Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA JOSÉ MACHADO | ||
Descritores: | SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL SINGULAR ART.º 16º N.º3 CPP | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/09/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | - O facto de o Ministério Público ter deduzido acusação em processo comum e tribunal singular, ao abrigo do artigo 16.º, n.º 3 do C.P.P., condicionando desse modo o limite máximo da pena concreta que pode ser aplicado aos arguidos após o julgamento, não tem como consequência que, nesse caso, possa ser aplicável a suspensão provisória do processo, como defende o recorrente. - Uma coisa é o limite da pena abstracta que permite a suspensão provisória do processo por forma a evitar que o arguido vá a julgamento e lhe não seja aplicada uma pena – que não pode ser superior a 5 anos de prisão. Outra coisa é o limite que resulta do uso pelo Ministério Público do disposto no artigo 16.º, n.º 3 do CPP – de não poder ser aplicado pelo tribunal ao arguido uma pena concreta superior a 5 anos de prisão, ainda que o crime seja punível com pena de prisão superior a esse limite. - O artigo 16.º, n.º 3, respeita à repartição de competência para julgamento entre tribunais em função da medida da pena concretamente aplicável no processo, condicionando a pena concreta, mas não altera a distinção qualitativa entre pequena e média criminalidade e criminalidade grave, que se reflecte na medida da pena abstractamente aplicável ao crime e é justificada por razões de protecção do bem jurídico. - Diversamente, o artigo 281.º do C.P.P. estabelece os pressupostos para a aplicação da suspensão provisória do processo com base na pena abstractamente aplicável, sendo através da pena abstracta que o legislador, por assim dizer, pesa a gravidade do crime, distinguindo qualitativamente os segmentos da criminalidade – desse modo delimitando os segmentos da criminalidade a que se aplica o dito instituto, independentemente da pena concreta que pudesse vir a ser aplicada. - O limite da pena que resulta do uso do artigo 16.º, n.º 3do C.P.P. não pode, pois, servir de fundamento para a suspensão provisória do processo prevista no artigo 281.º do mesmo Código até porque esse limite só se verifica com a dedução da acusação por crimes cuja moldura penal em abstracto é superior a 5 anos de prisão, porque o Ministério Público só então faz uso desse preceito legal. - Apesar de não ser de excluir a abertura da instrução apenas para obter a suspensão provisória do processo, realizar-se esta fase, em que obrigatoriamente tem lugar um debate instrutório, quando aquilo que o recorrente pretende é legalmente inadmissível, não deixa de se traduzir num acto inútil, que a lei processual proíbe nos termos do art.º 130.º do CPC aplicável ex vi art.º 4º do C.P.P, sendo inadmissível o requerimento de abertura da instrução. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório 1. Nos autos de inquérito supra referido o Ministério Público deduziu acusação , em processo comum e com intervenção do tribunal singular, ao abrigo do artigo 16.º, n.º3 do Código de Processo Penal (doravante designado C.P.P.) imputando aos arguidos ES , DM , JM e FS , melhor identificados nos autos, a prática, em concurso efectivo, de dois crimes de roubo agravado p. e p. pelos artigos 210.º n.ºs 1 e 2 , alínea b) e 204.º n.º2, alínea f) do Código Penal. 2. O arguido DM requereu a abertura da instrução, nos termos constantes de fls. 178 e ss. (do processo principal) invocando a verificação dos pressupostos para a aplicação da suspensão provisória do processo e pugnando pela aplicação desse instituto mediante o cumprimento de injunções e regras de conduta. 3. Sobre esse requerimento a Sra. Juíza de instrução proferiu despacho, a 29.10.2020, mediante o qual rejeitou a abertura de instrução, por legalmente inadmissível, nos termos do artigo 281.º n.º, a contrario sensu, do C.P.P. 4. O arguido interpôs recurso desse despacho, nos termos constantes da motivação de fls. 8 a 15 (fls. 208 a 222 do processo principal), da qual extrai as seguintes conclusões: (transcrição) 1. O Despacho de que se recorre, não ponderou com rigor e exatidão todos os circunstancialismos que rodearam a prática dos factos pelo aqui Recorrente DM . 2. Com efeito, vem rejeitado o RAI com fundamento na inadmissibilidade legal do mesmo, por aplicação do art.281° do CPP a contrario sensu. 