fornecedor/clínica/médico. Também há situações de informação assimétrica que põem ainda mais em questão as já de si frágeis condições de negociação dos contratos.
Esta segunda perda de eficiência do mercado resulta da informação assimétrica dos fornecedores e dos clientes: os fornecedores/médicos conhecem perfeitamente a qualidade dos bens e serviços que fornecem, mas os clientes/pacientes só têm uma vaga noção disso (este fenómeno foi descrito por Akerloff 1970, como o market for lemons, mercado dos “barretes”). Finalmente, uma terceira perda de eficiência resulta do poder negocial do fornecedor, que impõe cláusulas abusivas nos contratos padronizados.

Então o Estado, como regulador da sociedade intervém para estabelecer normas que restituam condições da igualdade negocial possível, por exemplo, entre uma seguradora e o dono de um automóvel, entre uma operadora de telecomunicações e os seus clientes, entre um banco e uma empresa que procura financiamento, entre uma clínica/hospital e o paciente que procura tratamento da sua doença. Se o fornecedor for uma grande empresa, como uma clínica médico-dentária cobrando preços elevados, decerto disporá de um serviço jurídico para lhe preparar determinados contratos-tipos, e incluir neles cláusulas sempre idênticas, estabelecendo a situação jurídica a seu favor: são as regras de responsabilidade civil e as cláusulas contratuais gerais do tratamento médico.

Se a razão de ser da responsabilidade médica for a compensação dos pacientes vítimas dos erros de diagnóstico e terapêutica, então o sistema não faz sentido do ponto de vista da eficiência económica (Danzon 1985). Então, esses pacientes serão compensados de forma mais eficiente e pacífica através de um sistema de seguros e de mediação arbitral. Que pagará a todas as vítimas muito mais depressa e muito mais eficientemente, independentemente da culpa dos clínicos e dos honorários dos advogados. Um sistema de compensação baseado na atribuição da culpa só fará sentido se se pretende estabelecer um sistema de  custos por erros profissionais, para dissuadir a sua prática pelos médicos e estimular o cuidado profissional.

É o que vemos no presente processo: a energia com que os réus médicos e a seguradora se defenderam da acção. Ao fim e ao cabo, não se trata de indemnizar a autora, trata-se de defender o prestígio da clínica ou hospital e dos médicos que tudo fizeram para a curar; e se o diagnóstico e a subsequente estratégia terapêutica adotadas não resultaram, isso deveu-se apenas a factores independentes daquele diagnóstico e terapêutica. Logo, podem ficar descansados os futuros pacientes: darão por bem pagos os tratamentos na clínica ou no hospital, públicos ou privados. Deste ponto de vista, a compensação da autora tem uma importância totalmente secundária.

A necessidade de um sistema de responsabilidade civil médica só se põe se os pacientes / consumidores não estão informados sobre a eficiência dos tratamentos feitos na clínica ou hospital, e se não houver um método objetivo de avaliar e publicitar essa eficiência.
Onde um método (administrativo) de controlo social da eficiência se torna eficaz, a responsabilidade civil vai-se esfumando, e com ela o método (jurídico) de solução dos litígios. Esses métodos alternativos de controlo social da atividade médica existem e podem ser cada vez mais importantes: são a qualidade do ensino médico e a acreditação social regular do médicos, por forma a excluir do sistema aqueles que se revelam menos capazes de exercer a profissão. O problema é que a profissão médica é extremamente avessa ao controlo dos seus colegas de profissão. E as Ordens dos Médicos (em todos os países com corpos diretivos eleitos exclusivamente pelos próprios médicos sem intervenção dos cidadãos, como se sindicatos fossem) são acusadas de encobri-los e não de controlá-los.

A verdade é que se no sistema de responsabilidade civil assente na culpa dos médicos existe uma informação assimétrica entre a seguradora e o paciente (de tal forma que quando o processo é proposto em tribunal, os advogados de ambas as partes não sabem qual será a decisão do tribunal, ela dependerá das contingências da prova a produzir na audiência), então o sistema levará por um lado o paciente a pensar duas vezes antes de intentar a ação, por causa das elevadas custas judiciais envolvidas neste tipo de processos, já para não falar dos honorários do advogado; então o sistema favorece o paciente de maior poder económico, que não se importa de correr os riscos de um demorado litígio que ele não sabe como acabará. Por outro lado, a seguradora contestará sempre a ação porque os custos que suporta são pouco significativos: tem um gabinete de contencioso bem montando, que não lhe traz despesas acrescidas com este litígio, e ainda tem a esperança de ser absolvida no fim. E finalmente, a clínica já pagou o prémio do seguro e só tem vantagem em tentar obter uma absolvição que lhe salvará o prestígio empresarial.