3. De acordo com o art.287°, n°3 do CPP, o RAI "só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução". 4. Não se verificando fundamento para sustentar a recusa do RAI com base em extemporaneidade ou incompetência do Meritíssimo/a Juiz, é arguida a inadmissibilidade legal da instrução com fundamento em que esta foi requerida para que se proceda à aplicação da suspensão provisória do processo, pelo que, não havendo lugar à aplicação deste instituto, tão-pouco haverá lugar à instrução, 5. Sucede que o RAI é indeferido sem que se proceda à averiguação da verificação no caso concreto dos pressupostos de aplicação do citado instituto, uma vez que, e na senda da douta jurisprudência a que se alude no presente articulado, "a instrução visa precisamente comprovar se se verificam ou não os pressupostos da suspensão". 6. Caso assim não seja, estarão a ser violadas as garantias processuais do Arguido e ainda, em nosso entender, o próprio direito fundamental à defesa, consagrado no art,32°, n°1 da Constituição da República Portuguesa, doravante CRP. 7. No que concerne ao thema decidendum aqui em análise, importa salientar que não poderemos concordar com o mui douto Despacho proferido pelo Tribunal a quo, na medida em que é controvertida a conclusão de que o referido instituto da suspensão provisória do processo apenas se poderá aplicar aos tipos de crime punidos com uma pena de prisão abstrata "não superior a 5 anos ou com sanção diferente da de prisão". 8. Com efeito, na esteira da boa doutrina de FERNANDO TORRÃO, com a qual concordamos, não existe diferença entre uma pena de prisão abstrata prevista, a montante, pelo legislador, e uma pena de prisão abstrata prevista, a jusante, pelo douto Ministério Público, sendo que, em rigor, ambas são penas abstratas, uma fruto do labor legislativo e outra do exercício de prognose elaborado pelo já citado Ministério Público. 9. Deste modo, não se vislumbram motivos para se tratar de forma diversa, situações que materialmente são iguais, o que, consequentemente, consubstancia uma manifesta violação do princípio da igualdade, previsto genericamente no art.13° da CRP. 10. É igualmente violado, pelo presente Despacho, o princípio da proibição do excesso, previsto no art. 18° da CRP, uma vez que se opta, nesta sede, por "soluções excessivas e desnecessárias", fazendo nossas as doutas palavras de ISABEL BRANCO. 11. Destarte, conclui-se que, seria suficiente para satisfação das exigências de prevenção, geral e específica, a aplicação ao Arguido, ora Recorrente, do citado instituto de suspensão provisória do processo e das consequentes injunções. 12. Em suma, o suprarreferido Despacho de 29.10,2020, do qual se recorre, violou, deste modo, o preceituado nos arts. 13°, 18° e 32° da Constituição da República Portuguesa. 13. Assim, entendemos que se justifica, por ser necessária, adequada e proporcional a aceitação do RAI deduzido pelo Arguido, ora Recorrente, e a consequente aplicação ao mesmo do instituto ínsito ao art.2810 do CPP, revogando-se o douto Despacho Recorrido. 4. O Ministério Público respondeu ao recurso nos termos constantes de fls.16 a 19 (fls. 226 a 229 do processo principal) pedindo a sua improcedência. 5. Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência total do recurso por concordar com os fundamentos de facto e de direito contidos na resposta apresentada pelo Ministério Público na 1ª instância. 6. Após exame preliminar, determinou-se a remessa dos autos à conferência, por o recurso aí dever ser julgado, nos termos do artigo 419.º n.º 3, al. b) do Código de Processo Penal (doravante designado C.P.P.). II – Fundamentação 1. Objecto do recurso A única questão que importa apreciar, tendo em conta as conclusões do recurso, que condensam as razões de divergência do recorrente com o despacho impugnado e que delimitam o seu objecto (art.º 412º, nº1 do CPP), é a de saber se deveria ter sido admitida a abertura da instrução para efeito de ser apreciado o pedido de suspensão provisória do processo formulado pelo recorrente. 2. Apreciação No requerimento de abertura da instrução apresentado pelo arguido/recorrente este apenas pretende a abertura da instrução para efeito de nela ser ponderada e aplicada, quanto a ele, a suspensão provisória do processo. O despacho recorrido, na parte que aqui releva, é do seguinte teor: (transcrição) «De harmonia com o disposto no art. 307,°, n,°2 do Código de Processo Penal, é legalmente admissível a aplicação do instituto da suspensão provisória do processo, em sede de instrução, verificados que estejam os legais pressupostos a que alude o art. 281.