Ou seja: o sistema é ineficiente, afinal, porque nele não há incentivo aos acordos extra-judiciais entre as partes, antes se incentiva o aumento constante dos processos em tribunal.

É por isso que já nos anos 70 do século passado dois países do centro do sistema capitalista, a Suécia e a Nova Zelândia adotaram alternativas radicais à responsabilidade civil em matéria de erros médicos (Danzon 1998:630). As soluções aí encontradas optaram por um sistema de responsabilidade civil assente principalmente no risco, e em que a culpa tem uma papel praticamente insignificante.

Assim, na Suécia foi criado em 1975 um sistema de seguro de compensação aos pacientes, que consiste num contrato voluntário entre um consórcio de seguradoras reduzindo as barreiras da compensação às vítimas de erros médicos típicas do sistema de responsabilidade civil. Em consequência desse sistema, embora os pacientes ainda mantenham a possibilidade de instaurar ações de responsabilidade civil, a verdade é que essas ações foram na prática extremamente restringidas. Assim, a indemnização média por acidente médico foi de 3.800 US$ em 1987, e o máximo pago foi de 117.070 US$.  Mas as perdas dos pacientes foram largamente cobertas por seguros de acidente médico colaterais (Danzon 1998:631). O sistema elimina a investigação de culpa dos médicos e portanto qualquer consequência em matéria de reputação para a clínica.

Na Nova Zelândia foi criada em 1974 uma ACC, Accident Compensation Corporation, estabelecendo um sistema geral de compensação à vítimas baseado no risco, incluindo medical misadventures. Diversamente do que acontece na Suécia, aqui era necessário intentar ações de responsabilidade por acidentes, com base no risco. O sistema é financiado com impostos, sem discriminação das clínicas médicas. Os médicos não tinham incentivo para se oporem aos pedidos de indemnização, pois os pacientes que a ele recorriam ficavam impedidos de intentar ações de responsabilidade civil baseadas na culpa. Mas alguma insatisfação com o sistema por  um grande aumento de custos e a uma certa iniquidade nas compensações levou a uma reforma em 1992, no sentido de uma maior incidência de considerações de culpa nestes acidentes médicos.

A situação geral em Portugal.

Em matéria de responsabilidade civil por atos médicos, Portugal acha-se ainda na Idade da Pedra, pois passaram totalmente ao lado do legislador todas as questões que suscitaram um intenso debate jurídico e social no mundo capitalista avançado. Entre nós, ainda se cita a este propósito o disposto nos arts. 342 e 799 do Código Civil, normas modeladas sobre as noções genéricas de ónus da prova típicas das doutrinas jurídicas do século XIX, e do vetusto Código de Seabra. E a presunção e culpa do devedor assente no art. 799, faz lembrar a lógica jurídica antiga que a inspirou, com a ridícula diligência do “bom pai de família” do Direito Romano (como se o empresário/médico fosse algum pai de família a operar os filhos).

E, como se isso não bastasse, os tribunais superiores portugueses acabaram por estabelecer que a obrigação assumida pelo médico é de meios e não de resultado. Colenda doutrina. Plaudite cives. Mas de que médico estamos afinal a falar?  Estaremos a falar do João Semana que vai atender os doentes ao domicílio, frequentemente sem cobrar  nada e até dando-lhes os medicamentos de graça? Claro que não. Estamos a falar de um médico-empresário de serviços de saúde, que investiu milhões em clínicas / hospitais privados e equipamento caríssimo, e criou sociedades anónimas de responsabilidade limitada, contratando os melhores médicos saídos das faculdades de medicina. E que, ainda por cima, tem seguro de responsabilidade civil com uma seguradora que o livra de qualquer despesa por eventuais erros médicos. Assim, o maior risco em que a clínica/hospital incorre é o risco de perda de prestígio empresarial, se se vier a apurar que ela não conseguiu resolver  o problema do paciente a quem cobrou elevados honorários pela terapêutica que desenhou.

Aquela doutrina da obrigação de meios esquece assim que a questão aqui não é afinal uma questão de culpa, mas sobretudo uma questão de responsabilidade objetiva, responsabilidade pelo risco, largamente independente de considerações de culpa.

Abre-se assim o caminho favorito das seguradoras e dos seus advogados: O médico aplicou ou não como devia as melhores artes legis?  Esqueceu-se ou não do bisturi no estômago do paciente?  O paciente estava ou não sem esperança de cura quando foi à consulta?

Caminho que leva afinal à espantosa discussão que ocorreu no presente processo. Teremos, porém,  de percorrê-la porque a jurisprudência dominante assim o exige, com todo este conjunto de recriminações aos médicos, mas em que a defesa cabe afinal à seguradora –  única que acabará por pagar ou não as indemnizações à paciente.

Ao fim deste longo calvário processual, não admira que o bem estar social seja sacrificado no altar dos princípios de uma jurisprudência obsoleta, e da ineficiência de um direito correspondente a um mundo que há muito já deixou de existir.

Quando o paciente bate à porta de uma qualquer clínica, nunca sabe se ela está de todo interessada em analisar objetivamente o problema de saúde ou de bem estar social desse paciente: se está sobretudo interessado em praticar nele os actos cirúrgicos que mais receita lhe trazem, e com o menor risco de erros no tratamento. Se o seu objectivo fosse sempre analisar e resolver o problema de saúde ou de bem estar dele, a clínica muitas vezes aconselharia o paciente a optar pelo tratamento que para ele resultasse menos arriscado, e poderia até desaconselhar a intervenção cirúrgica. Por seu lado, o Estado exigiria aqui a intervenção de um médico terceiro, por exemplo de uma clínica pública, para confirmar o diagnóstico e dizer se era aconselhável ou não a operação, autorizando-a ou não. Esse médico lembra-lhe-ia os riscos e sofrimentos em que poderia incorrer, e inclusive a possibilidade estatística de esse tratamento se saldar por um malogro.  Mas o Estado confia nos privados, e a clínica dá ao paciente um papel/declaração para assinar, exonerando-a de responsbilidade pelos eventuais insucessos.  Enfim, a seguradora não está interessada em ressarcir efetivamente a vítima de um tratamento inadequado ou mal sucedido, mas sim em obter a absolvição da clínica, que por sua vez se preocupa apenas em defender o seu prestígio no mercado da medicina.

Mesmo que a intervenção cirúrgica seja coroada de sucesso, o paciente cedo pesará custos e benefícios, isto é, as despesas e sofrimentos sofridos contra as vantagens do resultado; e assim o tratamento significará para ele uma amarga desilusão. Porque, salvo em casos muito especiais, a intervenção cirúrgica não era aconselhável nem necessária, e o problema do paciente era sobretudo uma insatisfação psicológica centrada no seu aspeto físico. E portanto esse problema psicológico – apesar do “sucesso” da operação – não ficou solucionado, pelo que o paciente cedo voltará a bater à porta da clínica pedindo novos e mais caros tratamentos. Enfim...
Entremos, então, neste calvário.

Ónus da prova.

Recaía sobre  autora o ónus da prova do vínculo contratual com a clínica e os seus médicos, dos factos demonstrativos do prejuízo e do nexo causal entre a intervenção cirúrgica e aqueles danos.

Recaía sobre os réus (incluindo a seguradora) o ónus da prova de que o tratamento defeituoso da autora e o agravamento da patologia de que ela sofria não decorria de culpa da clínica  e seus médicos – art. 799.1 do Cód.Civil.

A sentença recorrida, citando M.R. Nunes (v. supra) refere que
Há quem aponte casos excecionais em que sobre o médico recai uma obrigação de resultado, neles incluindo precisamente o da cirurgia plástica: são os dos exames laboratoriais, o da cirurgia plástica em que existe o compromisso de obter um certo resultado estético no paciente, o dos médicos analistas, radiologistas e odontologista, todos eles assumindo o encargo de obter um certo resultado, o caso de transfusão sanguínea em que o médico assegura a não existência de qualquer risco para o doente e os casos de vasectomia (cfr. Nunes, Manuel Rosário, em O Ónus da Prova nas Ações de Responsabilidade Civil por Atos Médicos, 2.a edição, pág. 53 e ss.).