°, n.°l do Código de Processo Penal No que aos presentes autos concerne, muito embora o arguido não tenha averbado quaisquer condenações criminais (cfr. C.R.C, de fls. 59) a moldura penal abstracta do crime pelo qual se encontra acusado é de prisão de 3 a 15 anos, de acordo com o disposto no art. 210.°, n.° 1 e n° 2 al. B) e art. 204°, n° 2, al. F) do Código Penal. Nos termos do art. 281.°, n.° do Código Penal, a possibilidade da aplicação do instituto da suspensão provisória do processo refere-se a crime puníveis com pena de prisão não superior a 5 anos. A alusão da Lei processual penal a crime punível com pena de prisão não superior a 5 anos está a referir-se à moldura penal abstracta do ilícito e não, apesar de invocado pelo arguido no R.A.I., ao tecto definido pelo Ministério Público quando opta pela decisão de acusar fazendo uso da prerrogativa legal conferida pela norma ínsita no n.° 3 do art. 16.° do Código de Processo Penal. Afigura-se-nos que a aplicação de tal norma não tem a virtualidade de alterar a moldura penal máxima do crime abstractamente considerada, que continua, in casu, a ser de 15 anos, mas apenas de limitar, no seu máximo, a dosimetria da pena que, em concreto, venha a ser aplicada, a qual não pode ultrapassar os 5 anos, tendo, portanto, apenas efeitos na composição do tribunal e na fixação de limite máximo da pena aplicável. Nesta conformidade, pese embora o arguido tenha sido acusado em processo comum e perante tribunal singular ao abrigo do disposto no art. 16.°, n.°3 do Código de Processo Penal, não é legalmente admissível a suspensão provisória do processo - neste sentido, vide acórdão do V. Tribunal da Relação de Guimarães de 10 de Dezembro de 2007, processo 2168/07 - 2, apud acórdão do V. Tribunal da Relação do Porto de 26 de Abril de 2017, processo n.° 191/15.6SMPRT-A.P1, Desembargador Relator Horácio Correia Pinto, in www.dgsi.pt. Em suma, não estando reunido, desde logo, o pressuposto básico de admissibilidade de aplicação do instituto da suspensão provisória do processo, consignado no n.° 1 do art. 281.° do Código de Processo Penal, está subtraída ao tribunal a apreciação da verificação dos demais pressupostos, inclusivamente os que se prendem com juízos de prognose favorável relativamente à futura conduta da arguida (alíneas e) e f) do preceito legal em causa). Uma vez que o objecto do R.A.I. se ateve ao requerimento com vista à aplicação do instituto da suspensão provisória do processo, não remanescendo para apreciação qualquer aspecto referente às razões de discordância do despacho de acusação, a que alude o nº 2 do art. 287.° do Código de Processo Penal, resta indeferi-lo, com fundamento na sua inadmissibilidade legal (cfr. art. 28l.°, n.°l, a contrario sensu, do Código de Processo Penal e 307.°, n.°2 do mesmo diploma legal). Em face do exposto, por legalmente inadmissível, de harmonia com o disposto no art. 281.°, n.°l, a contrario sensu, do Código de Processo Penal, rejeito o Requerimento de Abertura de Instrução apresentado pelo arguido DM .» A instrução, como fase intermédia entre o inquérito e o julgamento «visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento» (art. 286.°, n.° 1 do CPP). A instrução não visa colmatar insuficiências do inquérito nem substituir-se a este, antes permite que a actividade levada a cabo pelo Ministério Público durante a fase do inquérito possa ser comprovada por via judicial, traduzindo a consagração no nosso sistema da estrutura acusatória do processo penal, que encontra assento legal no artigo 32.°, n.° 5 da Constituição da República Portuguesa. Nos termos do art.º 287, nº1 do CPP a abertura da instrução pode ser requerida pelo arguido relativamente a factos pelos quais o Ministério Público ou o assistente, em caso de procedimento dependente de acusação particular, tiverem deduzido acusação e de acordo com o n.º 3 do mesmo artigo o requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução. A Jurisprudência tem vindo a considerar que, embora não pondo em causa os factos da acusação, é admissível o requerimento de abertura da instrução por parte do arguido apenas com o propósito de o respectivo juiz promover a suspensão provisória do processo (entre outros cf. Acórdão do STJ de 13/02/2008, processo n.º 07P4561; acórdãos da Relação do Porto de: 18/02/2009, processo n.º 0847495; 16/03/2016, processo n.º12931/13.3TDPRT.P1; e 26/04/2017, processo n.º181/15.6SMPRT-A.P1; acórdão da Relação de Coimbra de 30/01/2013, processo n.º68/10.1TATND.A.C1; acórdão da Relação de Lisboa de 15/01/2014, processo n.º 3132/10.3TACSC.L1-3; acórdãos da Relação de Évora de 29/03/2016, processo n.º 72/15.3JASTB-C.E1 e 6/11/2018, processo n.º139/17.3T9VVC.E1).[1] De acordo com tal entendimento não existiria motivo para rejeitar a instrução requerida pelo arguido/recorrente com fundamento na sua inadmissibilidade. Porém, o despacho recorrido de rejeitar o requerimento de abertura de instrução, por inadmissibilidade legal desta, não tem subjacente o entendimento de que não é admissível a instrução apenas para apreciar a suspensão provisória do processo. Antes assenta no facto de inexistir um dos pressupostos legais que permite a aplicação desse instituto, que tem a ver com a moldura legal da pena prevista para o crime imputado ao arguido que, no entender do tribunal recorrido, inviabiliza a apreciação dos demais pressupostos e faz com que nada haja para apreciar em sede de instrução tornando a mesma inadmissível, em virtude de o requerimento do arguido se limitar a essa questão. O recorrente discorda desse entendimento por considerar que do facto de o Ministério Público, ter deduzido acusação ao abrigo do disposto no artigo 16º, n.º 3 do C.P.P, resulta que ao arguido/recorrente não pode ser aplicada pena de máximo superior a 5 anos, que sendo uma pena abstrata ainda permite o juízo de prognose que está na base da suspensão provisória do processo. Vejamos: A suspensão provisória do processo mediante a imposição ao arguido de determinadas injunções ou regras de conduta é um instituto assente em critérios de legalidade, que visa obter soluções de consenso para a resolução do conflito penal no domínio da pequena e média criminalidade. A sua utilização é decidida pelo Mistério Público no inquérito ou pelo juiz de instrução na fase da instrução e visa “alertar o arguido para a validade da ordem jurídica e despertar nele o sentimento de fidelidade ao direito" (O inquérito no novo Código de Processo Penal, in "O Novo Código de Processo Penal. Jornadas de Direito Processual Penal", Almedina, 1988, pág. 75), sem necessidade de submeter o arguido a julgamento. Nos termos do n.º 1 artigo 281.º do C.P.P., só é possível a suspensão provisória do processo quando o crime que se indicia for punível com pena de prisão não superior a 5 anos ou com sanção diferente da prisão e quando se verificarem os demais pressupostos previstos nas suas alíneas a) a f). O primeiro requisito, portanto, para a suspensão provisória do processo é o de o crime não ser punível com pena de prisão superior a 5 anos. Trata-se de um limite que tem a ver a moldura abstracta da pena prevista para o crime indiciado que tem a sua razão de ser no facto de estarem causa crimes de pequena ou média criminalidade. Trata-se de um limite intransponível que obsta a que o Ministério Público ou o juiz se debrucem sobre a apreciação dos demais pressupostos, ou seja, se o crime é punível pena de prisão superior a 5 anos, já não pode ser ponderada a aplicação da suspensão provisória do processo. No caso dos autos o arguido/recorrente foi acusado pelo Ministério Público pela prática, em co-autoria, de dois crimes de roubo p. e p. pelo artigo 210.º nºs 1 e 2, alínea b) por referência ao artigo 204.º n.º 2, alínea f) do Código Penal. A moldura penal prevista para tal crime é a de prisão de 3 a 15 anos, o que não permite ponderar a aplicação da suspensão provisória do processo. O facto de o Ministério Público ter deduzido acusação em processo comum e tribunal singular, ao abrigo do artigo 16.º, n.º 3 do C.P.P., condicionando desse modo o limite máximo da pena concreta que pode ser aplicado aos arguidos após o julgamento, não tem como consequência que nesse caso possa ser aplicável a suspensão provisória do processo, como defende o recorrente. Uma coisa é o limite da pena abstracta que permite a suspensão provisória do processo por forma a evitar que o arguido vá a julgamento e lhe não seja aplicada uma pena – que não pode ser superior a 5 anos de prisão. Outra coisa é o limite que resulta do uso pelo Ministério Público do disposto no artigo 16.º, n.º 3 do CPP – de não poder ser aplicado pelo tribunal ao arguido uma pena concreta superior a 5 anos de prisão, ainda que o crime seja punível com pena de prisão superior a esse limite. O que se pretende com o artigo 16.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, é diverso do que se visa com o artigo 281.