Mas depois observa que o que a autora aqui pediu não foi um resultado estético em sentido estrito, mas sim um objetivo funcional, pois considerava que tinha os seios mamários excessivamente volumosos.  Assim, não haveria aqui uma obrigação de resultado, mas apenas uma obrigação de meios. O médico/clínica não poderia ser responsabilizado pelo insucesso da operação.

Com isto não podemos concordar. O que a paciente pretendia era uma redução do volume dos seios mamários, pois “pensava que tinha o peito (mama) com volume excessivo relativamente à silhueta magra e esbelta do resto do corpo” – facto provado 2. A paciente queria ter um peito bonito e só foi consultar o médico porque assistiu a um programa na televisão em que ele “falava da sua arte e como contribuía para melhorar a beleza feminina através da cirurgia plástica, designadamente com implantes ou reduções mamárias” – facto provado 3.

O que a autora esperava é que graças à redução mamária ia ficar com um peito bonito na silhueta magra e esbelta do seu corpo.
O objetivo era funcional, mas não deixava de ser também estético. Também nos casos de análises clínicas e radiológicas, transfusões sanguíneas e vasectomias há obrigação de resultado (segundo a melhor doutrina e como reconhece o tribunal recorrido), e em todos eles o objetivo não é estético; é até puramente funcional.

É verdade que antes da operação, a paciente assinou uma declaração, doutamente preparada para exonerar o médico e a clínica de responsabilidade, e da qual constava expressamente o seguinte (fls. 119):
“Pelo presente documento confirma ainda que, apesar de lhe ter sido garantida toda a disponibilidade de meios técnicos e humanos ao alcance do cirurgião e da sua equipa, lhe foi dito de forma clara não poderem ser dadas garantias absolutas no que respeita ao resultado da cirurgia ou tratamento a realizar, atento o fato de a medicina não ser uma ciência exacta e as reacções de um organismo vivo não serem totalmente previsíveis.
Nesta conformidade, dá o seu consentimento para que seja realizado o tratamento ou intervenção cirúrgica e inclusive para que, em caso de necessidade, sejam tomados os procedimentos imprescindíveis à obtenção do melhor resultado possível atentos os conhecimentos actuais da medicina.” 

Mas esta cláusula de exoneração não pode ser atendida como tendo um valor absoluto, sabendo-se que foi assinada num momento de carência afetiva, com a vontade viciada pelo desejo de se submeter à operação e confiança absoluta no médico, prestigiado cirurgião plástico.

A este respeito, diz Shutte 1995:85:
A signed consent form does not give the doctor informed consent. It is merely a document representing evidence of informed consent. And that document is one of many forms of evidence likely to be considered in a law suit over informed consent.
The courts have repeatedly ruled that for most non emergency procedures a patient cannot give  informed consent unless he understands what the medical problem is, what is most likely to happen if it goes untreated; the different options available for treatment, and the likely benefits and drawbacks of  each possible treatment. All this requires an explanation on  the patient level of understanding.

Não bastava dizer que o médico ia fazer o melhor possível pela paciente, mas que não podia garantir o resultado porque a medicina não é uma ciência exata e as reações de um organismo vivo nem sempre são previsíveis. Antes do mais, era preciso dizer também à paciente os riscos e sofrimentos em que ela incorria em caso de insucesso, e as possibilidades estatísticas de esse insucesso ocorrer; e se a operação plástica era ou não indispensável ou sequer necessária face ao número de mulheres com as caraterísticas físicas da paciente e às tendências da moda; e que a redução mamária não lhe ia corrigir a assimetria que já existia: precisaria então de outra cirurgia plástica, com os inerentes encargos. Para o exonerar da sua responsabilidade, o médico deveria, por uma questão de ética profissional hipocrática, ter remetido a paciente para uma consulta de medicina plástica num organismo oficial, onde lhe pudessem ser dados esclarecimentos de todas as dúvidas por médico sem interesse na realização da operação – e principalmente se ela se justificava ou não.

Ou seja, esta cláusula só exonerava o médico e a clínica em caso de dúvida, isto é, se não se pudesse decidir que naquele tipo de intervenção cirúrgica o médico não assumia uma obrigação de meios ou de resultado.

Mas claramente, o que há aqui é uma obrigação de resultado. Assim, esta cláusula não exonera o médico e a clínica.

Temos, pois, obrigação de resultado, e ónus da prova a cargo dos réus. A clínica era responsável pelo eventual resultado imperfeito da intervenção cirúrgica, mesmo que tivesse tomado todos os cuidados para evitá-lo.