º, n.º 1, do mesmo diploma legal. O artigo 16.º, n.º 3, respeita à repartição de competência para julgamento entre tribunais em função da medida da pena concretamente aplicável no processo, condicionando a pena concreta, mas não altera a distinção qualitativa entre pequena e média criminalidade e criminalidade grave, que se reflecte na medida da pena abstractamente aplicável ao crime e é justificada por razões de protecção do bem jurídico. Por outras palavras: a posição do Ministério Público condiciona a pena concreta, mas não altera a moldura penal abstracta, ou, de outro modo, pela utilização da faculdade do artigo 16º, n.º 3 do C.P.P., não ocorre uma alteração da moldura abstracta do crime. Diversamente, o artigo 281.º do C.P.P. estabelece os pressupostos para a aplicação da suspensão provisória do processo com base na pena abstractamente aplicável, sendo através da pena abstracta que o legislador, por assim dizer, pesa a gravidade do crime, distinguindo qualitativamente os segmentos da criminalidade – desse modo delimitando os segmentos da criminalidade a que se aplica o dito instituto, independentemente da pena concreta que pudesse vir a ser aplicada. O limite da pena que resulta do uso do artigo 16.º, n.º 3do C.P.P. não pode, pois, servir de fundamento para a suspensão provisória do processo prevista no artigo 281.º do mesmo Código até porque esse limite só se verifica com a dedução da acusação por crimes cuja moldura penal em abstracto é superior a 5 anos de prisão, porque o Ministério Público só então faz uso desse preceito legal. A seguir-se a tese defendida pelo recorrente teríamos que a suspensão provisória do processo ficaria sempre dependente de o Ministério Público fazer uso ou não do disposto no artigo 16.º n.º 3 do CPP, nos casos em que estivessem em causa crimes puníveis com pena superior a 5 anos de prisão e, nesses casos, a suspensão provisória só seria possível no âmbito da fase da instrução. Ora, não foi essa a intenção do legislador quando em 1987 introduziu no sistema processual penal o instituto da suspensão provisória do processo nem o que está consagrado no C.P.P. actual quanto aos pressupostos da suspensão provisória do processo, que são os mesmos quer a suspensão ocorra no âmbito do inquérito quer na instrução e não depende da forma como é deduzida a acusação. Posto isto, não podemos deixar de concordar com o despacho recorrido, e com os arestos que o mesmo cita, de que, pese embora o arguido ter sido acusado em processo comum e perante tribunal singular ao abrigo do disposto no art.º 16. ° n.°3 do C.P.P., não é legalmente admissível a suspensão provisória do processo, porque os crimes de que o mesmo está acusado são puníveis com pena de prisão superior a 5 anos. Não se mostra, pois, violado o disposto no artigos 281º do CPP, nem os princípios constitucionais da igualdade e proibição de excesso contidos nos artigos 13º e 18º, n.º 2 da CRP. Apesar de não ser de excluir a abertura da instrução apenas para obter a suspensão provisória do processo, realizar-se esta fase, em que obrigatoriamente tem lugar um debate instrutório, quando aquilo que o recorrente pretende é legalmente inadmissível, não deixa de se traduzir num acto inútil, que a lei processual proíbe nos termos do art.º 130.º do CPC aplicável ex vi art.º 4º do C.P.P. Assim, não pode deixar de se concluir, tal como o tribunal recorrido, pela inadmissibilidade do requerimento de abertura da instrução. Termos em que o recurso não merece provimento. Porque decai totalmente no recurso, o arguido é responsável pelo pagamento da taxa de justiça e dos encargos a que a sua actividade deu lugar, nos termos dos artigos 513.º e 514.º do C.P.P e do Regulamentos das Custas Processuais e sua tabela III (DL n.º 34/2008 de 26/02). III - Dispositivo Pelo exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção deste Tribunal da Relação em, na confirmação do despacho recorrido, negar provimento ao recurso interposto pelo arguido DM . Custas a cargo do recorrente, com 3UC de taxa de justiça. Lisboa, 9 de Março de 2021 (processado e revisto pela relatora) Maria José Costa Machado Carlos Manuel Espírito Santo [1] Em sentido divergente cf. Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código de Processo Penal, 2ª edição actualizada, p.750 e 751) que inclui a instrução requerida com vista à aplicação ou rejeição da suspensão provisória do processo nos casos de inadmissibilidade legal da instrução. |