Assim, é de reformar a solução de direito dada ao caso pelo tribunal recorrido.

Com a matéria provada e na ausência de outros factos provados, a autora satisfez o seu ónus de prova.  Diversamente do que o tribunal recorrido observou, havia aqui uma obrigação de resultado, porque o que a autora pediu não foi uma cirurgia funcional e estética que lhe reduzisse o tamanho dos seios mamários para ficarem proporcionados “à silhueta magra e esbelta do seu corpo”. Pretendia acessoriamente um objetivo funcional, a redução do volume.

É certo que os sofrimentos de que padeceu resultaram do pós-operatório; e não perdeu atributos físicos pois os seios mamários eles já eram assimétricos e desalinhados; certo que, anos depois da operação, eles não ficaram com pior aparência visível fora da apresentação doméstica e íntima.

Mas o que a autora pretendia com a operação não era só redução mamária: era ficar com uma aparência bonita, proporcionada à silhueta magra e esbelta do seu corpo.

Puro engano quanto à redução: a autora já tinha um peito bonito, nem sequer  demasiado volumoso, e qualquer pessoa de bom senso lhe diria que era um erro alterar os atributos que a natureza lhe deu.  O tamanho do peito é uma questão de moda, e através da história da pintura, toda a gente sabe que nos inícios do século XX já esteve na moda um busto de adolescente, ao passo que hoje há gostos para tudo, mas predomina a preferência por um busto grande, justamente como a autora tinha.

O desalinhamento das mamas é uma situação frequente nas mulheres (como se pode ver no magnífico quadro da Maja Desnuda, de Goya), assim como o lado direito e esquerdo do rosto não são iguais, e o pé esquerdo frequentemente não é igual ao pé direito (mas ninguém se lembrou ainda de pedir uma cirurgia correctiva ao rosto ou ao tamanho dos pés). O que a autora precisava era de um conselho sensato.

Mas o médico cirurgião logo se prontificou a fazer tal operação. E, diga-se desde já, fez a intervenção cirúrgica com escrupuloso respeito das legis artes, e sem que se lhe possa apontar a mínima falta de cuidado e de perícia.

Só que, aceitando fazer a operação, o médico assumiu a responsabilidade por conseguir um resultado harmonioso dentro da melhor técnica médico-cirúrgica disponível, corrigindo as imperfeições que viessem a surgir após a intervenção.

E foi o que o médico inicialmente fez: procedeu a quatro intervenções cirúrgicas para corrigir os resultados, e propôs-se corrigir também a aréola mamária.

Evidentemente, se houve redução mamária, a aréola poderia ficar deformada, como o experiente cirurgião plástico não poderia deixar de saber, requerendo a seguir uma intervenção correctiva. Mas sem que a paciente tivesse de pagar por isso. Operação de que a paciente não tinha sido avisada.

Não se provou que a complicação pós-operatória resultasse de uma infeção. O processo de esteatonecrose  surgido é uma situação que surge com frequência neste tipo de operações, não podendo dizer-se que resultou de práticas inadequadas ou falta de perícia do médico que a tratou. Finalmente, não ficou impedida de amamentar, e se o seu receio fosse esse decerto não se teria submetido àquela operação antes de ser mãe.

Improcede portanto a ação parcialmente, mas o médico e a clínica são responsáveis pelos acertos de tratamento que ainda falta fazer.

Não há que arbitrar indenização por danos não patrimoniais (desgosto e sofrimento físico), pois o médico procedeu de acordo com as melhores legis artis, e a paciente ao sujeitar-se à operação, aceitou esses riscos, que não eram da responsabilidade do médico.

Tendo a autora, para a reconstrução da aréola direita, recusado o enxerto de pele da região inguino-genital que o médico lhe propôs, restava, entre outras soluções possíveis, uma tatuagem. Não querendo a paciente fazê-la na clínica em causa, justificadamente tendo em conta o conflito com o médico, resta apenas atribuir-lhe uma indemnização para o efeito, que equitativamente se fixa em € 3.000,00.

A seguradora é solidariamente responsável pela indemnização com o médico e a clínica, em consequência do contrato de seguro celebrado com eles – facto provado 50.

Referências
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Para uma introdução geral à análise económica do direito pode ver-se a obra basilar de Richard Posner, 2009, Economic  analysis of law, 748 pp., 7ª Ed. Aspen Publ., N.York. Também recente é  o livro de J. Harrison / J. Theeuwes, 2008, Law and economics. 552 pp., Norton, N. York. Igualmente útil é o livro de W.Z. Hirsch, 1999, Law and economics – an introductory analysis. 358 pp., Academic Press, London, N.York.  Duas boas aproximação aos direitos de raiz continental são H.-B. Shaefer / Claus Ott, 1991,  Manual de analisis economico del derecho civil, trad., 374 pp., Tecnos ed., Madrid, 1991, e Ejan MacKaay, 2013, Law and economics for civil law systems, 533 pp., Edward Elgar, Cheltenham, UK, 2013.
Uma útil coletânea de estudos é a de Donald A. Wittman, 2003, Economic analysis of the law. Selected readings, 338 pp., Blackwell Pub., Oxford, especialmente pp. 19-68.  Enfim, um enquadramento atualizado da análise económica do direito no pensamento jurídico pós-moderno pode encontrar-se em J.E. Penner, 2002, Textbook on jurisprudence, 272 pp., 4ª ed., Oxford Univ. Press, Oxford.
Sobre contratos padronizados, pode ler-se A.W.Katz, 1998, Standard form contracts, The Palgrave Dictionary of Economics and the Law, 3:503, Macmillan, London, 1998, e C.P.Gillete, 2004, Rolling contracts as an agency problem, Wisconsin Law Review, 2004. A.W.Katz, 1990, The strategic structure of offer and acceptance: game theory and law of contract formation, Michigan Law Review, 1990:215-295. T. Rakoff, 1983, Contracts of adhesion: an essay in reconstruction, Harvard Law Review 96:1174-1284. G.Akerloff, 1970, The market for 'lemons': qualitative uncertainty and the market mechanism, Quarterly Journal of Economics 84:488-500.  E finalmente, em Portugal, a extensa monografia de Fernando Araújo, 2007, Teoria económica do contrato, 1340 pp., Almedina, Coimbra, especialmente a pp. 460-474.

Nos Estados Unidos, a análise económica do direito tornou-se dominante nas maiores faculdades de direito nos últimos 60 anos – Harvard, Yale, Stanford, Chicago.  E também nos tribunais superiores.  Veio ocupar o primeiro plano na jurisprudência dos tribunais e desde logo no Supreme Court. Está agora a chegar às nossas faculdades de direito. O tema foi introduzido em Portugal pela revista Sub Judice, nº 2, Justiça e Economia: a análise económica do direito e da justiça, 1992.

Em suma:

Em caso de insucesso de um tratamento médico-cirúrgico de natureza funcional-estética –  e considerando que a obrigação do médico aqui é uma obrigação de resultado  – , recai sobre o paciente o ónus da prova do vínculo contratual com o médico, dos factos demonstrativos do insucesso da terapêutica seguida, dos danos e sua extensão, bem como do nexo causal entre a intervenção médico-cirúrgica e aqueles danos.
E recai sobre o médico (ou a respetiva seguradora) o ónus da prova de que não decorre de culpa do médico o insucesso da terapêutica seguida e o agravamento da patologia de que o paciente já sofria quando foi submetido ao tratamento.
Não resulta exonerada a responsabilidade do médico e da clínica  se o paciente, depois de ter recebido esclarecimentos sobre todas as dúvidas que se lembrou de colocar, veio a assinar uma cláusula de exclusão de responsabilidade na qual o médico apenas garante fazer o melhor por ela dentro das legis artis disponíveis, mas não poder garantir o sucesso da operação.
Todo este regime da responsabilidade civil dos tratamentos médicos precisa de ser corrigido à luz da consideração da responsabilidade sobretudo objetiva, como mostram a análise económica do direito e a experiência legislativa dos países economicamente mais avançados.

Decisão:

Assim, e pelo exposto, acordamos em julgar parcialmente procedente o recurso e,  revogando a sentença recorrida, condenamos os dois primeiros réus na indemnização de € 3.000,00 à autora por danos materiais, absolvendo-os do demais pedido. A ré seguradora (... Portugal, S.A.) é solidariamente responsável pela indemnização, em virtude do contrato de seguro celebrado.
Custas pelos réus, proporcionais à sucumbência, tendo em atenção o apoio judiciário concedido à autora a fls. 40-41.



Lisboa, 2017.04.26



João Ramos de Sousa
Manuel Ribeiro Marques
Pedro Brighton